sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Porque Doha fracassou - por Luis Nassif

No século 18, a Inglaterra tornou-se a maior potência do mundo atropelando impiedosamente regras do comércio internacional. Praticava “dumping”, subfaturamento de exportações (para fugir das tarifas de importação), pirataria, contrabando.
A grande investida da Coréia, nas últimas décadas, deu-se através de um amplíssimo esquema de contrabando, valendo-se de uma estrutura internacional de coreanos que migraram para diversas partes do mundo. Em São Paulo, Promocenter era um exemplo vivo desse jogo.
A China seguiu o mesmo caminho. Nas principais cidades chinesas, existem shoppings contendo as mais caras grifes do mundo – fabricadas pela indústria chinesa de falsificação.
Em suma, trata-se de um expediente ao qual recorreram todos os países que decidiram enfrentar o desafio do desenvolvimento e da industrialização.
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Esse é o ponto inicial que trazia, de antemão, dificuldades para a Rodada Doha, de liberação comercial.
A OMC (Organização Internacional do Comércio) surgiu como um instrumento de influência política dos países desenvolvidos. Nas primeiras negociações – como na Rodada Uruguai – conseguiram passar cláusulas amplamente nocivas aos emergentes.
O Brasil começou a acordar para esse jogo apenas no dia em que ficou claro que uma das cláusulas – colocadas sem que nossos negociadores percebessem sua abrangência – praticamente inviabilizaria o crescimento da Embraer. Dizia ela que os financiamentos da Embraer – através das linhas de promoção de exportação do país – não poderiam ser inferior às taxas de risco soberano, aquelas que medem o risco país. Isso em um período em que os emergentes sofriam com altas taxas de risco.
Do mesmo modo, tentaram avançar em cima de serviços e propriedade intelectual – setores dominados pelos desenvolvidos -, criando inúmeros problemas para a agricultura – território de interesse dos emergentes.
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O jogo começou a virar de alguns anos para cá. Os emergentes aprenderam e negociar, a abrir painéis na OMC (questionamento) contra subsídios dos desenvolvidos, a perceber as implicações das decisões sobre o futuro do seu próprio comércio.
Ganhando consciência, passaram a montar alianças – o grupo dos exportadores agrícolas, o G20, os BRICs.
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Nesse momento, se percebeu a disfuncionalidade da OMC. Como arranjo institucional, ela já não dava mais conta de conter os emergentes. A reação da China e da Índia é apenas um reflexo dessa nova correlação de forças e da maior clareza dos países em relação aos intrincados mecanismos do comércio internacional.
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Ontem à tarde, no Itamarati lembravam de declaração recente do chanceler Celso Amorim – o de que o Brasil poderia esperar quatro ou cinco anos, e sua posição se fortaleceria gradativamente. Lembraram também que a Rodada Uruguai demorou onze anos para se concretizar. E procuraram enxergar ganhos na proposta americana já que, no caso de reinício das negociações, não poderão oferecer menos do que já ofereceram.
De qualquer modo, o Brasil nada perdeu com o fracasso da rodada. Mesmo porque, teria muito pouco a ganhar com o que foi oferecido.

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