domingo, 31 de agosto de 2008

Mendes e Veja reeditam plano Cohen - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/forum/Post.aspx?id=558 - por Paulo Henrique Amorim.

Poderes em conflito - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

Montesquieu dedicou catorze anos para escrever a obra intitulada O Espírito das Leis (L’ Espirit des Lois), publicada em 1748.

No 11º volume, está a tese da separação dos poderes. Isto a partir da idéia-mãe de que o “poder absoluto corrompe absolutamente”.

Para Montesquieu, o Estado conta com três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, cada qual com incumbências específicas. Atacada pelos jesuítas, a obra entrou para o canônico Index Librorum Prohibitorum, em 1751. Mais, a obra não era recomendada na Sorbonne.

A sua doutrina da separação e da tripartição, no entanto, foi acolhida em várias constituições, incluídas as nossas republicanas, com destaque: “Os poderes são independentes e harmônicos”.

Muito respeitada e citada em todas as discussões sobre a forma do Estado, a tripartição não empolgou a Europa.

Nas democracias parlamentaristas, o Legislativo e o Executivo não são independentes um do outro. O chefe do Executivo está condicionado a um mandato conferido pelo Parlamento, que pode ser revogado por meio do chamado voto de desconfiança.

Nesse sistema, o chefe de governo fica sempre dependente da vontade do povo, representada pelo Parlamento. A magistratura não é considerada poder do Estado. Na Itália, por exemplo, a magistratura é uma “ordem autônoma e independente de cada poder” (art. 104 da Constituição italiana). Por dispositivo constitucional, “os juízes estão sujeitos apenas às leis” (art. 101 da referida Constituição).

Com efeito, nem o sistema da tripartição e separação preconizado por Montesquieu e adotado no Brasil nem o das democracias parlamentares européias evitam os conflitos entre parlamentares, governantes e magistrados.

Para se ter idéia, depois de a magistratura do Ministério Público de Milão promover, em 2002, um processo criminal contra o então premier Silvio Berlusconi, o ministro da Justiça do governo, Vincenzo Caianello, suspendeu a escolta aos magistrados integrantes do pool de procuradores coordenados por Saverio Borelli, chefe do Ministério Público milanês. No caso, alegou-se caber com exclusividade ao Executivo fornecer agentes e veículos para as escoltas.

No Brasil, com as recentes renovações e mudanças operadas no Supremo Tribunal Federal (STF), os conflitos entre os poderes se acentuaram. Por exemplo, ao reconhecer a infidelidade partidária, o STF fixou data certa para caracterizá-la. Assim, tomou o lugar do legislador. E as medidas provisórias, com trancamento de pauta, fizeram do Executivo um voraz legislador.

No supracitado e novo STF, também é bastante comum a antecipação de decisões, fora dos autos e do momento processual apropriado. Nesta semana, quando ainda se discutia em audiências públicas o caso de aborto em face de anencefalia, total ou parcial, os jornais já anunciavam as “tendências” de oito dos onze ministros da casa. O ministro Eros Grau, em entrevista exclusiva para a Folha de S.Paulo, sentenciou: “Já existem duas hipóteses de aborto na lei. Eu não posso criar uma terceira”.

Na segunda-feira 25, e pela mídia, muitos congressistas externaram os seus descontentamentos com o STF, que, nos casos de súmulas vinculantes a respeito de emprego de algemas e proibição ao nepotismo, teria invadido a competência do Legislativo.

O nepotismo, ainda que camuflado em contratação cruzada, atenta contra princípios constitucionais básicos, a comprometer a moralidade administrativa. Acontece que o STF não se limitou a declarar a inconstitucionalidade e olvidou competir ao Legislativo disciplinar a matéria por lei.

No que toca à súmula vinculante sobre algema, o fato de o Legislativo tardar em elaborar normas para impedir os notórios abusos, não abria ao STF uma competência legislativa subsidiária. Além do mais, a Constituição, no seu artigo 103-A introduzido pela emenda constitucional 45/2004, só permite a edição de súmula vinculante após reiteradas decisões do STF. O STF, ao sumular, apreciara apenas quatro casos. Por evidente, não se tratava de repetições constantes, permanentes.

Já se escreveu que a pior das ditaduras não é a do Executivo, mas a do Judiciário, quando este se sobrepõe aos demais poderes e passa, como se legislador ou chefe de governo fosse, a disciplinar a vida em sociedade, tudo sem contar com representação popular direta, ou seja, por meio de eleições.

No momento, há prenúncio de um novo dissenso entre o STF e a Presidência da República. Ou seja, no julgamento, pelo STF, do caso da demarcação, por decreto presidencial de maio de 2005, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. No âmbito das suas atribuições constitucionais, consoante a ratificada Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (1993), o presidente Lula emitiu, em 2005, decreto a homologar a demarcação, em forma contínua, de área no extremo norte de Roraima, com 1,7 milhão de hectares, onde vivem cinco etnias, a totalizar 18 mil indígenas, aproximadamente.

Os critérios de conveniência e oportunidade competiam ao presidente da República. Destarte, ao STF não cabe uma decisão política sobre como seria conveniente demarcar a área, ou seja, de forma contínua ou com o estabelecimento de ilhas.

Na verdade, a ação popular em questão, já bem indeferida pelo voto do ministro-relator, Ayres Britto, procura jogar, para empolgar constitucionalmente, com a questão da (1) soberania na faixa de fronteira e do (2) risco de criação de um enclave, do tipo Tibete, Ossétia do Sul, Kosovo. Um enclave que, num futuro, poderia gerar conflito separatista em face da formação de uma nação indígena, a englobar atuais áreas brasileira e venezuelana. Ainda, como na Ossétia do Sul, onde 90% da população adotou a cidadania russa, os indígenas poderiam virar holandeses, ingleses, suecos etc., de modo a se ter o caldo para a internacionalização da Amazônia.

O STF, conforme a decisão dos ministros, poderá se tornar uma corte política, a tomar a função de Lula. E não será mais uma corte técnica, como desejável, e ensinado por Montesquieu.

A apoteose mental - por Luis Nassif

No factóide do grampo no Supremo, semanas antes, Veja pelo menos mostrou um relatório da segurança do órgão, que muitos leitores do Blog comprovaram ser tecnicamente falho. Não era possível garantir que houvera grampo, com base no que dizia. Um relatório não conclusivo foi matéria prima da tentativa de fabricação de um escândalo. E esse vazamento irresponsável mereceu declarações bombásticas do presidente do STF, Gilmar Mendes, contra o suposto "estado policial". O presidente do Supremo avalizando uma reportagem com conclusões irresponsáveis em cima de um relatório inconclusivo vazado pela própria instituição que ele preside.
Agora, na orquestração desta semana da Veja, não existe nada, nem papel oficial, nem documento, nem arquivo de som do tal grampo. Nem a garantia de que foi a ABIN a autora do suposto grampo. Chegou-se ao último limite da manipulação jornalistica.
E Gilmar Mendes fala em convocar o Supremo, em se aliar ao Congresso e chega ao cúmulo de se referir assim ao presidente de outro poder:
- "O próprio presidente Lula deve ser chamado às falas".
Até onde irá esse absurdo? Espero que os demais pares de Mendes não se curvem ao corporativismo e tenham a responsabilidade de preservar a dignidade e a história da instituição. Está-se entrando em um terreno perigoso de desmoralização das instituições e da lei. É tudo muito óbvio, em um momento em que as informações circulam sem controle. É evidente que esse movimento visa desmoralizar a Operação Satiagraha.
A revista apresenta relação de supostos grampeados, detalhes daqui e dali, e não existe um papel, um arquivo para corroborar suas acusações. Apenas menção a uma fonte da ABIN. A avalista da informação é uma revista que todo o mundo jornalístico sabe que há tempos abandonou qualquer veleidade de fazer jornalismo, enveredando inúmeras vezes pelo terreno da ficção.
E Gilmar entra de cabeça em todas. Se fosse a pessoa física, problema dele. Mas é o Supremo, meu Deus!
Espero que pessoas com história, como Eros Grau, Marco Aurélio de Mello, Celso de Mello e os novos juízes tenham a responsabilidade de reconduzir o STF ao seu leito natural, tirando-o dessa exploração absurda de fatos ou montados ou não suficientemente comprovados. No mínimo, que se posicione o STF para uma posição pública de cautela em relação aos fatos mencionados. Que se exija apuração, sim, mas que se desautorizem as afirmações taxativas e irresponsáveis de seu presidente. Pelo bem do STF e pelo bem do país.

Por luzete

E você como jornalista pensava que já havia visto de tudo, Nassif, tem mais esta:No estadão online:18:26 hs
Oposição ameaça pedir impeachment do presidente Lula
CHRISTIANE SAMARCO - Agencia Estado
BRASÍLIA - Além de pedir a demissão de toda a diretoria da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a oposição ameaça denunciar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por crime de responsabilidade, abrindo caminho para um processo de impeachment por conta da escuta clandestina da agência nos telefones dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e do Congresso, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN).

Comentário

É a mais canhestra tentativa de golpe de estado da história do país. Como coisa que tivessem cacife para isso.
É sabido que a Satiagraha flagrou jornalistas, advogados, juizes e parlamentares. Cria-se uma crise do nada, ameaça-se com o impeachment do presidente - como se tivessem essa bola toda. Mas resolve-se tudo numa boa se o presidente afastar Paulo Lacerda, fornecer os elementos para a absolvição de Daniel Dantas e livrar todos os pobros cidadãos flagrados pela Satiagraha. Volta a paz, acaba o incômodo com o grampo de Gilberto Carvalho e a lei - ora a lei! A palavra final sobre a lei é do presidente do Supremo, ora.

Comentário meu: para ler a imperdível série de Luis Nassif sobre a veja, o caminho é: http://luis.nassif.googlepages.com/aentrevistadejanone

Sobre a história, a impunidade e a responsabilidade dos torturadores - por Flávio Koutzii (Agência Cartamaior)

É certo que não há a mais remota possibilidade de igualar quem lutou contra a ditadura com quem prendeu, torturou e matou pela ditadura. É certo que esta histórica tem começo, meio e fim. E o começo é o golpe de estado, a derrubada de um governo legal, a censura aos jornais, o fechamento dos partidos e a suspensão do estado de direito.



Há divergências jurídicas.
Há avaliação sobre as motivações e cálculos políticos.
Há os que apenas julgam da conveniência de tocar no assunto.
Há sempre o jogral dos analistas de oportunidade.
(Nunca é hora para eles)

Mas para os que não esqueceram:
Há um grito suspenso no ar.
Há uma dor infinita.
Há um tabu indecente.
Há um seqüestro invisível.
(A honra das Forças Armadas de hoje, reduzida a escudo silencioso, da responsabilidade não assumida das Forças Armadas de ontem no golpe)

É claro que os torturadores têm que ser responsabilizados.
É certo que a anistia não é igual à amnésia.
É evidente que a história não aceita ficar sem sentido, nem com censura, nem com cortes, como um filme proibido.
É certo que não há a mais remota possibilidade de igualar quem lutou contra a ditadura
com quem prendeu, torturou e matou pela ditadura.
É certo que esta história tem começo, meio e fim:

e o começo é o golpe de estado,
a derrubada de um governo legal,
a censura aos jornais,
o fechamento dos partidos,
a suspensão do estado de direito,
a perseguição implacável.

As Forças Armadas é quem deram o golpe (junto com seus aliados civis).
Aqui, a ordem dos fatores altera o produto e o significado.
Eles, a ditadura, nós, a resistência.
Então quem fica ofendido somos nós!
Nós - "os elementos" - cidadãos na nossa opinião, democratas,
porque lutamos para restaurá-la.
Espantados, com a covardia
dos que não assumem suas responsabilidades
Deram ou não o golpe?
Perseguiram ou não?
Torturaram ou não?
Então, por favor!!!
É inaceitável que as Forças Armadas de hoje fiquem reféns
de um passado ditatorial indefensável.
Na verdade, no Brasil, além dos "desaparecidos", há uma grande desaparecida:

A VERDADE HISTÓRICA

História, entendida como reconhecimento dos fatos,
a totalidade das circunstâncias.
A História em tempo real.
A História com muita luz e pouca sombra.
A História para e do povo brasileiro,
de todos os brasileiros: civis e militares.

Tudo, não para o maniqueísmo simplório,
mas para respeitar a dignidade e a tragédia
de um grande período da história recente do Brasil
dos vinte longos anos de chumbo.
Lamentavelmente as Forças Armadas propõem
a esquizofrenia como situação permanente.
Não assumem sua responsabilidade.
Desrespeitam o Poder Executivo (legitimado pelo voto).
Atuam como contra-poder.
Logo defendem o que foram.
Logo são hoje o que foram ontem.

Mas isto, não é bem assim.
Isto é uma memória doente.
Verdade amputada.
Simulação inaceitável.
Queremos que os jovens soldados e os jovens oficiais
sejam livrados destes grilhões enferrujados.
E se devolvam para este Brasil.
Impressionante de presente
Futuroso

E haverá que defendê-lo de muitas maneiras:
suas possibilidades,
seu petróleo,
sua Amazônia,
suas fronteiras,
sua economia
e acima de tudo:
sua gente brasileira,
seu futuro,
seu orgulho,
sua história.





Flávio Koutzii foi preso político, deputado estadual pelo PT/RS e chefe da Casa Civil do governo Olívio Dutra (RS).

sábado, 30 de agosto de 2008

O jornalismo na era da guerra perpétua - por Justin Raimondo, do AntiWar.com

A narrativa contra a notícia

A degeneração do jornalismo em "infoentretenimento" tem sido anunciada pelos mandarins da profissão desde que a revolução das emissoras de 24 horas de notícias na TV a cabo derrubou as redes de TV do pedestal. Agora a internet está superando as TVs a cabo como lugar onde os consumidores vão em busca de sua mistura de "infoentretenimento" -- ou, alternativamente, onde eles vão saber o que a mídia corporativa não nos diz. O que é novo é que essa antiga reclamação tem um novo ângulo. Com o conceito de reportar as "notícias" já em risco, a pregação histérica da guerra que se seguiu ao 11 de setembro completou um processo de degradação iniciado muito antes. No mundo pós 11 de setembro, as notícias, como tal, já não existem: o que temos agora é uma "narrativa".
Preste atenção nas cabeças falantes da TV e você vai ouvir uma frase ecoando nos canyons da TV a cabo, ricocheteando nas paredes repetida por repórteres, blogueiros e a turma do cafezinho: é a narrativa, estúpido.
O significado -- e o perigo -- dessa narrativa foi demonstrado de forma magistral antes da invasão do Iraque. Os fatos foram jogados de lado, ou foram escolhidos e arranjados de forma a fazer mímica da verdade enquanto se dizia uma mentira deslavada. Os maiores contos foram alinhavados em uma história, na qual a figura central era um ditador louco por poder em busca das "armas de destruição em massa", que ameaçava não apenas os seus vizinhos, mas todo o mundo. George W. Bush até sugeriu que Saddam estava pronto para desfechar um ataque nos Estados Unidos. Naves iraquianas, especialmente feitas para lançar armas químicas e biológicas, teriam sido montadas e estavam prontas para jogar armas de destruição em massa em cidades americanas. Uma idéia estúpida que aparentemente convenceu alguns congressistas. Depois que a verdade sobre essas naves apareceu -- elas nunca existiram -- ao menos um parlamentar envergonhado descobriu que as fotos das "armas de destruição em massa" eram fajutas, tinham sido tiradas em algum lugar do sudoeste americano.
Não foi a única falsificação que figura nas "provas" chave apresentadas pelo Partido da Guerra contra o regime do Iraque. Não se esqueçam das famosas falsificações sobre o urânio do Níger, uma série de documentos tão claramente falsos que cientistas da Agência Internacional de Energia Atômica só precisaram de alguns momentos no Google para descobrir a fraude. O Congresso Nacional Iraquiano, de Ahmed Chalabi, a maior fonte de "inteligência" que nos mentiu até a guerra, supostamente mantinha uma fábrica dessas produções que trabalhava com regularidade. (Tudo pago, aliás, por você, contribuinte americano: pagamos a Chalabi milhões para nos enganar, graças ao governo Clinton que promoveu o Ato de Libertação do Iraque, que foi apoiado pela liderança dos dois partidos.)
O ponto é que ninguém parece se preocupar com as falsificações, embora a promulgação e distribuição delas a integrantes do Congresso e do governo seja crime federal. Presidentes perderam o cargo por menos. No entanto, eu não seguraria a respiração esperando pelos indiciamentos, já que não vão acontecer e só parte do motivo é político. A razão verdadeira é que mentir já não é considerado um problema. É esperado e quase universalmente aceito como normal, desde que seja coisa da gente certa, da forma certa.Mentir com estilo é certamente uma forma de descrever os mitos das armas de destruição do Iraque como "fato", distribuído por organizações informativas mundialmente até que as provas da não existência delas surgissem. A forma de John Edwards mentir sobre o relacionamento com uma mulher que não é a esposa dele é um exemplo clássico de como não fazê-lo: mentir sem jeito. De outra parte, a forma que Franklin Delano Roosevelt usou para mentir e nos levar à guerra, isso é classe! FDR foi aprovado e até ganhou um tapinha nas costas, já que o conto contado por uma figura paternal que sabia o que era melhor para nós vence qualquer consideração de que a verdade vale acima de tudo.
Enquanto passavam as fotos e os documentos forjados como argumentos válidos para atacar o Iraque, os integrantes do Partido da Guerra sem dúvida pensavam em FDR como exemplo e inspiração. Até porque Saddam, de acordo com eles, era o equivalente moderno do Hitler, qualquer coisa valia para tirá-lo do poder, algo que só uma guerra "de libertação" seria capaz de fazer.A mídia corporativa se transformou num carrossel para um pacote de mentiras, com a primeira página do New York Times entregue a Judith Miller e seus colegas no governo para usar como um quadro de recados. Com certeza os neocons tornaram o trabalho dos jornalistas muito fácil: ao escrever sobre o Iraque, os repórteres tinham muitas histórias interessantes (embora improváveis) para contar, fantasias construídas cuidadosamente a partir de talentosos (embora algumas vezes descuidados) propagandistas da guerra. Lembremos, por exemplo, do encontro de Mohammed Atta em Praga, em um aeroporto, com uma autoridade dos serviços de inteligência de Saddam. Nunca aconteceu, no entanto era uma "notícia" chamativa, com elementos de drama, o que talvez explique como persistiu apesar de tantos desmentidos. Se tornou uma espécie de lenda urbana, assim como aqueles crocodilos gigantes encontrados no sistema de esgotos de Nova York.A narrativa iraquiana do Ditador Louco Armado com a Bomba Atômica teve uso enquanto durou. Quando finalmente tinha sido desmentida nós já estávamos atolados no Iraque, sem qualquer chance de sair em breve. Revelar a identidade de uma agente da CIA foi o menor dos crimes cometidos pela turma pró-guerra do governo, mas eles nunca irão para a cadeia pelo pior de suas ações, já que, afinal, tudo era parte de uma narrativa em que todos acreditaram na época. Bem, todos os serviços de inteligência acreditavam que Saddam estava escondendo as armas - essa é a posição do pessoal do Partido da Guerra atualmente, uma tautologia curiosa que nos faz imaginar como é que poderiam acreditar em outra coisa e que ignora o fato de que toda as evidências em contrário foram sistematicamente suprimidas.O que nos taz para o primado da narrativa pós-11 de setembro. A história que o governo nos contava foi preparada para os horrores da imaginação pós 11 de setembro, um mundo habitado por monstros com armas terríveis nos perseguindo. Visões de morte em massa, coladas na imaginação coletiva, foram projetadas em toda superfície e o Congresso foi cercado pelo medo -- para o Partido da Guerra, o fortuito episódio do antrax no correio ajudou -- e levado a aprovar o Patriot Act. A mesma histeria de massa forçou o Congresso a se calar quando os neocons nos levaram à guerra e manteve quase toda a oposição prostrada até que era tarde para reverter o trágico curso dos eventos.Que a mídia foi levada a projetar a imagem da Al Qaeda numa figura que não tinha nada a ver com o 11 de setembro ficou claramente demonstrado pelos embaraçosos números das pesquisas mostrando que a maioria ainda acredita que Saddam estava por trás dos atentados, apesar da completa falta de provas disso. A mídia corporativa, ao noticiar sem crítica os pronunciamentos de autoridades americanas, transmitiu essa fantasia e plantou-a de forma tão firma na consciência americana que nenhuma tentativa de desmentir isso vai erradicar a mentira completamente.
A história que o governo estava contando para os repórteres era boa pelos padrões de Hollywood, mas não para qualquer escola de Jornalismo sobre a qual ouvi falar. Seria de concluir que, depois de serem usados por suas fontes, os repórteres teriam aprendido alguma coisa da experiência do Iraque. Mas não, eles estão fazendo o mesmo desta vez ao noticiar a mini-guerra da Rússia com a Geórgia no Cáucaso. Exceto que, nesse caso, a combinação com o governo demonstra não apenas preguiça, mas cegueira de propósito.Já notei no Mundo Bizarro da reportagem que a mídia ocidental nega o evento-chave que deu início a essa guerra: a invasão da Ossétia do Sul, que de fato era independente desde os anos 90, pela Geórgia. O ataque em Tskhinvali, a capital da Ossétia do Sul, aos poucos está ficando claro, mas o Partido da Guerra diz que houve poucas vítimas. De acordo com a Human Rights Watch, menos de 50 pessoas foram mortas durante o assalto, embora Peter Finn, do Washington Post, comparou a devastação com a da cidade de Stalingrado durante as piores batalhas da Segunda Guerra Mundial.Sim, o governo da Geórgia bombardeou aqueles que alegava ser seus cidadãos e, sim, muitos foram mortos, embora não se saiba quantos. Mas, quantos forem, eles não serão mostrados pela mídia ocidental -- com raras exceções -- já que os fatos atrapalham a narrativa, a linha de raciocínio para a próxima guerra, que vai ser conduzida provavelmente pelo próximo presidente americano.Quando uma boa narrativa é utilizada demais ela se torna contraproducente e a história do Partido da Guerra no cenário do Oriente Médio está ficando desbotada. O que é preciso, portanto, é uma nova narrativa, uma envolvendo um ditador autoritário que representa uma "ameaça" aos nossos interesses nacionais, e preferencialmente um que tenha armas de destruição em massa. Vladimir Putin é a escolha perfeita para esse papel: o olhar duro, o culto à personalidade que parece ter surgido na Rússia em torno dele (ao contrário de nosso presidente, ele é popular com seu próprio povo) e sua origem como espião da KGB -- é perfeito para o papel de Novo Hitler, com uma pitada de Stalin jogada na mistura.Vilões não bastam para produzir uma boa narrativa. Precisamos de heróis, os bonzinhos, nesse caso os moradores da Geórgia, cujo presidente, Mikhel Saakashvili, diz ser amigo da "liberdade". Naturalmente que isso já foi usado muitas vezes para mascarar a tirania e Saakashvili pode querer perguntar aos proprietários daquela emissora de tv que ele fechou na véspera das eleições o que a palavra "liberdade" significa para eles. Ele também pode perguntar às 500 pessoas que ficaram feridas em manifestações, espancadas na rua pela polícia de Saakashvili por protestar quando ele decidiu reprimir a oposição, cujos líderes foram presos antes que pudessem votar.Ah, sem problemas: o Partido da Guerra pode transformar urubu em meu louro ou reverter o processo se for necessário. É tudo sobre a habilidade de contar uma boa história e fazer com que ela cole por tanto tempo quanto for possível.
E assim temos um vilão e um herói. O que precisamos agora são algumas analogias históricas e mais do que uma já apareceu: a anexação dos Sudetos, o pacto de Munique, a véspera da Segunda Guerra -- e Hitler, sempre Hitler, nos ameaçando com sua sombra longa e escura. Fatos, vidas reais destruídas, mesmo milhares de mortes -- nada disso importa. É tudo espalhado como detrito no vento. A força da narrativa nos leva adiante, no impulso: a OTAN condena a "invasão russa" e os moradores da Geórgia recebem um tapinha nas costas, com a promessa de muito dinheiro do contribuinte americano e um aviso de que devem esperar sua vez.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A Halliburton e o nosso petróleo - por Mauro Santayana

É muito grave a denúncia da Associação dos Engenheiros da Petrobras: quem detém todas as informações técnicas do potencial brasileiro dos combustíveis fósseis é a Halliburton – a empresa de Dick Cheney – envolvida em negócios escusos nos Estados Unidos e em sua aventura bélica no Iraque, por intermédio da Landmark Digital and Solutions. Ela administra o banco de dados da Petrobras, sem licitação, não obstante a Procuradoria-Geral da República ter exigido o processo, ainda em 2004. A empresa plantou um seu funcionário, o senhor Nelson Narciso, que a representava em Angola, como diretor da Agência Nacional do Petróleo. Entre outras de suas funções, o senhor Narciso é quem define os blocos a serem licitados, que deve ser decisão estratégica de interesse nacional. Entendamos bem: a multinacional administra as informações e, mediante seu preposto na ANP, define as áreas a serem exploradas. A lei 9.478, de 1997, determina que a Petrobras e as outras empresas encaminhem suas informações técnicas à Agência Nacional de Petróleo, responsável pelo banco de dados das reservas e operações extrativas do petróleo. A ANP, sem licitação, contratou a subsidiária da Halliburton para fazê-lo. A Halliburton é a mais conhecida das empresas corruptoras do mundo, e mantém 130 empresas subsidiárias fora dos Estados Unidos, o que lhe permite fraudes costumeiras. Corrompe nos Estados Unidos, em seus contratos com o governo, e no estrangeiro. Em maio de 2003, ela foi multada em U$ 2,4milhões, pela Security Exchange Comission, por subornar funcionário da Nigéria.

A entrega dos segredos geológicos nacionais a uma empresa estrangeira – e com a ficha da Halliburton – se tornou possível com a política nacional do petróleo do governo social-democrata que escancarou o Brasil entre 1995 e 2003. O governo Vargas – com todos os seus imensos erros – teve o mérito de criar um projeto nacional de desenvolvimento fundado em nossos recursos naturais. Depois de mais de quatro séculos de exploração colonial e neocolonial, chegara o tempo de – com o trabalho e a inteligência dos brasileiros – explorar os recursos do solo e subsolo, a fim de libertar a população da ignorância, das doenças e da miséria. Mas o governo passado decidiu sepultar a era Vargas, e entregar tudo aos estrangeiros.

O governo passado, com a cumplicidade do Congresso, autorizou a venda de 40% das ações da Petrobras a investidores estrangeiros. Isso, na época, representava US$ 2 bilhões. Com o aumento dos preços do petróleo e a descoberta das grandes reservas, essa participação se elevou a 120 bilhões, segundo os cálculos do engenheiro Fernando Siqueira. As remessas de lucros referentes ao petróleo são de 6 bilhões de dólares ao ano – o que contribui para o déficit externo. Além disso, em quase todos os países produtores de petróleo, as empresas estrangeiras concessionárias pagam mais de 80% de seus lucros ao Estado. No Brasil, por generosidade do governo anterior, essa participação, variável, é, no máximo de 40%.

Estuda-se agora o novo marco regulatório sobre a exploração do petróleo do pré-sal, que – mesmo com todas as violações constitucionais – continua propriedade da União. Trata-se de recursos que poderão resolver os mais graves problemas nacionais, como os da saúde e da educação. Só no Rio de Janeiro, há mais 20 mil pessoas na fila aguardando medicamentos fornecidos pelo governo. Dados do alistamento eleitoral, por outro lado, revelam que menos de 3,5% do universo dos aptos a votar em outubro concluíram o curso universitário. Se os lucros do petróleo fossem utilizados no benefício de todo o povo, não teríamos mais números assim para nos envergonhar.

Mas mesmo nos meios ministeriais, encarregados de propor ao governo a nova política para a exploração das novas reservas, há os que deixam de lado o interesse nacional. O caminho mais lógico será o de reter, para o desenvolvimento social (educação, saneamento básico, saúde pública) pelo menos o que retêm outros países produtores: 80% dos resultados da exploração. O melhor será a criação de nova empresa, de capital totalmente nacional e inalienável, para explorar diretamente as novas reservas. A era Vargas acabou? Voltemos a ela.

domingo, 24 de agosto de 2008

Outra ditadura, a ameaça - por Mauricio Dias (Cartacapital)

Sob aplausos insensatos e o silêncio conivente do Congresso, o Supremo Tribunal Federal passou a tomar decisões que cruzam os limites constitucionais e resvalam no abuso de poder.

O estabelecimento de regras para o uso de algemas e, em seguida, o bloqueio do nepotismo no Legislativo, Executivo e Judiciário poderiam ser comemorados se não significassem um avanço na esfera de competência do Legislativo.

No caso das algemas, a súmula foi baseada em apenas um processo. Anulado por uso irregular de algemas. Não há notícia de casos semelhantes chegados ao STF. A súmula, vinculante ou não, era, até agora, resultado de reiteradas decisões no mesmo sentido. Além disso, vinham acompanhadas de referência aos acórdãos que as inspiraram.

A súmula não é fonte formal de direito. Ela indica uma posição pacífica do Supremo sobre um direito já previsto em lei, nascida na sua fonte legítima, o Poder Legislativo.

Além disso, a decisão do STF ameaça punição para quem não acatar a decisão e deixa claro que o “uso irregular” das algemas pode anular o processo onde isso tenha ocorrido. Assim, abre-se um precedente que pode incentivar os advogados a buscar a anulação de processos anteriores. Se a súmula está vinculada a uma lei já existente, a decisão de agora pode retroagir para beneficiar os réus.

A decisão de acabar com a contratação de parentes no serviço público, marca do patrimonialismo na administração, consolidou a posição do próprio presidente do STF, Gilmar Mendes: “Qualquer instituição é tentada, às vezes, a se desmedir”.

Até mesmo um lapso da sensata ministra Cármen Lúcia Rocha evidencia essa invasão. Ao votar pelo fim do nepotismo, ela declarou: “Não precisaria ter leis, bastaria ter decência no espaço público”.

Lei? Ora, lei é atribuição do Poder Legislativo.

Virou moda dizer, a partir das ações do Ministério Público e o trabalho da PF, que o País vive um Estado policial. É o clamor de porta-vozes dos ricos e bem-nascidos. A ameaça vem de outro lugar.

O Brasil saiu de uma ditadura e, sem chegar a consolidar um regime de direitos democráticos, transita para uma situação que, sem freios, poderá configurar mais à frente a plenitude do pior dos regimes: a ditadura do Judiciário.

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Onde Constituição é mato

Óbvio, o doutor Ulysses achava-a definitiva
O Senado lançou o portal dos 20 anos da Constituição Cidadã e deu início à temporada de comemorações da Carta promulgada em 5 de outubro de 1988. Ela é a sétima e, certamente, não a última na história do Brasil.

Remendada e inconclusa – há vários artigos não regulamentados – e, mesmo assim, já se fala timidamente em uma Constituinte. Não é surpresa. Há movimentos mais fortes nesse sentido, na Bolívia e no Equador. Talvez não tarde a vez do Paraguai.

Resultados preliminares de um estudo da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, mostram que a América Latina é o continente que mais criou Constituições no mundo.

Um atestado da instabilidade institucional de uma região que tem a maioria da população mergulhada na miséria e com trajetória histórica interrompida por golpes de Estado.

Foram 308 Constituições. Isso significa 40% das 803 Cartas Magnas proclamadas no planeta, desde que os Estados Unidos criaram a primeira e única para eles, em 1789.

A República Dominicana lidera a lista com 32 Constituições, seguida pelo Haiti, com 28. Venezuela e Equador tiveram 26. O México é a exceção que confirma a regra. Guia-se pela mesma Constituição há 90 anos. A Argentina tem uma de 1853. Foi reformada em diversas ocasiões e guarda pouco do texto original.

Fazer e refazer leis parece ser um dos mais fortes pecados do lado de baixo do Equador.


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Andante Mosso

Curral político

O senador Edson Lobão trocaria feliz o Ministério de Minas e Energia pela presidência do Senado.

Para isso, no entanto, precisa superar o bloqueio do seu conterrâneo José Sarney.

O prestígio de Lobão ameaça o que ambos consideram como “curral político”.

E assim, o Maranhão, com 332 mil quilômetros quadrados, vira um espaço pequeno demais para dois.

Sem vergonha
Sem corar, o senador Demóstenes Torres (DEM) admitiu, após a aprovação da regulamentação do uso de algemas, na quarta-feira 20, na Comissão de Constituição e Justiça, que a votação foi acelerada pela prisão do banqueiro Daniel Dantas.

“Admito que o projeto foi aprovado rapidamente em razão da clientela vip que passou a freqüentar a cadeia.”

Autor da proposta, apresentada em 2004, Torres falou sem alterar a cor dos músculos da rechonchuda face.

Fator democrático (1)
Hugo Chávez tentou em vão derrubar a presidente da Comissão de Direitos Humanos do Mercosul, a deputada uruguaia Adriana Peña, depois de acusá-la de “ingerência em assuntos internos” da Venezuela.

Peña lidera a investigação sobre o veto imposto a 272 venezuelanos de se candidatarem às eleições de novembro.

O pedido da delegação venezuelana foi rechaçado pela comissão. Chávez tem participação consultiva no Parlasul só terá direito a voto após a formalização do ingresso no Mercosul.

Falta aprovação dos Congressos do Brasil e do Paraguai.

Fator democrático (2)
O governo brasileiro não vai dar as costas às demandas paraguaias.

Embora não ceda à revisão do acordo de Itaipu, criará compensações em função da variação, para cima, do preço da energia.

A posição do Itamaraty, pregada pelo ministro Celso Amorim, não parte da generosidade e, sim, de uma mudança de visão política mais democrática, que considera que é do “interesse nacional” ter um vizinho “próspero e estável”.

Lula faz aposta institucional forte no novo governo Lugo.

Frente...
A internet caminha rapidamente para se tornar o principal meio de informação para os brasileiros.

Uma pesquisa feita pela UFRJ com os candidatos inscritos para o vestibular de 2007 para ingresso em 2008 é uma forte evidência nessa direção.

Dos 6.775 estudantes que responderam a pergunta sobre o meio que usam para se informar, 36,81% (2.494) apontaram a internet e 35,97%, a televisão.

...e verso
Mas que tipo de informação é consumida?

A pergunta sobre o hábito de leitura talvez seja um começo de resposta: 61,03% lêem apenas entre um e cinco livros por ano.

O universo de estudantes pesquisados é predominantemente nos domínios da classe média, em que a renda familiar varia de cinco a mais de trinta salários mínimos (55,05%).

Ouro negro
Os vietnamitas estão no Brasil à procura da Petrobras.

Em troca de assistência técnica para a prospecção de petróleo offshore oferecem parceria.

Uma delegação do governo do Vietnã veio apresentar proposta à empresa.

Habite-se
O Conselho Nacional de Justiça vai sair da cobertura do Anexo II do Supremo Tribunal Federal para um prédio próprio.

Por esse caminho seguiu o Conselho da Justiça Federal, que constrói uma sede, em Brasília, ao custo aproximado de 60 milhões de reais.

A Eletrobrás também procura, no Rio, um cantinho para morar. Quer um terreno do estado ao lado da Catedral Metropolitana, no centro da cidade.

Por que é forte a tradição da casa própria na administração pública?

General Jobim
O gosto pela farda, com muitos galões, do ministro da Defesa e ex-presidente do STF, Nelson Jobim, corre de boca em boca.

Durante um jantar na residência de Maurício Corrêa, outro ex-presidente do STF, o também ex-presidente do STF, Octavio Gallotti, não se conteve e, ao cruzar com Jobim, o cumprimentou assim:

“Jamais imaginei que teria um ex-colega no posto de general”.

Nossa eterna tragicomédia - por Mino Carta (Cartacapital)

Era um dia de março de 1964 e eu me postei na esquina da rua Marconi com a Barão de Itapetininga, centro de São Paulo, para ver passar a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade. Era ponto elegante de uma cidade ainda bastante civilizada e a marcha ia invadir a tarde até o Largo São Francisco.

O desfile tinha garbo e organização. Vinham na frente os sócios do Clube Harmonia, secundados por fâmulos, amas, aias, quituteiras, jardineiros, mordomos, motoristas. Seguiam-se os sócios do Clube Paulistano, à testa de tropa similar, embora menos consistente. Depois os demais, até a turma do Floresta e do Tietê. Patrões e servos do sexo masculino, todos de terno e gravata de dar gosto.

(Pequena anotação, lateral: hoje em dia, de terno e gravata, só os seguranças).

Do alto sobrevoava a passeata o governador Ademar de Barros, de helicóptero. Levara a bordo, e extraíra da algibeira, um terço, que desfiava sôfrego, para propiciar a proteção da divindade da manifestação. Ali, na esquina, perguntei-me qual seria, e se divindade ou não.

Decorridos 44 anos, leio os textos dos discursos pronunciados no Clube Militar do Rio de Janeiro, dia 7, em sinal de repulsa à tentativa de propor um debate sobre a correta interpretação da Lei da Anistia, escrita e imposta pela ditadura encerrada em 1985. O tom é o mesmo de 44 anos atrás. Poucos sabem que a história só se repete como caricatura. Mas, na moldura da reunião fardada, não faltou a evocação da “família brasileira”, a implorar a intervenção militar para sustar outra marcha, a da subversão, e impedir a comunistização do Brasil.

A qual família aludem os senhores da guerra não nos é dado averiguar e, de qualquer maneira, não são representativas da maioria as que eu vi passar pela Barão de Itapetininga. Quanto à marcha da subversão, cansei de esperá-la. Cabe constatar, enfim, que tudo mudou. Tio Sam está em outras, a CIA já não é aquela, o embaixador Lincoln Gordon foi enterrado com seus cachimbos e artimanhas. Etc. etc.

A ignorância do mundo real cria uma situação chegada ao paradoxo e ao absurdo, e nela se situa uma das falas ouvidas no Clube Militar, a enxergar por trás dos ataques do PCC em São Paulo as mãos das Farc, do ETA, do IRA e de Lula. O toque final da fantasia delirante é executado pelo governo contemporizador e pela mídia, pronta a repropor impavidamente memórias vergonhosas, para ela e para todos nós.

O evento de duas semanas atrás não deveria ser levado a sério, está claro. Só a comicidade exorbitante o torna a seu modo trágico. No entanto, não há notícia de que tenha sido desaprovado pelos chefes da ativa, enquanto o governo, com o aval da mídia, reedita o clássico papel de bombeiro, com a exceção honrosa dos ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi.

O jurista e magistrado espanhol Baltasar Garzón, em visita esta semana ao Brasil, esclareceu em palestra em São Paulo um dos aspectos fundamentais da questão: a punição dos torturadores é uma exigência da democracia sem significar afronta às Forças Armadas. Pelo contrário, elas servem hoje ao regime de liberdade e ao Estado de Direito, aniquilados por uma ditadura feroz que durou 21 anos, não hesitou em praticar o terrorismo de Estado e é nódoa ignóbil, antes de mais nada, na sua própria história.

Garzón, personagem forte e importante do nosso tempo. Campeão dos direitos humanos, primeiro responsável pela condenação final de Augusto Pinochet, fez valer o peso da sua experiência na noite de segunda-feira 18, na presença do ministro Vannuchi e de uma platéia de quatrocentas pessoas, entre as quais professores, magistrados e familiares de vítimas da ditadura, mortos sob tortura ou desaparecidos.

Promovida pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, pela Caixa Econômica Federal, pela Unesp e por CartaCapital, a noite de segunda fica como um momento de lucidez em meio às desventuras patéticas da nossa inesgotável tragicomédia, de um humor negro involuntário e, por isso, tão desolador. A mídia, como sempre, não deixou de ficar à altura da desolação.

O Globo ignorou a visita de Garzón, embora o jornalista Ancelmo Góis anunciasse que o juiz chegaria na terça. O Estadão deu um pequeno registro da palestra enquanto cuidava de não citar CartaCapital, conforme vetustas tradições do jornal. A Folha de S.Paulo permitiu-se registro pouco maior em página interna e citou Caros Amigos em lugar desta revista.

A mídia nativa prima pela desfaçatez, pela hipocrisia, pelo português indigente, pelas omissões e pelos erros de informação. Destes pontos de vista, é exemplo mundial. Nem por isso, cansa-se de proclamar, além de qualidade, seu apego à ética. Mas de que ética a amena turmeta deita falação?

Circo ou hospício? - por Leandro Fortes (Cartacapital)

Na tarde de 7 de agosto, a voz pastosa do general Gilberto Barbosa de Figueiredo pairou sobre a platéia de 600 espectadores espremidos no Salão Nobre do Clube Militar, no Rio de Janeiro. Presidente da entidade, Figueiredo havia organizado um ato em protesto contra a possibilidade de contestação da Lei da Anistia e abertura de processos contra os repressores da ditadura. Poucos dias antes, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, haviam defendido a punição a torturadores a serviço do Estado.

A primeira parte do convescote, com a apresentação do tema da discussão e a íntegra das falas de três palestrantes convidados, foi gravada pela direção do Clube Militar e, posteriormente, registrada em um CD com 133 minutos de duração. CartaCapital teve acesso a este material. Entre cômicas e trágicas, as intervenções ecoam aquele espírito que precedeu as casernas às vésperas do golpe de 1964.

Foi um festival de louvores ao autoritarismo, defesa explícita do golpismo e os mais rotos chavões a respeito do “perigo comunista”. Os palestrantes – um general, um pecuarista e um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça – conseguiram transformar a centenária confraria militar, instalada no número 251 da avenida Rio Branco, numa espécie de hospício para traumatizados da Guerra Fria.

Confira agora alguns trechos selecionados do discurso dos militares, que mostram o que a caserna brasileira pensa realmente sobre a abertura dos arquivos da ditadura e a punição aos torturadores.

“A anistia de 1979 não era para idealistas que rompiam com a legalidade na esperança de um país melhor. Era anistia para marxistas, marxistas-leninistas, revolucionários maus, perversos, que não perdoam a derrota”. (General Sérgio Augusto Coutinho, ex-chefe do CIE)

“O coronel Brilhante Ustra é o alvo enigmático (sic) da tortura no Brasil”. (General Coutinho)

“O revanchismo não é só um prazer de quem faz, porque esse prazer é de uma pessoa que é um revolucionário, que é um marxista-leninista, e, portanto, ele tem ainda um sonho, o sonho do socialismo do proletariado”. (General Coutinho, provavelmente se referindo ao ministro Tarso Genro ou ao presidente Lula)

“Mudar a cabeça dos nossos oficiais, acostumá-los a conviver com o contraditório, a adquirir o senso comum, a um passo, portanto, de fazer o consenso com a revolução socialista”. (General Coutinho, ao revelar o plano da esquerda, em andamento, para “permear” ideologicamente os militares brasileiros)

“O revanchismo satisfaz o ego do revanchista, mas, na verdade, está abrindo o caminho da revolução (socialista). Há, no Brasil, um processo revolucionário socialista em curso, sutil e mascarado, com aparência democrática, espalhando a violação dos princípios básicos do Direito”. (General Coutinho, ressurgido da Guerra Fria)

“Eleições são meros mecanismos de escolha, o Vaticano e o Comando Vermelho (organização criminosa dos morros cariocas) têm os seus. Eleições, isoladamente, não garantem a democracia”. (Antônio José Ribas Paiva, advogado da UDR, porta-voz civil do golpe, na reunião do Clube Militar)

“O pessoal que hoje se insurge contra a lei que os beneficiou estava fora do País, não estava nem trabalhando. Estavam (sic) vivendo às custas de dinheiro da conspiração internacional”. (Ribas Paiva, sobre o que ele alega ser a ingratidão da esquerda com a Lei da Anistia)

“A nação brasileira estava trabalhando e pensou neles: ‘será que esses brasileiros, (será) que talvez tenham se emendado?’. Talvez seja interessante a pacificação, a exemplo do que fazia Caxias. Mas hoje estão no Congresso nacional e não aprenderam nada. Desprezam o benefício que a nação lhes concedeu”. (Ribas Paiva, sobre os anistiados, atualmente, com mandato parlamentar)

“Quem coordenou a guerrilha e o terrorismo foi o ETA, único grupo terrorista especializado em guerrilha urbana; quem explodiu a sede do Ministério Público foi o IRA, que tem conhecimento de engenharia militar com nitroglicerina; e as Farc executaram as pessoas, as concentrações de tiros com armas automáticas evidenciam a experiência de combate. A esquerda radical e revolucionária no poder sentiu-se ameaçada por algum motivo, e lançou o terrorismo, novamente”. (Ribas Paiva, corrigindo a informação oficial de que, em maio de 2006, foi o governo federal, e não o PCC, o responsável pelos ataques à cidade de São Paulo).

“Ou ele desapeia do cavalo, ou monta direito, porque senão vamos tirá-lo de lá. Ou sai pelo voto, ou sai porque nós vamos para a praça pública, em frente ao Palácio do Planalto, fazer comício lá também, não é só sem-terra não. Vou levar o Rotary (Club), vou levar a maçonaria e gritar ‘fora com os golpistas, fora com os golpistas!’”. (Waldemar Zveiter, ex-ministro do STJ, sobre como pretende convencer o ministro da Justiça, Tarso Genro, a não mexer na Lei da Anistia).

“Na Polônia, elegeram um metalúrgico, fez (sic) a experiência. Mas os poloneses tiveram inteligência suficiente de elegê-lo uma única vez e nunca mais! Aqui, demos um exemplo magnífico para a história dos povos e elegemos um metalúrgico, inclusive com o charme de falar (sic) com quatro dedos. Não tivemos a sabedoria dos poloneses e o reelegemos. A culpa é nossa, temos que aturar. Mas o mandato é certo, no final, vão sair. O presidente, o ministério e toda a turma que subiu com ele vai ficar (sic) nos seus devidos lugares. Ele será, sem dúvida nenhuma, um excelente presidente de sindicato, isso, provavelmente, dos metalúrgicos. Se for dos professores, vai meter os pés pelas mãos, como está metendo no governo”.
(Zveiter, tropeçando no português, zombando da deficiência física do presidente Lula e insuflando o preconceito de classe, sob aplausos e gargalhadas, no Clube Militar)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Quem confia em Aécio Neves? - por Gilson Caroni Filho (Agência Cartamaior)

Não há qualquer diferença entre as prioridades do "construtor de pontes" e o ideário neoliberal da cúpula tucana. As reformas estruturais mais importantes - agrária, habitação, educação e a do saneamento básico- não têm lugar na sua agenda. Como não teve nas de FHC, Serra e Alckmin.


O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, gosta de aparecer na grande imprensa como o “tucano diferente". Um oposicionista que caminha na contramão da política pequena de seus companheiros de partido, apresentando-se como um homem público preocupado com o desequilíbrio federativo, originado pelo que chama de “hegemonia paulista na política". Sua originalidade residiria no fato de ser um oposicionista com propostas para o país, ave rara no bloco conservador. Nada mais enganoso. Nada mais perigoso.

Suas críticas mais recentes ao governo do presidente Lula desmontam os elementos discursivos empregados na tentativa de produzir sua significação, de elaborar uma persona que o defina como "construtor de pontes" entre partes que, segundo ele, estão "cegas por radicalizados projetos de poder".

Segundo o jornalista Ricardo Noblat, o governador lamenta que Lula desperdice o seu segundo mandato não promovendo reformas na Previdência Social, na área tributária e nas relações trabalhistas. Todas elas, segundo Aécio, ”indispensáveis para a fundação de um Estado moderno, ficarão para ser feitas pelo sucessor de Lula. Que ainda será obrigado a enxugar despesas governamentais que não param de crescer”.

Como se vê, não há qualquer diferença entre as prioridades do "construtor de pontes" e o ideário neoliberal da cúpula tucana. As reformas estruturais mais importantes - agrária, habitação, educação e a do saneamento básico-não têm lugar na sua agenda. Como não teve nas de FHC, Serra e Alckmin.

A reforma da Previdência é uma bandeira cara ao neoliberalismo. Com o "nobre" propósito de combater um falso déficit, o objetivo é a supressão de direitos, principalmente de mulheres e beneficiários do salário mínimo. Aécio finge ignorar que as receitas superam as despesas, mesmo após três anos seguidos de aumentos reais do mínimo.

Simula desconhecer que o presidente já afirmou que a reforma será pautada pelo Fórum de Negociação da Previdência, como proposta amadurecida na sociedade civil, ”permitindo que as novas gerações tenham um sistema mais condizente com as necessidades dos trabalhadores”. Um foco bem diferente do que reza o receituário mercantil.

Não sabe também que, em fevereiro, o governo encaminhou projeto de reforma tributária que pretende desonerar empresas, gerar mais empregos e acabar com a guerra fiscal entre os Estados. Em que nuvem anda o jovem Aécio? Ou em que praia do litoral fluminense tem surfado o neto de Tancredo?

Para o “construtor de pontes", o PAC ( Programa de Aceleração do Crescimento) não passa de uma jogada marqueteira."Rode por Minas. Tente encontrar alguma obra de vulto financiada pelo PAC. Não encontrará", aconselha.

Pena que tenha esquecido de dizer que o Estado que governa tem 114 das 119 prefeituras envolvidas em desvios de verbas do programa. E que o PSDB detém o maior número de prefeitos sob suspeita de fazer parte do esquema de apropriação ilegal dos recursos. Alguém precisa lembrar ao governador que obras de vulto não brotam do chão, ainda mais se no subsolo há dutos duvidosos. E que, como liderança estadual, cabe a ele alertar seus correligionários quanto a esse pequeno deslize ético.

Em visita ao Rio, na manhã de um ensolarado 15 de agosto, Aécio atacou supostas falhas do governo na segurança pública, argumentando que "o governo federal não assumiu a sua responsabilidade na questão da segurança pública, contingenciando recursos do Fundo Penitenciário e do Fundo Nacional de Segurança". É uma pena que a censura da imprensa mineira, praticada em proveito do seu próprio governo, deixe o fenômeno de Minas tão desinformado.

Uma breve leitura do jornal Brasil de Fato, em 14 de maio de 2007, faria com que tomasse ciência de que na sua gestão ", os investimentos em saúde, segurança pública e educação caíram, de R$ 11,6 bilhões para R$ 8,7 bilhões, impactando a vida de milhares de pessoas na capital e no interior do estado."

Há algum tempo, a vereadora petista Neila Batista, em artigo intitulado "MG: Quase um Estado de exceção" afirmou que "o silêncio da Assembléia Legislativa de Minas, com exceção das poucas vozes do PT e do PC do B, e o pacto da maior parte imprensa regional, que se engajou em sua carreira rumo à Presidência da República confirmam a regra... ou a exceção"

Fragilizando instituições caras ao jogo democrático, ignorando a importância do sistema partidário e “fazendo uso de uma máquina de marketing inigualável no país”, a "novidade" que vem das alterosas é a melhor expressão do mandonismo risonho que segue à risca os preceitos neoliberais.

Seria interessante que Aécio aproveitasse a segunda metade do mandato para redemocratizar o Estado, dialogar com os movimentos sociais e, se der tempo, conhecer Minas Gerais. É uma das unidades federativas mais ricas do país. Bem mais surpreendente que as noites do Leblon.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Coisas da coisa nossa - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

Se fosse para escolher a frase da semana, não teria dúvida em apontar a do ministro Gilmar Mendes: “A capacidade de perpetrar abusos é hoje tão grande que é preciso que se engendrem novos modelos institucionais de defesa da cidadania”.

Efetivamente, vivemos no país dos abusos e das contradições, a começar pelos perpetrados por aqueles, como o ministro Gilmar Mendes, que não olham o próprio rabo, como se diz popularmente. Ou, mais adequadamente, só enxergam a trava no olho alheio.

Com efeito, existem dois presos preventivos acusados, na condição de mandatários (executores), de uma tentativa de crime de corrupção ativa. Consoante denúncia já transformada em processo criminal, o valor da oferta ao delegado a ser subornado seria de 1 milhão de dólares.

Nenhum dos dois mandatários, Humberto Braz e Hugo Chicaroni, possuía, pelo que se sabe, tal disponibilidade financeira. O mandante e beneficiário, Daniel Dantas, encontra-se solto, embora processual e socialmente mais perigoso e pernicioso que os seus paus-mandados, Braz e Chicaroni.

A propósito, Dantas, preso preventivamente, foi solto por abusiva liminar do ministro Gilmar Mendes, com flagrante violação ao princípio do juiz natural. Essa liminar foi concedida, também, com desprezo à jurisprudência do STF e ele fez tábula rasa aos manuais sobre primeiras linhas do direito processual penal, que não preconizam, em órgãos colegiados e em casos de habeas corpus liberatório, liminar de soltura, salvo casos de flagrante ilegalidade ou de abuso de autoridade.

Na sua história pós-Constituição de 1988, em sede de pedido de habeas corpus liberatório, o STF só apreciou o mérito de casos em que o coator era o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou nos de autoridades sujeitas à sua jurisdição (foro privilegiado). Em outras palavras, o STF não conhece de pedidos quando o coator é juiz de primeiro grau e Dantas não gozava de foro privilegiado, até a liminar do ministro Gilmar.

Sobre outros abusos e disparates do ministro Gilmar, convém lembrar o destacado pelo professor Dalmo Dallari, quando da indicação de Gilmar Mendes, então advogado-geral da União, para o STF: “Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais... Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um ‘manicômio judiciário’. E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na ‘indústria de liminares’”.

Por outro lado e objetivamente, o “sentimento de medo” na sociedade e o “Estado policial” que afirma o ministro Mendes não se refletem nas pesquisas de opinião. Numa correta chave de leitura, a sociedade teme mesmo é o ministro Gilmar, que solta, sem ser competente, potentíssimo banqueiro de colarinho-branco. É bom que se reconheça que abusos e erros estão a ocorrer, mas ganharam surpreendente dimensão com a prisão de Dantas. Por evidente, para agentes da Polícia Federal não se poderia conceder um “bill” para bisbilhotagens. Ou melhor, não caberia autorização judicial para acesso ilimitado a todos os cadastros e históricos de ligações telefônicas.

Mais ainda, escritórios de advogados, que não são partícipes ou co-autores de crimes, não podem ser violados para busca aleatória de eventuais documentos, a comprometer investigados.

Infelizmente, tal procedimento ilegal ganhou impulso, na Polícia Federal, ao tempo do então ministro Márcio Thomaz Bastos. Ele fechou os olhos para os abusos policiais e considerou tudo isso como reação à nova polícia que cunhara, no modelo do FBI. Um FBI que emprega desnecessariamente algemas, como a polícia brasileira.

Só esqueceu o então ministro Bastos que o FBI caiu em descrédito desde o fiasco na prevenção e nas apurações sobre a explosão do Boeing da TWA que comprometeu os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996). E o descrédito aumentou depois de 11 de setembro de 2001.

Por evidente, mudanças para aperfeiçoamentos são necessárias. Só que entre elas não se fala nunca na forma de escolha de ministros do STF, na fixação de prazo para os seus mandatos, com possibilidade de recall (cartão vermelho) pelos cidadãos.

Dentre as medidas propostas, tem até a infeliz e autoritária idéia do ministro Gilmar, que, em vez de soluções para acabar com a morosidade do Judiciário, propõe a criação de varas especializadas em crimes de abuso de poder. Só faltou o ministro Mendes completar o pensamento, ou seja, varas especializadas a seguir futuras súmulas vinculantes do STF.

Estado de direito? Idade média - por Mino Carta (Cartacapital)

Alta fonte segreda nos corredores governistas: o relatório final da Operação Satiagraha virá a público no máximo em 60 dias. Obra de uma equipe de técnica apurada e emoções banidas. Ao contrário, se o tema são as emoções, das sensibilidades pretensamente aguçadas do delegado Protógenes.

Desde a Operação Chacal, decorreram quatro anos, e não foram o bastante para acertar as responsabilidades de Daniel Dantas. Formidável demora. Outro habitante dos gabinetes governistas admite, não sem candura, que “as complexidades das relações do banqueiro com os partidos são extraordinárias”. Profundas e capilares.

O orelhudo começou como banqueiro do PFL, passou-se para o PSDB, houve, enfim, o capítulo intitulado mensalão, para que soasse a hora do PT. Sim, as complexidades. Momento crucial, resumo simbólico, aquele em que dois deputados petistas, ao meio da crise, acompanham o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, à casa do senador pefelista Heráclito Fortes para um jantar com Dantas.

Este é o jogo mais recente. O enredo tem, contudo, origem antiga, e entre seus intérpretes graúdos figuram personalidades do porte de Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende, Pérsio Arida e tantos outros do mesmo peso, sem contar Fernando Henrique Cardoso, também conhecido por seus companheiros de jornada como “a bomba atômica”. Se preciso convocá-lo, seria tão fatal quanto aquela de Hiroshima. No caso, a favor do Opportunity.

Gostaria de evocar Georges Simenon para desenrolar a história, embora a periferia parisiense ou a fronteira franco-belga não tenham as mais pálidas semelhanças com o Brasil dos senhores. Quem sabe valesse chamar Andrea Camilleri, dos romances policiais sicilianos. Creio, de todo modo, que ambos não dispensariam duas figuras, Sérgio Motta e José Dirceu.

Trata-se de estrategistas do futuro dos seus partidos. Tanto um quanto outro chegaram ao poder para segurá-lo pelo maior espaço de tempo possível. Motta soletrava vinte anos, duas décadas tucanas. Há, porém, uma diferença nítida entre eles.

Serjão, como o chamavam os amigos, não era individualista. Preocupava-se com a turma, não digo com a agremiação porque seria demais. Dirceu é infinitamente mais contraditório. Inimigo declarado da burguesia, vive sofregamente como burguês a realidade atual. Seu sonho de poder é, em primeiro lugar, pessoal.

Jamais transitou pela cabeça de Serjão o propósito de ser presidente da República. Já a cabeça de Dirceu tomou a rota oposta. A turma, para ele, tem muito menos importância do que suas particulares aspirações. Surpresa não cabe: o roteiro e seus caracteres são clássicos no sentido mais amplo da expressão.

Na nossa situação, o primitivismo do cenário ajuda, e explica como, em debate promovido na segunda-feira 4 pelo O Estado de S.Paulo, o ministro Gilmar Mendes deite impavidamente falação sobre o Estado de Direito, e se permita insinuações, nem sempre tão insinuantes, sobre os rumos das Operações Satiagraha.

Não há aqui qualquer crítica à iniciativa do jornal, que também contou com a participação do próprio ministro da Justiça, Tarso Genro. Causa pasmo, isto sim, o pontificar do ministro Mendes, juiz de um Supremo onde Dantas diz contar com “facilidades”, já demonstradas largamente nos últimos quatro anos.

Haverá quem diga ser fascista quem discute os dois habeas corpus concedidos por Mendes a Daniel Dantas e Cia., quando presos, sobretudo o segundo. A discussão não é promovida por CartaCapital, mas por eminentes juristas que jamais poderiam ser acusados de fascistas. A única observação é outra: difícil, se não impossível, é falar em Estado de Direito em um país medieval.

Não se surpreendam os leitores se, afastado o delegado Protógenes, o juiz De Sanctis venha a ser alcançado por alguma tentativa de mostrar sua inaptidão para o posto, por causa de problemas peculiares. Da mente ou d’alma. Enquanto isso, um mês após a Operação Satiagraha, os únicos que continuam presos são Humberto Braz, um dos lobistas preferidos de Dantas, e o professor Hugo Chicaroni, mestre pé-rapado.

Na versão de Simenon, ou de Camilleri, Chicaroni seria a personagem patética, a graça do entrecho, o gaiato extemporâneo. Pois ele e Braz foram flagrados na tentativa de subornar um dos delegados envolvidos na investigação. Ofereceram 1 milhão de dólares para que Dantas e sua irmã Verônica fossem excluídos do inquérito. Talvez o ministro Mendes tenha mandado libertar Dantas e manter presos Braz e Chicaroni, por entender terem sido movidos por amizade e afeto ao tirarem do bolso quantia conspícua para livrar o banqueiro das garras da polícia.

Ocorre rememorar o pistoleiro Fogoió, condenado pelo assassínio da missionária Dorothy Stang. Fogoió ganhava a vida matando a soldo. Mas para o júri que absolveu o fazendeiro Bida, acusado de encomendar a execução da freira, foi como se o pistoleiro tivesse cometido o crime por convicção moral ou ideológica. História brasileira típica: o jagunço acabou na cela, enquanto o coronel curte a vida.

Putim manipula dados do trânsito e do crime - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/forum/Post.aspx?id=499 - por Paulo Henrique Amorim.

O Chile de Salvador Allende : memórias de tempos idos e vividos - por Mauricio Dias David

Dia 26 de junho transcorreu o centenário de nascimento de Salvador Allende, o presidente chileno que tentou resistir, de armas nas mãos, ao golpe militar que visava sua deposição do poder.


Cheguei a Santiago do Chile em julho de 1969, depois de passar por diversas prisões após a edição do AI-5 em dezembro de 68. Meu envolvimento havia sido basicamente com o movimento estudantil, voltado para a resistencia democrática e as lutas pela modernização da Universidade. Quando cheguei ao Chile, jovem ainda de vinte e poucos anos, éramos apenas um punhado de brasileiros que ali haviam encontrado asilo, a maior parte figuras do período pré-64 que haviam encontrado acolhida no governo democrata-cristão de Eduardo Frei. Eu havia conseguido uma bolsa da OEA, a Organização dos Estados Americanos, para cursar o mestrado de economia na Universidade Católica do Chile. O Instituto de Economia da Católica - como dizíamos - era um projeto estratégico das elites chilenas, montado em ligação estreita com a Universidade de Chicago. Foi o berço dos "Chicago's boys", o grupo de economistas que constituiu posteriormente o núcleo econômico do governo de Pinochet e lançou as bases do modelo econômico chileno atual. Foi uma experiencia e tanto sair das lutas políticas no Brasil e mergulhar diretamente no âmago do "cérebro" que preparava o projeto neoliberal para o Chile. A convivencia significou um sofrimento atroz para mim, mas saí dela sabendo como poucos qual era a lógica de funcionamento do modelo que se implantou vitoriosamente no Chile pós-Allende e se espraiou pela América Latina nas décadas seguintes.

Allende era uma figura extraordinária, um político de grande carisma. Viveu sempre a contradição de ser um político que combinava em seu ser a forma tradicional e parlamentar de fazer política - na longa e consolidada tradição republicana chilena-, uma adesão à maçonaria - que tinha muita força política no Chile, forte nos anos 40 a 60 mas ainda presente nos anos 70- e uma paixão pela idéia de Revolução - ainda que concebida de maneira mítica e sonhadora. Em suma, alguém que sabia cativar e seduzir como ninguém, que cultivava a arte da conversa política, que frequentava todas as rodas, mas que se acreditava firmemente um revolucionário latinoamericano. Sonhador de uma Revolução que combinava um vago marxismo com um nacionalismo anti-imperialista, temperada com um sentimento latinoamericanista e forte senso de justiça social. Um dado pitoresco : tinha fama de mulherengo inveterado, fazia até charme com isto, pois agradava ao eleitor médio chileno, fortemente conservador em costumes sociais.
Allende tinha grande apreço pelos brasileiros (aliás, como todos os chilenos em geral).O término do meu mestrado na Católica, coincidiu com a campanha eleitoral que levou Allende ao poder. Vivi intensamente este período e, nos turbulentos dias que se sucederam à posse de Allende como presidente, fui convocado para trabalhar no seu governo, mais especificamente na Corporacción de Fomento de la Produción-CORFO (uma espécie de BNDES chileno). A Corfo acabou sendo utilizada por Allende como o principal instrumento do seu governo para a estatização das grandes empresas e sua gestão. Em função deste período, acabei tendo um contacto mais direto com o Palácio de Governo ( a duzentos metros do qual trabalhava).

O político Allende era o proprio homem cordial, gostava de viver rodeado pelos amigos que fora fazendo no curso da sua longa carreira política. E era muito ligada às filhas, em especial sua filha Beatriz que foi trabalhar com êle no próprio Palácio como uma espécie de assessora especial. Beatriz vinha de uma militancia política na ultra-esquerda chilena e Allende meio que delegou a ela servir como canal de ligação com estes movimentos ultras. A equipe central que Allende constituiu como núcleo do seu governo era composta por representantes ou indicados dos partidos que compunham a Unidade Popular. A UP, como a chamávamos, era na verdade uma grande coligação que agrupava os dois partidos mais fortes - o Socialista, do próprio Allende, uma espécie de PMDB de esquerda com alas que iam desde a esquerda insurrecional até correntes socialdemocratas e populistas, e o Comunista, um partido de base operária fortemente organizado e que atuava, na prática, como o grande centro moderador do governo. Da UP faziam parte também o MAPU - uma dissidencia da democracia cristã de Eduardo Frei de trajetória muito parecida com a da AP no Brasil-, o Partido Radical - apesar do nome, um partido histórico dos maçons do Chile e que tentava nesta ocasião se aproximar da socialdemocracia internacional - e outros partidos menores. Mas Allende tinha também amigos independentes em que confiava, aos quais chamou para ocupar posições chaves no governo. E tinha a ilusão de poder controlar a ultra-esquerda dando-lhe também espaço no governo, além de conformar uma espécie de "guarda-pessoal" (que se mostrou depois um grande ponto de atrito com as Forças Armadas) em base aos guerrilheiros e ex-guerreilheiros do MIR, um partido da ultra-esquerda fortemente ligado à Cuba e à Fidel Castro.

Ao contrário de certa visão que ainda prevalece em algúns analistas do processo chileno, Allende não era um demagogo, em absoluto, se bem que sua figura política pudesse soar um pouco esotérica para o padrão de comportamento dos políticos do pacto liberal-conservador típico desta época na América Latina. Sua ação política pendulava entre a construção de um espaço de diálogo com as forças políticas - mesmo as de oposição - e alguns arroubos revolucionários que levavam a certa radicalização política. Pessoalmente considero que um dos componentes básicos do que veio a resultar na tragédia chilena foi a dicotomia que se estabeleceu entre duas forças progressistas : a democracia-cristã, que pendeu ou foi empurrada para a direita, no processo chileno, e as forças que compunham o núcleo do governo da Unidade Popular, que penderam excessivamente para a confrontação e a tentação golpista de esquerda. Durante três anos Allende tentou se equilibrar na condução do seu governo, ora tendendo para o seu lado "esquerda", ora conciliando via seu lado contemporizador. Quando perdeu totalmente a capacidade de se equilibrar no fio da navalha, instalou-se a ingovernabilidade e o golpe se tornou inevitável.

Há quem atribua à radicalização do processo de estatizações pelo governo da Unidade Popular a causa principal da hostilidade da grande burguesia e das camadas médias chilenas ao governo de Allende. Se bem que é certo que, do lado dos governo dos Estados Unidos (lembremo-nos que "nuestros hermanos del Norte" estavam sob o governo de Richard Nixon e a tutela imperial de Henry Kissinger), a hostilidade ao governo de Allende começou a ficar evidente desde a campanha eleitoral, quando as estatizações eram apenas uma idéia programática. Visto com a perspetiva de hoje, o processo de estatizações aparece, na realidade, como a consequencia inevitável do programa econômico que era a base da plataforma de governo da Unidade Popular. As estatizações foram se sucedendo, levando a uma forte radicalização do processo político. A instituição em que eu trabalhava - a Corporación de Fomento de la Producción - passou a ser o principal instrumento para as estatizações, através da utilização de antigas leis (verdadeiros "resquícios legais") que permitiam a requisição de empresas em casos de desabastecimento, etc. As "requisições" foram se sucedendo e também à Corfo cabia a gestão destas empresas estatizadas, através de "interventores" designados pelos partidos políticos da UP ou dentro dos quadros técnicos da Corfo. Evidentemente, a reação dos Estados Unidos foi violenta, já a partir da própria campanha eleitoral que resultou na eleição do Allende. Hoje sabe-se plenamente que os Estados Unidos financiaram as campanhas de candidatos que disputavam com Allende. Uma vez eleito Allende - mas ainda não empossado - houve uma tentativa de golpe de estado em que a participação indireta americana ficou evidenciada : o grupo de conspiradores - militares anti-Allende em aliança com militantes de ultra -direita - tentou sequestrar o Comandante do Exército, general René Schneider, que havia assumido uma posição legalista. O sequestro se frustrou, mas levou à morte do Gen Schneider, ferido á bala na tentativa. As armas utilizadas pelos conspiradortes foram cedidas por agentes ligados à CIA americana, segundo investigações do Senado americano comprovaram anos depois.
Empossado Allende, a hostilidade americana foi permanente. E o golpe militar de 73 teve forte respaldo militar americano.

Mais de tres décadas após a experiencia chilena com o governo da Unidade Popular, é válida a pergunta de qual teria sido a contribuição real que poderia ser apontada, hoje, deixada por Allende no âmbito das instituições e da economia chilena.
Esta é, na realidade, uma pergunta difícil de ser respondida. Para muitos de nós que vivemos o processo chileno pré-73, Allende tornou-se o símbolo da aspiração de uma via pacífica para a tomada do poder e a construção de uma sociedade com cores socialistas. A possibilidade desta via pacífica, eleitoral, era um sonho que se frustrou inteiramente quando do golpe pinochetista. A morte heróica de Allende, resistindo no Palácio de la Moneda, tornou-se um símbolo para milhares, milhões talvez. Mas também abriu um espaço de reflexão para a esquerda. Muitos não souberam tirar as lições deste período e caminharam para o desastre político. Outras forças, a duras penas, purgaram os seus pecados e conseguiram avançar em projetos mais comprometidos com os ideais democráticos. Para estes, a democracia deixou de ser um valor "burguês", para ser um valor universal. Neste sentido, a herança de Allende foi extremamente positiva (malgré lui, se pode até dizer). A ampla coligação de partidos históricos - la Concertacción - que levou à redemocratização no Chile é certamente herdeira deste processo histórico. Lula e o PT, no Brasil, também o são, se bem que não tenho certeza de que tenham consciência disto. Mas acho que pelos menos Marco Aurélio Garcia- que viveu no Chile nos tempos de Allende- participa esta compreensão mais aberta.

O Chile é governado hoje pela socialista Michelle Bachelet . A presidente Bachelet é uma ex-presa política que teve o seu pai, o general da Força Aérea Alberto Bachelet - um oficial progressista, próximo do Partido Comunista, com quem trabalhei e que comigo esteve preso no Ministério da Defesa - morto nas masmorras militares nas semanas que se sucederam ao golpe. Muitos se surpreendem com a moderação da esquerda chilena, agora de volta ao poder em outras condições históricas. A dura repressão do período Pinochet levou a que se forjara a coalização esquerda/democracia cristã que fora impossível nos tempos de Allende. De certa forma - e à semelhança do caso brasileiro, em que o governo Lula deu continuidade à política econômica de Fernando Henrique - os governos dos partidos da Concertacción ( a grande coalização das forças democráticas que possibilitou que se construíra, pouco a pouco e com extremo cuidado, as condições para o afastamento de Pinochet do poder) preservaram as carcterísticas básicas do modelo econômico chileno. Muitos se espantam com a vitalidade economica chilena das últimas décadas. Não falta quem atribua esta vitalidade às políticas econômicas adotadas sob Pinochet. O que há de fundamento nesta perspetiva ? O povo chileno vive hoje melhor e com mais prosperidade, em comparação à época da implantação do governo de Allende?


Sem dúvida alguma. Afinal, passaram-se 35 anos. A economia chilena apresenta hoje uma certa pujança, o Chile tornou-se uma espécie de "jaguar latinoamericano". Tendo vivido no Chile entre 1969 e 1973, tive a chance histórica de ter presenciado e tomado participação ativa no processo que levou à ascenção e queda do regime da Unidade Popular. Participei da resistencia ao golpe militar, fui preso e conduzido aos subterraneos do Ministério da Defesa, em frente ao Palácio bombardeado do governo.Fui a seguir conduzido ao campo de concentração do Estádio Nacional, onde tomei conhecimento da morte trágica da minha esposa, fuzilada pelos militares. Sofri os horrores da viuvez, dos fuzilamentos simulados e das condições precárias da prisão no Estádio Nacional por várias semanas (em outra ocasião, poderei contar como, dentro desta tragédia coletiva, vivi a minha própria tragédia pessoal, e pude superar a ambas com um final "feliz"). Ter acompanhado de dentro todo este processo, ter visto a ascensão, depois o apogeu e finalmente os horrores da derrocada, deu-me, talvez, uma visão ímpar.
Posteriormente, voltei a viver no Chile entre 1998 e 2002, desta vez não mais como exilado, mas vinculado a um organismo das Nações Unidas. Já era um novo Chile, então já no segundo e terceiro governos da "Concertacción" , o segundo com o democrata-cristão Eduardo Frei (o filho do presidente Frei que havia recebido os exilados dos anos 60) e o terceiro com o socialista "renovado" Ricardo Lagos.

Não há comparação possível entre os dois Chiles. O Chile anterior havia sido para mim o Chile do sonho, da utopia, da esperança. O Chile que se reclamava no seu hino nacional que seria " ó la tumba de los libres, ó el asilo contra la opresión". Para mim e para geração de brasileiros que lá viveu, este Chile foi o asilo contra a opressão.
O Chile de hoje é o país moderno, que se pensa às portas do primeiro mundo, mas que descobre às vezes que tem uma concentração da renda ainda mais regressiva que a do Brasil. Um Chile com um nível de bem-estar maior, um Chile que avançou em muitos aspectos sociais, econômicos e políticos. Mas falta alma ao país. Êle se aburguesou. E também se apequenou nos ideais e na participação política.
Então, quando olho para o Chile dos tempos de Allende, vejo que talvez nada tenha sobrado do naufrágio das ilusões perdidas. Como no poema de Drummond que fala de Itabira, Allende é hoje apenas um retrato na parede. Mas como dói, como bate uma saudade e uma nostalgia imensas desta época em que a construção da Utopia parecia estar ao alcance das mãos...

Mauricio Dias David, economista do BNDES, viveu como exilado no Chile entre 1969 e 1973

domingo, 10 de agosto de 2008

O Outono do Torturador - por Celso Lungaretti

15 de novembro de 2006

Brilhante Ustra comandou, entre setembro/1970 e janeiro/1974, o DOI-Codi de São Paulo, o principal órgão de repressão aos grupos de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura militar. Já foram apresentadas 502 denúncias de torturas referentes a esse período. Pelo menos 40 revolucionários foram assassinados no DOI-Codi, inclusive o jornalista Vladimir Herzog.

Celso Lungaretti (*)

O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra está sendo julgado na 23ª Vara Cível do Estado de São Paulo por seqüestro e tortura praticados em 1972/73 contra o casal César Augusto/Maria Amélia Teles e três parentes. As testemunhas de acusação foram ouvidas no dia 9 de novembro, tendo a repercussão da audiência na mídia provocado uma ampla mobilização de militares da reserva, em apoio ao réu.

Brilhante Ustra comandou, entre setembro/1970 e janeiro/1974, o DOI-Codi de São Paulo, o principal órgão de repressão aos grupos de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura militar. Já foram apresentadas 502 denúncias de torturas referentes a esse período. Pelo menos 40 revolucionários foram assassinados no DOI-Codi, inclusive o jornalista Vladimir Herzog.

O processo contra Brilhante Ustra é de natureza declaratória: não implicará prisão ou indenização, objetivando apenas o reconhecimento oficial de que ele foi um torturador. O que não é pouco, em termos morais.

Os ex-colegas de farda e a defesa de Brilhante Ustra alegam que a Lei da Anistia de 1979 tornou inimputáveis tanto os repressores quanto os revolucionários. Já a família Teles e as entidades de defesa dos direitos humanos argumentam que essa restrição se refere apenas aos crimes, não às ações de natureza civil; foi este, também, o entendimento do juiz da 23ª Vara.

Isto é o que qualquer um pode ler no noticiário. Vamos ao que a imprensa não diz.


LEI DA ANISTIA IGUALOU
VÍTIMAS E CARRASCOS

A anistia recíproca de 1979 foi um sapo engolido pela sociedade civil, que abriu mão do ideal de justiça em troca da libertação da maioria dos presos políticos e da volta dos exilados. Os militares, conscientes de que haviam incidido nas mesmas práticas punidas exemplarmente no Julgamento de Nuremberg, fizeram uma barganha muito vantajosa: já que a redemocratização um dia acabaria ocorrendo, trataram de assegurar previamente a não-condenação de seus criminosos.

No fundo, tratou-se apenas da imposição da vontade do mais forte sobre o mais fraco. Tendo usurpado o poder em 1964, os militares governavam o País ilegalmente e sob terrorismo de estado há 15 anos. Usaram presos e exilados como moedas de troca para chantagear os oposicionistas, obrigando-os a aceitar uma solução que atou as mãos do Judiciário e o deixou impedido de cumprir seu papel.

Então, não é um acordo para ser respeitado, mas sim denunciado. E a iniciativa da família Teles poderá ser o primeiro passo nesta direção.

A ditadura militar foi responsável pela morte de mais de 400 revolucionários ou cidadãos suspeitos de sê-lo; pelo desaparecimento de 150 outros militantes, quase todos assassinados e sepultados em cemitérios clandestinos, como o que foi descoberto em Perus (SP); e pela tortura de milhares de brasileiros.

Brilhante Ustra e outros remanescentes dessa direita troglodita alegam, em contrapartida, que as organizações armadas de esquerda teriam vitimado 120 pessoas e ferido outras 330.

Não se trata, entretanto, de uma questão de números, embora o balanço continue sendo desfavorável à ditadura, por mais que seus apologistas distorçam fatos e manipulem estatísticas, em sites como o Terrorismo Nunca Mais e o Usina de Letras.

O Brasil e muitos outros países do 3º Mundo viveram, nas décadas de 1960 e 1970, a mesma situação dos países ocupados pelo nazi-fascismo durante a 2ª Guerra Mundial. O poder emanava das baionetas. Governos legítimos eram derrubados por conspiradores financiados e apoiados pelos Estados Unidos, como ficou evidenciado de forma cristalina no Brasil.

Em nosso país, a interferência começou com as pressões para que Getúlio Vargas deixasse o poder em 1945; continuaram com o incentivo aos golpistas da UDN, que só não conseguiram seu intento em 1954 porque a carta-testamento de Vargas provocou forte reação popular; e culminaram no apoio ao grupo militar castellista envolvido com a quartelada malograda de 1961 e responsável pela bem-sucedida de 1964.


CONFRONTO ENTRE
CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE


Já não há dúvida nenhuma, para os historiadores dignos desse nome, de que não ocorreu aqui um “contragolpe preventivo”, como alegaram na época os militares, mas simplesmente uma conspiração urdida durante anos para a conquista do estado – que, aliás, depois serviria de modelo para a deposição de Salvador Allende no Chile.

No poder, os militares fecharam o Congresso Nacional sempre que lhes aprouve e suspenderam a vigência da Constituição, sobrepondo-lhes os famigerados atos institucionais que baixavam a bel-prazer; extinguiram partidos, sindicatos e entidades; cassaram os mandatos de representantes do povo; organizaram governos de fachada, “eleitos” por um Legislativo expurgado e intimidado; censuraram as artes e as comunicações; prenderam, baniram, torturaram, assassinaram, ocultaram cadáveres.

Na prática, comportaram-se como tropa de ocupação, tanto quanto os nazistas nas nações por eles conquistadas. E os cidadãos que ousaram enfrentá-los, apesar da terrível desigualdade de forças, equivalem em tudo e por tudo aos movimentos europeus de resistência da década de 1940.

A celebrada Resistência Francesa também atingiu vítimas inocentes em algumas ocasiões, mas a nenhum energúmeno ocorre hoje compará-la aos nazistas ou ao governo fantoche de Vichy.

Da mesma forma, devem-se reprovar alguns excessos cometidos pelos revolucionários brasileiros que combatiam de forma quase artesanal a poderosa engrenagem repressiva montada pelos militares e seus instrutores norte-americanos, mas é inaceitável e desonesto argüir uma pretensa equivalência dos crimes. Só um lado agrediu, continuada e sistematicamente, os valores mais sagrados da civilização.

Pois é disso que se tratou: um confronto entre civilização e barbárie.


A PENA DE BRILHANTE USTRA:
EXECRAÇÃO PÚBLICA


Países como a Argentina e o Chile avançaram bem mais do que o Brasil na apuração dos crimes cometidos pelas ditaduras militares. Quanto à punição, ao contrário dessas nações que não relativizaram o sentimento de justiça e têm o mínimo respeito por seus mártires, continuamos na estaca zero.

Daí a importância de que Brilhante Ustra seja, como merece, exposto exemplarmente à execração pública.

Sua defesa alega que ele nada sabia das práticas cotidianas do órgão que comandava. Para tornar essa versão plausível, deveria ter anexado um atestado de surdez. Quem passou pelos porões da ditadura – ou, mesmo, morava nas redondezas – sabe quão inconfundível era a “trilha sonora” de uma sessão de tortura: os gritos raivosos dos torturadores e os urros inumanos dos torturados ao receberem choques elétricos; ruídos de socos, pontapés e objetos caindo.

Se hoje os comandantes fogem às suas responsabilidades, preferindo utilizar os comandados como biombo, bem diferente foi a atitude do general-presidente Geisel: ao tomar conhecimento do assassinato de Vladimir Herzog no DOI-Codi de Brilhante Ustra, não preferiu o caminho fácil da omissão, mas ordenou ao aparelho repressivo que evitasse uma repetição daquele fato; ao saber da morte de Fiel Filho nas mesmíssimas circunstâncias, não vacilou, extinguindo de imediato aquele órgão maldito e dispersando seus integrantes.

Um ditador podia ter, ao menos, dignidade pessoal. Um torturador, jamais. Nem antes, nem agora.

Quanto ao argumento de ordem humanitária – se não se puniu Brilhante Ustra (ou seu congênere chileno, Pinochet) no momento certo, não seria melhor agora deixar o ancião morrer em paz? – é respeitável. A prescrição dos delitos evita que cidadãos sejam punidos quando já não têm periculosidade, possibilidade de reincidir e, às vezes, nem mesmo discernimento para entenderem o porquê da punição.

A prática do estado de Israel de caçar criminosos de guerra nazistas no mundo inteiro, até seqüestrando-os para submetê-los a julgamento, chocou a consciência civilizada. Foi excessiva, além de haver incidido em novos crimes a pretexto de punir os crimes passados.

Não equilibraríamos os pratos da Justiça seguindo esse exemplo – nem, no outro extremo, simplesmente passando uma borracha em todas as atrocidades que foram cometidas durante a ditadura.

Para encontrarmos um ponto de equilíbrio, o caso de Brilhante Ustra é dos mais propícios. Primeiramente, porque não se pede sua prisão, mas, apenas, que lhe seja oficialmente imputada a responsabilidade moral por tudo aquilo que realmente fez.

E, tendo escrito dois livros de justificação dos crimes contra a humanidade que ele e outros torturadores cometeram, bem como de calúnias contra suas vítimas, mantém a periculosidade, já que tenta envenenar as novas gerações; reincide em seus crimes, na medida que defende as práticas da força contra o Direito; e prova que não perdeu o entendimento das coisas, embora a velhice não lhe tenha trazido lucidez nem arrependimento.

Não se trata de satisfazer desejos de vingança, mesmo que justificáveis. Mas, de sinalizar para os pósteros que certos limites jamais devem ser transpostos. Pois aqueles que os transpuserem não escaparão da punição, seja com as penas de morte e detenção decididas pelo tribunal de Nuremberg, seja com a marca da infâmia que, se a Justiça funcionar, deverá acompanhar Brilhante Ustra pelo resto dos seus dias.

* Celso Lungaretti, jornalista e escritor, é ex-preso político e autor do livro “Náufrago da Utopia”.

Interesses poderosos e o STF - por Luiz Carlos Azenha

http://www.viomundo.com.br/opiniao/interesses-poderosos-e-o-stf/ - por Luiz Carlos Azenha

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Quais abusos? - por Luis Nassif

Ficou complexa essa questão dos supostos abusos de autoridades policiais, a partir da Operação Satiagraha. Ontem o Estadão fez uma mesa redonda com Gilmar Mendes, do STF, Tarso Genro, Ministro da Justiça, Antonio Fernando de Souza, procurador-geral e Ceza Brito, da Ordem dos Advogados do Brasil (clique aqui).
Antes de ontem o delegado Protógenes deu uma entrevista à “Folha”- que está sendo malhada por jornalistas sérios, taxando-o de “populismo de direita”. Nela, o que vi foi um cidadão comum insurgindo-se contra os abusos e a impunidade nos crimes de colarinho branco.
Historicamente, sempre me posicionei contra abusos de procuradores e da PF. No meu livro “O Jornalismo dos anos 90” relato vários episódios em que procurei me colocar contra o chamado “clamor das ruas”. Em todos eles era o poder de Estado ou de polícia contra pessoas físicas.
O que ocorreu nos últimos anos, em nível mundial, no entanto, foi o aparecimento de um poder muito superior a tudo o que se conhecia até então: a aliança entre o crime organizado, setores do mercado e parte da mídia, uma mistura infernal cooptando (ou fuzilando) juízes, funcionários públicos e políticos.
O sistema de poder no país é composto por um determinado número de instituições públicas e privadas. Há os tradicionais Executivo, Legislativo e Judiciário. Depois há o poder financeiro – desde o início dos anos 90 um poder hegemônico no país -, gestores inescrupulosos administrando recursos provenientes dos mais diferentes setores, em larga margem da lavagem de dinheiro. E há a mídia, o chamado quarto poder.
A crise da desvalorização cambial fragilizou empresas de comunicação. Algumas conseguiram resolver de forma satisfatória. Outras precisaram recorrer a investimentos de fora. E aí se aliaram a grupos complicados, criando um poder quase invencível. Parte da história recente da mídia brasileira passa pelo Opportunity e Pactual – não coincidentemente envolvidos conjuntamente na Operação Satiagraha.
As reações a esse super-poder se davam de forma individual e as retaliações eram terríveis juntando a capacidade do grupo de produzir dossiês e de publicações de cometerem assassinatos de reputação. Vocês são testemunhas diárias desse jogo barra-pesada de lobistas notórios.
Juízes que ousaram enfrentar Dantas sofreram assassinato de reputação; políticos e jornalistas foram estigmatizados e sofreram escuta e espionagem. Até a Academia Brasileira de Letras foi cooptada, para que um de seus “imortais” desse um parecer vergonhoso a respeito do estilo de sentença de uma juíza.
Era uma força aparentemente invencível.
Se não fossem os juízes de Primeira Instância, os delegados, os procuradores atuando na linha de frente, com poder de escuta e de esquadrinhar, qual seria o desfecho desse jogo? Até onde iria o poder dessa aliança espúria?
Satiagraha foi uma reação a partir da consciência individual de um grupo pequeno de pessoas. Tentar ironizar entrevistas do delegado Protógenes é perda de tempo: ele correu risco no cargo e na carreira apostando em suas convicções, enquanto outros se calavam.
Nesse caso específico, sem a "espetacularização" não teria havido a Operação Satiagraha.

DEGRADAÇÃO DO JUDICIÁRIO - por Dalmo A. Dallari (Folha de São Paulo, 8 de maio de 2002)

Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente - pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga -, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha inadequada.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em "inventar" soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, "inventaram" uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um "manicômio judiciário".
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no "Informe", veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado "Manicômio Judiciário" e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que "não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo".
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na "indústria de liminares".
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista "Época" (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público - do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários - para que seus subordinados lá fizessem cursos.
Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na "reputação ilibada", exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo. A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a argüição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou "ação entre amigos". É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.


Comentário: que visão este jurista teve!

CPI dos grampos trabalha para Mendes - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/forum/Post.aspx?id=472 - por Paulo Henrique Amorim.

Procurador-geral não compra "estado de direita" de Mendes e Genro - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/forum/Post.aspx?id=469 - por Paulo Henrique Amorim

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Como o NY Times vê o Brasil - por Luiz Carlos Azenha

Deu na capa do New York Times, nesta quinta-feira, dia 31, assinada por Alexei Barrionuevo (a tradução, como sempre, é meia boca):
ECONOMIA FORTE EMPURRA BRASIL PARA O PALCO MUNDIAL


Fortaleza, Brasil - Desesperada para escapar de sua existência da-mão-para-a-boca em uma das regiões mais pobres do Brasil, Maria Benedita Sousa usou um pequeno empréstimo cinco anos atrás para comprar duas máquinas de costura e começar seu próprio negócio fazendo roupas íntimas femininas.
Hoje Ms. Sousa, mãe de três filhos que começou a trabalhar numa fábrica de jeans, emprega 25 pessoas numa modesta fábrica de dois cômodos que produz 55 mil pares de calcinhas de algodão por mês. Ela comprou e reformou uma casa para sua família e está pensando em comprar um segundo automóvel. A filha dela, que estuda para ser farmacêutica, poderá ser a primeira da família a terminar a faculdade.
"Você não pode imaginar a felicidade que sinto", Ms. Sousa, 43 anos de idade, disse do chão da fábrica batizada com o nome de um filho. "Vim do campo para a cidade. Batalhei, batalhei e hoje meus filhos estão estudando, com uma na faculdade e os outros dois na escola. É um presente de Deus".
Hoje o país dela está se levantando da mesma forma. O Brasil, a maior economia da América do Sul, está finalmente pronto para realizar seu muito antecipado potencial como um jogador global, dizem economistas, no momento em que o país vive sua maior expansão econômica em três décadas.
Esse crescimento é sentido em quase todas as partes da economia, criando uma nova classe de super ricos ao mesmo tempo em que pessoas como a Ms. Sousa ascendem a uma classe média que se expande.
Isso também deu ao Brasil mais auto-confiança, por exemplo, para barganhar com os Estados Unidos e a Europa em negociações globais de comércio. Depois de sete anos, essas negociações fracassaram esta semana depois de demandas da China e da Índia por proteção a seus agricultores, um claro sinal do crescente poder destas economias emergentes.
Apesar do temor de investidores sobre a tendência esquerdista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando foi eleito para liderar o Brasil em 2002, ele demonstrou cuidado quando se trata da economia, evitando impulsos populistas de líderes da Venezuela e Bolívia.
Em vez disso, impulsionou o crescimento da economia do Brasil através de uma combinação de respeito pelos mercados financeiros e programas sociais que estão tirando milhões da pobreza, diz David Fleischer, um analista político e professor emérito da Universidade de Brasília. Ms. Sousa é uma beneficiária.
Famoso por sua distribuição de renda desigual, o Brasil reduziu sua diferença de renda 6% desde 2001, mais do que qualquer outro país da América do Sul, disse Francisco Ferreira, um economista do Banco Mundial.
Enquanto os 10% mais ricos viram sua renda subir 7% entre 2001 e 2006, os 10% mais pobres dispararam com 58%, de acordo com Marcelo Côrtes Neri, o diretor do Centro para Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
Mas o Brasil também gasta mais que seus vizinhos em programas sociais e no conjunto o gasto público continua a ser quatro vezes maior que o do México em porcentagem do Produto Interno Bruto, afirmou Ferreira.
O momentum da expansão econômica do Brasil deve durar. Enquanto os Estados Unidos e partes da Europa enfrentam recessão e as consequências de uma crise no setor imobiliário, a economia do Brasil mostra poucas vulnerabilidades de outros poderes emergentes.
A economia diversificou sua base industrial, tem grande potencial de expandir o boom do setor agrícola em terras virgens e tem um tremendo pool de recursos naturais. Novas descobertas vão colocar o Brasil no escalão das potências do petróleo na próxima década.
Ainda assim, embora a exportação de commodities como petróleo e bens agrícolas sejam responsáveis por muito do crescimento recente, o Brasil depende cada vez menos dela, dizem economistas, por ter a vantagem de um grande mercado interno - 185 milhões de pessoas - que está enriquecendo graças ao sucesso de gente como Ms. Sousa.
De fato, com uma moeda forte e a inflação sob controle, os brasileiros estão numa gastança que se tornou o motor primário para a economia, que cresceu 5.4% no ano passado.
Eles estão comprando tanto bens brasileiros quanto importados. Muitos negócios relaxaram o crédito para permitir aos brasileiros comprar geladeiras, automóveis e até cirurgia plástica em anos, em vez de meses, apesar de juros que estão entre os mais altos do mundo. Em junho o país atingiu 100 milhões de cartões de crédito, um aumento de 17% em relação ao ano anterior.
Nas Casas Bahia, uma rede de venda de móveis com preços modestos, o número de consumidores comprando à prestação triplicou para 29,3 milhões de 2002 a 2007, disse Sônia Mitaini, uma porta-voz da empresa.
Outros sinais de riqueza são abundantes. Em Macaé, uma cidade do petróleo perto do Rio de Janeiro, empreiteiros estão correndo para terminar shopping centers e condomínios de luxo para atender à demanda de firmas de exploração de petróleo. Num porto em Angra dos Reis, uma cidade conhecida por suas ilhas espetaculares, 25 mil trabalhadores encontraram serviço construindo plataformas de petróleo.
A Petrobras, a companhia nacional de petróleo, chocou o mundo em novembro quando anunciou que o poço de águas profundas Tupi, na costa do Rio de Janeiro, teria reservas de 5 a 8 bilhões de barris. Analistas acreditam que pode haver outros bilhões em áreas próximas.
Enquanto o petróleo será difícil e caro de extrair, a Petrobras disse que espera produzir 100 mil barris por dia em Tupi até 2010, e espera um milhão por dia dentro de uma década.
As novas jogadas do petróleo estão causando um boom de investimento no Rio de Janeiro, com U$ 67,7 bilhões de investimento esperados no estado até 2010, de acordo com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Só a Petrobras espera investir U$ 40,5 bilhões até 2012.
Alguns economistas dizem que a redução do crescimento no resto do mundo, especialmente na Ásia, que engole boa parte das exportações brasileiras de soja e minério de ferro, poderia afetar o Brasil. "Mas essa probabilidade é pequena", disse Alfredo Coutino, economista chefe da Moody's Economy.com para a América Latina.
De fato, a economia do Brasil se tornou tão diversificada em anos recentes que o país se tornou menos suscetível a ressacas causadas por problemas nos Estados Unidos.
As exportações do Brasil para os Estados Unidos representam 2,5% do PIB, comparadas com 25% das exportações do México, de acordo com a Moody's.
"O que faz do Brasil mais resistente é que o resto do mundo tem menor importância para o país", diz Don Hanna, chefe de economia para países emergentes do Citibank.
O resto do mundo certamente ajudou. Preços crescentes para os minerais e outras commodities criaram uma nova classe de super-ricos. O número de brasileiros com fortunas de mais de U$ 1 milhão cresceu 19% no ano passado, o terceiro lugar depois da China e da Índia, de acordo com uma pesquisa da Merrill Lynch e Capgemini.
Ao mesmo tempo, o presidente Da Silva aprofundou muitos dos programas sociais iniciados dez anos atrás sob Fernando Henrique Cardoso, que como presidente promoveu muitas das reformas estruturais que serviram de base para o crescimento do Brasil hoje.
No caso de Ms. Sousa, por exemplo, ela deve muito do sucesso do negócio aos empréstimos do Banco do Nordeste, um banco financiado pelo governo que deu microcrédito a 330 mil pessoas para desenvolver negócios nessa região.
Outros programas, como o Bolsa Família, dão pequenos subsídios para que os pobres brasileiros comprem comida e outros artigos essenciais. O Bolsa Família, que beneficia 45 milhões de pessoas nacionalmente e tem um orçamento anual de U$ 5,6 bilhões, tem sido mais eficaz em aumentar a renda per capita do que aumentos no salário mínimo, que cresceu 36% desde 2003.
A natureza destes programas sociais expandiu o emprego informal e formal, assim como a classe média brasileira. O número de pessoas sob a linha de pobreza - definidos como aqueles que ganham menos de 80 dólares por mês - caiu 32% de 2004 para 2006, disse o Mr. Neri.
Os programas foram particularmente eficazes no Nordeste, historicamente uma das regiões mais pobres do Brasil. Os residentes receberam mais da metade dos U$ 15,6 bilhões dos programas sociais dados entre 2003 e 2006, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, um braço do Ministério da Energia.
As pessoas estão usando essa nova riqueza para comprar bens como aparelhos de tevê e geladeiras num ritmo maior do que o resto do país. O Nordeste, de fato, passou o Sul em uso de energia pela primeira vez este ano, de acordo com a empresa.
Muitas famílias passaram à classe média usando o Bolsa Família para cobrir gastos básicos e em seguida obtendo pequenos empréstimos para começar novos negócios e assim escapando da economia informal. É o que Maria Auxiliadora Sampaio e o marido dela fizeram em Fortaleza, uma cidade costeira de 2,4 milhões de habitantes. Eles recebiam pagamentos do Bolsa Família de cerca de 30 dólares mensais, que usaram para cuidar dos três filhos. Então, dois anos atrás, Ms. Sampaio usou um empréstimo de cerca de 190 dólares para comprar esmalte e dar início a um salão de manicure em casa.
Hoje ela fatura cerca de 70 dólares por dia - cerca de quatro salários mínimos por mês, ela diz. Com o próximo empréstimo ela pretende investir 140 dólares num esterilizador para fazer o serviço que ela hoje faz com água fervida.
Com os frutos de seu novo negócio o casal reformou a casa, comprou um aparelho de tv e um telefone celular. Este mês o marido, que trabalha numa fábrica de Cachaça, realizou um sonho: comprou uma bateria.
Ele planeja usá-la em uma banda de forró, música tradicional do Nordeste. "Nós comíamos e pagávamos as contas e ele esperava, esperava, esperava" e finalmente comprou a bateria por U$ 780, ela disse.
"Sinto que somos parte de um grupo de gente que está subindo no mundo", disse Ms. Sampaio, de 28 anos de idade. "Quando você não tem nada, quando não tem uma profissão, não tem meio de vida, você não é nada, é uma mosca. Eu não era ninguém. Hoje, estou no paraíso".