sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A secretária de estado e a América Latina - por Argemiro Ferreira

http://argemiroferreira.wordpress.com/2008/12/13/a-secretaria-de-estado-e-a-america-latina/

Em causa própria - por Luis Nassif

No Valor de hoje, o colunista Cristiano Romero trata de artigo de André Lara Rezende sobre a crise bancária.
Considera o artigo “brilhante”. Aliás, é curioso o fascínio que André exerce sobre o jornalismo. Passou bom tempo incumbido de encontrar uma saída para a Previdência Social. Uma jornalista do Estadão chegou a escrever que ninguém sabia nada sobre a proposta de André, apenas, que era brilhante. Não era. Pretendia resolver a questão da Previdência com ativos estatais - idéia do Plano K, do início dos anos 90, que ele próprio ajudou a torpedear. Detalhe: não havia mais estatais para garantir o "funding" do fundo previdenciário.
Romero certamente se impressionou com o texto preciso e o raciocínio lógico de André. Na hora de escrever seu artigo, no entanto, cumpriu o papel que lhe cabe: deixar as firulas de lado e concentrar-se nas idéias.
E o que emerge das idéias de André? Muito pouco. Apenas que a crise é profunda, não há mais viabilidade para bancos de investimentos e fundos de investimento. E que o governo tem dois caminhos para trilhar: fortalecer o setor privado ou o estatal.
No setor privado não haverá riscos de prejuízos futuros. No setor estatal, certamente haverá riscos de bilhões de prejuízos no futuro. É tudo.
Algumas observações:
1. André não é homem público, no sentido de pensar o que é melhor para o país. É um especialista em adaptar políticas públicas a seus interesses privados. É importante ter isso em mente antes de analisar qualquer proposta dele.
2. Foi um dos ideólogos da política monetária do início do Real, que lhe garantiu fortuna considerável. O preço foi a quebra do setor público e as sementes de uma crise bancária enorme que, mais tarde, custou bilhões do Proer. Além do nascimento de uma dívida pública que significou a maior transferência de riqueza da história do país para os gestores financeiros – dentre os quais, ele foi um dos mais bem sucedidos.
3. As sucessivas crises financeiras afetaram bancos privados e públicos e a culpa foi da falta de regulação e falta de transparência do Banco Central e dos demonstrativos de mercado.
4. Ele foi um dos economistas que impediu a transformação das empresas estatais em empresas públicas – isto é, com capital pulverizado em mercado e controladas pelos chamados fundos sociais. Em vez de empresas com governança, ajudando a consolidar um mercado de capitais modernos, teve-se, por exemplo, empresas adquiridas por Daniel Dantas. E ainda pretende se apresentar como um defensor do mercado. Só se for o mercado de favores.
Conclusão: já enriqueceu, já pode viajar levando cavalos de raça em aviões. Poderia poupar o país de outras jogadas lobísticas.

Por que no te callas, Aznar? - por Argemiro Ferreira

http://argemiroferreira.wordpress.com/2008/12/11/por-que-no-te-callas-jose-maria-aznar/
http://argemiroferreira.wordpress.com/2008/12/12/juan-carlos-aznar-e-mauro-santayana/

Dez anos e mais dez? - por Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa (Cartacapital)

Na véspera do décimo aniversário de sua primeira vitória eleitoral, em 5 de dezembro, Hugo Chávez marcou para o fim de fevereiro de 2009 um novo referendo com o qual tentará, mais uma vez, aprovar uma emenda constitucional que permitirá a reeleição presidencial sem limites.

Chávez explicou a emenda que eliminará o limite à reeleição. “Simplíssimo. Ninguém vai se confundir. Os que querem que Chávez seja candidato nas eleições de 2012 têm de dizer que sim e os que não querem dirão que não. Estamos iniciando este novo período histórico, que vai de 2009 a 2019, para a criação da República Bolivariana Socialista da Venezuela.”

Depois de celebrar doze eleições e referendos e respeitar seus resultados mesmo quando não foram inteiramente do seu agrado, o presidente não deveria ser acusado de pretender a ditadura. Mas parece acreditar, apesar de proclamar sua fé na democracia participativa, que seu povo e seu partido necessitam de um pai, enquanto o movimento bolivariano não ultrapassar literalmente a idade da maioridade, depois de vinte anos de seu governo.

A constitucionalidade da proposta é duvidosa. O artigo 345 da Constituição de 1999 proíbe a reapresentação de uma proposta de emenda no mesmo mandato presidencial. A reeleição ilimitada foi rejeitada em 2007, ao ser incluída no bloco A (juntamente com a extensão do mandato de seis para sete anos, voto aos 16 anos, ampliação de poderes e financiamento dos conselhos populares etc.) de um complicado projeto de reforma de 69 artigos constitucionais submetido a referendo em dezembro de 2007, cujos objetivos não ficaram claros para muitos eleitores.

Esse bloco foi derrotado pela estreita margem de 50,7% a 49,3% e Chávez parece acreditar que a reeleição, separada das outras propostas, teria mais chances de ser aprovada. Além disso, deve se sentir encorajado pelos resultados das eleições locais de novembro de 2008.

Apesar da derrota de governistas em alguns estados e cidades ricos e importantes, seu partido, o PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela), cresceu no interior e no cômputo total dos votos. Conquistou 63 municípios antes governados pela oposição, enquanto esta tomou apenas 25 das prefeituras antes chavistas.

Se esperar mais, as condições podem tornar-se menos favoráveis, dadas as dificuldades que poderão ser causadas pela queda (mesmo temporária) do preço do petróleo. E, mesmo que este não seja o caso, o chavismo será menos hegemônico na Assembléia Nacional depois de 2010. Hoje, o PSUV tem 141 dos 167 deputados e os demais estão próximos de suas posições, embora discordem em questões pontuais. Incluem os partidos Podemos (social-democrata, com seis deputados, o mais “oposicionista”), o PCV (Partido Comunista, cinco deputados), o PPT (esquerda histórica originada da antiga Causa Radical, cinco deputados), o NCR (quatro deputados, dissidentes chavistas) e o Movev (dois dissidentes chavistas, de orientação ecologista). Nas eleições parlamentares em dezembro de 2010, a oposição de direita dificilmente repetirá o erro de 2005, quando boicotou inteiramente o pleito para inutilmente tentar deslegitimar o processo. Deverá conquistar uma fatia do Parlamento, talvez suficiente para inibir a aprovação automática das propostas do governo.

A proposta de emenda constitucional foi formalmente apresentada pelos deputados do PSUV em 9 de dezembro. Os chavistas cantaram e dançaram ao som de ¡Uh, ah, Chávez no se va! por nove minutos, enquanto os líderes do Podemos, Ismael García, e do PPT, Wilmer Iglesias, que se recusaram a subscrevê-la, erguiam inutilmente as mãos para pedir a palavra. Iglesias chegou a tomar um megafone para se fazer ouvir. Quando finalmente puderam falar, García apontou a inconstitucionalidade da proposta, embora o governo alegue que, isolada, tal qual está sendo discutida, a emenda é nova.

A proposta deve ser votada no dia 18 e ainda necessita da coleta de 2,55 milhões de assinaturas (15% dos eleitores) para ser levada a referendo. Recebeu apoio do PCV, que prometeu ajudar a coletar as assinaturas, embora não haja necessidade disso. O PSUV tem 5,7 milhões de filiados, 2,5 milhões dos quais compareceram às primárias para seleção de seus candidatos às eleições de 2008. Mas, como seus pares de outros países, o PCV parece ter baixa resistência imunológica ao culto à personalidade e, evidentemente, tem como prioridade reconciliar-se com Chávez, que na última campanha o acusou de “contra-revolucionário”, com o PPT e outros setores da esquerda que o apóiam desde 1997. Tudo porque estes partidos ousam manter sua autonomia e disputar prefeituras com o PSUV: “A questão de fundo é que não reconhecem a minha liderança e, então, eu tampouco os reconheço. Eu me encarregarei pessoalmente de que desapareçam do mapa político venezuelano”, disse em comícios de seu partido.

A oposição já tem seu slogan para esta campanha: “Não, presidente, quatorze anos são suficientes”. Mesmo quem aceita a constitucionalidade da proposta pode dar atenção a esse argumento. Por mais que se discorde dos oposicionistas e se vejam pontos positivos no projeto político chavista, é preciso perguntar por que a liderança de um movimento que se diz democrático, participativo e socialista não pode ser confiado a outros indivíduos e por que seus partidários não podem admitir críticas da esquerda.

Essas atitudes podem ser responsáveis por boa parte das (limitadas) vitórias da oposição conservadora nas eleições de novembro. Muitos dos chavistas derrotados caíram pela vontade de eleitores que apóiam o governo, mas repudiam a corrupção ou incompetência de vários dos seus representantes que pretendiam a reeleição. Como um taxista de Caracas entrevistado pela BBC, que disse ter votado na oposição pela primeira vez em dez anos: “Continuo a apoiar o presidente, mas os prefeitos chavistas simplesmente abandonaram este bairro (23 de Enero, tradicional reduto chavista) e se dedicaram à corrupção. Precisamos de mão forte para combater a delinqüência”, afirmou.

Não é só a opinião da massa desorganizada. Em entrevista à revista espanhola El Viejo Topo de outubro, Marcela Máspero, líder da central sindical chavista Unete (rival da oposicionista CTV) e militante do PSUV, expressou o mesmo pensamento: “Nós, trabalhadores, coincidimos com o programa que o presidente Chávez expressa. Mas há um setor muito grande do governo que dirige o processo para o leopardismo, mudar para que nada mude, e são os principais violadores dos direitos dos trabalhadores e do povo. Aterroriza a esta nova casta burocrática que a classe trabalhadora se converta em sujeito histórico, porque isso acabaria com seus privilégios. Por isso anulam qualquer possibilidade de participação realmente independente”.

Boa parte da esquerda venezuelana e internacional dá mostras de que concorda com Chávez quanto à necessidade de sua permanência para aprofundar e consolidar as reformas socialistas. Depois do colapso dos partidos comunistas e da acomodação dos partidos social-democratas e trabalhistas ao neoliberalismo, o líder venezuelano passou a encarnar a esperança de um modelo capaz de promover medidas sociais sem cair no totalitarismo. Mas, ao obcecar-se com sua permanência e premiar seguidores em razão da fidelidade pessoal, o presidente esvazia de substância a sua proposta de radicalização da democracia, além de correr o risco de sofrer uma derrota desmoralizante. Do ponto de vista do sucesso de seu projeto, poderia ser mais proveitoso investir em torná-lo menos dependente de sua personalidade e preparar um sucessor digno.

Os torturadores de Abu Ghrabi, Guantánamo, etc. - por Argemiro Ferreira

http://argemiroferreira.wordpress.com/2008/12/18/os-torturadores-de-abu-ghrabi-guantanamo-etc/

Quem conspira contra o habeas corpus? - por Maria Inês Nassif (Valor Econômico)

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilberto Mendes, ao discursar na Câmara por ocasião dos 40 anos do malfadado Ato Institucional nº5, um instrumento de força que deu ao regime militar poder de vida e morte sobre os brasileiros, falou contra uma suposta articulação em favor da limitação do habeas corpus, garantia constitucional que o regime ditatorial jogou no lixo. "É fundamental que neste dia em que lembramos do AI-5, ressaltemos a necessidade de preservação do habeas corpus, não a sua limitação. O habeas corpus é a garantia dos direitos judiciais", disse o ministro. Em algum lugar da internet, é possível ler, junto com a "denúncia" de Mendes, a informação de que "no Congresso, parlamentares defenderam silenciosamente a limitação na concessão de habeas corpus depois que Mendes autorizou por duas vezes a libertação do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, durante a Operação Satiagraha".
Vai saber o que é uma "defesa silenciosa" - mas, no final das contas, a "denúncia" de Mendes sugere que se entenda, como se verdade fosse, que ele se insurge contra setores antidemocráticos do Congresso que querem limitar o habeas corpus. Não existe nenhum movimento para reduzir as prerrogativas do STF ou os direitos individuais. O que existe é um grande desconforto em relação às suas "denúncias", decisões, ataques indiscriminados a outros poderes ou mesmo a instâncias inferiores da Justiça e à forma de confrontar autoridades.
Mendes libertou duas vezes o empresário Daniel Dantas, preso por ordem expedida por um juiz de primeira instância, e não pelo poder discricionário de um "estado policial". Antes, com igual eficiência, havia libertado presos das operações Anaconda, Hurricane e Navalha. Soltou os cachorros contra a Polícia Federal e contra o juiz Fausto de Sanctis, da 6Vara Federal Criminal de São Paulo, responsáveis pela prisão de Dantas, em defesa do preso - desqualificou, portanto, o trabalho do juiz e da polícia. Ameaçou punir o juiz. Foi alvo de manifestos nacionais em favor de seu impeachment e de outros tantos protestos contra sua decisão. Daí, muitas decisões depois, todo o mal-estar causado por uma aversão explícita a operações da Polícia Federal que resultaram em prisão de gente mais ou menos graúda é transformado num complô contra o instituto do habeas corpus, e o presidente do Supremo se apresenta como se fosse o único defensor de prerrogativas constitucionais.
Para que não paire qualquer confusão, observe-se o seguinte: setores que se envolveram seriamente na luta pela conquista das liberdades democráticas se insurgiram, sim, contra decisões do ministro Gilmar Mendes, mas por mais que se procure em conversas e arquivos não existe registro de qualquer movimento para reduzir o instituto do habeas corpus, como "denunciou" o presidente do STF. A insurgência foi contra atos seus, não contra o instituto. Não existe uma conspiração contra a democracia. E Mendes está longe de ser o bastião das liberdades democráticas.
Aliás, preocupante é o anúncio do ministro, que também preside o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de que o órgão de controle do Judiciário estuda uma "resolução para fazer o acompanhamento de modo a ter uma retificação eventual dos fundamentos da prisão preventiva". Nesses tempos bicudos, isso não significa apenas mais uma forma de controle do presidente do Supremo sobre as prisões decretadas por juízes de instâncias inferiores. Significa que Mendes investe mais uma vez para controlar decisões dos juízes.
Para registro para a posteridade, vai em seguida uma pequena lista das "denúncias" e "protestos" do ministro: contra o "aparelhamento" do funcionalismo público (referência a uma suposta partidarização da PF); contra o "independentismo" da Justiça (não o seu, certamente, mas o dos juízes de primeira instância); contra a invasão da reitoria da UnB, em abril; contra o excesso de prisões preventivas; contra a opinião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que a absolvição do fazendeiro que seria o mandante da morte da missionária Dorothy Stang depunha contra o Brasil; contra a "espetacularização" da PF; contra as investigações sigilosas feitas pelo Ministério Público; contra as trocas de partidos por parlamentares; contra a lentidão da Justiça; contra o excesso de edições de medidas provisórias; contra o fato de o ministro da Justiça, Tarso Genro, não ter aprovado a soltura de Dantas ("Ele não tem competência para opinar sobre o assunto", disse); contra o fato de a ministra Dilma Rousseff ter opinado que crime de tortura é imprescritível ("Terrorismo também é imprescritível", afirmou ele, certamente apontando o dedo para a ministra, que militou, na época da ditadura, em um grupo armado); contra o que chamou de "estado policial", comparando-o à KGB; e contra o MST. De outro lado, considerou dentro da normalidade a intervenção do Judiciário em questões onde não houver consenso entre governo e oposição.
A lista de "competências" para opinar que se delega o presidente do Supremo, bem como a sua agressividade, tem colocado os demais poderes na defensiva. Enquanto Executivo e Judiciário recuam diante do presidente do Supremo, este avança sobre assuntos que não são seus. Confia que ninguém vai pagar para ver uma crise institucional.
Que Papai Noel presenteie o Brasil, em 2009, com uma democracia mais equilibrada. Aliás, com mais democracia. Quando um presidente de um poder se julga com mais poder do que tem, isso é subtração de democracia.

De Jesus a Marx, na morte da besta - por Rui Martins

Berna (Suíça) - Vai terminando o ano no qual se enterra, entre os escombros de bancos e empresas, o capitalismo selvagem, apelidado em Davos, onde foi concebido e parido, de neoliberalismo.

Tinha nascido de relações criminosas entre capitais esfaimados com empresas e políticos sem escrúpulos com o objetivo de transformar em lucros e dividendos tudo quanto o capitalismo tinha perdido desde o New Deal até a implosão soviética.

O capitalismo selvagem não trazia na testa o número 666 mas era, sem dúvida a Besta, anunciada no Apocalipse e confirmada no Capital de Marx. De vida curta, durou só 19 anos, teve crescimento acelerado, assumiu proporções imensas e foi extremamente destruidor. Ao morrer, abatido pela própria gula furiosa de um monstro ganancioso, que se alimentava da miséria, da desgraça, sem qualquer respeito por crianças, velhos e mulheres, a Besta do Capitalismo Selvagem ameaça, ainda agora, levar junto consigo para a cova milhões de inocentes seres humanos, vítimas do desemprego, do endividamento por crédito fácil mas implacável, da maldição do consumismo.

A devastação provocada pela Besta foi prefigurada por cataclismas profetizantes como terremotos e tsunamis assassinos em grande escala. Seu batismo foi comemorado com um festival de fogos de artifício de bombas sobre o Iraque e, como nas festas pagãs, centenas de milhares de pessoas foram mortas e sacrificadas no altar da Besta. Para saciar a voracidade da Besta, que, na primeira infância, se divertia com seus primeiros brinquedos nas bolsas de valores, tirava-se da boca do povo e da própria classe média tudo quanto fôsse possível em nome da racionalidade e economia na produção.

Conquistas sindicais duramente obtidas após dezenas de anos de lutas foram devoradas pela Besta em questão de minutos. Seu prato preferido era o de mastigar tudo quanto fôsse emprego certo e seguro para transformá-lo, ao defecar, em empregos precários, transitórios, temporários, inseguros. A Besta urrava pedindo lucros e estrangulava e devorava quem não conseguisse saciar seu apetite. Pouco antes de morrer, já cheirando o podre de sua decomposição, a Besta do neoliberalismo queria mais, queria todos trabalhando até os 70 anos, sem descanso no sábado ou domingo, para se ganhar mais e consumir o dobro. Apenas 19 anos de existência desvairada, mas tudo ou quase tudo se perdeu – seu lema principal era privatizar e reduzir o Estado a quase nada.

Felizmente, nem todos chegaram a obedecer as ameaças da Besta e seus sacerdotes formados nos EUA ou Europa, ainda apalermados com a morte da Besta, conseguiram salvar o que restava do Estado para evitar o pior, mas os estragos vão tornar difícil o Novo Ano.

Porém, como num conto mitológico que se renova numa outra representação no fechar e reabrir das cortinas do palco, a morte da Besta, cujo velório tem inspirado tanto temor, pode ser um belo presságio para a humanidade.

O culto e a adoração do lucro e do consumismo, como o do Bezerro de Ouro no Sinai, não podem mais nortear as economias das nações. O Estado, denegrido pela Besta como assistencialista, tem uma missão importante a cumprir nas sociedade humanas. O capital precisa ser produtivo e não querer se reproduzir só na especulação. Os bens não devem ser descartáveis mas beneficiar as necessidades da população sem necessidade de endividamentos.

Na tentativa de salvar o que restou da Besta, seus templos bancários, os donos do mundo mostraram haver muito dinheiro escondido. Dinheiro que nunca aparecia para socorrer povos sofrendo de calamidades, populações morrendo de fome, mas agora apareceu e não poderá mais desaparecer definitivamente como num passe de mágica.

Com o dinheiro com que se salvaram os bancos nos EUA e na Europa se poderia acabar com a fome e a miséria no mundo. Portanto, o mundo pode ser regido por outras leis que não o preço para os alimentos e os lucros sobre a miséria. Uma nova economia é possível, assim como foi possível se unir mesmo muitos países e indústrias em defesa do nosso planeta. Um outro mundo é possível, sem bestas, sem deuses, mas com solidariedade.

Quem sabe 2009, depois do entêrro da Besta do Neoliberalismo, vai sentir surgir a centelha de novas ideologias que, dentro de dois, três ou quatro milênios verão o nosso planeta sem famintos, sem miseráveis, sem agiotas, sem exploradores, sem gananciosos do lucro, numa outra fórmula de convívio econômico social, justa e solidária.

É tempo de Natal, de uma crença nascida na pobreza de uma manjedoura e tendo como atores um casal pobre e uma criança sem teto. A crença se deturpou e deu origem à riqueza e potência política, porém a idéia de um mundo mais justo nascido da pobreza perdura no inconsciente da humanidade. Porém é preciso não se adiar esse sonho para depois da morte ou num céu abstrato e tentar construí-lo aqui. Mesmo que sejam necessárias mais de mil gerações e que outras bestas surjam pelo caminho, tenho certeza de que os humanos sem ídolos, sem ícones, sem deuses e sem muletas construirão esse mundo.

A globo em defesa da elite branca de olhos azuis - por Lelê Teles

A Rede Globo, no Jornal Nacional, criticou o projeto que regulamenta cotas para alunos do ensino público, bem como para negros e indígenas: os Deficientes Cívicos. O jornalista dizia que não foi feita uma ampla discussão envolvendo a sociedade e que o imediatismo era eleitoreiro e irresponsável. Como um desastrado partidário da dialética, o Jornal Nacional ouviu duas pessoas: uma antropóloga, contrária ao sistema de cotas, e um deputado do PSB do Espírito Santo - que apareceu pela primeira vez em cadeia nacional -, também contrário às cotas. Qual debate? Ora, eu pergunto, se a Globo realmente tem interesse num debate amplo envolvendo a sociedade, acadêmicos e políticos, por que ela nunca promoveu uma discussão? Por que ela nunca patrocinou um debate no horário do besteirol Big Brother?

O fato é que o senhor Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo, é contrário às cotas, e sempre que pode externa isso em suas colunas, sempre com comparações de senso comum e exemplos pessoais inadequados. Veja a metodologia de discussão sobre cotas engendrada pelas Organizações Globo, sob o comando do senhor Ali Kamel: a antropóloga da USP entrevistada ontem disse que o sistema de cotas iria instituir a raça no Brasil, seja lá o que essa afirmação estapafúrdia queira significar, ela também disse que isso é obra de um governo às vésperas de uma eleição. Minha senhora, o sistema de cotas não é uma iniciativa deste governo, é resultado de uma intensa discussão entre a academia, movimentos sociais, movimentos negros etc. Aqui em Brasília a discussão foi encabeçada pelo antropólogo José Jorge (UnB), que deveria ter sido entrevistado pela Globo, porque está envolvido na discussão desde o seu início.
Por que a Globo decidiu pela antropóloga contrária às cotas? Por que ninguém tem coragem de dizer que as universidades federais brasileiras sempre operaram num sistema de cotas para brancos endinheirados? Por que ninguém tem coragem de dizer que a metodologia dos vestibulares visa beneficiar os alunos de escolas particulares?

A universidade surgiu no Brasil para servir à elite, que não queria mais mandar os seus filhos para Coimbra ou Londres! A USP, segundo o antropólogo Claude Levi Strauss, foi feita pelos barões de São Paulo para atender aos seus filhos; ali as aulas eram ministradas por sumidades européias em italiano e francês. Sempre se privilegiou a Europa no ensino de história, filosofia, literatura e artes em geral nas universidades brasileiras, como se não existissem correlatos na América Latina (cheia de Prêmios Nobels em literatura), na África ou na Ásia. Não é à toa que não se fala na contribuição árabe para a constituição do que é hoje o mundo ocidental!

A universidade é monotemática, não representa a diversidade brasileira, não traz as minorias para discussão e não enriquece o seu discurso com contribuições originais. É sempre mais do mesmo!

Por isso, os cursos de Nutrição têm disciplinas obrigatórias voltadas a emagrecer os ricos, e não têm disciplinas obrigatórias voltadas a engordar os pobres, como dizem; as faculdades de Agronomia têm disciplinas obrigatórias voltadas ao latifúndio e às monoculturas, nada em relação à agricultura familiar e de subsistência; há cursos de Publicidade nas Universidades Federais - o que é um acinte e um contra senso -, a quem irão servir esses senhores depois de formados?; os cursos de Literatura não falam em Literatura Africana, Latino Americana ou Oriental, somente se fala em franceses e ingleses; as Faculdades de Filosofia não falam dos continentes colocados como periféricos, só falam em gregos e troianos; os homens civilizados, que viviam em cidades enormes e com edificações maravilhosas na América Central, com cidades mais populosas que qualquer outra na Europa, ainda são descritos pejorativamente como índios.

Mas, como definir quem é negro, perguntam os racistas incautos. Eu sugiro uma metodologia muito simples: coloque na banca examinadora um PM, uma gerente de loja de um Shopping Center, um empregador que exige boa aparência, um diretor de televisão, uma mãe cafetina procurando um bom partido pra filha etc. Não faltam agentes sociais versados em identificar negros e discriminá-los. A hipocrisia é que cega a sociedade!

Por que não se fala na Lei do Boi, que garantia vagas nas universidades aos filhos de pecuaristas? Por que ainda acham que o vestibular, no modelo em que é feito, é a melhor maneira de escolher cidadãos críticos e inteligentes para pensar a sociedade?

Por que os vestibulares não são elaborados de acordo com o conteúdo programático das escolas públicas? É interessante para o país que as escolas particulares tenham se convertido em laboratórios onde se treinam jovens para passar no vestibular?

O modelo atual de vestibulares nos faz crer, e sobretudo àqueles que falam no mérito de se tirar uma nota cada vez mais alta para passar no vestibular, que garotos que passaram em primeiro lugar em Medicina ou Direito são futuros intelectuais, gênios prontos a servir à sociedade com soluções inovadoras e inteligentes. É como se a juventude formada em Direito e Medicina, pelas universidades federais, fossem a elite intelectual da nossa geração, profissionais de ponta na função que exercem. Por que o cara que consegue decorar a tabela periódica e as fórmulas de química, física e matemática; e decore datas, nomes de livros, vida de autores, perfil dos grandes vultos (tudo dentro da perspectiva monotemática e eurocêntrica de nossas academias), são os que têm o mérito de entrar para a academia e propor soluções inteligentes para o país, que faça um país cada vez melhor? Por que o cara que tem vocação pra ser Assistente Social, Educador, Filósofo, Historiador etc. tem que decorar a Tabela Periódica? Porque se não decorar as fórmulas de química e física, embora nunca vá utilizá-las, o cidadão não pode entrar na universidade!!! A maior parte do conteúdo estudado para o vestibular é decorado para uma finalidade, desvanecendo depois de cumprido o objetivo. Você que estudou numa federal há mais de dez anos, volte lá e faça vestibular para o mesmo curso que você passou, sem ter que entrar num cursinho para lembrar aquelas coisas todas que meteram na sua cabeça e você nunca mais ouviu falar. Porque as leis da física são as mesmas, Napoleão não fez nada de novo, a tabela periódica tem a mesma configuração, as regras gramaticais continuam inalteradas etc. O que mede o vestibular? O que é mensurado ali?

As cotas vão diminuir o nível das universidades? Qual nível? De que universidades? Que pesquisas comprovam isso? Recentemente a UFBA (Universidade Federal da Bahia) fez uma pesquisa e constatou, por meio de números, que não há diferença de rendimento entre alunos cotistas e não cotistas; os números revelam inclusive que no quesito freqüência, os alunos cotistas estão em vantagem, são mais assíduos. Não é problemático que numa pesquisa feita por um professor da USP, com base no cadastro de alunos que ingressaram nesta universidade em 2003, demonstrou que uma única rua da região abastada dos Jardins, colocou mais alunos na USP do que 80 bairros pobres da periferia da cidade! Cotas? É um velado sistema de cotas? Qual é a metodologia? Qual a finalidade?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Entrevista de Maria da Conceição Tavares - por Agência Cartamaior

“O país não pode mais contar com o BC; governo deve investir pesado no gasto social".

Em entrevista à Carta Maior, a economista Maria da Conceição Tavares diz que o Brasil não pode mais contar com o BC. "A partir de agora, o Banco Central tornou-se uma peça menor no xadrez econômico". Para ela, a grande batalha de 2009 é fortalecer o emprego e o poder aquisitivo do povo. Ao falar sobre 2010, manifesta apoio a Dilma Roussef e diz que ela mais consistente do que José Serra. E lança um desafio ao PT: "o partido precisa submeter seus projetos e ideais à nova realidade mundial.

Redação - Carta Maior

O consenso nacional para derrubar a taxa de juro, unanimidade que agora arregimenta até conservadores de carteirinha, chegou tarde demais, na opinião da economista Maria da Conceição Tavares. Ela acredita que o BC irá fazê-lo em gotas de sereno, a partir de janeiro de 2009, quando esse simbolismo já não terá mais capacidade de reverter a dinâmica deflagrada pela crise.

Expectativas pessimistas e revisões em planos de investimento puseram-se em marcha ao longo da omissão persistente da política monetária comandada por Henrique Meirelles nos últimos anos. A ortodoxia encastelada no BC fez a sua escolha. E a cumpriu com fidelidade. “O Brasil não pode mais contar com o BC”, diz Conceição. Seus membros prestaram um desserviço ao país para servir ao rentismo, que os ancora e protege.

“A partir de agora, o Banco Central tornou-se uma peça menor no xadrez econômico”, resume e prossegue calmamente. “Reduziu-se a um estorvo apenas; uma irrelevância diante dos fatos, das urgências e das possibilidades que se colocam para a economia e o governo. Essa gente já não consegue mais sequer me provocar indignação, apenas cansaço”.

O tom sereno do diagnóstico não é usual, por isso mesmo soa mais forte que pancada. Vindo de quem vem, não poderia haver manifesto de desprezo mais contundente a uma esfera de governo que se fez obsoleta para os interesses do país. A professora, como Maria da Conceição é tratada carinhosamente pelos seus admiradores, discípulos e ex-alunos, e até por adversários, não costuma poupar decibéis na defesa de idéias sempre vigorosas. Que o faça agora em tom plano é um sintoma eloqüente do menosprezo que atribui à instituição e à política monetária nas questões decisivas dos próximos meses.

A grande batalha que mobiliza a professora nesse momento, tão difícil quanto foi a do juro, envolve uma conseqüência que faz enorme diferença: perder desta vez seria definitivamente fatal. Evitar esse desfecho é o propósito que devolve a determinação costumeira à sua voz. “Fortalecer o emprego e o poder aquisitivo do povo; em torno disso acontecerá a batalha decisiva para vencermos ou não a travessia de 2009”. É assim que ela define o que está em jogo na economia e na política de agora em diante. “Portanto, meu Deus”, e aqui está de volta a oratória envolvente da decana dos economistas brasileiros, “os que falam em cortar gasto de custeio que me perdoem, não sabem do que estão falando. Política social também é custeio. E se não é tudo, talvez seja o único grande trunfo que o governo controla, a partir do qual poderá agir com eficácia e rapidez diante da crise”.

Gastar mais na esfera social, no seu entender, é a injeção de adrenalina capaz de preservar a atividade, o emprego e o poder aquisitivo; ao menos naquele pedaço do Brasil que escapou da linha da pobreza durante o governo Lula e hoje agiganta o mercado interno, proporcionando ao país uma variável que o distingue na resistência ao colapso econômico mundial. Sim, isso poderia incluir até a antecipação de reajuste do salário mínimo, “como propõe o Carneiro”, diz Conceição (NR: economista Ricardo Carneiro, leia artigo nesta página). “Mas veja bem, estamos diante de uma questão política, não uma unanimidade tardia como parece ser a do juro hoje. Ampliar a despesa social é o que pensamos nós, economistas heterodoxos, assim como dizíamos há meses – anos - que era preciso baixar os juros. Mas por enquanto não há consenso sobre isso; talvez nem dentro do próprio governo. É uma corrida contra o tempo, motivo pelo qual insisto: o gasto de custeio social é a nossa chance de defender o país contra o desemprego e a recessão. Mesmo assim serão tempos difíceis”.

Não se trata apenas de vencer um percurso econômico. Conceição antevê nessa travessia a prefiguração do teste eleitoral a que será submetido um projeto que ela ajudou a construir nos últimos anos. Na verdade desde antes quando, jovem ainda, iniciou-se no BNDES e elegeu Celso Furtado e o projeto de desenvolvimento nacional como bússola histórica de sua vida e de sua profissão.

A professora Maria da Conceição é amiga de longa data da ministra Dilma Roussef, possível candidata do PT à sucessão do Presidente Lula. Conceição também já foi próxima de José Serra, candidato declarado da oposição no embate sucessório de 2010. Mas Conceição não tem dúvida de que lado estará então. “Serra não é um neoliberal; é bom que se diga e que não se confunda”, antecipa em tom sério. “Conheço ambos. A diferença entre Dilma e o Serra é que a visão da Dilma é mais consistente do ponto de vista histórico. Dilma escolheu o lado que pode apoiar um projeto de desenvolvimento para o Brasil no século XXI. E isso faz toda diferença. Entre o desenvolvimentismo de boca, do Serra, e o projeto ao qual Dilma pertence, eu não tenho dúvida de que lado fica a consistência histórica. E arremata: “Sim, Serra se opunha ao Malan no governo FHC. Mas Serra não se opôs às privatizações nem à política fiscal, concebida por gente da sua influência. Dilma é mais consistente. E não se trata apenas de superioridade no manejo econômico. Sua visão da economia tem uma contrapartida social coerente; e uma contrapartida de democracia consistente”.

Com um sorriso de entusiasmo, a professora comemora a notícia de que o PT , junto com a Fundação Perseu Abramo, criará uma Escola de Formação Política. “A agenda neoliberal contaminou toda sociedade; claro, também alcançou esferas do partido”, explica. “A crise econômica coloca esse pensamento em xeque e abre espaço para o PT retomar seu programa dos anos 94 e 98. Era um bom programa de reformas para o Brasil”, comenta, mas sem saudosismo - “perdemos com um bom programa, sempre é bom lembrar“. E aconselha como se fosse ao mesmo tempo cronista eqüidistante e personagem do mesmo enredo: “O PT precisa submeter seus projetos e ideais à nova realidade mundial. Isso requer estudo e reflexão. Essa crise não é como a de 30. É uma crise de paradigma, inclusive de paradigma industrial, o que não ocorreu em 30. É muito sério. Portanto, é hora de refletir, esclarecer, debater. O partido deve fazer isso sem perder a serenidade”, pontua preocupada: “Existe o horizonte político amplo, mas uma proposta de governo tem que oferecer respostas condicionadas às circunstâncias do país, agravadas pela crise mundial”

A seguir, trechos da entrevista de Maria da Conceição Tavares à Carta Maior

I)Controlar a conta de capitais com um BC desse tipo?Acho difícil.
A inflação está caindo, desaba em todo o planeta e aqui? Aqui eles mantém o juro no céu, a 13,75%. Para quê? Para atrair dólares? Para evitar fuga de capitais ? Mudou a conjuntura mundial, não existe mais liquidez internacional para ser atraída. Essa política é anômala: não vai atrair um dólar furado com essa taxa. Tampouco impedirá a fuga em busca de segurança. O que pode impedir esses movimentos de capitais é a taxa de juro zero decidida pelo Fed. Vamos torcer que seja assim. Mesmo porque, não vejo como controlar a conta de capitais num país que não controlou nem operações especulativas com derivativos. E elas foram feitas aqui, sim senhor; não foram contratadas apenas nos paraísos fiscais. Estavam aí à vista de todos, a começar do BC, e nada se fez. A verdade é que fizemos na área financeira uma abertura mais radical do que em qualquer outra. Talvez o Estado brasileiro não disponha no momento nem de mecanismos, nem de pessoal, e menos ainda de uma lógica de estado para controlar o movimento de capitais.

II) O Banco Central brasileiro virou um caso psicanalítico internacional
Os membros do Copom agem por necessidade de auto-afirmação, dizem seus defensores. Mas e o país? Temos um BC que se tornou um caso psicanalítico internacional... A intransigência tornou-o irrelevante para o país, essa é a verdade; e isso é uma marca grave. O BC brasileiro é um ponto fora da curva mundial. Um estorvo; uma peça menor no esforço do governo para defender o país contra a recessão. Simplesmente, não se pode mais contar com essa gente para nada. Na verdade, eu já não esperava nada desse grupo de interesses. Hoje, quando eles falam nem indignada eu fico; me dá cansaço.

III) A ortodoxia e o tamanho da crise apequenaram o BC
A turma do BC deixou a coisa passar a tal ponto que agora temos um paradoxo: a maior taxa de juros do planeta e, quando fizerem os cortes, será tarde demais. Nada do que possam fazer em gotas simbólicas, a partir de janeiro, terá importância na ordem do dia para enfrentar a crise. O governo não deve esperar mais nada daí. O BC ficou desimportante. As expectativas já foram formadas. Os interesses se aferram a sua lógica. Veja o caso da Vale do Rio Doce; uma empresa que está nadando em dinheiro e vem o Agnelli demitir e falar em exceção trabalhista! A rigidez monetária jogou lenha nessas distorções e agora não serve mais para nada. O governo precisa olhar para frente e esquecer o BC.

IV) Governo deve agir seletivamente e administrar o mercado de câmbio e crédito
O fato grave é que as taxas de juros estão subindo na ponta; o crédito continua caro e curto. Há uma pressão danada pela rolagem de dívidas contraídas por empresas dentro e fora do país. Isso ainda não está resolvido. E é sério. Para a rolagem externa teremos que tomar medidas adicionais em 2009. Não tenho a certeza de que a linha de US$ 30 bi criada pelo FED para países como Brasil e Coréia será suficiente. Talvez precisemos de mais, mesmo tendo o governo destinado também US$ 20 bi das reservas para essa finalidade.

Para o crédito interno não adianta mais liberar compulsório (percentual dos depósitos recolhidos obrigatoriamente pelos bancos no BC). Você libera, a banca privada não repassa; não chega na ponta e o custo do financiamento ainda aumenta. O governo deve agir direto, cada vez mais. Setor por setor, caso a caso. O Estado deve alocar recurso onde for mais relevante e administrar o mercado de crédito no piloto manual. É o que temos feito na área da construção civil e no mercado automobilístico. Deve-se aprofundar a ação estatal nessa direção. Não haverá normalidade de crédito via mercado; esqueçam o que diz o Meirelles e o BC. Não têm mais nenhuma importância.

V) Cortar o juro agora serve para reduzir custo da dívida interna; pode liberar fôlego fiscal para investimento público
Para ter algum sentido, o BC teria que derrubar a taxa de juro em pelo menos um ponto em janeiro, mas o farão de forma desprezível, em 0,25 ponto. Não falo para a atividade econômica, mas para reduzir a pressão fiscal no pagamento de juros da dívida pública. Isso permitiria liberar fôlego para a despesa social do governo. Esse é o ponto decisivo agora: agir na frente do emprego e do gasto social. A política do BC não fará mais nada pelo país. Por caminhos opostos, atingimos o mesmo esgotamento da ferramenta monetária que se verifica agora nos EUA; aqui, por fidelidade dos membros do BC aos interesses que representam, em detrimento dos interesses do país. Eles fizeram uma escolha e foram fiéis a ela até o fim. Absoluta disciplina. Infelizmente a escolha não foi o país, mas o mercado, de onde vieram e para onde voltarão.

VI)Custeio do Estado não é gasto com lápis e borracha; é gasto com gente, gasto social que tirou milhões da pobreza nos últimos anos
O fato é que a alavanca monetária chegou a um ponto de irrelevância. É hora da política fiscal: quem fala em corte de custeio nesse momento que me perdoe, fala sem saber do que está falando. Estão esquecendo: despesa social também é custeio. É o espaço que temos para defender o país, o emprego e a demanda interna. Os grandes projetos do PAC são importantes; os projetos privados associados a exportação de commodities também são de grande envergadura. Não vão parar porque são planos de longo prazo. Mas geram pouco emprego. Terão efeito reduzido na dinâmica do mercado interno. O que faz a diferença e está ao alcance do governo é o gasto de custeio do Estado. Claro, não falo de aumentar salários de assessorias etc. Gasto de custeio não é lápis e borracha; é principalmente gasto social. Esse tem que aumentar e aumentar urgente.

Naturalmente, em torno disso não existe o consenso que se vê agora, esse consenso tardio pelo corte dos juros. Ampliar o gasto de custeio, na esfera social, é algo que os economista heterodoxos defendem; mas o mercado não. Talvez nem mesmo dentro do governo exista clareza sobre isso. Sim, é preciso agir com os instrumentos disponíveis; até antecipar o reajuste do salário mínimo, se for o caso, como diz o Carneiro (NR: Ricardo Carneiro, economista da Unicamp). E fazê-lo não só na esfera federal, mas também nos Estados e municípios. Um mutirão público pelo gasto social, contra a recessão.

VII) O PT deve se preparar; se é certo que vai criar uma Escola de Formação Política chega em boa hora; a crise exige renovação
O partido deve se preparar para entender a dimensão da crise e agir sobre ela. Estamos diante de algo distinto de tudo o que se viu até hoje em termos de crise capitalista. Só é igual a de 30 na gravidade; e pode ser pior. Em 30 não tivemos uma ruptura de paradigma, exceto para romper o padrão ouro. Mas a indústria era fordista e continuou fordista, durante e depois da crise. Agora, parece que o padrão industrial se esgotou. Pior: ao contrário do mundo que emergiu após 30, não se vê uma força ordenadora capaz de injetar coerência na economia mundial. Ninguém sabe para onde vão os EUA; nem eles. Significa que a desordem pode demorar muito tempo.

Se o PT, finalmente, criará uma Escola de Formação Política, só tenho a comemorar. Chega em boa hora. O fato é que o colapso da agenda neoliberal tem que ser profundamente discutido. E isso tem a ver com o PT também. Essa agenda penetrou as entranhas de toda sociedade e o partido não foi poupado. Vide a posição que se esboçou em relação à Previdência Social, por exemplo; e mesmo em relação à dita autonomia do BC. Pallocci diz que está fora se o PT continuar criticando o Banco Central? É um favor que ele nos faz.

VIII) Quando me aproximei do PT em 1989 achavam que eu era reformista; hoje estou à esquerda
O PT já teve uma agenda consistente de reformas, aquela de 94 e 98; trata-se de retomá-la; submetê-la aos desafios da atual crise e abrir um ciclo de debates e de esclarecimento dentro do partido com dois horizontes: o de longo prazo, na análise desse colapso e do colapso do ideário neoliberal no mundo. Mas no curto prazo é preciso avaliar o que é possível e necessário para defender o país da desordem internacional. Não se pode confundir os dois tempos, ou daqui a pouco tem gente querendo reduzir jornada de trabalho e manter salário. É bonito. Mas vai acontecer? Não. Então não dá para jogar o partido em coisas desse tipo. É preciso ter respostas de curto e longo prazo.

É uma agenda para um debate interno. Fico feliz que o partido, finalmente, se abra a isso. Quando entrei no PT em 1989 muitos me olhavam com reticência; achavam que eu era uma reformista conservadora. Hoje dizem que estou à esquerda, mas eu não saí do meu lugar. É uma boa hora para resgatar a vida intelectual dentro do partido.

IX) Dilma tem uma visão histórica mais consistente que a do Serra
Estou otimista com a chance da Dilma ocupar a Presidência da República. Sim, já fui muito ligada ao Serra; conheço ambos. A diferença entre o desenvolvimentismo da Dilma e o do Serra é que a visão histórica e política da Dilma é mais consistente. O Serra, diga-se, não é um neoliberal; e isso é bom porque vai elevar o debate eleitoral em 2010. Mas o desenvolvimentismo do Serra é um desenvolvimentismo de boca. Ele se opunha ao Malan, é verdade (no governo FHC). Mas nunca se opôs às privatizações nem à política fiscal ortodoxa, concebida por gente da sua influência. É muito diferente da Dilma. De qualquer forma, fico feliz que a luta seja entre os dois. O país vai ganhar com isso. A sociedade entenderá as diferenças entre projetos que têm nomes parecidos, como desenvolvimento, mas que envolvem forças e concepções distintas, especialmente na sua dimensão social e na sua correspondência democrática. É aí que está a força da Dilma.

Será mais fácil negociar um projeto nacional de desenvolvimento tendo Serra e Dilma no embate. Melhor do que ter uma sociedade rachada entre um neoliberal de direita e um candidato nosso, de centro esquerda. Ontem, como hoje, e amanhã também, teremos que negociar um projeto nacional. Duas candidaturas que ao menos falem uma língua próxima facilitará a compreensão dos brasileiros; ajudará a somar forças.

É mais uma razão para o PT se preparar e definir, afinal, qual é o desenvolvimento que defende. O resultado de 2010 dependerá de tudo isso. Mas, sobretudo, vai depender da nossa capacidade de atravessar com sucesso 2009. Espero que seja um bom ano. Para todos nós. E para o bem do Brasil.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ignorância ou hipocrisia? - por Mino Carta (Cartacapital)

O Ato Institucional nº 5 desabou sobre o Brasil faz 40 anos, o aniversário cai neste dia 13 de dezembro. Com ele, a ditadura tirou a máscara? Foi ato de pura formalidade, as premissas já estavam fincadas, como estacas inabaláveis.

Somos imbatíveis neste jogo das aparências, nós, do privilégio. E também somos bandeirolas ao vento da conveniência contingente. Até ontem lia e ouvia da mídia nativa que o regime de exceção de 21 anos resultou de uma revolução. Agora fala-se em ditadura militar. Permito-me ainda contestar o adjetivo militar.

Leio entre atônito e perplexo o suplemento de O Estado de S. Paulo sobre a edição do AI-5. O título de abertura informa a platéia que o edito assassinou a liberdade. E já não fora assassinada no dia 1º de abril de 1964, quando o golpe derrubou o presidente democrática e constitucionalmente eleito? E que esperar, a partir de então, daquele gesto de inaudita prepotência, invocado pelos inesgotáveis donos do poder e sua mídia, e praticado por seus gendarmes, convocados para executar o serviço sujo?

Diz o Estadão no seu suplemento que a sociedade brasileira apoiou o golpe. Que sociedade, caras-pálidas? Agrada-me, entre parênteses, usar o lugar-comum, tão apropriado, no entanto, para acentuar a palidez dos rostos privilegiados. Sim, a sociedade dos clubes faustosos, dos bairros elegantes, das redações abastadas, e do seu time aspirante, sequioso de ascensão. Enfim, dos democratas da democracia sem povo.

O golpe, é do conhecimento até do mundo mineral, foi invocado e estimulado para interromper a subversão em marcha, esta que espero em vão até hoje, com a inestimável colaboração da CIA e do embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon. Agora me pergunto: as manifestações midiáticas na comemoração do AI-5 são fruto de ingenuidade ou de desfaçatez, da ignorância ou da hipocrisia?

Algo está certo na apresentação do Estadão. A afirmação de que não houve outro diário atingido pela censura nascida do AI-5, como Palas Athena dos joelhos de Zeus. Justo lembrete, no mesmo momento em que os jornalões não hesitam em falar em ditadura fardada e anos de chumbo. Tamanha capacidade de vestir a roupa nova é de comover, ou estarrecer, como preferirem.

Nada de surpresas. Cabe, porém, estabelecer outras diferenças, a bem do futuro. O qual será melhor se a memória for preservada. A da censura e da feroz perseguição política e da tortura, crimes contra a democracia e a humanidade, praticados em conseqüência do golpe de 1964 e do golpe dentro do golpe de 1968.

A censura deu-se em três diferentes patamares, é verdade factual. O Estadão, que no seu suplemento se atribui o papel de líder na resistência à censura, contou de fato com concessões que outros não tiveram. Foi censurado na redação, foi autorizado a preencher espaços cortados com versos de Camões (e receitas de bolo no caso do Jornal da Tarde) e ficou livre dos censores no dia do seu centenário, dia 4 de janeiro de 1975, no quadro de evidente homenagem da ditadura a uma casa que na origem militara integralmente ao seu lado.

O golpe final - por José Saramago

O riso é imediato. Ver o presidente dos Estados Unidos a encolher-se atrás do microfone enquanto um sapato voa sobre a sua cabeça é um excelente exercício para os músculos da cara que comandam a gargalhada. Este homem, famoso pela sua abissal ignorância e pelos seus contínuos dislates linguísticos, fez-nos rir muitas vezes durante os últimos oito anos. Este homem, também famoso por outras razões menos atractivas, paranoico contumaz, deu-nos mil motivos para que o detestássemos, a ele e aos seus acólitos, cúmplices na falsidade e na intriga, mentes pervertidas que fizeram da política internacional uma farsa trágica e da simples dignidade o melhor alvo da irrisão absoluta. Em verdade, o mundo, apesar do desolador espectáculo que nos oferece todos os dias, não merecia um Bush. Tivemo-lo, sofrêmo-lo, a um ponto tal que a vitória de Barack Obama terá sido considerada por muita gente como uma espécie de justiça divina. Tardia como em geral a justiça o é, mas definitiva. Afinal, não era assim, faltava-nos o golpe final, faltavam-nos ainda aqueles sapatos que um jornalista da televisão iraquiana lançou à mentirosa e descarada fachada que tinha na sua frente e que podem ser entendidos de duas formas: ou que esses sapatos deveriam ter uns pés dentro e o alvo do golpe ser aquela parte arredondada do corpo onde as costas mudam de nome, ou então que Mutazem al Kaidi (fique o seu nome para a posteridade) terá encontrado a maneira mais contundente e eficaz de expressar o seu desprezo. Pelo ridículo. Um par de pontapés também não estaria mal, mas o ridículo é para sempre. Voto no ridículo.

Comentário: Estão dizendo que finalmente Bush encontrou as armas de destruição em massa...

Lula deveria dedicar resultado da pesquisa ao Ali Kamel - por Luiz Carlos Azenha

http://www.viomundo.com.br/opiniao/lula-deveria-dedicar-resultado-de-pesquisa-ao-ali-kamel/

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Triste fim


Bem, por falta de tempo não tenho escrito muito sobre a política capixaba. Porém, não dá pra não despender um pouquinho de tempo para falar sobre a lambança que o senhor Max Filho (PDT) fez em Vila Velha.
Ao assumir o segundo mandato como prefeito, este elegeu como obra prioritária a “Macro drenagem”, um projeto para acabar com os constantes alagamentos ocorridos em Vila Velha quando chove.
Pois bem, passaram quatro anos. Este é o único projeto significativo do governo, a única obra prioritária, a principal execução do senhor Max Filho.

E, quando chove, Vila velha fica completamente alagada.

A macro drenagem configurou-se num belo nome, escamoteando um descalabro administrativo, uma vergonha de desempenho e um misto de incompetência e inoperância.

O governo do senhor Max Filho termina melancolicamente.

Vai tarde, aliás.

P.S: Sobre quem assume, Neucimar Fraga (PR), também não nutro grandes expectativas. Muito ao contrário.

Desembargador confessa receber propina e comemora: "sem falsa modéstia, abaixo de Deus nós é que botamos pra quebrar" - por FolhaVitória

http://www.folhavitoria.com.br/site/?target=noticia&cid=15&ch=e0e1fc6ecdcce2f611f540d67f24ce16&nid=84366

Masturbação mental com pornografia alheia - por Luis Nassif

O vazamento da Polícia Federal para a imprensa de que os "equipamentos da ABIN" continham material pornográfico, coloca em dúvida essas suposta profissionalização da organização (clique aqui).

Não é possível que, em um momento em quase se cria uma crise institucional, sob o argumento de que as operações não respeitam o sigilo, vazam informações para a imprensa, divulgam detalhes para comprometer os investigados, a PF se valha desses métodos - justamente na operação destinada a coibir esses supostos abusos.

Se amanhã se encontrar material pornográfico em um computador da PF, a responsabilidade será de um agente que utilizou indevidamente o equipamento ou de toda a PF?

O tom da matéria - "A Polícia Federal não crava que os computadores da Abin só armazenam cenas de sexo. O Relatório de Análise de Mídias indica elevado número de registros sobre atividades inerentes à agência" - não é do repórter Fausto Macedo, é das fontes da Polícia Federal que passaram os dados.

Posso imaginar o delegado do inquérito morrendo de rir, por conseguir identificar uma ação de uma agente e jogar a conta nas costas de toda a Agência: "ôrra, meu, f... aqueles caras".

É essa a Polícia Federal do terceiro milênio, a futura FBI brasileira, a organização profissional que tem como foco a busca de resultados? Nada foi encontrado que pudesse incriminar a ABIN. Mas, no relatório enviado ao senador Heráclito Fortes - ligado a Daniel Dantas - a Polícia Federal diz:

"Na análise prévia dos arquivos, por ora, nada foi encontrado que pudesse colocar em risco a segurança nacional. Porém, segundo o relatório, um considerável número de arquivos contendo filmagens de atos sexuais foi detectado nos computadores."

Repito, o agente da ABIN que colecionava vídeos pornográfico não o fazia como representante da ABIN. Já o delegado que vaza essas bobagens representa a Polícia Federal, como titular em um inquérito.


Por Carlos Graça Aranha


Um delegado fazendo masturbação mental com a pornografia alheia.

Vaidade com despreparo - por Luis Nassif

O Banco Central conseguiu desmoralizar as metas de inflação e a tese do BC independente. A alegação de que manteria a Selic por conta das incertezas futuras é uma piada.

Juros altos funcionam em uma conjuntura de economia aquecida, visando reduzir o nível de atividade através do encarecimento do crédito na ponta. Sobre o nível e atividade, a única incerteza é em relação ao tamanho do desaquecimento da economia – se pequeno ou grande. Sobre os juros, a mudança de cenário já operou elevação de juros em todas as frentes.

A redução da Selic teria impactos psicológicos sobre empresários e consumidores, em um momento em que se precisa vencer o pessimismo diante da crise. Ajudaria a reduzir o peso dos juros sobre o déficit nominal, liberando recursos para investimentos.

No entanto, mantém-se a taxa de juros apenas para demonstrar que o BC é autônomo. Ora, o homem que diz sou, não é, porque quem é mesmo, não diz. BC com respeitabilidade não precisa recorrer a demonstrações vazias de força. Consegue-se respeitabilidade sendo coerente, produzindo análises consistentes e medidas que reflitam a situação econômica do momento.

Demonstração de força, em um momento em que o país inteiro luta contra o fantasma da recessão é irresponsabilidade, pura vaidade, falta de compromisso com o país e com a política econômica, desprezo pelos recursos públicos.

Se Lula não vencer o temor reverencial pelo mercado, não segurará a onda da crise. Conseguiu colocar no BC a pior mistura, de vaidade e despreparo de um presidente com ambições políticas, que se prevalece da gravidade da situação para auto-afirmações inconcebíveis em pessoas maduras e senhoras de si.

Comentário: Na minha opinião não é despreparo, tampouco vaidade. É simplesmente safadeza, corrupção, roubo. E, contra isto, não há argumentos que bastem. Eles nunca cederão.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A história de Cirillo - por Leandro Fortes (Cartacapital)

Os funcionários do Supremo Tribunal Federal assistiram a uma manifestação de fúria do presidente da casa, Gilmar Mendes. A tarde da terça-feira 2 mal havia começado e as agências de notícias e os sites na internet começavam a noticiar a decisão do juiz Fausto De Sanctis, que condenou o banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão. Não foi a condenação em si a provocar a ira de Mendes, mesmo se sabendo que o ministro transformou o caso Dantas em uma diatribe pelos direitos individuais contra o aterrador “Estado policial”. O ponto era a menção, na sentença do magistrado de primeira instância, de uma informação até então desconhecida por ele e pelo distinto público. “Agora pego esse cara”, afirmou, segundo relatos narrados à CartaCapital. O cara é De Sanctis.

À informação. Na página 281 da sentença há o registro de que, entre 4 de junho e 7 de julho, Hugo Chicaroni, condenado a sete anos de prisão por tentar corromper o delegado federal Victor Hugo Ferreira, ligou nove vezes para o telefone do coronel da reserva do Exército Sérgio de Souza Cirillo. A dupla pertencia aos quadros da mesma empresa, o Instituto Sagres, especializada, de acordo com o próprio site, em política e gestão estratégica aplicada. É de Chicaroni a jurisprudência, firmada em conversa gravada pela PF, de que Dantas usufrui de “facilidades” nos tribunais superiores do Brasil. Cirillo havia sido contratado por Mendes, 23 dias depois de deflagrada a Operação Satiagraha, para montar um núcleo de inteligência no STF. A investigação rastreou a troca de telefonemas a pedido da defesa de Chicaroni, que solicitou a quebra do sigilo à Justiça.

Ao tomar conhecimento do fato, Mendes declarou-se “surpreso” e solicitou uma investigação ao Ministério Público para saber se o coronel tem relações com Dantas. Cirillo disse à CartaCapital que nas nove vezes em que falou com Chicaroni tratou da impressão de cartões de visita do colega de trabalho. “Ele foi quem mais distribuiu cartões do Sagres, agora isso nos preocupa”, reflete Cirillo.

A entrada do coronel nesta história torna o episódio da Satiagraha, deflagrada em 8 de julho, e seus desdobramentos ainda mais intricados. Cirillo é um personagem capaz de colocar o presidente STF em uma saia-justa. O militar pode confirmar que foi no gabinete da presidência do tribunal que um repórter da revista Veja teve acesso a um relatório sigiloso do setor de inteligência sobre a possibilidade de ter havido escuta ambiental na Alta Corte. Apesar de inconclusivo, o tal relatório motivou uma reportagem de capa da revista, virou tema de debate nacional e serviu como elemento da tese do “Estado policial”, mais tarde reforçada pelo vazamento de um diálogo entre Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

Sabe-se, até o momento, que a Polícia Federal não encontrou nenhum vestígio da existência do tal grampo, mas o episódio provocou uma leve crise institucional. Mendes atribuiu o grampo até hoje não comprovado à Agência Brasileira de Inteligência e chamou o presidente Lula “às falas”. O Planalto, sob pressão, afastou o delegado Paulo Lacerda da direção da Abin.

O fato de o gabinete da presidência do Supremo vazar o documento à Veja, no determinado contexto, leva a algumas perguntas: por que se preferiu entregar à imprensa um documento inconclusivo do que levar às autoridades o temor da existência de um monitoramento ilegal? Se a presidência do Supremo não vê nenhum problema em repassar relatórios classificados como sigilosos a jornalistas, por que o assunto causa tanto mal-estar no tribunal, a ponto de o assessor de imprensa, Renato Parente, negar que o vazamento tenha partido do gabinete de Mendes?

Antes de Mendes assumir a presidência do STF, em 23 de abril de 2008, a segurança dos ministros e do tribunal estava nas mãos da Coordenadoria de Segurança e Transporte, ligada à Diretoria-Geral do Supremo. O ministro decidiu desfazer essa estrutura, criar a Secretaria de Segurança e subordiná-la diretamente à presidência. Ou seja, criou o seu próprio grupo de arapongas.

Mendes pretendia formar um núcleo de inteligência nos moldes daquele montado por José Serra, em 1999, no Ministério da Saúde, sob os auspícios do atual deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da CPI dos Grampos. Para tal, seguiu os conselhos de um velho amigo e companheiro do governo Fernando Henrique Cardoso: o general Alberto Cardoso.

Foi Cardoso quem indicou ao cargo o coronel da reserva do Exército Joaquim Gabriel Alonso Gonçalves. Oficial de infantaria, Gonçalves é um especialista em estratégias de segurança e inteligência militar, embora nunca tenha sido um homem da área de informações. O coronel infante assumiu um dia após a posse de Mendes na presidência do STF. Três meses depois, conseguiu que o tribunal contratasse Cirillo para auxiliá-lo no trabalho.

Gonçalves conseguiu reorganizar a estrutura de segurança do STF. Dividiu-a em cinco sessões. A principal delas, a de Operações Especiais, ficou com a parte de “monitoramentos e varreduras eletrônicas”, em que se pretendia instalar o embrião do núcleo de inteligência desejado por Mendes. Foi desse setor que vazou para a Veja o documento, datado de 14 de julho de 2008, com o resultado de uma varredura realizada no dia 10 do mesmo mês, na qual se indicava a suspeita de ter havido algum tipo de escuta ambiental realizada nas cercanias do STF. Foi, na verdade, um meio vazamento.

Nas páginas da Veja, o documento que aparece tem apenas uma assinatura, a de Aílton Carvalho de Queiroz, chefe da Seção de Operações Especiais. O documento original tem, porém, outras quatro assinaturas suprimidas, porque uma delas indicava, com exatidão, a fonte do vazamento: a do coronel Joaquim Gabriel Alonso Gonçalves. Era a única carimbada e com a data exata da emissão do documento, 15 de julho – dia em que teria ocorrido o tal grampo no STF, publicado, um mês depois, pela Veja.

Ao depor na CPI dos Grampos, em 14 de outubro, Queiroz mostrou-se visivelmente agastado com o fato de ter tido o nome estampado, isoladamente, no documento publicado pela revista. Ao deputado Itagiba (PMDB-RJ) entregou uma cópia na qual aparecem os outros quatro signatários. Lá, revelou ter existido somente duas cópias do relatório da varredura, uma ficou com ele, outra, com a chefe de gabinete de Mendes, Isabel Cristina Ferreira de Carvalho. Questionado pelo deputado Domingos Dutra (PT-MA) sobre a origem do vazamento, Queiroz se esquivou da responsabilidade, mas deu uma pista. “Eu imagino que a própria presidência (do STF)”, afirmou.

Segundo informa o coronel Cirillo, a apresentação do documento e o repasse das informações sobre a varredura para a Veja foram combinados em uma reunião em que estavam presentes Gonçalves, seu superior, o chefe de Operações Especiais do tribunal, Aílton de Queiroz, e o assessor de imprensa de Gilmar Mendes, Renato Parente. Gonçalves fechou um acordo com os repórteres da Editora Abril para passar todas as informações sobre o relatório, mas sob a condição de não haver reprodução do papel, o qual ele havia carimbado e dado ciência, um dia depois de Queiroz e os outros três técnicos do tribunal terem assinado o documento. O assessor Parente confirma ter participado da reunião, mas nega ter avalizado qualquer tipo de acordo. “Foi a Veja que trouxe o documento e nos pediu para avaliá-lo”, garante, em dissonância com as declarações de Cirillo.

“O coronel Alonso Gonçalves ficou chateado porque o relatório acabou publicado”, conta Cirillo. No final, o vazamento acabou faturado na conta de Queiroz, logo afastado do cargo. Cirillo ficou de fora das negociações, mas acabou informado de tudo pelo companheiro de farda, quando os dois se sentaram para tentar entender os motivos que levaram Mendes a demiti-los, sem nenhuma explicação, em 1º de outubro – 45 dias depois da publicação da reportagem.

Cirillo, também oficial de infantaria, conheceu Gonçalves, mais antigo no Exército e mais velho, ao longo da carreira. O Instituto Sagres, do qual ele é um dos seis sócios-fundadores, é uma organização faz-tudo. A saber: organiza eventos, presta consultorias, promove capacitação e treinamento, e desenvolve projetos nas áreas de “política, estratégia, relações internacionais, defesa, preservação, conservação do meio ambiente, desenvolvimento sustentável, segurança, inteligência estratégica, promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e dos valores universais” – embora o coronel Cirillo seja um admirador confesso do general Emílio Garrastazu Médici e chame o golpe de 1964 de “revolução democrática”.

Cirillo, contudo, nada tem a ver com Médici. Cordial, recebeu a reportagem da CartaCapital em casa, uma chácara onde funciona um clube de tênis, no Lago Sul de Brasília. Ali conversou sobre os dois meses em que trabalhou ao lado de Gonçalves na Secretaria de Segurança do STF. O oficial foi contratado como assessor, em função de confiança. Há integrantes do Instituto Sagres no governo Lula. Também pertence à organização Homero José Zanotta Vieira, assessor de comunicação do general Jorge Felix, ministro-chefe do GSI. Zanotta é o responsável pelo relacionamento da pasta com a imprensa. O GSI, entre outras atribuições, comanda a Abin e está à frente de uma investigação interna sobre a participação da agência no suposto grampo telefônico do Supremo.

O Sagres também presta serviços ao governo de São Paulo. Mais especificamente à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, comandada por Francisco Graziano. Parece até piada: Graziano ficou conhecido como “o Corvo”, ao ser associado, nos primeiros meses do governo Fernando Henrique Cardoso, à divulgação de grampos que comprometiam um colega de Esplanada envolvido nas negociações do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Graziano acabou demitido e passou anos na geladeira política.

A contribuição de Cirillo aos planos de Gilmar Mendes tem a ver, porém, com um conhecimento específico tocado por um setor do instituto, o Núcleo de Inteligência Prospectiva e Estratégica (Nipe). De acordo com as informações do site da organização, o tal núcleo foi criado para “subsidiar” o trabalho de inteligência desenvolvido pelo Sagres e, “por vezes”, de alguns clientes. Mas o trabalho do coronel ficou apenas no campo das boas idéias. Ele mal teve tempo de iniciar um plano de assessoria estratégica para o presidente do STF. “Eu estava me inteirando quando fui, de repente, demitido”, explica.

A demissão da dupla de coronéis pegou a Secretaria de Segurança do STF de surpresa. Na manhã do dia 1º de outubro, logo depois de chegar para iniciar o expediente, Gonçalves foi chamado à sala do diretor-geral do Supremo, Alcides Diniz da Silva. Lá, foi informado da decisão de Mendes de demiti-lo e a Cirillo. Apesar da insistência em saber a razão da dispensa sumária, Alonso nada conseguiu arrancar de Silva. Eram, simplesmente, as ordens do presidente do tribunal. Para o lugar do coronel, Mendes nomeou uma primeiro-tenente da Polícia Militar do Distrito Federal, Ana Lúcia de Freitas Rossi, ex-oficial de segurança da ministra Ellen Gracie, quando esta ocupou a presidência do tribunal.

Indignado, Gonçalves exigiu uma audiência com Mendes. Antes, foi ao colega Cirillo e sentenciou: “Nossas cabeças rolaram”. No gabinete do presidente do STF, ouviu duas histórias incríveis, estopins, segundo o ministro, da demissão. A primeira dizia respeito ao juiz Carlos Gustavo Direito, filho do ministro Carlos Alberto Direito, a quem o coronel se negou a colocar à disposição, tarde da noite, os serviços de funcionários do STF encarregados de cuidar do embarque e despacho de bagagens dos ministros no aeroporto de Brasília. Os servidores do tribunal já haviam, de forma irregular, mas a título de gentileza, levado as malas do filho do ministro ao aeroporto da capital federal duas vezes no mesmo dia. À noite, quando o juiz Direito decidiu embarcar, pela terceira vez, para o Rio de Janeiro, o coronel perdeu a paciência com a chefe de gabinete de Direito pai, Ana Maria Neves. E deixou o rapaz cuidar sozinho do check-in.

Ainda estupefato diante da justificativa apresentada por Mendes, Gonçalves teve de ouvir outra história. Desta vez, o protagonista era o ministro Eros Grau, a quem o coronel Alonso instou, mais de uma vez, a cumprir uma norma burocrática simples: assinar a ficha de horas extras do motorista do gabinete. Em quatro oportunidades, Grau, apesar de carimbar o documento, delegava à chefe de gabinete, Alexandra Matsuo, a missão de assinar o documento. O militar recusava-se a aceitar a papelada. Quando devolveu a ficha pela quarta vez, recebeu um recado irritado do ministro, anexado em forma de bilhete enviado à chefe de gabinete. “Não posso ficar preocupado com detalhes. Resolve”, escreveu.

A Gonçalves, Mendes alegou, entre outras coisas, que, como presidente do STF, tinha como missão comandar um colegiado de ministros, razão pela qual deveria se manter sensível às demandas dos colegas. “Agora percebo que o motivo pode ter sido a ligação de Chicaroni com o Sagres”, avalia Cirillo. Se ele estiver certo, Mendes pode ter demitido os coronéis para tentar se livrar de uma dupla com imenso potencial de encrenca, depois da prisão de Chicaroni. Teria, no entanto, de explicar a razão de, agora, dizer-se “surpreso” com o registro do juiz De Sanctis sobre as ligações de Chicaroni e Cirillo.

O novo imbróglio a envolver o STF, o Instituto Sagres e Daniel Dantas poderá ajudar a Polícia Federal a sair do atoleiro em que se meteu desde setembro, quando começou a investigar o suposto grampo em Mendes. O presidente do inquérito, delegado William Morad, ouviu mais de cem pessoas, mas ainda não tem um único indício de que o crime tenha sido sequer cometido. No dia 19 de novembro, Morad ouviu o coronel Gonçalves. O depoimento do antigo auxiliar do ministro Mendes está sob sigilo. O próximo convocado deverá ser o coronel Cirillo.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Amaral: a história do cerco aos juízes (como De Sanctis) - por PHA

http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/?p=2058 - por Paulo Henrique Amorim.

Por quem os sinos dobram?* - por José Saramago

     Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

     Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar.

     Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

     Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça.

     Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

     Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

     Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia.

     Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.

     Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aqueles trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos.

     Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

     Continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica.

     E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.

     Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

     Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

     Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

18/03/2002

*: Texto lido na cerimônia de encerramento do Fórum Social Mundial 2002.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

História da mídia - por Argemiro Ferreira

http://argemiroferreira.wordpress.com/2008/12/02/os-jornaloes-arrogantes-e-a-tribuna-da-imprensa/
http://argemiroferreira.wordpress.com/2008/12/04/ainda-o-passado-patetico-da-midia-golpista/

Gilmar Mendes e a casca de banana - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)


A minha caneta-falante Concetta Rompi-coglione, hoje na parte da manhã, recebeu um telefonema da Themis, a mitológica deusa da Justiça.

A Themis, que transita do Olimpo ao Irajá com paradas em Brasília, usava um celular pré-pago para se comunicar com a Rompicoglione. Não deu para saber o número da operadora da sua preferência.

Como de costume, a Themis estava apoiada num pedestal, de costas para o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. O certo é que ela prefere olhar para o outro lado da praça, na direção do palácio do Planalto, embora dê as costas ao STF. Desconsideração ou prudência ?

Segundo a Rompi-coglione, a Themis estava preocupada com uma casca de banana referida no item número 13 de sentença condenatória da lavra do juiz Fausto De Sanctis.

Essa sentença consta do processo criminal em que o banqueiro Daniel Dantas e os seus laranjas, Humberto Braz e Hugo Chicaroni, restaram condenados por consumado crime de corrupção ativa.

Themis preocupava-se com o tamanha da casca de banana que tinha desequilibrado o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF: a casca da banana não era nanica, mas de tamanho guaçu. Havia sido deixada, de maneira in-oportunity, por um araponga, com divisa de coronel reformado do Exército brasileiro e chamado Sérgio de Souza Cirillo.

Em razão da desequilibrada, o ministro Gilmar Mendes ficou irado a ponto de não querer praticar o seu esporte predileto. Ou seja, deitar falação pela mídia e, aí, ele sempre a passar a impressão de só bater acima da medalhinha: já chamou até o presidente Lula às falas.

O ministro Gilmar Mendes recusou-se a falar com repórteres sobre o tema. Diante do embaraço, oficiou o procurador geral da República, Fernando Souza, para apurar o sucedido.

Parêntese: no Supremo e em face de um canhestro entendimento do ministro Nelson Jobin (autor da tese) discute-se, no processo sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel, se o ministério Público possui legitimação para investigar delitos. Como se percebe, Gilmar entende que sim, pois encaminhou pedido de investigação criminal ao chefe do Ministério Público.

Com efeito, Hugo Chicaroni, --um dos braços corruptores usados como laranja por Daniel Dantas--, ligou nove vezes para o coronel-araponga Cyrilo, que trabalhava no gabinete de Gilmar Mendes, que o contratou.

Sobre as ligações, há prova documental, pois, com a requisição judicial de informações sobre os números de identificação de chamadas partidas ao telefone de Chicaroni, chegou-se ao coronel-arapanga Cirillo.

No particular, houve o chamado tiro-no-pé. Quem solicitou, no inquérito da Operação Satiagraha, o exame e o cruzamento de chamadas telefônicas foi Chicaroni. Ele pediu para que o juiz Fausto De Sanctis requisitasse as chamadas das linhas 11-99511950 (dele próprio) 61-91196691 ( do delegado Protógenes . Pediu o elenco dos últimos três meses. Para ficar completo, o juiz De Sanctis solicitou extratos do último semestre. Aí, o delegado Rodrigo de Carvalho, da Operação Satiagraha, identificou ligações ao coronel-araponga Cirillo.

Coube ao juiz De Sanctis emprestar essa prova de cruzamentos e identificações do inquérito da Satiagraha para os autos do processo de corrupção. Pano Rápido: Chicaroni fez prova contra ele próprio e contra Dantas e Braz. Caso do chamado “tiro no próprio pé”.

As ligações coincidem com o período no qual Chicaroni empenhava-se em corromper os delegados Vitor Hugo e Protógenes Queiróz. A última chamada telefônica foi na véspera da deflagração da Operação Satiagraha. A dupla referida trocou nove telefonemas entre 4 de junho e 7 de julho.

Chicaroni e Cirilo eram ligados à Sagres, que não se dedica à expansão marítima como aquela famosa escola lusitana de 1417. A Sagres de Chicaroni e Cirillo tem sede em Brasília, tem o indicativo de instituto, mas está mais para viveiro de arapongas. Ao contrário da Escola de Sagres, ela se dedica a uma outra forma de obtenção de conhecimento, em especial por grampeamentos.

Cirilo foi demitido por Mendes sem explicações. Isto ao tempo que o ministro Jobim dedicava-se à nada nobre tarefa de derrubar, da Agência Brasileira de Inteligência, com base numa mentira, o delegado Paulo Lacerda.
O coronel-araponga Cyrilo trabalhou na presidência do STF pouco tempo. E estava lotado no gabinete de Mendes à época da gravação da conversa telefônica entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres.

Aquela divulgada transcrição de conversa, --que a revista Veja informou ter obtido com um araponga e cujo áudio ainda não apareceu--, pode ter sido feita por Cirillo, o homem escolhido por Gilmar para os trabalhos de inteligência da presidência do STF.

A Themis leu a sentença do juiz De Sanctis que menciona a suspeitíssima proximidade de Chicaroni com Cyrilo. As pessoas que rodeiam a Themis não descartam ter Dantas plantado um araponga no gabinete de Gilmar Mendes.

Pano Rápido. O ministro Gilmar Mendes, eleito presidente do STF em março de 2008, conseguiu, em poucos meses, causar estragos à imagem do pretório, suplantando, no particular, até o ministro Nelson Jobim.

Comentário: Era tarefa árdua, mas Gilmar Mendes de fato conseguiu ser pior do que Nelson Jobim. Uma proeza.

A imaginária via oblíqua - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

Victor Hugo é o nome do delegado que não só recusou a fortuna que teria sido oferecida por Daniel Dantas, por interpostas pessoas, mas fez apreensões na residência do banqueiro e prendeu, recolhendo provas, os mandatários do consumado crime de corrupção ativa.

Apesar de boa parte da mídia usar a expressão tentativa de corrupção, o caso é de um consumado crime de natureza formal. O crime de corrupção ativa consuma-se quando o oferecimento de vantagem patrimonial indevida chega ao conhecimento do funcionário, independentemente de ele recusar o suborno.

Com efeito, coube ao delegado Victor Hugo recolher a informação de que Dantas não tinha um esquema corruptor na primeira instância Judiciária, mas apenas na Superior. No particular, o certo é que Dantas, no Tribunal Federal Regional e no Superior Tribunal de Justiça, só experimentou derrotas. Até agora, apenas obteve sucesso em duas liminares da lavra do ministro Gilmar Mendes, confirmadas pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Victor Hugo não é alvo preferencial dos ataques dos defensores contratados por Dantas, que, sob alegação de ilicitudes (sustentam que a prova do suborno virará pó), aproveitam-se para atacar, pesada e pessoalmente, autoridades diversas, da polícia à direção da agência de inteligência, do procurador Rodrigo de Grandis ao juiz Fausto De Sanctis.

Mais ainda, eles destilam peçonhas que lograram inocular no STF, em especial no seu presidente Gilmar Mendes. E alguns ministros demonstraram incontida irritação, excesso de linguagem, desejo de punir disciplinarmente magistrados inferiores jurisdicionalmente. Fora transformar o acessório em principal, contorceram-se para justificar o injustificável salto de entrâncias e o abandono à orientação de súmula da sua jurisprudência. Não bastasse, consagraram, por maioria, o corporativismo muscular, sustentado na força do poder, em vez de na supremacia do racional e do justo.

No fundo, e a maioria dos ministros não se apercebeu do que passaram à população: “absolveram” Gilmar Mendes a pretexto de julgamento dos habeas corpus de Dantas, tecnicamente com o exame prejudicado por impossibilidade de se apreciar pedido de soltura de quem já estava em liberdade e não era mais paciente de nada. Paciente, em habeas corpus, é quem sofre o constrangimento ilegal e abusivo.

Com relação a Victor Hugo, poucos atentaram para o que ele disse na reunião de 14 de julho deste ano e foi divulgado há pouco. Nesse dia, Victor Hugo acompanhou o delegado Protógenes Queiroz, com o qual trabalhou na Operação Satiagraha, à reunião com integrantes da cúpula da Polícia Federal. Estes, encarregados de remover Protógenes e vazar, com base em trechos pinçados da gravada reunião, uma falsa versão sobre o afastamento. Aliás, foi o que fizeram, como fartamente noticiado.

A gravação da supracitada reunião, de quase três horas de duração, revela ter o juiz De Sanctis frisado que não acolheria nenhuma representação policial acerca da prisão preventiva de Dantas que não viesse fundada e acompanhada de prova nova. Isto é, em elementos não conhecidos por ele, juiz, por ocasião da decretação da prisão cautelar temporária.

Observe-se que a reunião ocorreu em 14 de julho e no dia 11 do mesmo mês o ministro Mendes já concedera a segunda liminar para a soltura de Dantas.

Numa passagem desse encontro gravado, o delegado Victor Hugo, referindo-se ao delegado Protógenes e ao dia 8 de julho, pós-decretação da prisão temporária, conta: “Eu falei (referia-se a Protógenes): então nós temos de correr para pedir a preventiva, porque essa temporária vai ser quebrada amanhã (9 de julho). Deixa eu correr lá na Superintendência, porque é um trabalho que eu sei fazer. Eu faço um auto de deslacração do material apreendido na casa do Dantas em busca de elemento que possa fundamentar um pedido de reconsideração da prisão preventiva”.

Outra passagem foi, também, significativa, sempre na voz do delegado Victor Hugo: “Viemos aqui (referência à repartição policial) e comecei a analisar as provas. Encontrei alguns documentos que complicavam ele (menção a Dantas), tirei foto com o celular, tudo na correria, e relacramos os autos. Fui terminar o pedido de reconsideração em torno de 21h30”. Essas provas levaram o procurador De Grandis e o juiz De Sanctis a acolher a representação policial e foi decretada a prisão preventiva de Dantas. Aliás, tais provas foram minuciosa e criteriosamente destacadas no voto do ministro Marco Aurélio, do STF. Estranhamente, elas acabaram ignoradas no voto do relator Eros Grau, a ponto de esse ministro não fazer nenhuma referência à existência delas. O conteúdo da gravação, em resumo, aponta para a busca e o encontro de provas, todas diversas das existentes até então.

Na longa, respeitosa e exaustiva decisão de decretação da preventiva por parte do juiz De Sanctis, como diversas vezes observou o ministro Marco Aurélio Mello, provas serviram para motivar a imposição da prisão preventiva. Em outras palavras, elas causaram a decretação, sustentada em razões completamente diferentes da empregada para a imposição da prisão temporária.

Nota-se, analisada essa parte da gravação, o erro da maioria dos julgadores do STF, a começar pela segunda liminar do ministro Mendes e a passar pelo pitoresco voto do ministro Eros Grau, que descarrilou como vagão da Companhia do Metrô. Houve erro ao se concluir – com total desprezo à prova nova e olvido à motivação utilizada pelo juiz De Sanctis – que a decretação da prisão preventiva de Dantas representou uma ilegal burla. Esta, caracterizada pelo emprego de uma via oblíqua para se manter a prisão do banqueiro, descumprindo-se a liminar de Mendes.

A via oblíqua nunca foi cogitada e nem sequer trilhada. E a prisão preventiva não foi em desrespeito ao STF, que se sentiu ofendido na pessoa do seu presidente, Gilmar Mendes, autor das canhestras liminares conferidas diante de massacrante prova de corrupção (materialidade), de indícios de autoria com lastro de suficiente e de comprovação da necessidade da custódia de quem mostrava disposição a continuar a subornar, esconder a verdade e poluir provas.

A exagerada suscetibilidade de ministros levou à equivocada conclusão majoritária de que a prisão preventiva representava um desrespeito à autoridade da Corte.

O certo é que jamais, na história do STF, se percebeu, por parte dos juízes, um distanciamento e desconsideração ao órgão de cúpula do Judiciário, exceção, evidentemente, aos de mãos de veludo e aos carreiristas prontos a mexericos. Seguramente, contribuem para isso, além do inusitado e imprevisível comportamento do presidente do STF, a troca de insultos entre ministros, o arvorar-se a legisladores e, até, o desrespeito às partes, com dois ministros a trocar “gracinhas” por mídia eletrônica, sem dar atenção à sustentação oral de advogado.

O quadro judiciário nunca esteve tão sombrio e muitos ministros trilham a via oblíqua que conduz ao descrédito e ao encastelamento.