sexta-feira, 30 de maio de 2008

Caso Alstom - por Luis Nassif

O Estadão dá uma matéria detalhada sobre os meandros do ciclo de dinheiro no caso Alston. Ainda tem muito para caminhar, mas há ingredientes para ser um escândalo de proporções enormes. Clique aqui. São 34 milhões de francos franceses que circularam pela alta esfera.
Já a Folha dá uma suite sobre o pagamento de R$ 120,00 da Internet de um dos filhos do Lula com cartão corporativo. A matéria, relevante, diz que a quantia foi ressarcida.

Comentário: prefiro nem comentar.

O lucro ou as Pessoas? Neoliberalismo e Ordem Global - por Noam Chomsky

Os Estados Unidos já eram a maior economia do planeta desde muito antes da II Grande Guerra, durante a qual prosperou, enquanto seus rivais se enfraqueciam enormemente. A economia de guerra coordenada pelo Estado conseguiu, ao final, superar a Grande Depressão. No fim da guerra, os Estados Unidos detinham a metade da riqueza do planeta e uma posição de poder sem precedentes na história. Os grandes arquitetos de políticas trataram, é claro, de usar esse poder para criar um sistema global que viesse ao encontro de seus interesses.
Documentos de alto nível descrevem a principal ameaça a esses interesses, particularmente na América Latina, como sendo os “regimes nacionalistas” e “radicais” sensíveis à pressão popular pela “melhoria imediata do baixo nível de vida das massas” e por um desenvolvimento voltado ao atendimento das necessidades do país. Essas tendências conflitam com a exigência de “um clima político e econômico propício para o investimento privado”, com a adequada repatriação dos lucros e a “proteção de nossas matérias-primas” – nossas, ainda que localizadas em outro país. Por essa razão, o influente planejador George Kennan nos aconselhou a “parar de falar de objetivos vagos e pouco realistas como os direitos humanos, a elevação do nível de vida e a democratização”, e a “tratar de usar conceitos claros de poder”, “desembaraçados de frases idealistas”, sobre “o altruísmo e a beneficência mundial” – ainda que tais expressões sejam perfeitas, até obrigatórias, nos discursos públicos.
Estou citando documentos secretos agora disponíveis, em princípio, mas quase totalmente desconhecidos do grande público e da comunidade intelectual.

Em suma, a primeira grande experiência de desenvolvimento econômico foi uma “má idéia” para os governados, mas não para os seus criadores e para as elites locais a eles associadas. Esse padrão se mantém até hoje: coloca-se o lucro acima das pessoas. A consistência dessa crônica não é menos impressionante do que a retórica que aclama como “milagre econômico” a mais recente vitrina da democracia e do capitalismo e do que essa retórica geralmente esconde. O Brasil, por exemplo. Na elogiadíssima história da americanização do Brasil antes mencionada, Gerald Haines diz que os Estados Unidos vêm usando o Brasil desde 1945 como “área de teste para os modernos métodos científicos de desenvolvimento industrial baseado no capitalismo intensivo”. Essa experiência foi levada a cabo “com a melhor das intenções”. Os investidores estrangeiros se beneficiaram, mas os planejadores “acreditavam sinceramente” que o povo brasileiro também se beneficiaria ao tornar o Brasil “a menina dos olhos da comunidade internacional de negócios na América Latina” sob o governo militar – nas palavras dos jornais de negócios –, enquanto o Banco Mundial revelava que dois terços da população não se alimentava o bastante para suportar uma atividade física normal.
Em seu texto de 1989, Haines classificou a “política norte-americana para o Brasil” como “extremamente bem-sucedida”, “uma verdadeira história de sucesso americano”. O ano de 1989 foi um “não de ouro” aos olhos do mundo dos negócios, com lucros triplicados em relação à 1988 e um redução de cerca de 20 por cento nos salários industriais, que já figuravam entre os mais baixos do mundo; a classificação do Brasil no Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano estava próximo à da Albânia. Quando o desastre começou a atingir os ricos, os “modernos métodos científicos de desenvolvimento baseado no capitalismo intensivo” (Haines) se transformaram de uma hora para outra em prova dos males do estatismo e do socialismo – outra transição rápida que ocorre sempre que necessário.
Para apreciar esse avanço, devemos nos lembrar de que o Brasil há muito é reconhecidamente um dos países mais ricos do mundo, dotado de enormes vantagens, até mesmo meio século de influência e tutela dos Estados Unidos, que, com a melhor das intenções, por acaso estão uma vez mais a serviço do lucro da minoria, enquanto a maioria do povo é deixada na miséria.


Pediram-me para falar sobre aspectos da liberdade acadêmica e humana, convite que oferece muitas opções. Vou me limitar às mais simples dentre elas.
Liberdade sem oportunidade é um presente diabólico, e a negação dessas oportunidades, um crime. A sorte dos mais vulneráveis nos dá uma clara medida da distância que separa o ponto onde nos encontramos de algo que pudéssemos chamar de “civilização”. Durante a minha fala, mil crianças morrerão de doenças facilmente preveníveis, e quase duas mil mulheres morrerão ou ficarão seriamente incapacitadas na gravidez ou no parto por falta de cuidados e medicamentos básicos. A UNICEF estima que, para superar essa tragédia e assegurar o acesso de todos os serviços sociais básicos, seria necessário nada mais que a quarta parte dos gastos militares dos países “em desenvolvimento”, cerca de 10 por cento dos gastos militares norte-americanos. É sobre o pano de fundo dessa realidade que qualquer discussão séria sobre liberdade humana deve ser levada a cabo.


As doutrinas neoliberais, independentemente do que se pense delas, debilitam a educação e a saúde, aumentam a desigualdade social e reduzem a parcela do trabalho na distribuição da renda. Ninguém duvida disso seriamente hoje em dia.

Trechos de O lucro ou as pessoas? - Neoliberalismo e Ordem Global - por McChesney

O mito do livre mercado também sugere que os governos são instituições ineficientes que devem ser limitadas para não prejudicar a magia do mercado natural do laissez-faire. Na verdade, como Chomsky enfatiza, os governos são peças-chave no sistema capitalista moderno. Eles subsidiam prodigamente as grandes empresas e trabalham para promover os interesses empresariais em numerosas frentes. O regozijo dessas mesmas empresas com a ideologia neoliberal é, geralmente pura hipocrisia: querem e esperam que os governos canalizem para elas o dinheiro dos impostos, que lhes proteja dos concorrentes, mas querem também que não lhes apliquem impostos e que nada façam em benefício de interesses não-empresariais, especialmente dos pobres e da classe trabalhadora. Os governos são hoje maiores do que nunca, mas sob o neoliberalismo já não se mostram nem de longe tão preocupados em dar atenção a interesses extra-empresariais.

Na verdade, a incapacidade de propiciar uma discussão sincera e honesta sobre o neoliberalismo é realmente uma das mais notáveis características da globalização.

E não existe processo em que a centralidade dos governos e da formulação de políticas seja mais visível do que a ascensão da economia de mercado global. Aquilo que os ideólogos dos interesses empresariais apresentam como expansão natural do livre mercado para além-fronteiras é, na verdade, rigorosamente o oposto. A globalização é o produto da ação de governos poderosos, especialmente o dos Estados Unidos, que empurram garganta abaixo dos povos do mundo tratados comerciais e acordos de negócios que ajudam as grandes empresas e os ricos a dominarem as economias das nações sem quaisquer obrigações para com as respectivas populações.

A mídia e a convergência - Por Arnaldo Comin

■ Historicamente sob ameaça da mão de ferro do Estado, a imprensa está hoje inteiramente subordinada aos interesses de grupos econômicos. Cabe à sociedade se mobilizar na forma de um quinto poder que fiscalize os abusos do quarto, representado pelos meios de comunicação. Paradoxalmente, o próprio Estado pode ser um agente importante nesse esforço, ao financiar mídias “alternativas” como as tevês públicas. Essa foi a mensagem do jornalista e intelectual espanhol Ignacio Ramonet, em palestra proferida nesta 2ª.feira (26/ 5), no Instituto Cervantes, em São Paulo, sob moderação do sociólogo Emir Sader.
■ Nascido na Galícia e criado no Marrocos, Ramonet vive desde os anos 70 na França, onde dirigiu por quase duas décadas o Le Monde Diplomatique. Ele ostenta um extenso currículo dedicado ao ativismo político de esquerda, sendo um dos fundadores da ONG Media Watch, que combate a excessiva mercantilização da mídia; mentor do Attack, movimento que prega a taxação global das transações financeiras com fins sociais; e ainda apoiador de primeira hora do Fórum Mundial Social.
■ Na visão de Ramonet, a enfática defesa da globalização pelos meios de comunicação serve de interesse exclusivo dos donos dos próprios veículos. “A imprensa livre sempre dependeu da cidadania para se legitimar diante dos governos, mas, com a globalização, sai de cena o papel do Estado e ganham espaço os grandes grupos econômicos. Os conglomerados de mídia, por sua vez, não dependem mais da opinião pública para sobreviver e passaram a atuar como porta-vozes desses mesmos grupos aos quais pertencem. De aliada, a mídia se tornou a nossa pior adversária”, lamenta.
■ Na opinião do acadêmico, doutorado em Semiologia pela Universidade de Paris, essa distorção ganhouforça no momento em que toda a mídia se digitalizou e o conceito de especialização – como jornais, tevê e rádio – perdeu o sentido. “A comunicação tornou-se uma espécie de fluído, disponível até pelo celular, o que atraiu o interesse de empresas de outros segmentos. Lamentavelmente, os veículos não são mais comandados por jornalistas, mas por executivos formados em finanças, cujos interesses não estão na veracidade da informação”, critica. (…)
■ Consultor da Telesur, canal de notícias em espanhol financiado por Hugo Chávez, Ramonet é defensor do fortalecimento das tevês públicas na América Latina, corroborando com o modelo da TV Brasil capitaneado pelo governo Lula. “Os países latino-americanos precisam incentivar a criação de redes de financiamento público sob controle da sociedade civil, aos moldes das tevês européias”, opinou Ramonet. (…)

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Mendes cria stress na república - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias177.asp - por Paulo Henrique Amorim

Rosa dos Ventos - por Maurício Dias (Cartacapital)

O governo tem sido um dos grandes cúmplices dos vilões do desmatamento na Amazônia. Uma Nota Técnica, assinada por André Lima e Sergio Travassos, respectivamente, diretor e gerente do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento, do Ministério do Meio Ambiente, pode ser uma bússola para as ações do ministro Carlos Minc.

Está comprovada a correlação entre crédito rural e desmatamento.

A nota mostra a situação de Mato Grosso, Pará e Rondônia, responsáveis por 85% dos desmatamentos entre 2005 e 2007. Esses três estados também absorveram 81% do crédito rural oficial dirigido ao Bioma Amazônico em 2006.

Nesses três estados, a curva de crédito rural parece um espelho da curva do desmatamento.

Em Mato Grosso, governado pelo impetuoso Blairo Maggi, o desmatamento é crescente desde 2000 e chega ao pico em 2004. A curva passa a ser descendente nos três anos seguintes. O volume de crédito rural é contínua e vertiginosamente crescente a partir de 1999, atingindo o pico em 2004 (aumento de mais de 400% em cinco anos). Decresce nos anos de 2005 e 2006.

Entre 1996 e 2006, a área de pasto no Pará cresceu 77% e chegou a 13 milhões de hectares. Nesses dez anos, o estado recebeu 3,16 bilhões de reais em crédito rural oficial para agricultura e pecuária, sendo 2,15 bilhões de reais para pecuária e 1,01 bilhão de reais para agricultura.

A área de pasto cresceu 73% entre 1996 e 2006, passando de 2,9 milhões para 5 milhões de hectares. Foi investido, no mesmo período, 1,92 bilhão de reais em crédito rural oficial para agricultura e pecuária, sendo 1,35 bilhão de reais para pecuária e 570 milhões de reais para agricultura.

Em Rondônia, as curvas de taxa de desmatamento e de tomada de crédito rural também são muito semelhantes. De 2001 a 2004, o desmatamento subiu 41%, tendo sido adicionados 13,2 quilômetros quadrados de áreas para agropecuária. A oferta de crédito cresceu substancialmente, saltando de 123 milhões de reais em 2001, para mais de 450 milhões de reais no ano de 2004. O pico do crédito e do desmatamento é o ano de 2004.

Para sair dessa situação constrangedora, o governo terá um instrumento fundamental. A partir de julho, entra em vigor a resolução do Banco Central que estabelece condições mínimas necessárias para reduzir o risco e a pressão de novos desmatamentos financiados com crédito público.
Há pressões fortes para que a data seja protelada. Minc terá de exercitar como um mestre a arte de descascar abacaxis.

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O recado do sertanista

Um jornal americano (o The New York Times) e um inglês (o The Independent) reativaram nos últimos dias o pesadelo brasileiro com a soberania na Amazônia.

A pressão internacional é antiga. Com o passar dos anos, tem se tornado mais intensa. A acusação de que o Brasil não mostra capacidade para administrar aqueles 5 milhões de quilômetros quadrados – que significam 61% do território nacional – é biombo de interesses econômicos. Mas tudo é facilitado pelos governos que, sobre a questão amazônica, transitam da indiferença para a cumplicidade e vice-versa.

Agora que o assunto esquenta, é aconselhável repetir trechos da entrevista feita anos atrás, para a televisão, pela jornalista Paula Saldanha com Orlando Villas Bôas. Eis o ponto decisivo da conversa do sertanista falecido em 2002:

“Soube de fonte muito boa que 10 ou 15 ianomâmi estão na América aprendendo inglês (...) Essa gente volta liderando, falando inglês, com uma outra mentalidade. E o que eles vão fazer? Vão pedir um território ianomâmi desmembrado do Brasil e da Venezuela. E a ONU dará como tutora a América do Norte. Amor dos americanos pelos ianomâmi? Não, não senhor”.

A tropa da “quinta-coluna” na imprensa brasileira costuma chamar isso de paranóia.

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Andante Mosso

Eleições? Quando?
Pesquisa do Instituto GPP, realizada entre os dias 10 e 11 de maio, retrata o desinteresse do carioca pela eleição municipal.

Foi perguntado: Haverá eleição este ano para algum cargo público? Mais de 56% não acertaram a resposta.

O erro se distribuiu assim: 24,2% disseram sim, mas não sabiam para que; 17,3% afirmaram que não haveria eleição; 4,2% responderam que seria para deputado; 2,7% para governador; 0,8% para presidente e 0,5% para senador; 6,9% não sabiam ou não responderam.

O desinteresse somado a uma campanha curta favorece a quem lidera o páreo na partida. Neste caso, o senador Marcelo Crivella, que tem em torno de 25% das intenções de voto.

Troféu Ali Kamel
Vai para o senador Mão Santa, pelo elogio ao acreano Sibá Machado: “Sibá melhorou a raça. Foi se cruzar com uma mulher bonita do Sul”.

Acima da lei
Há vícios na política brasileira que o governo Lula não inventou, mas dá continuidade. É o caso do pagamento dos precatórios.

Esses pagamentos devidos pelos governos federal, estaduais e municipais decorrem de decisões judiciais. Uma proposta de calote está para ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Precatório é um assunto que quanto mais se mexe mais ele exala mal. Há muita mutreta nos arranjos dos créditos. Os maiores devedores são os estados de São Paulo (13 bilhões de reais), o Rio Grande do Sul (5 bilhões) e Minas Gerais (4 bilhões).

Os três governadores tucanos serão os principais beneficiados. A base governista trabalha pela aprovação. Os interesses transcendem aos conflitos políticos.

Tribos políticas
Cresce no Congresso a atuação das bancadas que expressam interesses religiosos, econômicos ou corporativos. Nada mal. Isso dá transparência ao jogo no plenário.

As mais conhecidas são as bancadas sindicalista, católica, ruralista, evangélica, saúde e da bala, que apóia as empresas de armas de fogo.

A mais nova tribo identificada dá apoio à indústria de bebidas. Levantamento do site Congresso em Foco revelou que 51 deputados e 11 senadores declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter recebido um total de 4,5 milhões de reais de fabricantes de cerveja, vinho e cachaça.

Pode ser batizada de “bancada do alambique” e, certamente, vai marcar presença no debate dos projetos de regulamentação da publicidade de bebidas alcoólicas.

Reaparece a IV Frota
Fidel Castro reagiu à anunciada presença da IV Frota americana nas costas dos países da América Latina e do Caribe a partir de junho.

Ao pretexto de que ela combateria eventuais ações terroristas ele contrapôs: “Vai semear o terror e não combater o terrorismo”.

Tela quente
Deve entrar em votação, na quarta-feira 28, o Projeto de Lei 29, do deputado Jorge Bittar, que muda as regras das televisões a cabo no Brasil.

Bittar recebeu marcação cerrada da ABTA, que expressa essencialmente os pontos de vista da Globo e da ABTPA, canal de interesses dos grandes programadores internacionais. O foco da reação é a adoção do porcentual de conteúdo nacional nos canais e nos pacotes oferecidos e a democratização da competição no setor.

Com essas e outras mudanças, Bittar acredita que o número de assinaturas das tevês pagas subirá de 5 milhões para 30 milhões em quatro anos, com impacto favorável aos consumidores.
Exemplo de hoje: na Argentina, o preço médio de um canal para o assinante é de R$ 0,63; no Brasil, varia de 1,92 real a quase 7 reais.

Batalha de Itararé
O fracasso no objetivo de criar uma nova tormenta para o governo Lula forçou a oposição a buscar um acordo na CPI da Tapioca.

Tudo muito parecido com o choque, em 1930, entre as forças governistas do presidente Washington Luís e as tropas oposicionistas de Getúlio Vargas. A cidade de Itararé, entre São Paulo e o Paraná, seria o cenário do embate. Na iminência do confronto, no entanto, os chefes militares optaram pela conciliação.

Assim também ocorreu no sangrento combate da CPI. Entre mortos e feridos salvaram-se todos.

Flexibilização ou truque? - por Delfim Netto (Cartacapital)

O transporte de mercadorias em contêineres é recente no Brasil. O impulso transformador veio no início dos anos 80. Sempre fomos exportadores de produtos agrícolas (açúcar, café, cacau). Gradualmente, além de inserir bens de maior valor agregado na pauta de comércio internacional, o Brasil tornou-se líder mundial na produção eficiente de grãos e, mais recentemente, fonte alternativa para atenuar a potencial carência de alimentos no mundo.

Com período suficientemente longo de atuação no comércio de produtos básicos e de origem agrícola, seria de se esperar que cada porto brasileiro exibisse um ou mais terminais voltados para a exportação de granéis de terceiros, ou seja, de produtores individuais e independentes, mas eles não existem. Em cada porto, esses terminais movimentam preponderantemente granéis de seus proprietários e as cargas de terceiros são subsidiárias e bem menos relevantes. Por que não existem? Porque não há estímulo ao investimento privado em concessão pública que propicie retorno adequado ao capital empregado. Minérios e grãos (mais genericamente, granéis sólidos e líquidos) combinam volumes elevados com baixo valor agregado. Um terminal operando com carga de terceiros não permite ao empreendedor a cobrança de preços que remunerem o investimento. Conseqüentemente, os terminais de granéis são essencialmente “verticalizados”, voltados ao manuseio prioritário de carga pertencente ao proprietário. E é bom que seja assim, uma vez que os grandes produtores e exportadores de granéis operam os terminais de modo a assegurar a inserção competitiva de produtos de baixo valor agregado em mercados internacionais, crescentemente exigentes e globalizados.

Assim é com a Cargill, a ADM, a Bunge, a Cosan, a Vale, a Petrobras e tantas outras. E assim deve ser. Sem operar terminais públicos essencialmente voltados ao manuseio de carga própria, ou terminais privativos de uso exclusivo ou misto, elas e outras de mesmo tamanho ou natureza estariam alijadas do mercado internacional. O escopo de sua atuação inclui todo o ciclo logístico: da produção em grande escala ao transporte interno e ao escoamento pelos portos. É a elas que os produtores de menor porte vendem, no Brasil, ou a quem venderiam, no exterior, se aqui funcionasse um porto especializado em granéis de terceiros. Se a pressão inoportuna de certos interesses, escondidos sob a cuidadosa escolha semântica do charmoso nome de “flexibilização”, tiver sucesso e impuser ao governo uma mudança das regras atuais para a instalação de terminais de uso misto no Brasil, ou seja, se for permitido ao empresário que construa e opere terminais eminentemente privados, sem prevalência de carga própria que justifique o empreendimento, nenhum benefício decorrerá para a operação de granéis. Nem um só terminal voltado preponderantemente para granéis de terceiros será instalado. Mesmo porque nada existe que tenha impedido até agora sua presença nos portos. E, entretanto, eles não estão lá.

Na verdade, deve ser outro o objetivo escondido nessa estratégia. “Flexibilizada” a exigência de carga que autorize a instalação de um terminal de uso misto, a este ficaria assegurada a possibilidade de simular a operação de granéis em nível irrelevante. Com ela, ganhariam acesso ao manuseio de contêineres de terceiros, operação de natureza pública. Isso burlaria a legislação, inclusive a exigência de prévia concorrência pública entre diferentes interessados num arrendamento portuário. A conseqüência previsível dessa medida combina a suspensão de investimentos privados no porto público, sua desorganização e seu desaparelhamento.

Foi precisamente a confiança no marco regulatório – agora sob dúvida – que canalizou investimentos privados substanciais para terminais de uso público e de uso privativo. Como resultado, a produtividade nos portos brasileiros cresceu, os preços de movimentação declinaram e o formidável crescimento do comércio internacional do País pode fluir sem obstáculos intransponíveis. Em 2002, ano anterior ao início do primeiro mandato do presidente Lula, a soma de exportações e importações brasileiras registrou 107,7 bilhões de dólares. Em 2007, cinco anos depois, já alcançava 281,3 bilhões de dólares. O aumento da produtividade foi enorme.

Novo Nordeste, novas esperanças - por Emiliano José (Cartacapital)

A descoberta de um novo Nordeste. A ressurreição da questão regional no Brasil. O crescimento econômico da região em ritmo maior do que a média brasileira. O aumento do consumo numa proporção bem maior do que no resto do País. A impressionante transformação política, com a autonomia da cidadania e o reflexo disso na eleição de governadores afinados com as teses reformistas e progressistas. Esses foram alguns dos temas que afloraram com intensidade no seminário O novo Nordeste e o Brasil, realizado em Teresina, no Piauí, nos dias 15, 16 e 17 deste mês de maio, promovido pela Fundação Perseu Abramo. Temas que animaram os participantes, abrindo perspectivas para o enfrentamento dos enormes desafios que a região enfrenta desde tempos imemoriais.

Participaram do seminário, entre outros, o governador Wellington Dias; os ministros da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, e da Cultura, Gilberto Gil; o coordenador da bancada do Nordeste, deputado federal Zezéu Ribeiro, do PT, José Machado, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (Ana), além do presidente e do vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, Ricardo Azevedo e Nilmário Miranda, respectivamente.

A economista Tânia Bacelar, que fez a conferência central do seminário – Um projeto para o Nordeste brasileiro – não deixou de ressaltar, no entanto, o quanto a região ainda se encontra distante dos níveis da média nacional, do Sudeste e do Sul quanto, por exemplo, à escolaridade. Enquanto a média nordestina da população ocupada com 10 anos e mais é de 6 anos de estudos, a nacional é de 7,6 anos, a do Sudeste de 8,5 anos e a do Sul de 8 anos.

Além disso, se o olhar se volta para a relação entre a população e o valor do PIB, a discrepância também não é pequena. O Nordeste tem 28% da população e participa com apenas 13,1% do PIB. O Sul tem 14,5% da população e participa com 16,6% do PIB. O Sudeste tem 42,5% da população e contribui com 56,5% do PIB. Esses dados evidenciam que há, inegavelmente, ainda, uma questão regional a ser enfrentada e não entendida apenas como a questão nordestina. O Norte, por exemplo, enfrenta problemas semelhantes. Essa questão, no entanto, só voltou a ter alguma importância nos anos recentes, sob o governo Lula. Havia sido praticamente esquecida durante a gestão Fernando Henrique Cardoso e durante todos os anos 90.

Antes de tratar do Nordeste, no entanto, Tânia Bacelar optou por fazer uma breve análise das macro-tendências mundiais. Na demografia, localiza uma diminuição do ritmo de envelhecimento e o crescimento da importância das cidades médias. Um novo padrão de uso dos recursos naturais e um novo olhar sobre o meio ambiente. O avanço da ciência e da tecnologia apontando para a convergência tecnológica.

Avalia que os EUA devem manter a hegemonia nos próximos 20 anos, mas necessariamente o mundo será multipolar, com o avanço asiático. Em 2015, a pobreza terá se reduzido: será de 10% o percentual da população mundial que viverá com menos de US$ 1/dia. No Brasil, esse patamar será de 5%. Nesses próximos anos, o Brasil deve chegar à quarta ou quinta economia do mundo.

E a globalização deve ser vista, na opinião dela, como um processo contraditório, onde cabem iniciativas regionais, onde têm valor as políticas específicas de cada país. Os territórios, ela diz, são palcos de uma constante tensão – os agentes globais os vêem como palco de operação e os agentes locais como uma construção social. São palcos de luta, portanto. Cenários de construção histórica. Para um lado ou para outro: tanto para a submissão diante do global, como para o desenvolvimento de políticas específicas, que caminhem em rumo contrário.

O ambiente brasileiro e suas novas tendências foram também analisados. Estaríamos escapando, agora, da herança da estabilização submissa ao rentismo, decorrente das políticas dos anos 90. Estaríamos ingressando numa era de retomada de um crescimento sustentável. Há, inegavelmente, um novo e favorável ambiente macroeconômico e quaisquer dos índices indicam isso.

Em dezembro de 2002, a inflação era de 12,53%. Em dezembro de 2007, de 4,46%. O juro real era, naquele 2002, de 15,6%. Em 2007, de 8,4%. O crescimento econômico anterior, de 1,93%. O de 2007, de 5,42%. O risco-país era de 1.529 pontos. Em 2007, de 212 pontos. A dívida externa com o FMI era de quase 21 bilhões de dólares. Em 2007, zero. Não é pouca coisa.

O Brasil vive hoje sob um ambiente de mudanças. Viveu no século XX, por um período, um acentuado crescimento. Mas, sempre convivendo, também, com a concentração de renda. O Brasil do século XXI já aponta sinais de mudanças. Na demografia, com menor natalidade. Maior esperança de vida, mais dinamismo das cidades médias e com impressionante ocupação do interior. Na dinâmica da economia, com redução da concentração econômica no Sudeste e apresentando crescimento sem concentração de renda.

Com isso, o quadro social vai indicando redução da pobreza e crescimento da chamada classe C, que passa de 34% para 46% da população, que significa um aumento de 23 milhões de pessoas, totalizando 86 milhões. E as classes D e E passam de 51% para 39%, segundo Instituto Ipsos, em pesquisa publicada por recente revista Exame. Uma mudança extremamente significativa.

E o Nordeste? Bem, este cresce um pouco acima da média nacional desde meados dos anos 90, o que vai implicar na queda da emigração: entre 1986 e 1991, pouco mais de 869 mil pessoas saíram do Nordeste para outras regiões, enquanto que tal número desceu para aproximadamente 743 mil entre 1995 e 2000. Os nordestinos estão começando a ter a possibilidade de permanecer em sua região.

O Nordeste ganha espaço com as mudanças na dinâmica da localização industrial – dito de outra maneira, com o avanço da industrialização na região. Em 1986, o emprego industrial correspondia a 10,7% do total, passando a 12,7% em 2005. Enquanto isso, São Paulo, que em 1986 detinha 45,5% do emprego industrial em relação ao total, passa a deter apenas 35,9% em 2005. Ao mesmo tempo, no entanto, e é importante acentuar isso, o Nordeste perde espaço na agropecuária.

Em 1970, o valor bruto da produção agropecuária ultrapassava 18% e em 2005 decresceu para algo em torno de 14%. O Centro-Oeste ganhou espaço, passando, no mesmo período, de pouco mais de 7% para quase 21%. O Nordeste tem 45% da População Economicamente Ativa do campo e apenas 14% da produção, o que é grave, e indica o tamanho do desafio. Trata-se, para o Estado brasileiro, de melhorar a produtividade dessa parcela da população. Este, talvez, seja o maior problema nordestino.

Outro fenômeno do desenvolvimento nordestino é o crescimento do terciário que no Nordeste passa de 25,7% da população ocupada em 1976 para 50,9% em 2006. É um indicativo da modernização da estrutura econômica, cada vez mais sustentada nos serviços. Simultaneamente, revela-se a difícil inserção da região no dinamismo exportador brasileiro. Só para se ter uma idéia dessa dificuldade, não custa lembrar que em 1960 a região participava com 20% do total das exportações brasileiras, caindo para apenas 8% em 2007. O porte da economia nordestina, no entanto, não fornece razões para pessimismo. Colômbia, Venezuela, Chile e Peru, por exemplo, têm, cada uma delas, economias menores do que a do Nordeste.

A região vem enfrentando o desafio de reestruturar os complexos tradicionais, dando passos nessa direção em relação ao cacau e ao sucro-alcooleiro e não alimentando mais expectativas em relação ao algodão, que teve muita importância no passado. As bases dinâmicas do novo Nordeste seriam a fruticultura, a produção de grãos, o turismo, os pólos industriais de serviços modernos e o pólo de Carajás. O dinamismo desses setores, conjugado com as políticas públicas de assistência social do governo Lula, está permitindo a redução da pobreza na região.

São 5,7 milhões de pessoas beneficiadas pelo Bolsa-Família no Nordeste, o que significa 51,8% das famílias em condições de extrema pobreza do País. O maior número de pobres do Brasil está no Nordeste. Em 2006, o aporte de recursos do programa no Nordeste foi de R$ 2,8 bilhões, que naturalmente tem um impacto econômico e de distribuição de renda extraordinário.

O apoio à agricultura familiar é outro aspecto fundamental da política para a redução da pobreza na região. Não custa lembrar que em 2002, o governo Fernando Henrique Cardoso destinava R$ 2,2 bilhões aos agricultores familiares. Hoje, o investimento supera R$ 13 bilhões anuais. Se a isso se soma o aumento real contínuo do mínimo, pode-se ter uma idéia das possibilidades da redução da pobreza na região, com a consciência de que não será um processo rápido. O Nordeste representa 28% da população brasileira e tem metade dos trabalhadores que ganham salário mínimo.

O Semi-Árido, que abriga 40% da população da região e apenas 20% do PIB regional, constitui um desafio especial para o projeto de um novo Nordeste. Houve o desmonte dos pilares de uma organização produtiva de 400 anos, especialmente do algodão e da pecuária bovina. Já ocorre, no entanto, a busca de novas atividades e de modernização de antigas. Ganham força a ovinocaprinocultura, o algodão colorido, flores tropicais, cajucultura orgânica, a produção de mel, a mamona e a farmacologia natural. Aqui, se o olhar se volta para o campo, coloca-se como aspecto essencial a política de assistência técnica e extensão rural, que é atribuição dos governos de Estado.

Curioso, ao menos para os que olham o Nordeste como terra de pobres sem renda, é que o Brasil redescobriu a região recentemente pelo mercado. Entre 2003 e 2007, o Nordeste e o Norte lideraram o crescimento do consumo no País, evidenciando a existência de um mercado de massas nas duas regiões. Estados como Maranhão, Alagoas, Tocantins, Acre, Sergipe ou Bahia, entre vários outros, aparecem à frente de São Paulo, de Minas Gerais ou do Rio de Janeiro nos índices de consumo. Os pobres ganharam condições para consumir pelo conjunto das políticas adotadas pelo governo Lula e pelo modelo de desenvolvimento colocado em prática, onde necessariamente andam combinados o crescimento econômico e a distribuição de renda.

Esse novo Nordeste, no entanto, a par da magnitude de sua economia, do início de um processo de redução da pobreza, de novos pólos dinâmicos na economia, apresenta uma acentuada fragilidade na área de ciência e tecnologia e as empresas da região são pouco inovadoras – estimativas indicam entre 4% e 7% as empresas com capacidade de inovar. Isso significa ser essencial o investimento na área de transmissão de conhecimento, embora, como ponto positivo, pode-se lembrar o fato de que a região tem ganhado novas universidades e campi sob o governo Lula para enfrentar a baixa participação nas matrículas do ensino superior.

Há uma exigência de investimento em infra-estrutura, que começa a ser respondida com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O programa prevê um investimento global superior a R$ 80 bilhões na região. As investigações do subsolo e a produtividade agrícola em áreas modernas nos últimos anos indicam que o Nordeste deve transformar-se numa potência agro-mineral. Para que o desenvolvimento possa continuar beneficiando a população, será essencial o investimento em educação, em saúde, em saneamento, em transportes públicos de qualidade. Há passos em direção a esse novo Nordeste. As últimas eleições mostraram o rompimento das amarras da cidadania. A maioria dos governadores eleitos está vinculada ao pensamento progressista. Mas, apesar de todos esses avanços, o caminho certamente ainda é longo para superar a herança de séculos de marginalização do povo nordestino, sempre envolvidos em suas vidas secas, na falta de terra, de água, de trabalho decente. O que é novo para o povo é a esperança de que seja possível permanecer no Nordeste e realizar os sonhos na própria terra de origem.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Afif: o banco do povo tem a cara do paulista, já que "nós gostamos e trabalhar" - por Luiz Carlos Azenha

O secretário de Emprego e Relações de Trabalho do governo tucano de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, afirmou nesta quinta-feira (8), durante evento na cidade de Mauá (Grande SP) que os paulistas gostam mais de trabalhar do que os brasileiros de outras regiões.

Em discurso, Afif falou sobre a cultura de trabalho do paulista e ironizou "os locais onde a côrte imperial deixou impregnada, até hoje, a falta de vontade de trabalhar" - uma alusão indireta principalmente aos povos de Rio de Janeiro e Bahia, ex-capitais do Brasil nos tempos de colônia de Portugal e Império.

"O Banco do Povo tem a cara do paulista, porque é feito para o trabalhador e nós gostamos de trabalhar. Isso desde os tempos do Brasil Império, porque aquele pessoal da côrte não gostava muito de trabalhar, não. Só chegamos onde chegamos por essa distância da côrte. Até hoje, onde ainda há tentáculos dessa cultura, existe essa falta de cultura do trabalho. Por isso há no Brasil essa situação em que alguns trabalham e pagam pelos benefícios dos que não trabalham", disse.

Além do desconforto causado aos trabalhadores migrantes de outras regiões que acompanhavam o evento, as declarações de Afif repercutiram mau com ativistas contra o preconceito.

"Em primeiro lugar, ele desconhece a história do Brasil e ignora os 400 anos de escravidão do negro e do índio, quando uma classe se apropriou de forma criminosa do trabalho desses povos. Isso tudo abalizado pelo Estado da época. Infelizmente, agora, esse representante da burguesia que herdou esse legado,, continua pensando da mesma maneira. Estou indignado e revoltado com uma mentalidade tão tacanha e tão retrógrada", reagiu Daniel Calazans, da comissão de combate ao preconceito do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Honerê Al-Amin Oadq, do Movimento Negro Unificado, também criticou a postura do secretário. "Nós sabemos que vivemos as seqüelas de um processo muito podre da história da humanidade. As mazelas que vivemos até hoje não são só financeiras, mas é a retirada de nossos direitos à saúde, ao trabalho, à educação. E ainda vêm essas pessoas, que usufruem dos benefícios dos ancestrais colonizadores, que não têm a menor noção da realidade que o colocou nessa situação", lamentou.

As informações são do site ABCDmaior (www.abcdmaior.com.br)


Comentário: esta é a cara da equipe do Serra, àquele que quer governar o Brasil.

O Bolsa-família às avessas do governo Lula - por Luiz Prado no portal meio ambiente

A presença ou ausência de Dilma Roussef na reunião desta segunda-feira, 19 de maio de 2008, entre Lula e Carlos Minc, será um indicador bastante consistente do que os dois primeiros esperam do último: o licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte. Essa, e não a preservação genérica da Amazonia, é a questão central de interesse das grandes construtoras de barragens e, sobretudo, das mineradoras nacionais e estrangeiras. Os elevados custos sociais e ambientais do grande complexo de usinas hidrelétricas projetado para o Xingu já foram dissecados por numerosos autores e, em particular, pelo professor Oswaldo Sevá Filho, professor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, ou sob a sua coordenação.

Antes, vale uma referência ao trabalho do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto. Em “Grandezas e Misérias da Energia e da Mineração no Pará”, o autor explicita as movimentações de bastidores que uniram interesses privados para conduzir o governo a investir nos projetos de grandes hidrelétricas construídas de interesse de construtoras e de indústrias eletro-intensivas estrangeiras fabricantes de alumínio - Alumar, Albrás e Alunorte. Todas pagando pela eletricidade gerada em Tucurui apenas uma fração de seu custo. E com a segurança, para os gringos, de contratos de longo prazo, alguns renovados na gestão de Dilma Roussef à frente do Ministério de Minas e Energia. É a nação brasileira subsidiando o alumínio das grandes corporações estrangeiras, a bolsa-família às avessas!

Em 1979, concluiram-se os estudos que previam a construção de cinco usinas hidrelétricas no Xingu e uma no Rio Iriri. Tais estudos deram nomes indígenas para essas hidrelétricas: Kararaô, Babaquara, Ipixuna, Kokraimoro, Jarina e Iriri. Depois, para evitar as previsíveis tensões decorrentes do alagamento de terras indígenas, esses nomes foram sendo substituídos. De Kararaô virou Belo Monte. Quanta falta de brasilidade e de caráter!

Aqui, a longa citação de Oswaldo Sevá Filho é mais esclarecedora do que qualquer tentativa de resumi-la. “Outros estudiosos procuram desvendar as possíveis destinações futuras de tal eletricidade – que podem também exigir altos investimentos em transmissão dessa energia. Para resumir: ao custo de hoje, se fossem instalar mais de 22 mil megawatts em seis grandes obras no Rio Xingu, trecho paraense, e em seu afluente Iriri, isto custaria R$ 60 bilhões ao longo de um período de dez anos. Uma única eletrovia (linhas de transmissão em voltagem extra-alta) com capacidade de transmitir uma décima parte dessa eletricidade até, digamos, na altura de Goiânia, custaria mais de R$ 3 bilhões.

Assim, pode-se afirmar que o objetivo de Tucuruí e de Belo Monte é o mesmo: a inserção dos recursos brasileiros em uma economia globalizada dos materiais energético-intensivos, principalmente o ferro e aço, o silício, o alumínio, o cobre, o níquel e as várias ligas entre eles, cuja fabricação a partir dos minérios exige muito combustível e muita eletricidade.

“Na seqüência, com o auxílio de dois pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp organizei uma nota técnica com os “Dados de vazão do Rio Xingu durante o período 1931-1999 e as estimativas da potência, sob a hipótese do aproveitamento hidrelétrico integral inventariado”. Para exemplificar a situação: se naquele período histórico existisse somente a usina Belo Monte ao longo do Rio Xingu, a potência assegurada para injetar na rede regional teria sido de 1.356 MW, para uma capacidade instalada de 11.182 MW!

“Mas, o Xingu é rio que seca rápido e que pode permanecer muito tempo bem baixo: quatro meses, digamos. Os valores de vazão d’água medidos lá na cidade de Altamira, Pará, começam na faixa de 450 a 500 mil litros por segundo, que são as médias mensais dos piores anos, em setembro e outubro; em geral as médias mensais do “verão”, que na Amazonia vai de julho/agosto a outubro/novembro, ficam abaixo de 1 milhão de litros por segundo. Compare-se isto à capacidade de engolimento de uma das 20 turbinas previstas: 700 mil litros por segundo, com potência de 550 megawatts. Com base nesses dados, se as hidrelétricas já tivessem sido construídas, entre 1991 e 1996, durante alguns meses por ano nenhuma turbina operado com carga plena e, em outros meses, apenas uma ou duas das dez máquinas teriam gerado eletricidade.”

A questão do licenciamento ambiental pode não ser exatamente ambiental, mas econômica-financeira e de estratégia nacional. O problema é que a exigência do Estudo de Impacto Ambiental - EIA faz com que essas dimensões do jogo sejam trazidas à luz, ao conhecimento de todos os cidadãos. Daí o interesse na simplificação do processo de licenciamento.

Evidentemente, os brasileiros - “ambientalistas” ou não - não desejam que lhes sejam sonegadas informações preciosas sobre as estratégias para o uso de seu potencial hidrelétrico, de seus recursos minerais, e de sua soberania, em benefício de umas poucas “barrageiras” e multinacionais de minérios.

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Assumindo o Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc certamente não deixará que a agenda do governo seja pautada por franchises de ONGs ambientalistas estrangeiras. Ao contrário, talvez se possa mesmo considerar a possibilidade de, na agenda de negociações internacionais, virar o jogo e propor que países como os EUA e o conjunto da União Européia dêem início a um programa de reflorestamento de 1/4 de seus territórios para se igualar ao Brasil no que se refere às propostas estrangeiras de preservação integral da Amazonia por razões de interesse global relacionados às mudanças climáticas. Da mesma forma, o Canadá deveria ser instado a suspender imediatamente as recentes autorizações concedidas para a exploração de areais betuminosas em áreas de florestas centenárias, e a Austrália a interromper o desmatamento de florestas nativas também centenárias para a produção de celulose e papel. Quem sabe os bancos brasileiros se unem e criam uma ONG cujo objetivo seja fiscalizar o desmatamento e o grau de investimento em reflorestamento com espécies nativas nesses países?

terça-feira, 20 de maio de 2008

A dinâmica da inflação - por Luis Nassif

O Banco Central segue uma máxima: em qualquer hipótese, mais juros. Se a inflação está alta, mais juros para derrubá-la. Se está em queda, mais juros para que não suba de novo. Se está parada, mais juros para que continue assim.

Não fosse essa visão extraordinariamente ortodoxa, de quem não tem a menor preocupação com seqüelas da política de juros – como aumento da dívida pública, aumento do endividamento privado – o BC trataria de analisar desdobramentos da atual onda de aumentos dos alimentos, a chamada inflação importada.

A primeira, dados recentes da FAO (Fundo das Nações Unidas para a Alimentação) indicando um pico das cotações mundiais de alimento e a tendência de começarem a ceder. A segunda, dados de consumo dos brasileiros.

Ocorreu em 2002. A inflação elevada corroeu a renda especialmente das faixas de menor poder aquisitivo. Sem renda, não houve como convalidar o ritmo de alta dos preços. Lá por abril de 2003 a inflação não tinha mais fôlego para prosseguir.

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De certo modo, em grau menos drástico, é o que está ocorrendo agora. Segundo estudo da LatinPanel, entre janeiro e março de 2008 o volume de compras para abastecimento do lar ficou estável na comparação com igual período do ano passado. Já com relação ao último trimestre de 2007, houve retração de 4%.

Os alimentos foram os responsáveis pela maior baixa no período, com 6% no volume consumido entre janeiro e março deste ano. Na classe DE, a retração foi ainda mais acentuada: 7% com relação ao último trimestre de 2007.

As bebidas também tiveram queda no volume de consumo das famílias brasileiras, com recuo de 3%. Já as cestas de higiene pessoal e de produtos de limpeza se mantiveram estáveis no período.

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Menos renda, mais dificuldade em manter as prestações em dia. Segundo dados do Indicador Serasa de Inadimplência Pessoa Física, de janeiro a abril a inadimplência dos consumidores cresceu 6,7% frente a igual período de 2007.

O primeiro lugar na lista da inadimplência ficou com os bancos, com uma participação de 43,1% no indicador. Cartões de crédito e financeira aparecem em seguida, com 31,5%, ao passo que cheques devolvidos têm o terceiro lugar, com 23,1%.Segundo o levantamento, o valor médio das dívidas é de R$ 433,62, resultado 25,4% maior que o observado entre janeiro e abril do ano passado. Para os técnicos da Serasa, o aumento do endividamento da população conjugado à redução da renda disponível refletiu na alta do indicador de inadimplência no primeiro quadrimestre do ano.

De acordo com o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) medido pela Fecomércio, houve redução de 1% na confiança do consumidor paulista no mês de maio, na comparação com o mês anterior. Foi a primeira variação negativa nos últimos oito meses. Já em comparação com maio do ano passado, o índice registrou alta de 16,2%.

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É essa dinâmica, de queda de renda, de estabilidade nos preços agrícolas, de entrada das novas saras, que deverão garantir a estabilização da inflação nos próximos meses.

Mas o Banco Central sempre poderá alegar que foi a alta de juros que impediu a explosão de preços. E não haverá como rebater a posteriori.

O mundo é dos crédulos - o "dossiê" das Farc - por Guilherme Scalzilli

Papai Noel telefona de seu iglu na Lapônia para afiançar que acredita na honestidade do presidente colombiano, Álvaro Uribe, e na isenção do jornalismo brasileiro em sua cobertura sobre as Farc. Diz o bom velhinho: “se Uribe afirma que possui um computador apreendido junto às Farc e que enviou uma cópia de sua memória à Interpol, e se a Interpol garante que o material não foi adulterado, isto significa que Hugo Chávez é realmente o financiador da guerrilha”.

Homem das antigas, desprovido de tecnologia (o frio não a permite), o idoso Nicolau duvida que qualquer falsificação seja possível e crê fielmente que os guerrilheiros, escondidos na selva tropical, carregariam um computador portátil contendo listas de financiadores identificáveis, entre eles o malvado venezuelano.

E Noel aproveita para mandar um abraço a todos os comentaristas que, como ele, perscrutam a verdade acima de todas as mistificações. Rôu rôu rôu.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

A ministra e a morte do torturador - por Emiliano José (Cartacapital)

Quando alguém era preso entre o final de 1968 e 1977, para fixar um período, era tudo violência. Lembro, para recorrer à minha própria história, que já cheguei sangrando e sem camisa à sede da Polícia Federal em Salvador, no dia 23 de novembro de 1970. Depois, foi pau-de-arara, choque elétrico, afogamento, pancadaria, sangue. Menti que menti. Não conhecia um único endereço em Salvador, onde estava havia quase um ano. E não lembrava o nome de uma única pessoa. Se falasse a verdade, meus companheiros, minhas companheiras, viriam a sofrer as mesmas atrocidades.

Gozado que eu refletia sobre isso logo que caí. É, não estranhem, nós falávamos em queda quando alguém era preso. Dizíamos: o companheiro caiu para nos referirmos à prisão de alguém. Ainda estamos a dever um estudo sobre o nosso discurso particular do período. Pois é, logo que caí, ainda sob pancadas, cercado de tiras, seguindo para a Federal, eu imaginava que tinha de mentir muito para não prejudicar a organização revolucionária à qual pertencia – a Ação Popular. Eu pensava: a mentira está sempre com a ditadura. Hoje eu penso no quanto há de dificuldades para dicionarizar as palavras.

Mentira pode ser ruim, não é verdade? Nós não precisamos mais do que a verdade, o revolucionário precisa da verdade. Era o que Gramsci dizia. Mas, a verdade da sobrevivência sob situações de terrorismo de Estado, como aquela em que vivíamos durante a ditadura, podia estar na coragem para sustentar histórias que não tinham nada a ver com a realidade. Devemos, nesse caso, fazer uma discussão ético-moral para saber o que engrandecia o ser humano e o que o diminuía ou até o destruía.

Para a ditadura, com seu séqüito de tortura e morte, o bom sujeito era o que dizia a verdade. Essa denominada verdade era arrancada sob as mais abomináveis torturas de adultos, crianças, velhos, freiras, padres, o que fosse. Para os revolucionários, havia a verdade da revolução, a verdade da luta contra a ditadura. E para tanto, era necessário mentir para que ninguém caísse. Para que outros não sofressem, para preservar os combatentes do lado de fora, para que a luta pudesse continuar. Os revolucionários deviam dizer a realidade dos partidos a que pertenciam?

Isso tudo tem a ver com a discussão que o senador Agripino Maia provocou quando perguntou se a ministra Dilma Roussef havia mentido. E a ministra, com dignidade, respondeu de modo brilhante, porque verdadeiro. Será que o senador sabe o que é suportar o pau-de-arara e nada revelar sobre o paradeiro de companheiros? Sabe o que é lealdade, solidariedade com os parceiros de luta? Não se tratava de verdade ou mentira. Tratava-se, isso sim, de continuar a luta contra a ditadura e, para tanto, era fundamental que outras pessoas não caíssem.

Na visão da ditadura, encarnada agora pelo senador Maia, o correto seria a ministra delatar seus companheiros. Maia, sem nenhum pudor, pensou certamente na máquina de dar choques, na cadeira do dragão, no pau-de-arara, fixou-se ali ao lado dos torturadores, e não via por que a ministra, então uma jovem de 19 anos, revolucionária convicta, companheira de Lamarca, não falar, não revelar o paradeiro de seus amigos de luta. Essa é a verdade que ele defende. Essa é a mentira que ele pretendeu atacar. O bom, o eticamente defensável, seria a delação.

Nessa discussão não se pergunta sequer se havia algum momento em que o diálogo se estabelecia. Não havia diálogo. Não havia sequer resquícios de civilização. Havia o torturador e o torturado ou a torturada. Ninguém perguntava antes se você queria dizer alguma coisa. Primeiro, você era colocado no pau-de-arara. E aí começava o diálogo do senador Maia. Os que mentissem, nesse quadro de horror, eram os mais corajosos, como a ministra Dilma. Ela tem toda razão: é muito difícil sustentar mentiras sob a tortura, sob o terror da tortura.

A tortura é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político – no caso, naquele momento, da ditadura. À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar uma guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos.
O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, nos atormenta, nos persegue. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O corpo quer o término da dor. A mente pede que não ceda. Se não há solidariedade entre corpo e mente, o ser torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas.

Essa última parte está no meu livro Galeria F – Lembranças do mar cinzento, volume I, editado pela Casa Amarela. Quando o torturador consegue com que o torturado fale, tem nas mãos os despojos de um ser humano. Tudo isso é fruto da reflexão psicanalítica de Hélio Pellegrino. Se a pessoa não morre – se não fala – morre então o torturador, moralmente destroçado não pela mentira de sua vítima.

O torturador morre porque se defronta com um universo muito mais forte do que todo o terror que ele pode empregar: a lealdade, a solidariedade com os companheiros, a dignidade que se agiganta diante da barbárie, a responsabilidade histórica, coisas intangíveis, que só os espíritos nobres podem abrigar. O torturador – e a ditadura – vive da morte e na morte, sempre. O senador não cometeu nenhum deslize. Apenas revelou o que é: um partidário da tortura e da morte. Não se pode sequer falar em ato falho. Afinal, a esmagadora maioria dos integrantes de seu partido defendeu a ditadura e seus métodos.

Dilma derrotou seus algozes, os monstros que pretendiam destruí-la. Abrigava sentimentos nobres em seu coração, ideais revolucionários sólidos. Talvez pensasse, então, com Gramsci, ele outra vez, ser uma mulher comum, mas de convicções profundas. Nem Gramsci foi um homem comum, nem Dilma é uma mulher comum, no entanto. E a história dela está aí para provar. Sua dignidade comprovou-se naquele momento sombrio de nossa história. E ela seguiu adiante, inteira, o que não é fácil. Hoje tem o orgulho de falar daquele passado, dizer que não delatou seus companheiros porque estava ao lado da revolução brasileira, pela qual ela continua a lutar até hoje integrando o governo Lula, a mais bem-sucedida experiência de distribuição de renda e de inclusão social de nossa história, a nossa revolução democrática.

Os tiros da Toneleros ecoam? - por Mino Carta (Cartacapital)

Os esqueletos deveriam estar bem guardados nos armários e os fantasmas engolidos pelo tempo. Ou não? A oposição demo-tucana e seu porta-voz, a mídia nativa, ainda ouvem o eco dos tiros da rua Toneleros como os astrônomos o ruído do Big Bang difuso no universo. E 54 anos demonstram valer, à escuta dos opositores da nossa política, mais que os 10 bilhões, ou mais anos, percebidos em Jodrell Bank e adjacências.

A memória não é o forte das gerações mais recentes, e nem tanto. Vale a pena, portanto, recordar que os tiros da Toneleros, rua carioca, remontam aos começos de agosto de 1954 e foram dirigidos contra o grande acusador do governo constitucional de Getúlio Vargas, Carlos Lacerda. Um o atingiu no pé, outro matou seu acompanhante, o major Vaz, da Aeronáutica.

Foi o lance crucial de uma crise que vinha desde o início do governo Vargas, combatido em duelo ao último sangue não somente porque não lhe perdoavam a ditadura estadonovista, mas também, e sobretudo, a política nacionalista. À sombra de Vargas nasceram, por exemplo, Volta Redonda e a Petrobras, e leis trabalhistas que há tempo soam como obsoletas, embora à época fossem revolucionárias aqui na terrinha.

Tio Sam sempre contou com magníficos advogados na Terra Brasilis. A tocaia urdida na Toneleros por profissionais contratados pelo “anjo negro” de Vargas, númeno e fenômeno dos guarda-costas, Gregório Fortunato, é episódio digno do Oeste selvagem, e a campanha liderada pelo tribuno da aristocracia udenista, a denunciar desmando e corrupção, ganhou fôlego e substância. O Palácio do Catete, sede do governo nacional no Rio capital, segundo Lacerda, fora submergido por um “mar de lama”.

A tragédia tropical encerra-se com outro tiro, aquele do suicídio de Getúlio, direto ao coração, na noite de 24 de agosto de 1954. O povo chorou muito a morte do “velhinho” e os planos da elite foram realizados, a rigor, somente com o golpe de dez anos depois. E nem mesmo a contento de Lacerda e companhia. Rondavam o território raposas mais espertas.

Os intérpretes da pantomima dos dias de hoje, 54 anos depois, não figuram na família das raposas, embora suponham nascer do conúbio entre estas e os lobos. Creio que Dante colocaria Lacerda no Inferno. Não existe, porém, um único, escasso personagem na oposição demo-tucana que se pareça com ele, mesmo vagamente, em cultura e oratória.

Não há semelhança, tampouco a mais pálida, entre os tiros da Toneleros e o chamado dossiê anti-FHC, que devora as energias oposicionistas na tentativa de manter o assunto nas primeiras páginas. Como se deu em outras ocasiões quando se pretendeu provar que um mar de lama invade o Palácio do Planalto, o Alvorada, a Granja do Torto, a patética expectativa por uma situação capaz de derrubar Lula acaba por se esvair em sua própria fragilidade

Não é que a mídia deixe de se empenhar no limite de seus modestos alcances. Observe-se, contudo. Apresenta-se como “dossiê” o que não passa de planilha. Atribui-se o vazamento a um burocrata menor, em conluio com outro do mesmo porte, assessor do senador Álvaro Dias, quando o vazamento é obra deste senhor, indiscutível no lance. Procura-se demonstrar uma chantagem sem que surjam os indispensáveis chantagista e chantageado. Trata-se em vão de demolir no nascedouro uma eventual candidatura da ministra Dilma Rousseff em 2010, com o exclusivo resultado de torná-la a cada dia mais conhecida do Oiapoque ao Chuí.

Tem mais. Há uma identificação tão profunda entre Lula e o povo brasileiro, tamanha carga de empatia, que torna o presidente indestrutível. Investir contra ele recorda Dom Quixote da pior maneira. A oposição e a mídia demo-tucanas não vivem a demência empolgante do herói de Cervantes, trafegam é pela raivosa incompetência dos medíocres.

Lula, nas circunstâncias, é a pedra que o vento não molda e a água não fura, seja bom seu governo para o povo brasileiro, ou não. Convém neste momento cogitar apenas de outra questão: o próximo presidente, venha de onde vier, não será um ex-metalúrgico dotado de formidável carisma. E, na ausência de um líder que goza da aprovação incondicional, governar ficará mais difícil.


Comentário: Em sendo de direita e, por conseguinte, tendo total apoio da mídia, até que não é assim tão difícil. Consegue-se até doar a Companhia Vale do Rio Doce.

Lula não é um pirata - por Gianni Carta (Cartacapital)

No seu livro Piratas do Caribe: Eixo da Esperança, com lançamento previsto para fim de junho pela Editora Record, o anglo-paquistanês Tariq Ali, editor da New Left Review, teoriza que da América do Sul está emergindo “ uma alternativa social-democrata ao capitalismo neoliberal”. Os chamados piratas do continente, influenciados por Fidel Castro (e agora Raúl), são Hugo Chávez e Evo Morales, em Pirates of the Caribbean: Axis of Hope (Londres, Nova York: Verso, 2006). Na versão brasileira, Ali acrescenta o presidente do Equador, Rafael Correa, eleito em novembro de 2006.

Quem encara estes líderes sul-americanos como piratas é Tio Sam, porque “desafiam as certezas da nova ordem e desconsideram os sinais proibidos por Washington”, escreve na edição inglesa, na qual se baseia este texto, Tariq Ali, historiador e prolífico novelista educado em Oxford. Pior: os piratas propõem uma social-democracia “capaz de servir às necessidades dos pobres”, ou seja, da vasta maioria de suas populações.

Em conversa com CartaCapital, Ali, de 64 anos, sublinha não constarem do “Eixo do Bem” (para revidar o “Eixo do Mal” de Bush) outros líderes da América do Sul, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo Tariq Ali, Lula está longe de ser uma aresta para a chamada globalização. “Eu costumo chamar o Lula de Tony Blair tropical”, diz Ali, na sua casa ao norte de Londres. Vasta cabeleira branca, bigodões da mesma cor, olhos fixos no interlocutor, Ali espera uma reação – e a obtém: risos, aos quais presta contribuição fragorosa. E emenda: “O diário O Globo estampou numa manchete minha frase comparando Lula a Blair, e, ironicamente, alguns assessores do Lula se mostraram, acredite, muito felizes com a comparação”.

Repetindo uma frase de seu livro, Ali oferece o seguinte argumento: “Lula está para Fernando Henrique Cardoso assim como Tony Blair para Margaret Thatcher”. E parafraseando FHC: “O problema do Lula é se comportar como eu no quesito economia; ele deveria tentar ser ele mesmo”.

Em Pirates, Ali escreve: “O abandono do Partido dos Trabalhadores (PT) de seu programa tradicional a favor do capitalismo neoliberal foi uma questão de escolha. Como outros partidos social-democratas, a liderança do PT decidiu ser mais importante chegar ao poder do que a aderência a um programa. Toda a campanha do Lula mesclou um apelo direto aos pobres, incluindo constantes referências ao seu próprio passado social, e sua determinação para criar uma sociedade melhor com repetidas garantias para o FMI e para o Banco Mundial... se eleito, ele não alteraria o sistema implementado pelo seu predecessor”.

As flechadas de Ali não se direcionam somente a Lula, mas tem também como alvo outros colaboradores próximos do presidente, como o ex-ministro Antonio Palocci. Na conversa, Ali acrescenta um palavrão ao pronunciar-lhe o nome. Na breve biografia que tece de Palocci, mostra-o envolvido em esquemas de corrupção do PT na cidade de Ribeirão Preto, onde foi prefeito.

Ex-trotskista, Palocci, apreciado pelas instituições financeiras globais, deu uma guinada para a direita e passou a integrar a facção neoliberal do PT. Vale, porém, a seguinte pergunta: será que o senhor Palocci não foi sempre um neoliberal, ou melhor, aquele tipo de político que rema no sentido da corrente? Por vezes, a confiança de Tariq Ali em determinadas figuras reflete certa ingenuidade, surpreendente em um agitador político global, de mente crítica e pena solta.

Diga-se que seu senso de humor é apurado. Ali conta em Pirates a história do ex-ministro José Dirceu. Esquerdista radical, lutou contra a “brutal ditadura” nos anos 60, teve de se refugiar em Cuba, onde aprendeu táticas de guerrilha, fez cirurgia plástica para mudar suas feições e voltou para o Brasil ainda nos tempos do regime fardado. Observação final: “Os cubanos mudaram seu rosto, mas até mesmo com toda sua avançada tecnologia médica não puderam transplantar um cérebro”.

O editor da New Left Review também coloca pontos de interrogação sobre a morte do petista Celso Daniel, em 2002. Eleito para a prefeitura de Santo André três vezes, Daniel teria em mãos um relatório sobre a corrupção do PT em Santo André, escreve Ali. O irmão do prefeito assassinado João Francisco Daniel, atualmente residente em Paris, sustenta que Celso foi morto devido à sua oposição aos esquemas do PT. Tariq Ali cita João Francisco e lhe dá crédito.

Costumeiro viajante ao Brasil, onde a Record publicou vários dos seus livros, Ali também conta para CartaCapital histórias divertidas sobre suas experiências vividas na Terra Brasilis. Por exemplo. Quando do lançamento de um de seus livros na Festa Literária Internacional de Paraty, “houve um jantar organizado pela elite brasileira e a Record disse que eu estava convidado e precisava ir”. Foi. “E já à mesa, começaram a falar de Chávez.”

“Tema polêmico no Brasil”, interrompo. “Sim, mas polêmica faz parte, caso contrário não há debate”, rebate Ali. “Mas com as elites brasileiras fica difícil debater quando não estão de acordo”, continuo. “É um pouco verdade isso. Lembro-me de que eu apontei em Chávez o único líder latino-americano, ao lado de Morales, capaz de contar com seguidores em todo o mundo. Quando ele veio a Londres, foi como se Giuseppe Garibaldi tivesse lá desembarcado. Havia multidões em todos os lugares aos quais ele comparecia.”

Um sucesso?

“Sucesso total. Mas em Paraty tinham suas dúvidas. Uma senhora disse: ‘Ah, isso não me surpreende, em Londres há muitos cidadãos da Índia, do Paquistão e desses outros lugares’. Perguntei: A senhora está se referindo a gente como eu, de origem paquistanesa? Eu precisava ser explícito, e disse: O fato de crer que as únicas pessoas interessadas em Chávez são de pele escura demonstra como a senhora é doente”. E Ali prossegue, implacável. “E acrescentei: está errada sobre a etnia das pessoas que quiseram ouvir Chávez, em Londres. Várias delas tinham a pele alva, muito mais alva do que a sua. Gente de sangue puríssimo.” E explode a sonora gargalhada de Ali.

O Brasil é racista, mas ele crê que em certos países do continente o racismo é ainda maior. Ele diz “odiar” quando visita Chávez, na Venezuela, e escuta a elite de cor mais clara chamá-lo de macaco. “É deprimente”, constata Ali. Esteve em La Paz, em 1967, pela primeira vez, e observou lá o mesmo problema. Mas ele diz: “No meio dos escassos brancos, eu era outro índio”.

A vitória de Evo Morales em 2005 “marca uma nova fase na história turbulenta da Bolívia”, enfatiza Tariq Ali. “Antes de 2005 nenhum líder indígena chegou perto do poder, e esqueça a Presidência.” De fato, para Ali, a revolução de 1952, na Bolívia, faz parte de um “processo vital” que deu forma ao tablado político hoje encabeçado por um indígena, o presidente Evo Morales. Contudo, estranhamente, diz Tariq Ali, a revolução de 1952 não é relatada com a devida importância nos livros de história mundo afora.

Em Pirates fica claro que Tariq Ali conhece Chávez melhor que todos os outros atuais líderes da América do Sul. Justamente em Caracas, Ali esteve com Morales, em abril de 2003. Morales, “homem seguro se si”, relata Ali, “explicou calmamente que as condições na Bolívia eram inaceitáveis para a maioria dos cidadãos, e previu que algo tinha de ser mudado e seria... era a elite que seria forçada a realizar concessões maciças, ou ser removida por uma revolução popular”. Cerra os olhos ao recordar e diz que o otimismo de Morales era “contagiante”.

Dois anos após, vencidas as eleições, Morales foi a Cuba para falar com Castro. Na volta, parou em Caracas. “A partir de então, aqueles três governos estavam unidos e tinham como norte uma Federação Bolivariana.” Comenta Ali que para os americanos a decepção não poderia ser maior. E lembra: o Financial Times publicou a seguinte manchete: “Evo Morales se curva diante do chavismo”.

O “conformismo” que toma conta do mundo é incentivado pela mídia, “concentrada nas mãos de meia dúzia de empresários” (cita Rupert Murdoch e Silvio Berlusconi, e esquece os Marinho), eles preferem doutrinar as massas a favor da globalização a criar espírito crítico. Ali cita os casos do semanário Economist e do diário Financial Times, ambos metidos em campanhas para desestabilizar Chávez no golpe que o derrubou brevemente em 2002. Ali também não poupa críticas contra diários ditos liberais, como El País e Le Monde, e redes de tevê como a BBC (para não falar na CNN), que servem, segundo ele, à ordem mundial da globalização.

Já seu espírito crítico permite-lhe colher momentos infelizes de Chávez. Por exemplo, quando comparou Bush a Hitler. “Aquilo não foi necessário. Às vezes, o Chávez não pensa com cuidado antes de falar. Comparar o Bush com o Hitler é tolice, e é uma inverdade.”

No contexto atual da América Latina, argumenta Ali, “Morales faz parte do processo começado por Simón Bolívar no século XIX”. Ou seja, Morales, Chávez, Castro e Correa não são nacionalistas, conforme a onda que varreu o mundo há dois séculos, mas pensam “em termos de continente”. De Correa ele acentua a inteligência “e o refinado senso de humor”.

E Lula? Tariq Ali relata o que lhe contou tempos atrás uma fonte segura: “Chávez e Lula estavam conversando, após a tentativa de golpe para depor o venezuelano, em 2002. Com irônica bonomia, Chávez disse: Lula, sabe qual é seu problema? Os americanos nunca vão tentar te derrubar”.

Rosa dos ventos - por Maurício Dias (Cartacapital)

O prefeito Cesar Maia acredita que eleição é a arte do cálculo político. Baseado nesse princípio, ele criou agora uma cartilha: “31 dicas para a campanha eleitoral”. O decálogo abaixo traduz a essência do pensamento do burgomestre carioca. Um verdadeiro manual de ataque e defesa.

1. O seu adversário de votos é quem pensa como você ou se dirige ao mesmo perfil de eleitor.
2. Primeiro o eleitor decide em quem não se deve votar. Ajude.
3. Discuta só o tema que você propôs. O tema proposto pelo adversário deve ser simples ponte para você chegar ao seu.
4. Defina o “inimigo”. Depois dê nitidez a ele. Só você pode desmontá-lo.
5. O tema honestidade é visto pelo eleitor de outra forma. O tema certo é confiança.
6. O centro é o alvo, não é o ponto de partida. Ou seja, se parte desde posições nítidas para se atingir espaços políticos de centro.
7. As pesquisas mexem com o animus de campanha. E com o financiamento.
8. Os ataques devem ser desconcertantes, surpreendentes. As agressões – gritos e palavras chulas – ofendem o eleitor.
9. Não ataque todas as candidaturas no primeiro turno. Você precisará de uma delas – pelo menos – no segundo turno.
10. Em debates, perguntar é sempre mais arriscado que responder.
O item 10 parece inspirado pela pergunta do senador Agripino Maia à ministra Dilma Rousseff.


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Conversa sobre a cegueira

Embora a democracia seja o regime da desconfiança institucionalizada apoiada no princípio legal da fiscalização, a classe média brasileira, atiçada pela mídia, anda desconfiada demais. Uma desconfiança sustentada pela perigosa manipulação de um moralismo que não é outra coisa senão a manipulação hipócrita da ética.

O Brasil, nesse sentido, faz um vôo cego.

Não se trata de tentar obstruir a ação da Justiça e de seus agentes. Mas é sabido que, se todos os crimes fossem descobertos, não somente o rei, mas, também, os homens mais comuns estariam nus, como argumenta o sociólogo Ralf Dahrendorf, que vê um sentido positivo em certo nível de ignorância.

“Popitz sustenta com magnífica ironia um ponto importante, segundo o qual nenhum sistema de normas agüentaria o conhecimento total de todas as violações”, cita Dahrendorf no livro A Lei e a Ordem, publicado pelo Instituto Tancredo Neves. E tome mais uma magnífica ironia. O Tancredo Neves é um órgão de ação partidária dos Democratas (ex-PFL). Nada mais, nada menos.

Planeja-se agora, às vésperas da eleição, o atentado a um dos mais caros princípios das leis democráticas: a presunção de inocência. É uma seqüência, quase que natural, dos aplausos à decisão do deputado Roberto Jefferson de acusar sem apoio em provas. Os cidadãos podem julgar, na hora de votar, a partir de convicções pessoais. A Justiça tem de se apoiar em provas para julgar e condenar.

A Igreja amplia e pavimenta esse caminho antidemocrático ao propor o veto a candidatos que estejam sendo processados judicialmente. Os Tribunais Regionais Eleitorais engrossam o movimento e, surpreendentemente, o ministro Carlos Britto, do Supremo Tribunal Federal, apóia a causa.

Resta a pergunta: e se um candidato vetado por responder a processo, ao fim do julgamento, for declarado inocente? Quem vai ressarci-lo dos danos morais e materiais? E, no caso, com a posição que a Igreja tomou, não dá nem mesmo para reclamar com o bispo.

É sabido que, no Brasil, o assalto aos cofres públicos é um vício ancestral. Vício que desembarcou por aqui numa das caravelas de Cabral. Em qualquer cantinho escuro que for iluminado arrisca-se a flagrar uma orgia com o dinheiro público.

Políticos, juízes e jornalistas, entre tantos outros, parecem buscar cegamente a ruína da validade das normas. É possível datar essa sofreguidão a partir da eleição de Lula. A entrada do operário no Clube dos Eleitos, onde só se tinha acesso com diploma ou com espada, empurrou os derrotados para uma posição de confronto com as instituições democráticas. O ataque ao Congresso pressupõe que o País seria melhor sem ele. Mas, resta pensar, que nome se daria ao regime?


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Andante Mosso

Reaparece a IV Frota (1)
Em boletim recente, de circulação restrita, a Stratfor, agência privada de informações dos EUA, ao analisar a decisão do governo americano de reforçar a presença militar nas águas da América Latina com a reativação da IV Frota, puxa para a cena um dado importante.

A gigantesca descoberta de petróleo no litoral brasileiro:

“O recente anúncio da possível descoberta de um campo de petróleo em águas brasileiras mostra que o peso da região é crescente (...) Os militares americanos se preparam para dar mais segurança à região, na medida em que ela se tornar mais significativa geopoliticamente”.

Reaparece a IV Frota (2)
Para a Stratfor, chamada nos Estados Unidos de “A CIA na sombra”, o Brasil continua a buscar mais “poder e influência” na região com a expansão de sua força naval. A reação norte-americana é assim:
“Os Estados Unidos, entrando no jogo mais cedo, mostram efetivamente o desejo de engajar o Brasil na regra de manter a cooperação para evitar a competição”.
A iniciativa do Brasil, a presença de Chávez, de Morales e a descoberta de petróleo mudaram o foco da Casa Branca na região.

Marina semeou
O gesto de renúncia da ministra Marina Silva somou dignidade e coragem. Na dose certa e na hora exata.

Ela soube pelo noticiário que tinha perdido o controle de alguns assuntos da área do ministério que comandava. Fez o Planalto saber pelo noticiário que tinha se demitido.

A tensão no ministério vai continuar, porque Marina mostrou que é preciso desenvolver sem depredar.

No século XX, o crescimento no Brasil foi autoritário, concentrador de renda e predatório. No século XXI tem sido democrático e Lula começou a distribuir renda.

Falta incorporar a qualidade socioambiental ao desenvolvimento.

Dose dupla
Os dois maiores problemas do governo no momento são:

A Marina ter saído e o José aparecido.

Cena brasiliense
Nasceram no Rio de Janeiro 11 dos 15 ministros do Superior Tribunal Militar.

Um paulista, um mineiro, um cearense e um norte-rio-grandense compõem o restante daquela Corte.

Essa representação é um retrato da esmaecida federação brasileira.

Sob fogo cerrado
Os seguranças do governador Sérgio Cabral, do Rio, têm sido vítimas da violência.

Um policial da guarda pessoal dele foi fuzilado no bairro da Abolição, na zona norte. Uma capitã PM, da segurança dos filhos do governador, foi assaltada perto do Palácio Guanabara, onde Cabral despacha. Na terça-feira 13, três PMs da segurança da família do governador foram rendidos e perderam um fuzil e duas pistolas.

A polícia carioca tem combatido duramente os traficantes. Ações, por sinal, alvo de críticas das organizações de direitos humanos.

Essa seqüência de episódios pode ser coincidência. Mas pode não ser. Afinal, se o cavalo ganha uma vez, é sorte; se ganha duas, é coincidência; se ganha três vezes, é melhor apostar no cavalo.

Rota de colisão
Ao se aproximar a data do 20º aniversário, é possível perceber duas grandes linhas de divergência em torno da Constituição.

De um lado, há quem, como o ministro Gilmar Mendes, enalteça as emendas feitas à Carta. De outro, os que acreditam, como o presidente Cezar Britto, da OAB, que as emendas descaracterizaram a Constituição.

O vôo de Garotinho
O ex-governador Anthony Garotinho está com um pé no PSDB.

Vai aguardar as eleições para dar o passo à frente. Antes, quer eleger o maior número possível de prefeitos e vereadores para dar vigor aos debilitados tucanos fluminenses.

Enquanto isso, ele pavimenta as relações com os futuros correligionários. Freqüentemente, no blog, Garotinho faz reverências ao ex-presidente Fernando Henrique e ao senador Arthur Virgílio.

Só falta dar um abraço público no governador José Serra, como fez com o constrangido Geraldo Alckmin na campanha eleitoral de 2006.

A ditadura do judiciário - por Wálter F. Maierovitch (Cartacapital)

O barão de Montesquieu, morto em 1755, foi um dos pensadores que ajudaram a moldar o ideal de separação, independência e harmonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Inspirou também a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada pela Revolução Francesa de 1789, a Constituição dos Estados Unidos de 1787 e inúmeras e vigentes constituições republicanas, inclusive a nossa.

Com o passar do tempo e os aperfeiçoamentos democráticos, foi identificada pela doutrina como patologia nos mecanismos montesquieunianos de freios e contrapesos a invasão de competência de um poder sobre o outro. Em outras palavras, a ditadura por um dos poderes do Estado. Como aquela que se assistiu, por exemplo, no Estado Novo de Vargas ou nos anos de chumbo dos governos militares, com o impedimento para o Judiciário examinar certos pedidos de habeas corpus em razão da matéria: crimes políticos.

Para muitos constitucionalistas europeus, a pior das ditaduras é a do Judiciário, um poder que não tem exércitos nem generais ou armas de fogo.

Fiel à doutrina e ao princípio da separação dos poderes e ao texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF), durante anos, entendeu que as medidas provisórias editadas pelo Executivo eram atos de natureza administrativa que só cabiam ao Legislativo chancelar ou recusar. Portanto, as questões de urgência, de relevância e de imprevisibilidade, bases constitucionais para edição de MPs, ficariam a juízo do Executivo e sujeitas ao referendo ou à recusa do Legislativo.

No governo FHC, pródigo como o de Lula na edição de MPs, em especial as de créditos extraordinários, prevaleceu essa lógica. Como garantia fixou-se o prazo de 60 dias para, com possibilidade de prorrogação, a caducidade de uma medida provisória e o bloqueio da pauta do Legislativo, a partir do 45º dia, para forçar o seu exame e evitar prejuízos.

Na quarta-feira 14, por 6 votos a 5, a jurisprudência do STF se alterou e a Justiça passará a examinar, numa subversão de atribuições, se uma MP é ou não emergencial. Em resumo, a atribuição típica do Executivo, com controle do Parlamento, passa a ser, em instância de cassação, examinada pelo Judiciário, na condição de fiscal de tudo.

O STF abriu uma senda perigosa. Do desequilíbrio entre os poderes e da invasão de competências. Aquilo que conduz à chamada Ditadura do Judiciário.


Comentário: O fato das MPs trancarem a pauta do congresso depois de 45 dias de emitidas só começou a vigorar no fim do 2º mandato de FHC. Houve MPs do Farol da Alexandria que foram emitidas e reemitidas por ano. Senão me falha a memória, este projeto só foi votado quando Lula JÁ HAVIA SIDO ELEITO. Ou seja, o grandw FHC governou com MPs sem nenhum tipo de subordinação por anos, sem nem trancar a pauta do cngresso. E agora, o STF quer interferir. Pergunto: onde estava o STF durante o período tucanalha? Nunca tinha visto MP? Nunca tinha ouvido falar? O STF tinha saído pra passear?

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Vai fazer falta - por Ricardo Young (Cartacapital)

Marina imprimiu uma gestão pontuada por uma visão estratégica do meio ambiente, com foco no desenvolvimento sustentável. Sua saída é uma derrota deste governo, que não consegue enfrentar com rigor e coragem os desafios que têm pela frente

As empresas socialmente responsáveis, que buscam o equilíbrio socioambiental e econômico por meio de uma nova maneira de fazer negócios, devem estar bastante desapontadas com a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente. Desapontadas mas não surpreendidas, porque a ex-ministra teve sempre de enfrentar muitas resistências as suas idéias e precisou comprar muitas brigas por elas, logo Marina, pessoa tão afável e muito mais adepta do consenso do que do confronto.

Os meios de comunicação destacam os reveses que ela sofreu como motivos de sua demissão. Eu quero destacar as vitórias de sua gestão, importantes para o (pouco, mas expressivo) avanço que a questão do desenvolvimento sustentável obteve nesses últimos seis anos no âmbito do Executivo federal.

Marina imprimiu uma gestão pontuada por uma visão estratégica do meio ambiente, com foco no desenvolvimento sustentável, que passava por todo um esforço de melhoria dos quadros técnicos, da legislação e da fiscalização, bem como do enfrentamento das forças interessadas na destruição da floresta.

Dessas realizações, não podemos deixar de destacar a verdadeira revolução que Marina promoveu no Ibama, responsabilizando-o como órgão executor da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), exercendo atividades de controle e fiscalização de recursos naturais, realizando estudos ambientais, liberando licenças ambientais, embargando obras, propondo e editando medidas ambientais. Ao criar o Instituto Chico Mendes em 2007, deu relevância maior às atividades de apoiar o extrativismo e as populações tradicionais, executar políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais e incentivar programas de pesquisa e de proteção à biodiversidade, antes a cargo do Ibama. Por isso, nunca na história da entidade, este Instituto teve um papel tão ativo na preservação das nossas imensas riquezas naturais, embora esse papel ainda esteja longe do ideal.

Marina Silva também inovou ao criar o conceito de floresta pública para manejo privado, criando o interesse econômico na floresta em pé, fundamental para segurar o desmatamento. O projeto causa polêmicas e até agora não conseguiu sair do papel. Mas é uma prova de que a ex-ministra e agora senadora pode pensar à frente do seu tempo.

Especificamente para nós, empresários comprometidos com a gestão socialmente responsável como ferramenta de transformação social, a passagem de Marina Silva pelo Ministério do Meio Ambiente representou uma oportunidade única de diálogo de alto nível com foco na solução dos problemas e não no proselitismo político. Por isso, os verdadeiros empresários do agronegócio sabem que perderam uma importante aliada que tem voz nos meios externos e, enquanto esteve à frente da pasta do Meio Ambiente, usou-a para defendê-los, separando o joio do trigo.

Finalmente, mas não por último, a maior vitória de Marina é ter posto a visão do desenvolvimento sustentável na pauta de todas as discussões ministeriais. Por isso, ela deve ter perdido apoio de governo, mas não poderá ser esquecida nem longe do Ministério. A saída dela não é derrota da Marina ou de algo que tenha feito. É derrota deste governo que não consegue enfrentar com rigor e coragem os desafios que têm pela frente.

O maior deles é, sem dúvida, a Amazônia. Como ela destacou em sua carta de demissão, “o que se fizer na Amazônia será o padrão de convivência futura da humanidade com os recursos naturais,a diversidade cultural e o desejo de crescimento...(e) revela potencial de gerar alternativas de resposta inovadora ao desafio de integrar o social, o econômico e o ambiental ao desenvolvimento”.

O Instituto Ethos entende que, a partir de agora, a busca pelo desenvolvimento sustentável deixa de se dar no nível institucional e volta para a sociedade. E espera ter na senadora Marina Silva uma trincheira no Legislativo, dando novamente a este Poder a possibilidade de assumir papel mais relevante no debate sobre desenvolvimento sustentável.

O "ombudsman" da Folha - por Guilherme Scalzilli

Ressalvadas as inegáveis qualidades dos profissionais que já ocuparam o posto de ouvidor da Folha de São Paulo, nenhum jamais levou a defesa dos leitores ao extremo de confrontar efetivamente o jornal, arrancando-lhe providências indesejadas. Ao contrário dos colegas das empresas não-jornalísticas, os da Folha parecem permanentemente temerosos de melindrar os patrões: edulcoram as denúncias mais constrangedoras, sopram com elogios as feridas abertas pelas raras críticas contundentes, privilegiam análises desprovidas de conteúdo político.

O jornal costuma tratar o cargo de ouvidor (que chama de “ombudsman” para europeizá-lo) como um trunfo propagandístico, espécie de atestado de sua pretensa modernidade. A simples existência da função garantiria uma aura de independência e imparcialidade ao veículo, protegendo seus consumidores do mau jornalismo e das enganações típicas do mercado.

Nesse aspecto, o ouvidor faz parte do logro. Não existe imprensa “livre” em estado absoluto, especialmente no suporte impresso, que atravessa dificuldades financeiras e depende da satisfação de seus anunciantes empresariais. E não parece honesto prometer uma isenção que ultrapassa as limitações humanas e, notoriamente, os interesses do próprio jornal. Ou alguém acredita que a Folha não defende suas preferências político-partidárias?

O fato inconfesso é que o jornal atravessa uma grave crise de credibilidade, acentuada crescentemente durante o primeiro governo Lula. Nos últimos seis anos, a Folha protagonizou alguns dos episódios mais vergonhosos da história do jornalismo nacional, pelos quais nunca se dignou a responder: as falsas acusações oriundas do dossiê Vedoin, a responsabilização do governo federal pelos acidentes aéreos, o silêncio diante dos escândalos dos governos Alckmin e Serra em São Paulo, o factóide do “dossiê” da Casa Civil. Em todas as ocasiões, os ouvidores fizeram pouca diferença.

Mário Magalhães foi esperto ao fugir do naufrágio, no início do mês passado. Em plena efervescência do episódio do tal “dossiê” (no qual a Folha compôs uma vergonhosa parceria com a famigerada revista Veja), a direção do jornal decidiu não mais divulgar na internet a crítica interna diária do ouvidor. A inacreditável justificativa para a decisão era de que “a crítica interna vinha sendo utilizada pela concorrência e instrumentalizada por jornalistas ligados ao governo federal”.

Reflitamos por um segundo acerca da pérola. “Instrumentalizada por jornalistas ligados ao governo federal”. Instrumentalizada. Uma afirmação dessas só faz sentido quando pressupomos alguma guerra sangrenta, desigual e suja em andamento. O inimigo pode utilizar valorosas informações contra nós, então lutamos para preservá-las no mais absoluto sigilo. Quem seria o inimigo, no caso? O governo federal. Quais seriam tais informações secretíssimas? As críticas suaves do profissional pago para criticar suavemente. Mas, convenhamos, a Folha precisa mesmo temer a rigidez analítica de alguns servidores públicos?

Tudo isso em plena vigência do Estado democrático de Direito. Eis o papel construtivo, desapegado e zeloso da Folha: fugir de "jornalistas ligados a", alimentar a hipocrisia e abafar a controvérsia para combater um governo reeleito, legitimamente empossado e aprovado pela esmagadora maioria da população.

O novo ouvidor, Carlos Eduardo Lins da Silva, chega para edulcorar, com seu currículo impecável, a falsidade do cargo. Uma pena. Nós, os leitores, estamos acostumados à superficialidade ritualística, aos comentários cheios de pruridos, à doçura corporativista do fiscal de costumes que existe apenas para medir as tangas do jornalismo mal-intencionado.

E não precisamos de intermediários para criticar a mídia. Já fomos devidamente "instrumentalizados", pela própria Folha, queira ela ou não.

O viés político - por Guilherme Scalzilli

A incriminação de um assecla de José Dirceu no vazamento da planilha com os gastos do casal FHC vinha sendo cantada nos corredores palacianos há pelo menos uma semana. Dirceu estaria mandando um recado aos mentores da pré-candidatura de Dilma Rousseff, na linha “ou me chamam para a conversa ou eu melo tudo”. Pode ser mentira, mas não soa inverossímil.

Só que as grandes indagações permanecem abertas. A confecção desse tipo de documento é mesmo ilegal? O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), a revista Veja e a Folha de São Paulo não seriam no mínimo cúmplices da divulgação de dados sigilosos? A propósito, são de fato sigilosos os tais dados? É curioso que os famosos “advogados ouvidos pela Folha” não possuam respostas razoáveis para perguntas tão simples.

A confecção de um levantamento dos gastos com os cartões de FHC e esposa obedece à lógica da chantagem política instaurada pela oposição nos bastidores da CPI. A estratégia inicial dos oposicionistas era utilizar a opinião pública para forçar a divulgação dos gastos de Lula, livrando seu antecessor de semelhante escrutínio. A imprensa ansiava o aparecimento de um “dossiê” dos cartões da família Lula, e reagiu indignada porque sua estratégia foi anulada pela antecipação dos adversários.

Claro que, agora, o vazamento deixou de ser importante. Todos querem saber quem fez o levantamento, com o tal “viés político”, termo empregado insistentemente pelo noticiário. Pois e daí se houve esse viés político? Não há vieses políticos em tudo que se faz em Brasília? Não há viés político na súbita onda de tolerância com os gastos de Sua Majestade FHC (“um presidente não pode servir vinho Chapinha a seus convidados”)? Não há viés político na tentativa de inutilizar o conteúdo do levantamento através de sua condenação? Não há viés político no fuzilamento moral de Dilma Roussef?

Ora, “viés político”. Era só o que faltava. Como se houvesse puro espírito informativo nos gorgulhos reacionários de Veja ou nessa patética defesa da honra ferida, impetrada pela sucursal da Folha, ou ainda nos arroubos contraditórios dos comentaristas da CBN. Primeiro foi “oh, fizeram um dossiê”, depois “oh, divulgaram-no” e então vivemos o “oh, fizeram o dossiê” novamente. São imparciais, realmente.

E, afinal, o que diz o tal levantamento? É verdade que o casal FHC gastou R$ 106,90, no dia 29 de setembro de 1998, em “balinhas sortidas”? O que diríamos se Lula tivesse torrado R$ 702,00 em “vinhos e cognac”, como fez FHC em 23 de março de 1998? E que tal os R$ 346,20 em “queijos importados” (30/4/98)? E os “fechos de sutiã”, os “óculos de natação”, o “carvão para churrasco”?

Uma iguaria nordestina serviu para constranger um ministro que pagara por seu parco almoço de oito contos. A tapioca é um escândalo, mas os “frutos do mar” atendem à altivez do cargo? Criar boatos sobre a plástica de Dona Marisa é jornalismo, mas divulgar as jujubas de Dona Ruth virou pecado? Especular sobre os hábitos etílicos de Lula atende ao interesse público, mas os milhares de reais gastos por FHC em bebidas alcoólicas de todo tipo, no intervalo de um ano, pertencem a bebericos sociais?

O governo Lula, em sua proverbial pusilanimidade diante dos ataques da imprensa, parece ter um prazer masoquista com esse tipo de baixeza vulgar. Gente mais sacudida mandaria os molambos pentearem macaco. E instaria o Ministério Público a determinar se houve ilícito no caso e em seguida identificar e punir os autores e partícipes do mesmo.

Só que aí não teria graça alguma, né? Seria “antidemocrático”.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Vermelho - entrevista com Paulo Henrique Amorim

Na primeira parte de sua entrevista ao Vermelho, concedida em abril, na sede da TV Record, em São Paulo (SP), PHA comentou diversos episódios que, certamente, estarão em seu próximo livro. Caso do rompimento de contrato imposto a ele pelo iG em março passado. A rescisão — ou “limpeza ideológica, como Amorim prefere enunciar — subtraiu-lhe a visibilidade, a estrutura e o salário propiciados por um grande portal.


Mas PHA não se intimidou. Além de o Conversa Afiada ter voltado ao ar em menos de nove horas, o jornalista recuperou — através de um mandado de segurança — o conteúdo apagado pelo iG e até elevou o tom das denúncias. Convém aguardar o “livro do PiG”, cujo lançamento está previsto para este ano. A entrevista a seguir, para todos os efeitos, é um aperitivo do que vem por aí.


PHA: iG fez “limpeza ideológica”



Você disse à Revista Fórum que soube de sua demissão enquanto participava de uma gravação na Record. Como foi que tudo ocorreu?
Eu estava gravando um programa de três blocos chamado Entrevista Record, da Record News. No intervalo do segundo para o terceiro bloco — como trocava de entrevistado e eu tinha um pouco mais de tempo —, liguei para o meu editor lá no iG, o Givanildo Menezes, e disse: “O quê que há de novo aí?”. Então ele falou: “Tenho uma má notícia para te dar: nós saímos do ar”. E eu: “Como assim?”. “Não só saímos do ar como fomos expulsos do iG.” Então eu disse: “Segura aí que, quando acabar o programa, vou ver o que aconteceu”.


Procurei me informar e rapidamente se configurou o quadro de que não só a minha equipe que trabalhava lá tinha sido ejetada do prédio do iG. Também houve um fenômeno muito interessante, que eu apelidei de “limpeza ideológica” — por oposição ou por analogia à chamada “limpeza étnica” que se produziu nos escombros da Iugoslávia. É o fato de você apagar a minha existência do ar. Eu não conseguiria — ninguém conseguiria! — acessar o meu trabalho profissional e intelectual no iG nos últimos dois anos.


Isso foi à noite, no fim da tarde — gravo aqui na Record mais ou menos a esta hora, 16h30, 17 horas. Vim para a redação do Domingo Espetacular, que é minha base de operações, e soube que o iG tinha tentado entregar a carta de demissão, a notificação do rompimento do meu contrato, e utilizou até a xerox da Record — o que configura, na minha opinião, uma tentativa de me incompatibilizar com o patrão, que é a Record e que não tem nada a ver com essa história. Eu faço questão de distinguir claramente: o trabalho no meu site pessoal é uma coisa inteiramente privativa, que não se confunde com meu trabalho na televisão.


Como o site voltou ao ar?
Saí daqui depois de cumprir as minhas tarefas. Conversei com alguns amigos e imediatamente recebi a proteção de dois deles. Fui para o escritório de um deles, o (jornalista) Rubens Glasberg, que disse: “Vem para cá, que nós vamos botar você no ar logo”. O Glasberg já tinha mobilizado um outro amigo nosso, o (empresário) Luiz Roberto Demarco, que luta há muitos anos contra o (banqueiro) Daniel Dantas, assim como o Glasberg, que é vitima de inúmeros processos do Dantas contra ele, na tentativa de calá-lo.


O Glasberg e mais a equipe do Demarco trabalharam durante 8 horas e 58 minutos. No final, meu site estava no ar — é este que está no ar hoje. Que é uma forma, digamos, precária, provisória, porque ele tem mecanismos de atualização rudimentares, enquanto a gente processa uma reforma de tal maneira que eu possa vir a ter um site bastante competitivo e moderno.


No começo, você chegou a especular que foi o (governador de São Paulo, José) Serra quem o demitiu...

Não é querer ser megalomaníaco, mas o José Serra, por exemplo, ligou para o presidente da Record duas vezes e pediu a minha cabeça.


Em que época?
Isso foi quando eu fazia o programa Tudo a Ver. Eu tinha um quadro chamado "Assim não Dá", com o meu querido amigo Luciano Faccioli. Era um programa de denúncia de mazelas municipais — a bica d’água, a falta de vacina —, que tem em qualquer programa do mundo inteiro, não é? E o Serra pediu a minha cabeça para o Alexandre Raposo (presidente da Record), que achou que não valeria a pena me dispensar. Eu agradeço e fico muito feliz (risos). A Record acabou de renovar meu contrato, me concedeu um aumento — então eu estou muito feliz aqui, me sinto muito prestigiado, estou muito bem, obrigado (risos).


O Serra é um suspeito. Ele tem uma relação visceral, consangüínea, com o Caio Túlio Costa (presidente do iG), que eu passei a chamar de Caio T. (“T” de Tartufo) Costa. O Mino (Carta) e eu instituímos o grande troféu do Tartufo Nativo, mas encerramos a votação, e ele não venceu. Mas eu consultei o Mino ontem, e nós já o nomeamos “observador da ética” na apuração dos votos do Tartufo. Ele é um especialista em ética no jornalismo (risos).


E o Serra é muito ligado a ele. O Caio foi o fundador do UOL, e o primeiro chat do UOL foi com o Serra, não se sabe bem por quê. O Serra, naquele chat, emitiu conceitos tão relevantes e tão profundos que foram escritos nas pedras da Acrópole de Atenas, para a humanidade preservar aquela contribuição dele à cultura ocidental (risos). E o Caio, desde então, mantém uma ligação íntima, intelectual e filosófica com o Serra. Esse é um núcleo dos problemas que eu tive lá no iG.


Há cerca de dois anos, numa palestra sua, você disse que tinha 12 advogados. Quantos tem agora, para encarar esses problemas todos?
Eu perdi a conta (risos). Agora, no episódio da minha saída do iG, eu tive uma decisão fantástica. Poucas horas depois de eles me tirarem do ar e fazerem a “limpeza ideológica”, eu tive um mandado de segurança e entrei lá dentro. O juiz mandou deixar um pelotão da Polícia Militar. Se houvesse uma resistência — se as brigadas do Caio T. resistissem —, aquilo ali seria arrombado. Eu ia arrombar aquele predinho ali da rua Amauri, por decisão judicial, para reaver o produto do meu trabalho intelectual.


Esse argumento oficial do iG — de que o Conversa Afiada não dava audiência — é falso, não é?
Falsíssimo!


Ainda mais com aquele destaque diário na capa do iG...
Se não desse audiência, o iG não dava!


Depois disso, você teve contato com algum deles — com o Caio Túlio Costa, por exemplo?
Espero não encontrá-los à noite (risos).


Mas não foi só o Serra...
O outro núcleo é evidentemente o Daniel Dantas, com quem mantenho há algum tempo uma batalha inútil. O Daniel Dantas tem a peculiaridade, primeiro, de ganhar todas as causas aqui no Brasil. Quando as causas são redigidas em língua inglesa, ele perde. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Justiça britânica, onde ele perdeu em várias instâncias.


Nos Estados Unidos, ele come o pão que o diabo amassou porque lá também as causas versam na língua inglesa. Não sei, deve ser uma questão etimológica — uma questão que tem a ver com as línguas de origem indo-européia (risos). Preciso fazer um estudo sobre isso com algum professor de Filologia: por que ele ganha em português e perde em inglês?


Além disso, eu travei uma batalha importante com relação à “BrOi” (empresa resultante da compra da Brasil Telecom pela Oi). A “BrOi” não é apenas a fusão de uma empresa de telecomunicações com outra empresa de telefonia. Para que ela possa existir, para que se materialize, a “BrOi” exige como pré-condição fundamental esquecer os crimes do Daniel Dantas — apagar das pedras os crimes que ele cometeu —, denunciados pela Brasil Telecom na Justiça brasileira e na Justiça de Nova York.


Denunciados de maneira inepta, na minha modesta opinião — mas, de qualquer maneira, denunciados. E tanto pelo Citibank quanto pela Brasil Telecom. Quando os fundos de pensão entregaram a administração da Brasil Telecom ao Daniel Dantas, o Dantas saqueou a empresa. E os fundos de pensão — que zelam pelo patrimônio dos aposentados da Caixa Econômica Federal, da Petrobras, do Banco do Brasil — vão perdoar o Dantas. Então o meu problema não é só com a “BrOi”.


Não sei para que precisa criar essa “BrOi”. Não sei como é que a “BrOi” vai competir, por exemplo, nos Estados Unidos, na Alemanha, na Argentina. Não vai chegar nem na Bolívia porque está atrasada em dez anos. Mas tudo isso é um problema técnico. E estou falando do problema político. O quê que é a “BrOi”? A “BrOi” é o seguinte — o governo Lula vai esconder o Dantas debaixo do tapete. Ponto, ponto! Isso é um acordo político importantíssimo. E ninguém diz nada.


Todo mundo fica achando que sou maluco, que eu tenho mania de perseguição, que eu tenho idéia fixa, que eu sou o Juquinha, que só penso naquilo. Não, não, meu! O Daniel Dantas é o herói da privatização do (governo) Fernando Henrique. E ele roubou a Brasil Telecom — isso segundo a própria Brasil Telecom.


E o presidente Lula vai pegar dinheiro do BNDES, dinheiro do FAT, e vai dar a dois empresários — o Carlos Jereissati e o Sérgio Andrade —, que não vão botar um tostão. Faço uma proposta pública, eu já disse a todo mundo: vou dar um real além do que eles derem do próprio bolso — e eu quero ser dono da “BrOi”. E entendo muito de telefones, mais do que eles.


Por que o governo Lula...
Por que o governo Lula tem medo do Dantas? Por quê? Sabe por quê? Porque o Dantas comprou uma parte do PT. O governo Lula não pode ir pra cima do Dantas porque não sabe onde vai meter a mão.


Qual parte do PT o Dantas comprou?
Ah...


Qual parte?
O Delúbio (Soares, ex-tesoureiro do PT), ué! Ele cooptou o (ex-ministro) José Dirceu. O Zé Dirceu trabalha para o Dantas. O Zé Dirceu hoje é o maior de todos os lobistas do país, é a própria Confederação Nacional dos Lobbies. Tem a CNI, tem a CNA e tem a CNL. Tem a Confederação Nacional das Indústrias, a Confederação Nacional da Agricultura e a Confederação Nacional dos Lobbies, que tem como presidente, vice-presidente, secretário-geral e tesoureiro o Zé Dirceu. Ele trabalha para o Dantas!


Você já escreveu que o Dantas tem aliados no Senado, como o Heráclito Fortes (DEM-PI)...
O Heráclito Fortes é o líder da bancada (pró-Dantas) no Senado. Ele tinha uma preferência: milhagens nos aviões do Dantas. Ele estava colecionando milhas para ir para o Piauí (risos). Quando ele viajava de avião na empresa do Dantas, era para colecionar milhar para ir a Teresina.


O Dantas é imbatível?
Sim, o Dantas é imbatível, e o governo Lula vai perdoar o Dantas. O presidente de um dos fundos de pensão disse ao meu amigo Rubens Glasberg que fazia o acordo com o Dantas da mesma maneira que a população acuada de uma favela faz acordo com o chefe do tráfico: para poder sobreviver. Que pais é esse? Que governo é esse? E ninguém trata disso! O Mino, eu e o Rubens parecemos três loucos.


E como uma pessoa consegue montar essa rede?
Vamos fazer as contas de quanto ele ganhou de dinheiro — de quanto levou para casa na Brasil Telecom, no Metrô do Rio, onde ele colecionava e tinha acesso a notas de pequeno valor. Quem é dono do Metrô, assim como quem é dono de empresa de ônibus, coleciona notas de pequeno valor, tá certo? É bom registrar isso. Põe aí no portal Vermelho que o Dantas tinha acesso a notas de pequeno valor!


Hoje a gente vê um silêncio absoluto na grande mídia sobre isso...
Não, ele é visto como um grande empresário. A (jornalista) Lilian Witte Fibe considera ele um sujeito superdotado de inteligência.


O caso da revista Veja não tem nada a ver com admiração, mas com negócios.
Segundo o (jornalista) Luis Nassif, ele comprou a Veja. A Veja foi entregue a um conjunto de salteadores.


É uma coisa mais impregnada, não?
Na Veja, ele comprou no atacado e no varejo. Ele tem uma relação especial com o Roberto Civita (presidente do Grupo Abril).


O Nassif acredita que isso tem um prazo de validade, que é o segundo semestre deste ano.
O Luis Nassif acha que o Roberto Civita vai degolar eles todos (os jornalistas da Veja sob influência de Dantas). Eu acho que não. Acho que o Roberto Civita vai coroá-los.


Mas isso tem um preço. Por causa da relação Dantas-Veja, a Abril está acumulando uma dívida enorme, milionária, decorrente de processos por danos morais...
Não tem dívida nenhuma! Eles não perdem na justiça. O Diogo Mainardi (colunista da Veja) acabou de ganhar em primeira instância num processo que movi contra ele no criminal. O Mainardi disse que eu era assalariado do (ex-ministro das Comunicações Luiz) Gushiken. Aí vem o “Gushiken do iG”, o suposto Gushiken, e me demite do iG! Aí eu encaminho a notificação do iG para a juíza e digo: “Excelentíssima senhora juíza, o nexo causal da acusação do Diogo Mainardi contra mim diz que eu era assalariado do PT. Como, se eles me mandaram embora com um pé na bunda?”.


Não deixaram meu funcionário tirar o crachá, nem a pasta de dente que estava no banheiro, entendeu? E eu sou funcionário do PT? A Justiça deu ganho de causa para ele nesta instância, e eu já recorri. A juíza disse que era uma questão de estilo. Então, vou começar a dizer: “A senhora é uma juíza venal. A senhora vende as suas decisões”. Porque, se é uma questão de estilo, eu posso usar a palavra “venal” como quem usa a palavra “batata-doce”.


Está tudo louco! Então não tem problema — a Abril não vai cair por aí. E acho o seguinte: o Roberto Civita sabe perfeitamente da trampa que está montada na revista dele. O Roberto Civita tem relações profundas com Daniel Dantas, assim como Dantas tem com a IstoÉ e com a IstoÉ Dinheiro. Profundas, carnais!


O Leonardo Attuch (editor da IstoÉ Dinheiro) é o homem do Dantas na IstoÉ?
Ele é o chefe de redação do Sistema Dantas de Comunicação.


O Ali Kamel (diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo) tem alguma relação com o Daniel Dantas?
Não, não. Aí é outra coisa.


Quem é o nome do Dantas na Globo?
Ali ele se vale da omissão. Na Globo, parece que ele não existe. Parece que ele trabalha na Ucrânia — que é um operário ucraniano, um empresário ucraniano.


Sobre esse Márcio Chaer (diretor da revista eletrônica Consultor Jurídico)...
Olha, sobre o Chaer eu não vou querer falar. Porque já demonstrei com documentos extraídos da Brasil Telecom que o Chaer tem uma agência de notícias chamada Consultor Jurídico e uma outra empresa chamada Dublê. Os clientes da Dublê têm, no Consultor Jurídico, um tratamento especial. Em qualquer lugar do mundo, isso se chama conflito de interesse — se não for crime. Então ele é um desqualificado.


Você acusa o Daniel Dantas de ter grampeado a sua família.
Dantas grampeou a mim, a minha mulher e a minha filha.


Quando foi isso?
Foi na época da Kroll. Ele utilizou as relações privilegiadas que ele tinha com a Kroll para me grampear.


E é verdade que você vai até as últimas conseqüências para...
Vou. Eu já disse uma vez que, se ele invadir o inferno, eu me alio ao demônio para pegar ele (risos).


E será que, uma hora, você pega mesmo (risos)?
Eu espero pegar, mas não sei — aqui no Brasil tudo é possível. Eu, francamente, tenho a impressão de que não vou pegar, mas isso não me desanima. Ele não perde na Justiça. A Polícia Federal já moveu um inquérito contra ele. O Dantas entregou à Veja — e a Veja disse que recebeu do Dantas — os documentos sobre as contas na Suíça do presidente da República, do ministro da Justiça e do chefe da Polícia Federal.


A Polícia Federal abriu um inquérito e pediu o indiciamento do Dantas na Lei de Imprensa. É como pedir o indiciamento do Al Capone (célebre gângster americano da primeira metade do século 20) por dirigir na contramão (risos). A polícia de Chicago chega e diz: “Este rapaz estava embriagado e dirigia na contramão”. Faça-me o favor!