domingo, 28 de setembro de 2008

A grande mentira - por Mauro Santayana (JB)

As manifestações populares contra a ajuda do Tesouro aos ladrões de Wall Street (o qualificativo é de Timothy Egan, em artigo publicado na última quarta-feira pelo New York Times) revelam que os Estados Unidos se encontram divididos, mais do que nunca, entre ricos e pobres. Os sacrifícios recairão, como sempre, sobre os que trabalham e produzem bens tangíveis, não sobre os que tiram lucros das nuvens.
A grande bolha, inflada pela mentira, não é a dos empréstimos hipotecários; é o próprio mercado financeiro. Relembremos a maior lavagem cerebral da história, mediante o alinhamento dos formadores de opinião (menos alguns) na refundação, nos anos 90, do velho liberalismo, alicerçada na ficção de que o Estado deveria retirar as rédeas sobre a economia e deixá-la entregue às "leis" do mercado. Com essa desregulamentação, de acordo com Egan, "Wall Street recebeu luz verde para atuar como um cassino".
Em meados da década de 70, diante da crise do petróleo, as teses de Friedrich Hayek, de 1944, contra a intervenção do Estado no mercado e o planejamento keynesiano da economia, passaram a ser rediscutidas. Enfim, o que se contestava era o welfare state, que taxava os lucros do capital em favor da sociedade. Essa política distributiva fora conquista dos trabalhadores do Ocidente, amparada na Revolução Soviética. Os países capitalistas se viam obrigados a ceder um pouco, a fim de conjurar a revolução mundial.
A crise da malograda globalização dos anos 20 eclodiu na queda da Bolsa de Nova York em 1929. A bancarrota, associada à grande desigualdade social daqueles anos, levaria Roosevelt, ao assumir o governo em 1933, à intervenção vigorosa - e planejada - no mercado, com a regulation até mesmo do funcionamento de lavanderias. Com isso, ele reergueu a economia e preparou a nação para a II Guerra Mundial.
Embora cercado de intelectuais destacados, o então governador de Nova York e futuro presidente tinha ouvidos mais atentos para um homem aparentemente inexpressivo, modesto assistente social, Harry Hopkins. Hopkins levara para o governo a solidariedade para com o povo trabalhador e miserável da América. Do diálogo entre os dois nasceria – antes mesmo que Keynes publicasse sua teoria sobre o emprego, os juros e o dinheiro – a arquitetura do New Deal, primeiro no Estado de Nova York, com o programa de ajuda aos desempregados, e, mais tarde, na Casa Branca, com a "Lei de Reconversão Industrial". Os economistas, que participaram do planejamento da revolução rooseveltiana, colocaram sua inteligência acadêmica a serviço de uma férrea vontade política.
Collor iniciou a entrega da economia à nova ordem, mas o impeachment e o breve governo de Itamar interromperam o processo. Coube a Fernando Henrique, desmontar o Estado em favor do "mercado" internacional. A globalização da economia, com suas exigências, entre elas as da desnacionalização das grandes empresas privadas brasileiras (como a da Metal Leve), da abertura do mercado financeiro aos bucaneiros (como na entrega do Bamerindus ao HSBC) e da privatização das estatais, foi saudada pelo intelectual como um novo Renascimento – sob as luzes do Consenso de Washington. A nova ordem exigia a internacionalização do sistema financeiro. Uma de suas providências emblemáticas foi a salvação de banqueiros temerários e fraudadores, mediante o Proer – o que lhe permitiu transferir ativos de alguns bancos nacionais aos estrangeiros, abrindo-lhes o mercado sem reciprocidade. Com o exemplo dessa rede protetora, outros aventureiros se estabeleceram, como os controladores do Opportunity, entre eles alguns de seus auxiliares mais diletos, como Pérsio Arida e Elena Landau. Espera-se ato de contrição do ex-presidente.
Timothy Egan registra que só 10% dos mutuários de empréstimos hipotecários se encontram inadimplentes: os outros 90% estão em dia com seus compromissos. "Como pode esta minoria de maus empréstimos arruinar o capitalismo ocidental?"– pergunta. De acordo com o projeto enviado ao Congresso, o Secretário do Tesouro (hoje Henry Paulson) estará acima de qualquer outro poder do Estado. Suas decisões "may not be reviewed by any court of law or any administrative agency", ou seja, estarão acima até mesmo da Suprema Corte.
As manifestações de quinta-feira diante de Wall Street trazem a esperança de que tudo isso possa mudar.

sábado, 27 de setembro de 2008

Economia e a atual crise dos mercados - por Luís Carlos Lopes (Agência cartamaior)

Eric Hobsbawm, há alguns anos, já havia diagnosticado que a moderna teoria econômica, ensinada nas universidades e fortemente midiatizada, não passava de uma nova teologia. Os economistas, a serviço do ‘mercado’, são como profetas do caos. Curiosamente, insistem em prever o que não sabem.

Os últimos acontecimentos provocam ou deveriam provocar uma crise das consciências burguesas. Estas formas de ver o mundo são veiculadas pelas grandes mídias e, infelizmente, acreditadas por muitos que sequer detêm capitais que justifiquem suas posturas. São burgueses de mentira, que, simplesmente, mimetizam o poder de seus patrões e/ou líderes intelectuais.

A economia ‘científica’ que postulam é derivada do economics criado para se contrapor à economia política do século XIX, sobretudo a fundada pelo velho Marx. Eles separam a política da economia real, e acreditam que os fenômenos desta área existem sem sujeitos e interesses, por vezes cegos, arrogantes e anárquicos.

O que eles chamam de ‘economia real’ é algo que sustenta o mundo desde sempre. Crêem que vivem acima do mundo do trabalho e, paradoxalmente, o invocam sempre que as crises os surpreendem. Simplesmente não o chamam pelo seu verdadeiro nome. Na verdade, o mundo das finanças é tão real, quanto os que o sustentam, em tela, o da indústria e o das atividades agrárias e de extração, sobretudo mineral.

O segmento financeiro sequer existiria, sem que as pessoas continuassem a trabalhar e a produzir mercadorias e outros bens. O que vendem, os tais ativos financeiros, só podem existir porque são lastreados por riquezas efetivas produzidas pela mão humana. Suas peculiaridades consistem no fato de que seus agentes podem ir além dos bens materialmente existentes, dando a impressão de que a riqueza não tem limites.

Nestas situações, como a que se está vivendo, produzem-se as tais ‘bolhas financeiras’ que acabam por estourar como verdadeiras bolhas de sabão. Neste segmento econômico, o frenesi do enriquecimento fácil, a mentira da especulação e a retórica do desenvolvimento dos negócios presentes e futuros são elementos fortes que distinguem as atividades financeiras das produtivas. Por outro lado, para funcionar eles também precisam explorar o trabalho dos profissionais deste ramo.

No fundo, eles sabem disto tudo, quando dizem que o medo é que a crise vá alcançar a ‘economia real’, isto é, a verdadeira origem do poder que ostentam através dos bancos e do mercado de valores. A posição que ocupam, na materialidade da vida, faz com que ajudem a operar o jogo de luzes sobre a verdadeira razão da crise: a irracionalidade exuberante do capitalismo. Não há como fazer este modo de produção funcionar sem a ocorrência de crises e dos problemas sociopolíticos decorrentes. A crise é parte integrante desta forma de organizar a economia e a sociedade. Por isso, que em todos os países capitalistas, há inúmeros espaços que se protegem da voracidade dos mercados. Quase ninguém é louco o suficiente para acreditar na lisura dos negócios.

A velha crítica à natureza do sistema capitalista e às suas impossibilidades está mais viva do que nunca. A cientificidade atual do capitalismo é incapaz de curar suas doenças crônicas. Consegue, apenas, fazer com que sintamos o odor de podre de seus membros amputados e que imaginemos que a crise vai passar. É verdade que ele consegue permanecer vivo, remanejando forças e cortando na própria carne. Entretanto, isto é provisório, até a próxima débâcle que se vislumbra no horizonte.

Do ponto de vista teórico, é necessário avançar em uma compreensão atualizada destes fenômenos. As interpretações produzidas no passado permanecem, em parte, válidas. Contudo, novos problemas surgiram. A história de hoje tem um grau distinto de complexidade. Vê-la, apenas, sob o prisma das velhas teorias é fazer algo diferente do que fariam os teóricos do passado. Significa ossificar o pensamento crítico e impedir que se compreenda em profundidade o que se vive na atual fase da modernidade.

Eric Hobsbawm, há alguns anos, já havia diagnosticado que a moderna teoria econômica, ensinada nas universidades e fortemente midiatizada, não passava de uma nova teologia. Os economistas, a serviço do ‘mercado’, são como profetas do caos. Curiosamente, insistem em prever o que não sabem. Dizem até qual será a cotação tal e tal, em época determinada. Fazem ‘análises’ de conjuntura, que, em horas, viram poeira midiática. Todavia, esta postura agrada aos verdadeiros donos do poder econômico. Estes detestam qualquer interpretação fora do que acreditam, desejando ficar na obscuridade fantasiosa de seus negócios, muitas vezes, escusos.

É engraçado ver como eles estão confusos e têm pouco a dizer sobre o que está acontecendo. O edifício de suas crenças desabou. Suas referências não mais servem, frente à força dos fatos. Alguns, mais espertos, estão calados esperando o furacão deixar de soprar. Outros, menos inteligentes, enchem os ouvidos das audiências que dispõem, com um monte de bobagens.

O dia em que Hayek chorou - por Gilson Caroni Filho (Agência Cartamaior)

Aos que vislumbravam um descompasso entre “o empreendorismo” que crescia por seus méritos e um Estado falido, ainda iludido com seu gigantismo, cabe uma pergunta. Quem terminou falindo e a qual instância pediu socorro?


Quando o presidente George Bush, em seu "discurso à Nação", afirmou que uma crise financeira ameaçava a economia dos Estados Unidos, um espectro rondou o mundo de certezas da banca. No momento em que saíram notícias, ainda não confirmadas até a hora em que concluímos esse artigo, de que democratas e republicanos aprovaram um pacote que garante US$ 700 bilhões em ajuda ao mercado financeiro, sua forma ficou mais nítida, definida: vagando perdido estava o fundamentalismo neoliberal que tanto se empenhou em desacreditar qualquer forma de regulação da economia.

Um pensamento político e econômico que, como fundamento ideológico da fantasia do livre mercado, fingiu acreditar que apresentava o produto final de uma engenharia irretocável, quando nunca passou de uma utopia autoritária.

Convém reler John Gray em seu magnífico livro “Falso amanhecer: os equívocos do capitalismo global": "mercados controlados são norma em qualquer sociedade, ao passo que os mercados livres são produtos de estratagemas, planos e coerção política (...), se” capitalismo" que dizer ” livre mercado", então nenhuma visão é mais ilusória do que a crença de que o futuro reside no " capitalismo democrático.

Estamos assistindo ao ocaso de velhos credos. Uma racionalidade crescente que traria com ela a desregulamentação da economia, a supressão de subsídios, a redução das despesas de segurança social e o desmantelamento do poder sindical. Tudo isso, acompanhado de um Estado incapaz de operar mecanismos de redistribuição, posto que tornado mero apêndice jurídico de normas elementares de troca. Eis o paraíso perdido na data em que as Bolsas voltaram a apresentar otimismo. Em síntese, 25 de setembro de 2008, entra para a história como “o dia em que Hayek chorou”. A "mão invisível" mostrou a plenitude de sua deformação no capitalismo desordenado.

E agora? Como ficam aqueles que afirmavam não haver dúvidas sobre o fato de que seriam os agentes de mercado os demiurgos do ciclo de crescimento sem sobressaltos? Que não haveria lugar para a política em um mundo de empreendedores que, obedecendo a expectativas racionais, e se deixando guiar pela satisfação de seus instintos levariam a humanidade à terra prometida.

Aos que vislumbravam um descompasso entre “o empreendorismo” que crescia por seus méritos e um Estado falido, ainda iludido com seu gigantismo, cabe uma pergunta. Quem terminou falindo e a qual instância pediu socorro?

Não procurem pelas cabeças coroadas do governo tucano, nem muito menos pelos seus porta-vozes na imprensa. Com os rostos lívidos de terror, choram com Hayek. Não só a perda do Éden, mas a assustadora constatação de que, sem a roupagem ideológica, ele nada mais é que o “Estado de Natureza" de Hobbes. Um espaço encantado onde a margem de lucro é assegurada pela aniquilação do outro. Um pesadelo do qual só se sai pelas seguras mãos do Estado.

Espera-se que a direita periférica tenha ao menos o cuidado de burilar o discurso do recuo inevitável. Sem os factóides da imprensa que lhe ampara e, muito menos, sem o pretorianismo togado a que aderiu sem pudor. É hora de aprender com o luto. Ao menos uma vez.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

Manuseando escutas - por Luis Nassif

Ultimo furo da Veja em relação à Satiagraha: clique aqui.
Trechos da matéria:

“(...) Agora, descobriu-se – oficialmente – que as atividades dos agentes nem sequer passaram perto da inocente versão segundo a qual eles faziam apenas consultas a bancos de dados. Além de seguirem, vigiarem, fotografarem e filmarem pessoas supostamente envolvidas com criminosos, os espiões do governo produziram relatórios secretos com base na audição de escutas telefônicas.
(...) A prova do crime era um diálogo captado entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, repassado à revista por um servidor ligado à agência. A Abin nunca admitiu o envolvimento de seus agentes com grampos, mas as provas começam a aparecer.
A Polícia Federal tem em mãos uma lista de todos os agentes da Abin que participaram da operação. Parte deles já foi ouvida no inquérito aberto para apurar o caso. Os espiões contaram detalhes do seu trabalho, que envolveu setores da agência em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Os depoimentos são mantidos em segredo, mas dois espiões envolvidos já confirmaram ter manuseado grampos telefônicos e mensagens eletrônicas dentro das dependências da Abin. Um deles, encarregado de analisar o material, contou a VEJA que os grampos chegavam em CDs, eram transcritos e transformados em relatórios de inteligência.
(...) Em entrevista a VEJA, o presidente da Associação dos Servidores da Agência, Nery Kluwe, confirmou que, de fato, os agentes do órgão manipularam escutas telefônicas, mas que não cabia a eles questionar se elas eram legais ou não. Como a missão era oficial, subentendia-se que os grampos tinham origem em autorizações judiciais.
(...) No extremo mais promissor da investigação, a Polícia Federal ouviu, na semana passada, o depoimento do juiz Fausto de Sanctis. Ele voltou a dizer que não autorizou a realização de nenhum tipo de interceptação contra o ministro Gilmar Mendes.


Comentário
Escutas se gravam, se digitalizam. Manusear escutas? A matéria bombástica da dupla Policarpo Jr e Expedito Filho, na Veja desta semana, "denuncia" que funcionários da ABIN preparavam as transcrições dos grampos efetuados pela Polícia Federal. Batizaram a transcrição de "manusear grampos", para dar mais impacto, e anunciaram que ali estavam as provas de que a ABIN participou dos grampos.
Nenhuma informação, prova documental, indícios que confirmem o suposto grampo em Gilmar Mendes e Demóstenes Torres. A reportagem trata como se fosse verdade acabada. E não se discute mais isso.
O imenso factóide ficou reduzido a isso: agora, o extremo mais promissor da investigação é o depoimento de De Sanctis.

Mais um laudo negativo - por Luis Nassif

Por Stanley Burburinho
De O Globo
Laudo técnico

Exército atesta que Abin não pode grampear celular

Publicada em 26/09/2008 às 23h38m

BRASÍLIA - O laudo técnico do Exército encaminhado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, à CPI do Grampo, revela que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) possui cinco equipamentos que podem fazer grampos telefônicos, mas apenas em aparelhos de linha analógica. Os aparelhos, segundo o laudo, apresentam limitações de acordo com a freqüência e o tipo de transmissor. O laudo é categórico ao afirmar que a parafernália da Abin, analisada por três oficiais do Exército, não pode grampear celulares.

Essa constatação acaba fragilizando ainda mais a posição do ministro da Defesa, que vinha defendendo, dentro do governo, a tese de que os equipamentos da Abin foram usados para escutas ilegais no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. A conversa de Gilmar com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) ocorreu por telefone celular, que não pode ser grampeado por esses equipamentos. (...)
A conclusão dos militares do Exército é semelhante à de outro laudo, elaborado pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC), da Polícia Federal, e divulgado semana passada . A PF também atestou que a Abin não poderia ter usado aqueles aparelhos para grampear Gilmar Mendes, que teve seu diálogo divulgado na imprensa.
"Os equipamentos disponibilizados para análise pela Abin não possuem meios de monitoração e gravação eletrônica de celulares GSM e CDMA", diz a parte de conclusão do laudo. O texto lista, no entanto, os equipamentos da Abin que podem fazer escutas em linhas convencionais analógicas. A relação inclui até um gravador de fita cassete.
"A Abin detém um equipamento de gravação de telefone fixo (o gravador), dois de telefone fixo com limitações e cinco de gravação de emissões eletromagnéticas analógicas com limitações", diz o laudo.

Relembrando o factóide da IstoÉ

A sombra ameaçadora da ABIN

As revelações de ISTOÉ expõem as armações da cúpula da agência, e o general Jorge Felix sofre críticas no Planalto

por Mino Pedrosa e Hugo Marques

ELES SABEM luiz Corrêa e Paulo lacerda (esquerda), o delegado Protógenes Queiroz (centro) e o juiz Fausto De Sanctis (direita): na Satiagraha, a Abin tinha mais que o dobro de agentes da Polícia Federal

(...) A última semana foi decisiva para desmascarar a forma como vem funcionando o serviço de inteligência do governo, que repete práticas adotadas na ditadura, inaceitáveis em um Estado democrático. Sentados na Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso, o general Felix, o diretor afastado da Abin, Paulo Lacerda, e o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, não conseguiram apresentar um parecer sobre as maletas de escutas do governo.

Uma fonte qualificada da Abin, no entanto, disse à ISTOÉ que a maleta da agência faz, sim, grampos. Basta colocar um pequeno gravador no equipamento que deveria apenas fazer varreduras. As maletas da Abin foram compradas num mesmo pacote de equipamentos do Exército. A Aeronáutica e a Marinha também possuem malas assim. Eis a grampolândia da área militar, exposta na briga de Felix e Nelson Jobim, da Defesa. Agora, o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da CPI dos Grampos, quer saber por que as Forças Armadas precisam de equipamentos para grampear telefones.

A última carta do castelo de mentiras da Abin caiu com a entrevista do espião Ambrósio nesta edição.


Comentário
Confira-se essa barafunda manipulatória com o editorial da Folha de hoje, usando o caso do falso grampo de Veja como exemplo do bem que faz manter o instituto do off a qualquer preço.

Comentário meu: Afinal de contas, de quem é a "última carta do castelos de mentiras"?

Os perigos da demonização da PF - por Maria Inês Nassif (Valor Econômico)

O corpo burocrático do Estado tende a reivindicar a representação da racionalidade, mas sequer a racionalidade é neutra. A Constituinte de 1988 deu autonomia ao Judiciário e ao Ministério Público e aumentou os controles sobre um aparelho policial hipertrofiado pela ditadura, obrigando a sua profissionalização. Ao longo dos 20 anos de amadurecimento democrático das instituições, ora uma, ora outra, avança sobre o espaço das demais, reivindicando para si a capacidade de agir racionalmente em nome do Estado.
É possível em cada uma das unidades da Federação mapear conflitos entre instituições - ou alianças eventuais - e, ao longo de suas cadeias hierárquicas, apontar acúmulo ou esvaziamento de poder em instâncias estaduais e federais. O episódio da prisão e soltura dupla do empresário Daniel Dantas - prisão dupla pelo juiz de primeira instância, Fausto de Sanctis; soltura dupla pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes - é a personificação do conflito. E a mostra efetiva de que, se em algum momento as instâncias inferiores da Justiça, o MP e a Polícia Federal (PF) tiveram protagonismo em questões nacionais importantes, ele vem sendo gradativamente esvaziado em favor de uma concentração de poderes nas mãos da mais alta corte judiciária do país.
O ativismo judicial, defendido por parcela da opinião pública como uma garantia de que a "racionalidade" do STF conteria a "irracionalidade" da ação política do Legislativo, produziu outras crias. O Supremo ocupou cada vez mais espaços - hoje não apenas tem o instrumento constitucional da súmula vinculante, mas desfrutou (pelo menos até agora) de uma legitimidade autoconferida por um entendimento do que é o "clamor público", e com esse mandato promoveu a adequação das leis à sua própria racionalidade. A reação dos juízes contra a decisão do presidente do STF, acompanhada por outra igual dos procuradores - e de uma contra-reação dos advogados e defensores públicos - mostra que também a racionalidade do aparelho burocrático do Estado é política. Pode não ser partidária, mas é política.
A demonização da política foi o primeiro passo para a legitimação do ativismo judiciário. A apropriação do senso comum de que o político eleito é corrupto, até que se prove o contrário; de que os partidos são por princípio venais; e de que a política sempre encerra interesses inconfessáveis, tem legitimado a atuação legislativa do STF. Também foi ela que moveu as espetaculares ações da PF - investigações agressivas, quase "sentenciatórias", que nem sempre foram referendadas pelas várias instâncias do Judiciário. A Operação Satiagraha, que levou à prisão o empresário Daniel Dantas, deve marcar um refluxo na ofensiva da PF de ocupar o espaço de outras instituições, mas pode perigosamente concentrar mais poderes no STF. A demonização da PF, tal como antes aconteceu com os políticos em geral, já começou - à polícia passou a ser atribuída incompetência investigativa, leviandade e sensacionalismo. Isso é generalizar o que não é generalizável: as ações da PF não são em geral rasas, levianas ou sensacionais; assim como os políticos não são genericamente corruptos.
A demonização da PF tende a concentrar mais poderes na instância maior da Justiça. É um caminho perigoso, uma vez que o Supremo não dispõe de estrutura ou de capacidade investigatória. Todo o ativismo justificado até agora como um instrumento para tornar a justiça mais eficaz e célere pode resultar num afunilamento de decisões nas mãos do STF, com prejuízo da celeridade e serenidade nos julgamentos.
O ministro Gilmar Mendes, pelo seu currículo, seria a pessoa indicada para colocar essa disputa de poder entre instituições no limite do tolerável. Afinal, ele é originário do Ministério Público, foi advogado-geral da União e agora preside o STF. Em três instituições, ele conviveu e assimilou "racionalidades" diferentes - como advogado-geral, assumiu a lógica do Executivo com fervor, inclusive contra o que achou ser irracionalidade do MP (de onde veio) ou do STF (para onde foi). Como ministro do STF, tem declarado oposição pública à Polícia Federal, ao ministro da Justiça e à MP. Como presidente do STF, agiu duro contra o que considerou rebeldia do juiz Fausto de Sanctis, que emitiu duas ordens de prisão contra o banqueiro. Por entendimento ou conflito, portanto, Mendes transitou pela lógica de diferentes corpos burocráticos e diversas instâncias judiciárias, jogando duro o suficiente para ampliar o poder da instituição da qual fazia parte no momento. Usou a sua capacidade ofensiva para o conflito. Talvez seja a hora de usá-la para colocar o poder de cada instituição - inclusive e principalmente do STF - nos seus devidos lugares.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O Imperador do Brasil - por Luis Nassif

Da Folha
Juiz De Sanctis é intimado a pedido do STF

DA REPORTAGEM LOCAL
A pedido de Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, o juiz Fausto De Sanctis foi intimado anteontem pela Corregedoria, que apura erros e abusos de magistrados, a se explicar sobre o motivo que o levou a decretar a prisão do banqueiro Daniel Dantas, que é investigado por supostos crimes financeiros.
A intimação abre um novo capítulo da situação de mal-estar entre De Sanctis, que atua na primeira instância, e Mendes, que representa o grau máximo do Judiciário.
Foi o juiz federal que decretou a primeira prisão do banqueiro, em 8 de julho. No dia seguinte, Mendes mandou soltar Dantas. Em menos de 24 horas, De Sanctis ordenou uma segunda prisão, desta vez por suposta tentativa de suborno de um policial com US$ 1 milhão.
Mendes, que viu a medida como uma afronta, pediu ao Conselho Nacional de Justiça, presidido por ele, e à Corregedoria que inquirissem o juiz. Após reação indignada da classe, Mendes disse que o envio era só para estatística.
De Sanctis terá cinco dias para responder. Ontem, ele foi ouvido pela PF, que apura grampo ilegal contra Mendes.
O juiz rebateu a afirmação da desembargadora Suzana Camargo, que o acusou de ter mandado grampear o presidente do STF. À polícia, ele negou e disse que foi a juíza que o procurou, em nome de Mendes, pedindo informações sobre um caso sigiloso. (LILIAN CHRISTOFOLETTI)

Comentário
O presidente do STF tornou-se suspeito de envolvimento emocional com o caso Daniel Dantas, a partir dos seguintes atos:
1. O segundo habeas corpus concedido a Dantas.
2. Segundo o juiz De Sanctis, por ter solicitado a uma desembargadora que buscasse informações com De Sanctis sobre inquérito sigiloso. Quem está com a verdade: De Sanctis ou a desembargadora. Enquanto esse inquérito corre, Gilmar deveria se declarar impedido de tomar qualquer atitude contra o juiz. Mas seu sentimento de onipotência é irrefreável.
3. Desqualificou todas as instituições envolvidas no inquérito de Dantas.
4. Permitiu que seu nome fosse usado em uma reportagem - a do grampo - sobre a qual pairam suspeitas de manipulação. E afrontou o chefe de outro poder com base na reportagem.
5. No momento está se valendo do cargo para algo que é visto como acerto de contas pessoal.
Pergunto: até quando prosseguirá nessa escalada suicida? Mendes perdeu a noção de proporção. Virou o fio há tempos.
Digo com a experiência de décadas de jornalismo: é impossível que tamanha demonstração de poder e arrogância seja bem sucedida, no atual estágio de desenvolvimento do país e da opinião pública.

O resgate de todos os resgates: golpe de Estado cleptocrata nos EUA - por Michael Hudson (Sin Permiso)

CAPITALISMO EM CRISE (II)

O resgate de todos os resgates: golpe de Estado cleptocrata nos EUA


O governo dos EUA mudou radicalmente o caráter do capitalismo norte-americano. Trata-se, nem mais nem menos, de um “golpe de Estado” a favor da classe que Franklin Delano Roosevelt chamava de “bancgsters”. O que aconteceu nas últimas semanas pode alterar o curso do século que começa de maneira irreversível. Estamos diante da maior e mais desigual transferência de riqueza desde que se presentearam terras aos barões das ferrovias na era da Guerra Civil. A análise é de Michael Hudson.


Ninguém esperava que o capitalismo industrial terminasse deste modo. Mais do que isso, ninguém sequer imaginou que ele evoluiria nesta direção. Suspeito que essa cegueira seja freqüente entre os futurólogos: a tendência natural é pensar sobre a forma ótima de crescimento e desenvolvimento das economias. Mas sempre parece surgir um caminho imprevisto e então a sociedade se vai por uma tangente.

Que duas semanas! No domingo, 7 de setembro, o Tesouro assumiu o controle dos 5,3 bilhões de dólares expostos ao risco hipotecário das empresas Fannie Mae e Freddie Mac, cujos chefes já tinham sido destituídos por fraude contábil. No dia 15 de setembro, Lehman Brothers declarou-se em bancarrota quando possíveis compradores de Wall Street não conseguiram encontrar rastro algum de realidade em sua contabilidade financeira. Dois dias depois, o Federal Reserve concordou em aprovar, a um custo de pelo menos 85 bilhões de dólares, os lucros “assegurados” que a AIG devia a instituições financeiras que, por meio do comércio de valores nas bolsas, apostaram em hipotecas podres e contrataram seguros de cobertura com essa empresa seguradora, o American International Group (cujo chefe, Maurice Greenberg, havia sido destituído poucos anos antes por fraude contábil).

19 de setembro: o momento de inflexão
Mas é o dia 19 de setembro que figurará na história dos EUA como o momento de inflexão. A Casa Branca comprometeu ao menos 500 bilhões de dólares no esforço de aumentar os preços imobiliários a fim de sustentar o valor de mercado das hipotecas podres (hipotecas contratadas sem levar em conta a capacidade dos devedores para pagar e que, além disso, superestimam o preço corrente de mercado que se oferece como garantia da dívida).

Esses bilhões de dólares foram sacrificados para manter vivo um sonho: as ficções contábeis postas sobre o papel por empresas que ingressaram em um mundo irreal fundado em uma contabilidade falsa que praticamente todo o mundo financeiro sabia ser enganosa. Mas todos jogavam com as hipotecas podres porque ali é onde se ganhava dinheiro. Inclusive, no momento do colapso dos mercados, vários gestores executivos de fundos de investimentos que mantinham a lucidez foram duramente criticados por não embarcar neste jogo enquanto ele funcionava.

Tenho amigos em Wall Street que foram demitidos por não conseguir igualar os lucros que colegas seus estavam conseguindo. E os maiores retornos eram conseguidos através da comercialização dos maiores ativos financeiros da economia: a dívida hipotecária. Somente as hipotecas pertencentes ou garantidas por Fannie e Freddie já excediam o volume de toda a dívida nacional dos EUA, que é o déficit acumulado pelo Estado norte-americano desde os dias em que a nação ganhou a guerra revolucionária da independência!

Isso dá uma idéia das enormes dimensões do resgate, assim como das prioridades do Estado (ou, ao menos, dos republicanos no governo). Em vez de despertar a economia para a realidade, o governo empenhou todos os seus recursos na promoção de um sonho irreal, segundo o qual as dívidas podem ser pagas: se não pelos próprios devedores, pelo governo (ou os “contribuintes”, como se diz eufemisticamente). Diante das trevas, o Tesouro dos EUA e o Federal Reserve mudaram radicalmente a face do capitalismo norte-americano. Trata-se, nem mais nem menos, de um “golpe de Estado” a favor da classe que Franklin Delano Roosevelt chamava de “bancgsters”. O que aconteceu nas duas últimas semanas ameaça alterar o curso do século que começa, de maneira irreversível. Pois estamos diante da maior e mais desigual transferência de riqueza desde que se presentearam terras aos barões das ferrovias na era da Guerra Civil.

Socorrendo os doadores da campanha eleitoral
Ainda assim, há poucos indícios de que isso chegue sequer a pôr fim ao som dos tambores e trompetes em defesa do livre mercado executado pelos insiders financeiros que conseguiram destruir o controle público pela via de colocar reconhecidos anti-reguladores nas principais agências reguladoras, gerando assim o caos que, segundo diz agora o secretário do Tesouro, Henry Paulson, ameaça os depósitos bancários e os postos de trabalho de todos os norte-americanos. Mas quem está realmente ameaçado são os maiores contribuidores financeiros da campanha eleitoral dos republicanos (e para ser justo, também os maiores contribuidores das campanhas de candidatos democratas a postos-chave nos comitês de finanças do Congresso.

Uma classe cleptocrática tomou o controle da economia, a fim de substituir o capitalismo industrial. O termo cunhado um dia por Roosevelt – “bancgsters” – diz tudo em uma palavra. A economia foi assaltada e capturada por uma potência exterior. Não pelos suspeitos habituais: não foi pelo socialismo, não pelos trabalhadores, não pelo “Estado gigante”, não pelos industriais monopolistas, nem sequer pelas grandes famílias de banqueiros. Também não o foi pela franco-maçonaria ou pelos illuminati (seria maravilhoso que existisse de verdade algum grupo que atuasse nas sombras, com séculos de sabedoria acumulada; assim, ao menos, alguém teria um plano).

Os Exterminadores do Futuro
O que ocorreu é que os “bancgsters” aliaram-se com uma potência externa: não com os comunistas, não com os russos, asiáticos ou árabes: aliaram-se com algo que sequer é humano. O grupo em questão é um feixe de máquinas. Isso pode soar ao tema do filme “Exterminador do Futuro”, mas o certo é que os computadores conseguiram assumir o controle do mundo, ao menos o mundo da Casa Branca.

Eis aqui como conseguiram. A AIG subscreveu apólices de seguros de todo tipo solicitados por gente e pelo mundo dos negócios: seguros de habitação e de propriedade, seguros agropecuários e inclusive seguros para cobrir o arrendamento aeronáutico. Esse rentabilíssimo negócio não foi o problema (por isso mesmo, provavelmente, será todo coberto para poder pagar as apostas fracassadas da companhia). A queda da AIG veio dos 450 bilhões de dólares que ficaram pendurados ao assegurar garantias a fundos hedge de investimento.

Em outras palavras: se duas partes jogavam um jogo de soma zero, apostando uma contra a outra pela alta ou queda do dólar frente à libra esterlina ou ao euro, ou se asseguravam uma carteira hipotecária ou hipotecas podres para ter garantias de que seriam cobertas, pagavam uma minúscula comissão a AIG por uma apólice que prometia pagar, se o mercado hipotecário norte-americanos de 11 trilhões de dólares chegasse a “tropeçar”, ou se os perdedores que tinham colocado bilhões de dólares em apostas em derivados do mercado internacional de divisas ou em derivados financeiros de ações ou obrigações, terminassem em uma situação parecida com a que se encontram muitos jogadores de Las Vegas, isto é, incapazes de cobrir suas dívidas em dinheiro.

A AIG colheu bilhões de dólares com essas apólices. E graças ao fato de que essas companhias seguradoras são um paraíso “friedmaniano” – não regulado pelo Federal Reserve, nem por nenhuma outra agência de alcance nacional – a subscrição dessas apólices era feita por meio de processos informáticos. A empresa recebia enormes quantidades de honorários e comissões sem sequer aportar capital. Isso é o que se chama de “auto-regulação”. E é assim que, supostamente, funciona a mão invisível do mercado.

O fato é que, inevitavelmente, algumas instituições financeiras que tinham apostado bilhões de dólares – normalmente, e para ser preciso, apostando 1 bilhão de dólares no curso de uns poucos minutos – não estavam em condições de pagar. Esses jogos se desenvolviam em micro-segundos, praticamente sem interferência humana. Neste sentido, não é tão distinto dos alienígenas tomando o controle. Mas neste caso trata-se de máquinas tipo robô: daí a analogia que tracei com os Exterminadores.

Seu repentino acesso ao poder é tão imprevisível como uma invasão procedente de Marte. A analogia que mais se aproxima é a invasão dos Chicago Boy’s, do Banco Mundial e da USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional) a Rússia e a outras economias pós-soviéticas logo após a dissolução da URSS, promovendo privatizações de livre mercado a fim de criar cleptocracias nacionais. Para os estadounidenses deveria constituir um sinal de alerta que esses cleptocratas tenham se convertido nas fortunas fundadoras de seus respectivos países. Deveríamos ter presente a observação de Aristóteles, segundo a qual a democracia é o estado imediatamente anterior à oligarquia.

Comércio à velocidade da luz
As máquinas financeiras que desenvolveram o comércio que resultou na quebra da AIG estavam programadas por executivos financeiros para atuar com a velocidade da luz em operações de comércio eletrônico que costumam durar alguns segundos, e isso, milhões de vezes ao dia. Só uma máquina poderia calcular a distribuição de probabilidades matemáticas a partir da observação de ínfimas variações, para cima e para baixo, de taxas de juros, taxas de câmbio, preços de ações e obrigações, preços de hipotecas empacotadas. E esses últimos pacotes, cada vez mais, assumiram a forma de hipotecas podres, supostamente dívidas pagáveis mas, na realidade, casca vazia.

Em particular, as máquinas empregadas pelos fundos hedge deram um novo significado ao capitalismo de cassino. Há muito que se aplicava esse significado aos especuladores que jogavam no mercado de valores. Consistia em fazer apostas cruzadas, perder algo e ganhar algo, e deixar que o Estado resgatasse os não-pagadores. O giro observável na turbulência das duas últimas semanas é que os ganhadores não podem recolher os lucros de suas apostas, a menos que o governo pague as dívidas contraídas pelos perdedores, incapazes de satisfazê-las com seu próprio dinheiro.

Alguém poderia pensar que tudo isso exige algum grau de controle por parte do Estado, que provavelmente esse tipo de atividade não deveria jamais ter sido autorizada. De fato, nunca foi autorizada, tampouco regulada. Mas parecia haver uma boa razão para isso: os investidores dos fundos hedge assinaram um papel dizendo que eram suficientemente ricos para permitirem-se perder seu dinheiro neste jogo financeiro. Um jogo que não era acessível aos pobres mortais. Apesar do alto rendimento gerado por milhões de minúsculas operações comerciais, tais operações eram consideradas demasiado arriscadas para principiantes carentes de fundos confiáveis para entrar no jogo.

Um fundo hedge, ou fundo de cobertura ou de investimento livre, não ganha dinheiro produzindo bens e serviços. Não avança fundos para comprar ativos reais, nem sequer empresta dinheiro. O que faz é tomar emprestadas enormes somas para alavancar suas apostas com crédito praticamente ilimitado. Seus executivos não são engenheiros industriais, mas sim matemáticos que programam computadores para fazer apostas cruzadas ou straddles sobre como se comportarão as taxas de juros, as taxas de câmbio de moedas, os preços das ações e obrigações ou os preços das hipotecas empacotadas pelos bancos. Os empréstimos empacotados podem ter lastro ou ser puro lixo. Não importa. A única coisa que importa é ganhar dinheiro em um mercado no qual o grosso das operações comerciais dura apenas alguns segundos. O que gera lucros é a fibrilação dos preços, a volatilidade.

Jogo financeiro sem criação de riqueza
Este tipo de transações pode fazer fortunas, mas não é a “criação de riqueza” que muita gente imagina. Antes da fórmula matemática de Black-Scholes para calcular o valor das apostas destes fundos de investimento livre, esse tipo de jogo com opções de compra e venda resultava demasiado custoso, salvo para as empresas de intermediação financeira. Mas a combinação de potentes computadores com a “inovação” representada por um crédito praticamente ilimitado e o livre acesso às tabelas do jogo financeiro tornaram possível uma frenética manobra de ir e vir.

Pois bem, por que o Tesouro considerou inevitável esse esquema? Por que seria preciso salvar esses cassinos e seus apostadores, se eles tinham dinheiro bastante para perder sem que se convertessem em salas hospitalares necessitadas de assistência pública? O comércio de fundos hedge estava limitado aos muito ricos, aos bancos de investimentos e a outros investidores institucionais. Mas uma das maneiras mais fáceis de ganhar dinheiro chegou a ser emprestar fundos com juros que as pessoas tinham que devolver com o que retiravam de suas operações comerciais computadorizadas.

E, quase simultaneamente com a operação, esse dinheiro era pago em forma de comissões, remunerações e bônus anuais que traíam a memória dos EUA da Era da Ganância, nos anos que precederam a I Guerra Mundial, antes que se introduzisse o imposto sobre a renda em 1913. O notável em todo este dinheiro era que seus destinatários nem sequer tinha que pagar por ele um imposto de renda normal. O governo o chamou de “ganhos de capital”, o que significava que esse dinheiro era registrado fiscalmente somente como uma fração da taxa com a qual se taxavam os rendimentos.

Tudo isso com a pretensão, é importante dizer, de que todo esse frenético comércio estivesse criando “capital” real. Desde logo, cabe dizer que isso não ocorre, ao menos no sentido do conceito de capital dado pela economia clássica do século XIX. Esse conceito tem sido divorciado das noções de produção de bens e serviços, contratação de trabalho assalariado ou inovação financeira. Nesta novíssima acepção, “capital” passa a ser o direito de organizar uma loteria e recolher os lucros resultantes das esperanças dos perdedores. Mas, então, os cassinos de Las Vegas converteram-se em uma pujante “indústria do crescimento”, manchando a linguagem do capital, do crescimento e da própria riqueza.

Para encerrar as mesas de jogo e saldar dívidas, os perdedores têm que ser resgatados: Fannie Mae, Freddie Mac, AIG. Quem sabe quem será o seguinte? É a única maneira de resolver o seguinte problema que se apresenta às empresas que já pagaram seus executivos e acionistas, em vez de ter colocado essas somas em uma reserva: como recolher seus lucros diante de devedores insolventes e seguradoras quebradas? Estes, os perdedores, também pagaram seus executivos financeiros e seus colaboradores internos (junto com as oportunas contribuições patrióticas aos candidatos políticos em postos-chave das comissões do Congresso, encarregadas de decidir a estruturação financeira da nação).

O planejamento do caos
Sim, porque para que isso funcione, é preciso que seja orquestrado previamente. É necessário comprar políticos e oferecer-lhes um argumento plausível (ou, ao menos, um conjunto bem armado de eufemismos à prova de questionamento da opinião pública) para poder explicar aos eleitores por que era do interesse público resgatar os apostadores do cassino. É preciso ter uma boa retórica para explicar por que o governo tinha que permitir que eles entrassem em um cassino, deixar que ficassem com os lucros de suas apostas e, finalmente, usar fundos públicos para resgatar as perdas dos perdedores.

O que ocorreu nos dias 18 e 19 de setembro levou anos de preparação, escondidos por uma falsificação ideológica patrocinada por think thanks de relações públicas e emitida agora, em condições de emergência, a um Congresso e a eleitores reféns do pânico, justo antes da eleição presidencial. Poder-se-ia dizer que esta é a surpresa eleitoral que setembro reservava. Em condições de crise bem encenadas, o presidente Bush e o secretário do Tesouro Paulson convocam agora o país a uma guerra contra os proprietários de habitações, em situação de quebra técnica. Dizem que essa é a única esperança para “salvar ao sistema”. (Que sistema? Não o capitalismo industrial, nem sequer o sistema bancário tal como o conhecemos).

A maior transformação do sistema financeiro norte-americano desde a Grande Depressão aconteceu, comprimida, em duas semanas: começando com a duplicação da dívida nacional norte-americana quando, no dia 7 de setembro, ocorreu a nacionalização de Fannie Mae e Fredie Mac. (O corretor ortográfico de meu computador não concorda com a utilização do eufemismo “conservadorização” aplicado pelo senhor Paulson para referir-se ao resgate dos “fraudgsters” de Fannie Mae e Freddie Mac).

A teoria econômica poderia explicar que os lucros e o juro eram a remuneração do risco calculado. Mas em nossos dias o nome do jogo é ganhos de capital e apostas computadorizadas sobre o comportamento das taxas de juros, das moedas estrangeiras, dos preços das ações. E quando as apostas dão errado, os resgates são a remuneração econômica calculada de quem contribuiu financeiramente para a campanha eleitoral. Mas agora, supostamente, não é o momento de falar sobre tais coisas. “Temos que atuar agora para proteger a saúde econômica de nossa nação, ameaçada por graves riscos”, disse o presidente Bush no dia 19 de setembro.

O que ele queria dizer é que a Casa Branca deve responder com uma promessa de garantia ao maior grupo de doadores da campanha eleitoral do Partido Republicano – ou seja, Wall Street – resgatando suas más apostas. “Haverá muitas oportunidades para discutir as origens deste problema. A tarefa do momento é resolvê-lo”. Em outras palavras, não convertam isso em um assunto eleitoral. “Na história da nossa nação, ocorreram momentos que exigiram que andássemos unidos, deixando as divisões partidárias de lado a fim de enfrentar desafios de grande envergadura”. Justo antes das eleições! Idêntico disparate pode ser ouvido dos lábios do secretário Paulson: “Nossa saúde econômica exige que sejamos capazes de trabalhar juntos e empreender uma ação imediata bipartidária”. Os locutores disseram que nas manobras do dia estava em jogo uma cifra de meio bilhão de dólares.

Boa parte das culpas deveria recair sobre a Administração Clinton, responsável direta, em 1999, pela supressão da Lei Glass-Steagal, que permitiu aos bancos funcionarem como cassinos. Ou melhor dito, aos cassinos absorverem bancos. Isso é o que pôs em risco a economia dos norte-americanos.

Mas isso significa realmente que a única solução passa por “reinflar” o mercado imobiliário? O plano de Paulson-Bernanke é capacitar os bancos para que possam vender as casas de 5 milhões de devedores hipotecários que este ano terão que enfrentar ou a quebra ou o embargo. Os proprietários de habitações submetidos a juros hipotecários variáveis disparados perderão suas casas, mas o Federal Reserve garantirá às empresas de empréstimo hipotecário crédito suficiente para permitir que novos compradores se endividem o suficiente para conseguir resgatar as hipotecas lixo das mãos dos apostadores dos cassinos que são seus atuais possuidores. Com o que se ganha tempo para que uma nova bolha financeira acuda em resgate das instituições de empréstimo e dos empacotadores de hipotecas podres.

Nova guerra, novas ficções
Os EUA entraram em outra guerra, uma guerra para salvar os comerciantes de derivados computadorizados. Assim como a guerra do Iraque, esta nova guerra baseia-se muito em ficções e, como na guerra do Iraque, o país entra nela sob a pressão de condições de aparente emergência. Também como na guerra do Iraque, a solução proposta guarda pouca relação com a causa que provocou o problema. Esgrimindo razões de segurança financeira, o governo considerará como boas as Obrigações de Dívida Colateralizada (ODCs) que Warren Buffett chamou de “armas de destruição financeira massiva”.

Não é por acaso que esse esbanjamento de dinheiro público está sendo manejado pelo mesmo grupo que tão piamente alertou o país sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque. O presidente Bush e o secretário do tesouro declararam tão ricamente que este não é o momento para desacordos partidários a respeito da deriva da política pública em favor dos credores e não dos devedores; que este não é o momento de converter em assunto eleitoral o maior resgate já registrado nos anais da história eleitoral; que não é o momento adequado para debater se é bom “reinflar” o preço dos imóveis a níveis que seguirão obrigando os novos compradores de casa a endividarem-se até o ponto de ter que gastar em habitação cerca de 40% de seus rendimentos.

Recordem a época em que o presidente Bush e Alan Greenspan informaram aos norte-americanos que não havia dinheiro para financiar a Seguridade Social, porque em algum momento futuro (dentro de 10? 20? 40 anos?) o sistema teria um déficit de 1 bilhão de dólares, distribuído ao longo de muitos anos, soma irrisória diante do resgate que está sendo promovido agora. A moral da história era que se não podemos imaginar uma forma de pagar esse sistema no longo prazo é melhor deixar cair agora mesmo o programa assistencial. O senhor Bush e o senhor Greenspan garantiram na época que tinham uma oportuna solução. O Tesouro poderia canalizar o dinheiro da Seguridade Social e dos seguros médicos para os bancos Bear Stearns, Lehman Brothers ou seus pares, para que eles o investissem a um “mágico juro composto”.

O que teria ocorrido se a Seguridade Social tivesse feito tal coisa? Talvez tivéssemos assistido nestas duas semanas à entrega aos apostadores de Wall Street de todo o dinheiro acumulado desde que a Comissão Greenspan resolveu, em 1983, deslocar a carga fiscal sobre as retenções salariais reguladas pela FICA (Lei Federal de Contribuição à Seguridade Social). Não são os aposentados que se pretende resgatar, mas sim os investidores de Wall Street que assinaram papéis dizendo que estavam em condições de enfrentar a perda do dinheiro jogado. A consigna eleitoral dos republicanos este ano deveria ser: “Seguro de jogo, não seguro de saúde”.

Em seu célebre livro “Caminho da Servidão”, Friedrich von Hayek e seus meninos de Chicago insistiam que a servidão viria da planificação e da regulação estatais. Essa visão caminhava na direção contrária a dos reformadores clássicos da Era Progressista, que concebiam a ação do Estado como a do cérebro da sociedade, como a linha diretriz para modelar os mercados e liberá-los dos especuladores rentistas, ou seja, da renda que não fosse contrapartida do desempenho de um papel necessário na produção.

A teoria da democracia fundava-se no pressuposto de que os eleitores atuariam movidos pelo próprio interesse. Os reformadores do mercado partiram de uma feliz suposição paralela, segundo a qual os consumidores, os poupadores e os investidores promoveriam o crescimento econômico atuando com pleno conhecimento e cabal compreensão das dinâmicas em ação. Mas a mão invisível terminou resultando em fraude contábil, empréstimo hipotecário podre, informação privilegiada e fracasso em controlar os crescentes gastos da dívida conforme a capacidade dos devedores para pagar. É todo este caos, aparentemente legitimado por alguns modelos de comércio eletrônico, que acaba de ser socorrido pelo Tesouro dos EUA.

Michael Hudson é ex-economista de Wall Street especializado em balanço de pagamentos e bens imobiliários no Chase Manhattan Bank (agora JPMorgan Chase & Co.), Artur Anderson e, depois, no Hudson Institute. Em 1990 colaborou no estabelecimento do primeiro fundo soberano de dívida do mundo para Scudder Stevens & Clark. Hudson foi assessor econômico chefe de Dennis Kucinich na campanha primária presidencial democrata e assessorou os governos dos EUA, Canadá, México e Letônia, assim como o Instituto das Nações Unidas para Formação e Pesquisa. Destacado professor e pesquisador na Universidade de Missouri, na cidade de Kansas, é autor de numerosos livros, entre eles "Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire".

Tradução do inglês para o espanhol: Ricardo Timón
Tradução do espanhol para o português: Marco Aurélio Weissheimer

Texto traduzido a partir da versão em espanhol publicada no site Sin Permiso.

A farra financeira consensuada pelas elites - por Gustavo Barreto (Agência Cartamaior)

CAPITALISMO EM CRISE (I)

A farra financeira consensuada pelas elites

Enquanto a mídia corporativa brasileira fala em crise, há décadas ativistas e intelectuais denunciam caráter explorador do sistema financeiro. Enquanto especuladores e banqueiros alimentam-se da desordem mundial da globalização financeira, trabalhadores em todo o planeta arcam com custos da “economia de cassino” dos EUA.


Como resultado de um intenso bombardeio midiático, me peguei diversas vezes classificando os recentes acontecimentos no sistema financeiro global como uma “crise”. Trata-se, no entanto – de forma muito evidente, inclusive –, de um conhecido processo estudado e identificado há décadas por gente como o economista brasileiro Celso Furtado.

O noticiário econômico acerca deste processo de falências e estatizações que ora ocorre nos EUA segue um padrão jornalístico já há algum tempo observado. As estatísticas são lançadas em função de uma dominação das elites sobre o aparelho de Estado, realidade que é presente no Brasil, de fato, porém de forma muito mais evidente nos Estados Unidos, como veremos a seguir.

Conforme destacou o jornalista Bernardo Kucinski (1) analisando o cenário brasileiro, “divulgam quanto cresceu o PIB (Produto Interno Bruto), porque esse dado é importante para o empresariado. Mas a participação do salário na renda nacional parou de ser divulgada há anos, desde que caiu abaixo de níveis civilizados (...) Divulgam-se detalhadamente os itens de pauta das exportações, mas não os detalhes de gastos com royalties e patentes. Seu conhecimento geraria uma atitude crítica em relação à renumeração dos capitais financeiros”. E alerta: “Quase tudo pode ser provado em economia, manipulando-se estatísticas”.

O sociólogo Luiz Gonzaga Belluzzo tratou de lembrar que o neoliberalismo, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nunca desejou o “Estado mínimo”, pois precisa de Estados nacionais fortes para utilizar o poder político e fiscal destes, com o objetivo de fortalecer os respectivos sistemas empresariais (incluindo os mercados financeiros e de capitais). O propósito é o de ganhar espaço na arena global. “Nessa toada, as reformas [ditas neoliberais, dos anos 70] atropelaram as instituições destinadas a garantir a segurança econômica e social da maioria assalariada ou dependente”,avalia Belluzzo. E conclui: “O Estado não saiu de cena, apenas mudou de agenda” (2).

Até mesmo no Brasil, durante a onda de privatizações e entreguismo dos oito anos do Governo FHC, foi observado durante o seminário da Rede de Economia Global (REGGEN) de 2003 que, ao contrário do que muitos propunham, os dados mostravam que o investimento público cresceu, porém foi – conforme denuncia Belluzzo – direcionado para a “iniciativa privada” (3).

O próprio termo “iniciativa privada” é contraditório, pois, como veremos, muitas vezes a iniciativa é do Estado, com dinheiro público, e o setor privado se apropria destes recursos por meio de ações fraudulentas e lesivas aos cofres públicos. Vide, entre outros inúmeros casos, a privatização da ex-estatal brasileira Vale do Rio Doce, que opera no setor de extração de recursos naturais, centralmente estratégico para o país.

Contradições negligenciadas
O noticiário da mídia corporativa procura fixar os atuais acontecimentos a poucos tópicos, sem discutir a seriedade e complexidade do problema, como, por exemplo, a falta de controle do sistema financeiro. O analista político Noam Chomsky aponta há décadas as contradições de um sistema fadado ao fracasso: “Uma instituição privada tem um objetivo: maximizar os lucros e minimizar as condições humanas. Porque isso maximiza os lucros. Isso é o que eles perseguem. Eles não poderiam perseguir nada além disso. Se o sistema é minimamente competitivo, eles precisam fazer isso. É a natureza do sistema (...) Haverá bastante dinheiro do contribuinte entrando nos fundos para não deixar que seus lucros caiam” (4).

É preciso um esforço para não considerar como custos apenas os gastos feitos diretamente pelo governo num contexto de “crise” – tal como a proposta de gastar US$ 700 bilhões na compra de títulos “podres”. Há muitos outros custos que são vendidos como grandes benefícios do capitalismo moderno.

Um dos exemplos utilizados por Chomsky é comum a todos os brasileiros: “Digamos que você telefone para conseguir uma passagem aérea [ou outro serviço que dependa desta forma de atendimento]. As empresas aéreas são automatizadas, o que lhes economiza um monte de dinheiro. Os economistas podem constatar que isto é muito eficiente. Por outro lado, quando você dá o telefonema. Isso está lhe custando dinheiro, você fica sentado lá, por meia hora, enquanto você fica ouvindo aquelas mensagens, ‘Obrigado por nos ligar’, ‘Agradecemos sua ligação’, ‘Nós o amamos’, ‘Espere um momento’, ‘O próximo operador lhe atenderá em seguida’... e aí entra a música. Todo esse tempo tem um custo para você. Mas não é um custo que alguém meça”.

Até o momento, nem um único economista distinto ou jornalista venerável, com espaço e destaque na televisão, questionou qual é o custo de não gastar este dinheiro – R$ 700 bilhões! – no sistema de saúde ou educacional. Ressalta-se que os “custos” são gerados por decisões tomadas e por decisões não tomadas – a inércia política. O caos no sistema de saúde americano – conforme denunciou o documentarista Michael Moore – ou o aumento da fome no mundo entre 2006 e 2007 – denunciado há poucos dias pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – não geram manchetes de “crise”.

Chomsky conclui, ainda dentro do exemplo acima referido: “O custo é multiplicado pelo número de usuários. É uma grande soma. Pegue o custo do indivíduo, multiplique pelo número de pessoas usando o serviço, compare isso com a eficiência da automação e você talvez venha a descobrir que a automação é uma total perda para a economia. Mas é um ganho da maneira como é calculada”.

Caça aos “culpados”
O discurso oficial da mídia (TV Globo, GloboNews, Record, Bandeirantes e grandes jornais do Rio e São Paulo, avaliados nesta segunda 22) tenta sutilmente culpar um punhado de CEOs [chief executive officer], os diretores de grandes transnacionais financeiras, pela debandada do sistema financeiro americano.

A âncora da GloboNews chegou a perguntar a um ex-ministro da Fazenda se eles [os CEOs] não deveriam ser penalizados. O “comentarista” disse que sim, que eles deveriam ser punidos. “Os executivos deveriam não receber seus benefícios e até mesmo devolver alguns que já receberam”, disse. O falso debate – com esta gravíssima punição sugerida, destaca-se! – está formado.

É preciso ser muito astuto para imaginar que, por conta de erros pessoais, individuais, o Banco Central americano (FED) tenha decidido injetar outros 95 bilhões de dólares nos bancos em chamadas “operações de refinanciamento de rotina”. Prestem atenção: esta medida foi anunciada nesta segunda (22), para além da proposta da Casa Branca enviada ao Congresso e dos 315 bilhões da semana passada.
Não coube a esta emissora questionar se não estaria havendo uma falência deste sistema, proclamado por especialistas de plantão como liberal, o mesmo sistema que agora se vê obrigado a recorrer ao dinheiro do contribuinte para supostamente não afundar.

Como estão envergonhados, digamos objetivamente aqui o que está se salvando: a barra dos “investidores”, os acionistas, gente que tem dinheiro o suficiente para injetar milhares de dólares nesses bancos. A população, conforme denunciaram parlamentares nos EUA, não vão receber nenhum apoio, segundo a proposta do governo. Apesar de manter suas crescentes dívidas no “crédito” imobiliário que, no final das contas, era mais uma bolha.

Alguns congressistas, a despeito da pressão política do sistema financeiro, pediram no “ato” administrativo proposto pela Casa Branca o mais básico de todos os principais governamentais: regras! É curioso que nenhum telejornal tenha citado alguns dos trechos do pequenino documento (de apenas 3 páginas) que a secretaria do Tesouro dos EUA criou para abocanhar 700 bilhões de dólares.

A Casa Branca determina, por exemplo, que “a secretaria está autorizada a tomar tais ações à medida que a secretaria considerar necessárias para realizar os poderes deste ato, inclusive, sem limitação (...)”. Em outro trecho define: “Quaisquer verbas usadas para ações autorizadas por este ato, incluindo o pagamento de despesas administrativas, devem ser consideradas apropriadas no momento de tais gastos” (5).

A imprensa manteve o velho estilo parcial de sempre – o secretário de Tesouro dos EUA era o único que aparecia durante a primeira semana de crise. “Os investidores do mundo inteiro estão com a atenção voltada para o Congresso americano”, repetia a GloboNews na própria segunda-feira (22). “A Globalização não deve ser responsabilizada”, ecoa outro correspondente da Globo, reproduzindo – é claro – voz oficial. Para falarem da ‘crise’, convocaram apenas ex-diretores do Banco Central e banqueiros.
“Cadê a tal independência?”

A jornalista e apresentadora Lilian White Fibe, no último programa ‘Roda Viva’ (TV Cultura) da segunda (22), fez uma pergunta franca e direta ao entrevistado, o economista Ilan Goldfajn, que já foi diretor de política econômica do Banco Central (BC) brasileiro e atualmente é pesquisador da PUC Rio. Ela questionou firmemente: “Então, professor, cadê a tal independência do Banco Central americano, o tal Banco Central mais independente do mundo?”

A resposta não poderia ter sido mais risível, porém esclarecedora. Ilan disse que o FED – o BC americano – continuava independente, na opinião dele, e que o fato de o anúncio ter sido eminentemente político não mudava esta posição. O governo americano, argumentou Ilan, foi até o FED e este, por sua vez, colocou as opções mais “razoáveis” na mesa. O governo americano, então, acatou...

Em suma: quem manda nas finanças do mundo – o que inclui deter a chave dos cofres do governo mais rico do mundo – são os financistas de Wall Street. Ou seja, os responsáveis pelo caos que a presidente argentina classificou como “economia de cassino dos EUA”.

Já Giuliano Guandalini, editor de economia da revista Veja, procurou – a serviço do tipo de imprensa mais vendida que existe no Brasil – defender os “mercados”, que estão inevitavelmente sofrendo ataques até mesmo de grupos conservadores. Giuliano argumentou – em formato de “pergunta” para Ilan – que o sistema não era falho, já que havia proporcionado ganhos consideráveis durante muitos anos.

Aqui, novamente, faz-se uma observação risível e reveladora. Se os investidores se beneficiaram enormemente deste sistema que, como muitos agora lembram, privatiza os lucros e socializa os prejuízos, por que o governo não utiliza parte destes lucros e paga a “conta” da farra? Por que, afinal, o dinheiro tem que vir do bolso do contribuinte, e não destas empresas de “investimento de risco”?

A resposta é simples. A saída, para o esquema neoliberal, não admite outra coisa senão socializar os prejuízos. Fazer os capitalistas pagarem a conta – até Arnaldo Jabor anda falando mal deles! – é muito perigoso. Seria como, digamos, “confiscar bens”! Confiscar bens de capitalistas não é permitido.

Farra com dinheiro (do) público
Os meios de comunicação evitam passear por este debate e, inclusive, se negam em falar em estatização. Até porque estatizar é coisa de gente como Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Trata-se, no linguajar da mídia corporativa, de uma “intervenção” – mesmo que o governo tenha confiscado, por meio de cláusula contratual, 80% das ações da AIG, por exemplo.

Emir Sader, num artigo de 2004, explica como funciona um dos instrumentos correntes de privatização dos lucros e socialização dos riscos: “Entre em um banco e deposite 100 reais em uma caderneta de poupança. O funcionário lhe dirá para retornar daqui a um mês, para receber seus polpudos dividendos, algo como R$ 100,60. Em seguida, ao mesmo funcionário, no mesmo balcão, você pede 100 reais emprestados. Receberá a resposta de que – além de todos os trâmites de cadastro, garantia, ficha pregressa etc. –, deverá pagar, daqui a um mês, algo como 109 reais. Essa ‘pequena’ diferença - algo como 15 vezes mais - é o que os bancos e os economistas, ministros, presidentes de bancos centrais, e todos os que funcionam como seus ventríloquos, chamam de spread. Em inglês, para melhor disfarçar, como convêm ao economês”.

Mas o que é o spread? “Os dicionários falam sempre de algo como ''extensão'', ''propagação'', ''expansão'', no máximo ''pasta para passar no pão''. Nada que possa esclarecer essa estranha mágica de pagar 0,6% e cobrar 9% ao mês e que faz a felicidade dos bancos e propicia os recordes de lucratividade do sistema financeiro – batidos novamente esta semana – à custa de quem não vive da especulação. Os dicionários de economia esclarecem que spread é a diferença entre o quanto os bancos pagam e o quanto recebem; em outras palavras, o lucro dos bancos. Nenhum investimento permite ganhar tanto, em prazo tão curto, com tanta liquidez e pouco ou nada de imposto - recordemos que investimentos estrangeiros na Bovespa não pagam imposto, ao contrário da cesta básica, de livros etc” (6) [leia mais sobre este mecanismo brutal de exploração do trabalhador na referência do artigo].

O Jornal Nacional da quarta-feira (17), ainda assustado com a derrocada de um projeto que defende diariamente, abriu falando sobre “a maior intervenção dos EUA” no setor privado. Já naquele dia, o governo havia comprometido mais de 300 bilhões de dólares nas empresas falidas. E, como sempre, deram voz ao Ser Supremo, Vossa Divindade: “Mesmo assim, o mercado não se acalmou”.

O apresentador William Bonner falou em “crise de confiança que atinge o mercado financeiro”. Não pretende explicar que a crise não é de confiança, porque seria muito perigoso que o telespectador que o vê e o ouve – aquele que é metade Homer Simpson metade Lineu, lembra? (7) – fique sabendo que não são apenas os títulos que o governo comprará que são podres, e sim o próprio sistema de jogatina que diversos ativistas denunciam há décadas. Insistem no discurso vazio: “E mais um sinal da crise de confiança que atinge o mercado financeiro: um outro banco americano, o Washington Mutual, anunciou que está à venda. Procura um comprador para salvá-lo da crise” (8).

Lula faz discurso duro sobre crise e é ignorado
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez, na abertura do debate geral da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas, um dos discursos mais importantes de seu mandato, agregando elementos como conhecimento histórico, síntese política, momento oportuno e amplitude de temas.

Destaca-se que o Brasil sempre abre os debates, por tradição, o que se configura em um importante aspecto de prestígio.

O Jornal da Globo (TV Globo) desta terça-feira (23), dia do discurso, procurou esconder a fala de Lula, ao citar apenas um trecho insignificante e, ainda por cima, dizer que o “discurso mais esperado” era o do presidente Bush. Como sempre, o mandatário estadunidense teve uma participação pífia, ordinária e mentirosa, que nem sequer vale nota de rodapé.

Lula, no entanto, sem nenhum sentimento de nacionalismo ou partidarismo, falou o que poucos têm condição ou coragem de pôr em pauta. Logo no início, o brasileiro registra: “A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial. As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política”.

Evidentemente que o povo brasileiro não terá acesso, nos jornais e telejornais populares, a uma explicação detalhada sobre o que Lula quis dizer com “fundamentalistas de mercado”. “A ausência de regras”, completa o presidente, favorece os “aventureiros e oportunistas” (sic), em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores. “É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores”.

Novamente, seria perigoso demais que os Willians da TV Globo (Bonner ou Waack) retomassem o pensamento de Celso Furtado. Seria perigoso, pois poderia desencadear questionamentos sobre o funcionamento da própria lógica de privatização dos lucros e socialização dos riscos que ora ocorre no Brasil, tal como a lógica que permite o spread bancário.

Eles poderiam explicar, por exemplo, que a globalização financeira alimenta-se da desordem monetária causada pelo fim das paridades fixas entre moedas fortes. As regras, neste caso, são parecidas com as regras de um grande cassino em Las Vegas. O pano de fundo, comenta o jornalista Bernardo Kucinski (9), é a lenta agonia da cultura monetária baseada no dólar. Enquanto o Japão acumula, por exemplo, grandes saldos em seu comércio exterior, os Estados Unidos tentam manter a hegemonia do dólar, numa espécie de “fuga para o futuro”, na expressão de Furtado. Nesta tentativa, arrastaram para uma crise estrutural nos anos 90 países que têm dívidas em dólar – incluindo o Brasil.

Kucinski demonstra como funciona este “novo sistema de dominação” baseado no endividamento, igualmente registrado no balanço de pagamentos e consolidado em grandes tábuas mundiais da dívida externa, compiladas pelo Banco Mundial: “Essas tábuas mostram que, entre 1980 e 1991, os países da periferia pagaram US$ 607 bilhões de juros, mais do que o valor original da dívida, que, no entanto, nesse mesmo período saltou de US$ 573 bilhões para US$ 1281 bilhões”. Em outras palavras: quantas mais estes países pagam, mais devem.

No Brasil, o pagamento dos juros é a rubrica que consome a maior quantidade de recursos públicos. Só nos primeiros meses de 2008, o governo gastou com juros R$ 106,8 bilhões, ou 6,7% do PIB. É possível imaginar, diante de tão obscuros números, que nem todo o dinheiro da “ajuda” financeira que os EUA deram e pretendem dar às instituições financeiras são de contribuintes americanos. Há também brasileiros, argentinos, bolivianos, venezuelanos, chilenos...(10)

“Fuga para o futuro”
Esta mesma lógica especulativa de fuga para o futuro, com a política de redução da taxa de juros sem controle sobre o crédito, é um fator essencial para o estouro da bolha especulativa nos mercados de hipotecas. Agora, os neoliberais de plantão, com amplo suporte dos amigos jornalistas da mídia corporativa, tratam de tentar transferir os riscos para os indivíduos dispersos.

Em vez de abordar estes temas, a TV Globo preferiu exibir uma charge em que sugere Lula e seus assessores vão à ONU, na verdade, para vender biocombustíveis ele próprio, como se fosse um mercador querendo vender a matéria prima de seu país. Este é o “humor” praticado na Rede Globo (11).

Lula defendeu o papel da ONU na criação de “mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras” contra o que classificou como “anarquia especulativa”.

Muros da globalização
Mantendo a coesão entre os temas, em um dos mais importantes trechos, Lula criticou duramente o caráter totalitário da globalização financeira: “O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros muros foram se construindo, e com enorme velocidade. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados”.

E partiu objetivamente para a defesa de governos como o da Venezuela e da Bolívia: “Um suposto ‘nacionalismo populista’, que alguns pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, é praticado sem constrangimento em países ricos”, complementando com algumas considerações sobre a importância da aliança dos países do sul, em particular da América Latina.

“Em meu continente, a Unasul, criada em maio deste ano, é o primeiro tratado – em 200 anos de vida independente – que congrega todos os países sul-americanos. Com essa nova união política vamos articular os países da região em termos de infra-estrutura, energia, políticas sociais, complementaridade produtiva, finanças e defesa” (12).

Na mídia corporativa brasileira, ao que tudo indica, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) nem sequer existe – apesar dos seus inúmeros êxitos políticos. O motivo dos neoliberais da mídia brasileira (hoje envergonhados) para esconder esta iniciativa é justamente o seu sucesso. E um outro detalhe: a sede da União será localizada em Quito, capital do Equador, o Banco do Sul será na capital da Venezuela, Caracas, e o seu parlamento será localizado em Cochabamba, na Bolívia.

(*) Gustavo Barreto é editor da Revista Consciência.Net e editor de Internacional do Fazendo Media.

(1) Kucinski, Bernardo. Jornalismo Econômico. SP: EDUSP, 2000.

(2) Belluzo, Luiz Gonzaga. “A turma do ‘Veja Bem’...”. Revista Carta Capital. 17 set. 2008. No 513.

(3) A Revista Consciência.Net realizou a cobertura do REGGEN 2003. Disponível em http://www.consciencia.net/reggen/reggen2003.html.

(4) Chomsky, Noam; Barsamian, David. Propaganda e consciência popular. Bauru, SP: EDUSC, 2003. Págs 166-167.

(5) “Leia o projeto de socorro do Tesouro”. Folha de S. Paulo. 22 set. 2008. .

(6) Sader, Emir. 'Spread' ou a farra especulativa. Jornal do Brasil. 22 fev. 2004. Disponível em .

(7) “William Bonner: meio Homer, meio Lineu”. Revista Consciência.Net. Dez. 2005. .

(8) “Crise de confiança na economia dos EUA se acentua”. Jornal Nacional (TV Globo). 17 set. 2008. .

(9) Kucinski, Bernardo. Jornalismo Econômico. SP: Edusp, 2000.

(10) Para dados recentes, visitar http://www.jubileubrasil.org.br/

(11) Charge animada do Jornal da Globo, TV Globo. 23 set. 2008.

O presidente escapa à farsa - por Mino Carta (Cartacapital)

Na galeria dos grandes intérpretes da tragicomédia brasileira, difícil é escolher a personagem mais convincente. Quanto ao coro, não cabem dúvidas, é a mídia nativa, impagável no papel. Enquanto o Brasil não for capaz de perceber a cômica ferocidade do elenco não sairemos da condição de aspirantes frustrados à contemporaneidade do mundo.

Valem dois esclarecimentos. Na ordem, o primeiro diz respeito ao coro: não se trata daquele da tragédia grega. E nem mesmo apresenta a mais desbotada semelhança com a Pífanos de Caruaru, retratados, com todos os louvores, na última página desta edição.

O coro do nosso entrecho aposta na incapacidade da platéia de exercer o espírito crítico, ou por outra, na ignorância do distinto público. Resta ver se a maior ignorância não seria a da própria aposta.

Segundo esclarecimento, sobre o Brasil acima citado. Há pelo menos dois Brasis, se não houver vários. Certo é que o coro nativo agita-se no exclusivo proveito do Brasil dos privilegiados e contenta-se em servir telenovelas, big brothers e domingões à maioria aturdida sem deixar de contar com a audiência abrangente da minoria branca.

Magnífico intérprete da tragicomédia, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, convocado a depor na CPI dos Grampos, simpaticamente organizada pelos amigos de Daniel Dantas. Jobim é aquele especialista da matéria que, ao denunciar a malignidade grampeadora da célebre maleta em dotação da Abin e do Exército, baseou-se nas informações contidas no prospecto do aparelho, acessíveis via internet. Consta que um assessor do Ministério lida com o computador com rara habilidade. Quem sabe Jobim recorra a ele para procurar na Wikipédia a exata localização do Reino Unido.

O depoimento de Jobim na CPI dos Grampos é um primor de humorismo. Momento magistral aquele em que o ministro declara ter pedido a cabeça de Paulo Lacerda para dar uma satisfação ao Supremo e evitar uma crise institucional. Convenha-se que um Gilmar Mendes enfurecido pode aterrorizar qualquer um, inclusive um ministro da Defesa em uniforme de campanha.

Mas cabe a ele tomar decisões a bem da paz da nação? Momentos farsescos. A mídia desata em gargalhadas? Não, absolutamente.

E quando Jobim comunica ter descoberto que a misteriosa maleta tem condições de grampear aparelhos integrados em sistema analógico? A célebre e inócua conversa entre o presidente do STF e o senador Demóstenes Torres aconteceu pelo celular e não é impossível verificar que no tal sistema figura somente 0,8% dos celulares em uso no País. Certamente não em Brasília. A mídia desata em gargalhadas? Não, absolutamente.

A mídia dá larga cobertura à CPI dos Grampos, assim como deu crédito às acusações falsas dirigidas contra a cúpula da Abin desde quando o próprio Supremo, antes mesmo do Palácio do Planalto, divulgou a notícia do afastamento de Paulo Lacerda. Quer dizer, a mídia prestou-se à tentativa de desviar da questão central as atenções de quem se habilita a tanto, a envolver o mestre dos grampeadores, o orelhudo do Opportunity.

Que crise institucional é esta? Em outros tempos, o general De Gaulle observou que o Brasil “não é um país sério”. Muito antes, meu pai, Giannino, permitiu-se uma definição que considero melhor. “No Brasil a situação é sempre grave, jamais séria.” E anotem: meu pai faleceu em 1964, o ano do golpe, e não se deu conta do tamanho que iria ainda assumir a encrenca. Do fôlego inesgotável da tragicomédia.

A semana que se encerra não desmerece o tom geral do enredo, sempre risível. Destoam as declarações do presidente Lula a favor de Paulo Lacerda, reconhecimento mais que merecido, completadas pelo convite: “Lacerda pode voltar ao seu posto quando quiser”.

As palavras do presidente têm méritos variados. Trata-se de um desmentido às informações plantadas, e acolhidas em páginas de jornais, de que Lacerda estaria à beira da exoneração, caso esta já não fosse fato consumado. É também o reconhecimento do erro cometido ao afastar precipitadamente o diretor da Abin e dar ouvidos a Jobim. Para o ministro soa como reprimenda, e sem sombra de dúvida atinge Gilmar Mendes. CartaCapital espera que Paulo Lacerda volte logo.

Comentário: eu também!

A moral e os mercados - por Delfim Netto (Cartacapital)

A evolução da situação econômica mundial tem sido um fator de grande desilusão para aqueles que crêem que a economia (ou se preferem, a teoria econômica), como as chamadas ciências “duras”, tem por objeto “o que é”, não o que “deve ser”. O generoso objetivo da Economia Política é criar as condições para um processo civilizatório capaz de garantir a sobrevivência digna e harmoniosa de todo cidadão, imerso numa sociedade onde cada um possa realizar-se plenamente, explorando com liberdade suas potencialidades. Se existissem leis naturais que produzissem necessariamente a auto-organização dos indivíduos, como ocorre nos domínios da natureza explorados pelas ciências “duras”, tudo seria simples. O mecanismo de auto-organização descoberto pelos economistas é o mercado, onde cada agente cuidando do seu próprio interesse acabaria produzindo a harmonia geral.

Foi essa descoberta que transformou lentamente o conhecimento econômico, de uma série de conselhos de comportamento (e, logo, recomendações morais sobre o que deve ser) dos escolásticos, no conhecimento do que é pretendido pela moderna economia. Até praticamente os anos 30 do século passado, a hipótese implícita na economia era a de um agente moral, como exemplifica o “espectador imparcial” de Adam Smith.

Há um movimento dialético interminável entre a economia e a realidade econômica, que melhora as duas: criam-se novas e se aperfeiçoam velhas instituições sob o estímulo dos conhecimentos da economia, que por sua vez modificam a realidade e esta estimula novos conhecimentos e assim por diante. A grande lição da crise financeira que vivemos, que vai se estender para a economia real, é que toda a brilhante trajetória da economia como ciência do que é desmoronou sob a falta de moralidade do agente, ou seja, pelo conhecimento que inclui o que deve ser.

A crise é produto de falhas da instituição criada pelos avanços da economia. Os bancos centrais (que implicam um evidente déficit democrático) nasceram para subtrair a política monetária do poder incumbente eleito (com freqüente tendência populista) e entregá-la a profissionais supostamente portadores de uma ciência do que é e, seguramente, imunes ao populismo. Ficou claro, entretanto, o comportamento oportunista dos bancos centrais do mundo desenvolvido. Eles mantiveram uma taxa de juro real muito baixa, por um período maior do que o desejável, estimularam a ampliação da liquidez e foram incapazes de controlar a sofisticação financeira produzida pelos incentivos errados fornecidos aos seus agentes. Os avanços da economia vão corrigir essas falhas com nova regulação e talvez novas instituições. Vão separar, claramente, a execução da política monetária da fiscalização e controle do próprio sistema financeiro. No fundo, vão tentar impor a moralidade aos agentes. Quanto mais se procura transformar a economia numa ciência do que é, tanto mais a moralidade (a ciência do que deve ser) emerge dentro dela.

Outra grave desilusão foi produzida pela recomendação da economia de que as reformas dos mercados, a privatização e a liberalização do comércio e dos movimentos de capitais produziriam uma globalização tendente a melhorar a situação de todo cidadão (não importa onde ele estivesse). Elas reduziriam o poder político dos governos, que seriam submetidos ao poder da racionalidade dos mercados.

A crise (paralela à financeira), que atingiu os mercados de energia, metais e alimentos, mostrou que os Estados (ou melhor, os governos incumbentes que os representam) estão tão vivos e ferozes como sempre estiveram quando se trata de defender suas autonomias: 1. A alimentar. 2. A energética. 3. Tanto quanto possível, a militar. Diante da crise, vimos todos eles jogarem para o alto as recomendações da economia, às quais, até então, fingiam aderir com entusiasmo. Todos fecharam (talvez o Brasil tenha sido a única exceção) seus mercados de alimentos, esquecendo a liberdade de comércio; todos embarcaram em políticas de uso mais eficiente da energia e na produção de energias alternativas sem a menor consideração pela sua economicidade e todos tentam, a qualquer custo, melhorar a sua autonomia militar.

O grande paradoxo é que a sugestão irrealista da economia de reduzir o papel do Estado, substituindo-o pelo mercado, terminou aumentando-o. É preciso começar de novo, institucionalizando a moralidade dos agentes ao mercado.

IBGE: nº de pessoas ocupadas soma 21,8 mi em agosto - por Jacqueline Farid (Agência Estado)

O número de pessoas ocupadas nas seis principais regiões metropolitanas do País somou 21,8 milhões em agosto, com aumento de 0,7% ante julho e alta de 3,7% ante agosto de 2007, informou hoje o IBGE. Já a população desocupada (sem trabalho e procurando emprego) recuou para 1,79 milhão, com queda de 6,1% ante julho e recuo de 19,2% ante igual mês do ano passado.
O IBGE divulgou também um novo aumento no número de empregados com carteira assinada nas seis regiões metropolitanas, de 0,6% em agosto ante julho e de 5,8% comparativamente a agosto de 2007. Segundo o gerente da pesquisa mensal de emprego do IBGE, Cimar Azeredo, os dados da pesquisa mensal de emprego de agosto confirmam a continuidade da tendência de aumento da formalidade no mercado de trabalho. "Há uma mudança na estrutura do mercado de trabalho, já que atividades mais formais, como indústria e serviços prestados à empresa estão elevando as contratações e isso puxa a formalidade. Além disso, o cenário econômico estimula a formalidade e há mais fiscalização", afirmou.
Segundo o gerente da pesquisa mensal de emprego do IBGE, a taxa de desemprego de 7,6% apurada em agosto, ante 8,1% em julho, foi a segunda menor da série histórica, perdendo apenas para dezembro do ano passado, quando foi de 7,4%. De acordo com ele, os dados de agosto do mercado de trabalho mostram que a taxa de desemprego média de 2008 deverá ser a menor da série iniciada em 2002. "Levando em conta a história da pesquisa, a tendência é que seja a menor taxa", afirmou.
Ele lembra que a taxa média anual, que chegou a 9,8% de janeiro a agosto do ano passado, está em 8,2% em igual período de 2008, o que confirma a possibilidade de recorde. Segundo Azeredo, a perspectiva é que a menor taxa recorde de desemprego da série histórica, de 7,4% em dezembro do ano passado, possa vir a ser alcançada nas seis regiões antes do final deste ano, caso seja mantido o comportamento tradicional de queda na taxa ao longo do segundo semestre. "Olhando a série da pesquisa, é bem possível que cheguemos a uma nova menor taxa recorde nos próximos meses, mas estamos diante de uma crise internacional e não sabemos até que ponto nossa economia é blindada para suportar isso", disse.

Setores

A indústria foi a atividade que mais contratou trabalhadores em agosto, segundo dados da pesquisa mensal de emprego do IBGE. O número de ocupados no setor aumentou 2,7% ante julho e 7,2% ante igual mês do ano passado. "A indústria está contratando mais e isso influencia positivamente o aumento da formalidade", disse Azeredo. Em agosto, o setor industrial empregava 3,8 milhões de pessoas nas seis regiões, ou 257 mil trabalhadores a mais do que em igual mês do ano passado.
Outra atividade que mostrou bom desempenho nas contratações em agosto foi a de serviços prestados às empresas, com alta de 1,7% ante julho e de 3,5% comparativamente a agosto do ano passado. Por outro lado, houve queda dos ocupados no comércio, de 1,7% ante o mês anterior e de 0,2% ante igual período do ano anterior.

Taxa de juros


A trajetória de elevação da taxa básica de juros, a Selic, iniciada em abril deste ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom), ainda não afetou o mercado de trabalho, avaliou hoje o gerente da pesquisa mensal de emprego, Cimar Azeredo. Segundo ele, caso os efeitos dos juros cheguem ao emprego, isso só ocorrerá a partir de outubro, já que há uma defasagem entre a elevação da taxa e suas conseqüências sobre os indicadores econômicos.
Para Azeredo, o processo de forte melhoria no mercado de trabalho teve início em setembro de 2007 e pode ser que a elevação dos juros nem venha a afetar essa evolução, o que dependerá do efeito do aumento da Selic sobre as expectativas dos investidores.
Apesar da alta da Selic, os trabalhadores tiveram em agosto maior aumento no rendimento médio real (deflacionado pelo INPC médio das seis regiões) ante mês anterior, de 2,1% na comparação mensal, desde julho de 2005. No que diz respeito à alta de 5,7% ante agosto do ano passado, foi a maior comparativamente a igual mês de ano anterior desde junho de 2006. Apesar dos bons resultados, o rendimento médio apurado em agosto para os ocupados nas seis regiões (R$ 1.253,70) ainda é 2,5% menor do que agosto de 2002, quando chegava a R$ 1.285,30.
Azeredo disse que a renda em agosto foi beneficiada pelo aumento da ocupação na indústria e serviços prestados às empresas, setores com maior formalidade, pelo recuo na inflação e pelo maior poder de barganha dos trabalhadores por causa do aumento da ocupação.

Rosa dos ventos - por Mauricio Dias (Cartacapital)

Uma herança maldita

Não tardou muito. O rolo compressor do Supremo Tribunal Federal desta vez passou sobre o Superior Tribunal de Justiça ao decidir, na quarta-feira 17, que a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) também deve ser cobrada de profissionais liberais que prestam serviço por meio de empresas próprias. Essa é indiscutivelmente, para esse enorme contingente profissional, uma verdadeira herança maldita do governo FHC.

A Cofins foi criada por uma lei complementar em 1991. Em 1996, no entanto, o governo, por meio de uma lei ordinária, definiu que as sociedades civis de prestação de serviços regulamentados também teriam de pagar o tributo. Imediatamente, os primeiros recursos chegaram à Justiça. O principal argumento era o de que uma legislação ordinária não poderia revogar uma lei complementar. Em 2003, o STJ reafirmou tal entendimento e editou a súmula 276, tratando a questão como “pacificada”.

A Ordem dos Advogados do Brasil vai bater às portas do Legislativo. No mínimo para abrir brecha para o pagamento parcelado. É o que promete Cezar Britto diante da confusão armada.

“O Judiciário precisa acertar os ponteiros. Não pode um tribunal afirmar, por cinco anos, em súmula, em que se diz que a decisão é pacífica e reiterada e depois desse longo lapso de tempo, por meio da voz de outro tribunal dizer: desculpe, nós erramos, o Judiciário agora pensa diferente”, protesta o presidente da OAB.

Essa sim é uma decisão clara que abala a chamada segurança jurídica no País. Pode ter conseqüências graves. A mais óbvia é o fechamento de escritórios ou “insolvência física e jurídica de milhares de profissionais”, segundo Britto. Enfim, um caos no setor.

Ao analisar um recurso extraordinário sobre o tema, o STF definiu também que o assunto inicialmente tratado em legislação complementar pode ser modificado por lei ordinária. E para dissipar as esperanças dos recalcitrantes, os ministros do Supremo adotaram o princípio que chamam de “repercussão geral do recurso”. Ou seja, os recursos que existem em todas as instâncias do Judiciário brasileiro seguirão a decisão tomada agora.

O valor será cobrado retroativamente na base de 3% retroativos a 1996. Segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, a União deverá receber cerca de 5 bilhões de reais com a cobrança atrasada. E não se sabe ainda quanto entrará mensalmente em caixa.

Para os profissionais liberais a herança é maldita. É bendita, no entanto, para o governo Lula. Ela repõe parte da arrecadação perdida da CPMF.

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O crime mais covarde

Finalmente surgiu o que talvez seja o primeiro flagrante dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura.

Nas fotografias publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo, na terça-feira 16, fica comprovado um dos muitos assassinatos promovidos pelo Exército contra dois integrantes da Guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1974, em Belém (PA).

Não é preciso concordar com as ações de resistência armada à ditadura fardada para ficar indignado com o que está exposto por uma das fotos que mostra os corpos de dois homens sob as vistas de soldados, um deles armado com fuzil. E não é hora de discutir a opção política tomada por aquelas duas vítimas do regime.

Mais importante do que comprovar que os dois prisioneiros estiveram em poder do Exército, a foto é um documento que registra visualmente crime covarde: os dois homens estavam imobilizados com tiras de pano. Assim, quando foram mortos, não ofereciam resistência.

Autores de crimes como esse não podem ficar protegidos sob o manto de uma anistia negociada por interesses recíprocos, de civis e militares, nos estertores da ditadura. A covardia institucional do País não pode chegar a esse ponto.

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Andante Mosso

Lula versus Dirceu

Lula faz um novo esforço para tentar quebrar a hegemonia do ex-deputado José Dirceu no comando do PT.

No ano passado, Dirceu articulou o bloqueio político ao nome de Marco Aurélio Garcia, cotado para presidir o partido.

Agora talvez Dirceu venha a testar força com o nome de Gilberto Carvalho, amigo e assessor especial do presidente da República.

Boca do lixo
Sem conseguir a licença ambiental para construir um aterro sanitário no bairro de Paciência, subúrbio do Rio, o empresário Júlio Simões parece disposto a jogar a toalha.

As pesquisas projetam a derrota de Cesar Maia e a criação de um novo eixo político no município.

Assim, corre na praça que a empresa W. Torre pode comprar os direitos do negócio.

Apoio a Evo
A política externa ainda é a melhor referência para medir a distância entre Lula e FHC. O marco recente dessa diferença foi a reunião da Unasul, no Chile, com a crise na Bolívia na pauta.

“A ação foi uma mistura de chamamento ao diálogo com um pouco de pressão”, explica o chanceler Celso Amorim.

Pressão é a tradução diplomática do recado aos inimigos da estabilidade institucional, à oposição violenta e ao separatismo.

Expressa também o abismo entre o Itamaraty de Celso Amorim e o antecessor Luiz Felipe Lampreia, no governo tucano.

Cansei! Vou ser ator
Depois de liderar o movimento “Cansei”, em São Paulo, o advogado Luiz Flávio D’Urso, presidente da OAB-SP, vai realizar um sonho de juventude: ser ator.

Participará da radionovela Justiça em Cena, na Rádio Justiça. Será o advogado trabalhista Palhares, que atende aos pedreiros Roberto e Erasmo (seus ídolos na juventude).

Roberto sofre um acidente de trabalho e pede ao colega que testemunhe. Mas o patrão dá a Erasmo uma casa em troca de silêncio.

D’Urso, no papel de Palhares, muda de lado nesse conflito de classes.

Coisas da ficção.

Bico calado
Marcelo Freixo, presidente da CPI das milícias, na Assembléia do Rio, enviou, na quarta-feira 17, convocação ao vereador Quiel do Canarinho, de Caxias, na Baixada Fluminense, para ele depor na terça-feira 23.

Quiel antecipou-se. Trancou o gabinete, dispensou os funcionários, desautorizou o presidente da Câmara a receber a convocação e escafedeu-se. Como não há crime perfeito, o documento foi recebido pelo protocolo da casa.

Se ele não aparecer, Freixo mobilizará a força policial.

Cesar olímpico
Cesar Maia reuniu dezenas de pessoas na terça-feira 16, no Jockey Club, em torno de Solange Amaral, candidata dele à prefeitura.

O prefeito carioca discursou e girou a metralhadora.

Revelou, por exemplo, uma das pontas do seu conflito com a família Marinho.

Em 2007, durante uma visita ao Projac, cidade cenográfica da Globo, os anfitriões teriam tocado em assuntos financeiros do Pan-Americano.

Maia diz que cortou assim a conversa: “Isso é com o Nuzman”.

Carlos Nuzman presidia o Comitê Organizador dos jogos. Ao público presente, Maia disse que, depois disso, passou a sofrer implacável “campanha” do sistema Globo.

Guerra do grampo
O Exército Brasileiro tem empregado o recurso de escuta telefônica ambiental nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

São as ações de Medidas Eletrônicas de Apoio (MEA), desfechadas a partir de um veículo especial capaz de captar ondas eletromagnéticas em todas as faixas de freqüência.

Os recursos técnicos estão no Centro Integrado de Guerra Eletrônica (Cige), no Setor Habitacional Taquari, no Lago Norte (DF).

O “Consenso de Beagá”
Tilden Santiago, ex-embaixador brasileiro em Cuba e primeiro petista a se aproximar politicamente do governador Aécio Neves, circula pelo interior de Minas Gerais feliz com a aliança entre PT e PSDB, em Belo Horizonte, apelidada de “Consenso de Beagá”.

Filiado agora ao PSB, Tilden encontrou o precursor dessa conciliação mineira. É o padre petista Ronaldo Lopes, prefeito da cidade de Manhumirim, Zona da Mata do estado, eleito em 2004.

Candidato à reeleição, o cura repete a dose e, com o mesmo vice tucano, adotou o slogan: “Continuar é preciso”.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O revés do fundamentalismo liberal - Almir Ribeiro (Cartacapital)

O muro de Berlim já era escombro no início dos anos 90, quando a URSS se desintegrou, neutralizando o principal pólo de oposição à política externa dos EUA. Foi então que as trombetas do neoliberalismo se fizeram ouvir em todos os cantos, despertando discursos triunfalistas de toda sorte. Tiveram vez fatalismos como o de Francis Fukuyama, que anunciou consumada a profecia de Hegel sobre o fim dos processos históricos de mudança. O sinal do fim da história, segundo o politólogo norte-americano, era o evidente triunfo da democracia liberal sobre todos os sistemas e ideologias concorrentes. Tratava-se somente de esperar que as nações convergissem naturalmente à moda liberal de Washington.

Mas esse fundamentalismo não resistiu aos confrontos com a realidade mundial. A China tornou-se o pólo mais dinâmico da economia global sob o inabalável comando de seu partido único, comunista. A Rússia pós-soviética segue seu destino autoritário, agora sob o disfarce de democracia ocidental, insinuando passos liberais de acordo com as escandalosas conveniências de sua subterrânea casta dirigente. Mesmo no grupo das democracias moderadas não são poucos os exemplos de rebeldia, mas é na terra santa do liberalismo, os EUA, que a fé liberal está sendo testada de verdade.

O terremoto que abalou os mercados financeiros mundiais na última semana teve seu epicentro em Wall Street e instalou de vez a discórdia entre os pregadores liberais. A crise bancária que se iniciou há cerca de um ano com a inadimplência generalizada no mercado hipotecário dos EUA fez desmoronar pilares do capitalismo americano, como os bancos Bear Sterns e o Lehman Brothers. Escaparam da falência a mega-seguradora AIG e as agências de crédito imobiliário Freddie Mac e Fannie Mae, condenadas pelo mercado, mas socorridas ao custo de uma colossal transfusão de recursos públicos da ordem de centenas de bilhoes de dólares. E a transfusão público-privada prossegue com um plano emergencial de 700 bilhões de dólares que, se aprovado pelo Congresso, será a maior intervenção do setor público norte-americano no mercado financeiro. Tudo indica que a partir deste outono Manhathan estará tão povoada de servidores públicos como nossa Esplanada dos Ministérios!

Todos esses acontecimentos remetem aos anos 90, o tempo da conversão das almas à fé liberal. Com métodos talibãs, Washington doutrinava o mundo via Tesouro, FMI e Banco Mundial, impondo políticas neoliberais aos países em dificuldades econômicas. Por todos os continentes proliferaram governos obedientes, particularmente na frágil América Latina, que elegeu Salinas de Gortari, no México; Menen, na Argentina; e FHC, no Brasil. Festejados por toda uma década como os portadores da modernidade, levaram à cabo os preceitos do “consenso de Washington” e seus dogmas do estado mínimo. E o batismo neoliberal da América Latina foi celebrado com fogos e artifícios editoriais!

Mas o vôo dos exterminadores de patrimônio público não levou os seus países à solução final de Fukuyama. Salinas substituiu estatais por incontroláveis monopólios privados em setores essenciais da economia. Feito isso, amarrou seu país à ALCA, de tal forma que hoje os mexicanos vêem-se como os primeiros herdeiros da crise americana. Execrado por seus compatriotas, Salinas exilou-se na Europa. Menem promoveu uma farsa cambial de longa duração, ao final da qual a Argentina estava desindustrializada, privatizada e encaminhada para um futuro desastre econômico. O ex-presidente é hoje um zumbi da política argentina e consome seu tempo defendendo-se de acusações de corrupção. E FHC, com seus leilões a toque de caixa, tocados “no limite da responsabilidade”, por três vezes levou o Brasil à margem da insolvência. Socorrido pelo FMI mediante condicionantes liberais, sujeitou o país a um ciclo liberal vicioso. Também promoveu uma festa cambial eleitoreira, legando ao sucessor uma herança de contas públicas fora do controle. Hoje FHC amarga rejeição popular tal, que seus companheiros de partido tratam de omiti-lo das propagandas eleitorais para evitar prejuízo nas urnas.

O melancólico destino político dessa geração de leiloeiros latino-americanos indica uma rejeição popular ao dogmatismo liberal no continente. Esse julgamento aconteceu anos antes da atual crise do mercado financeiro dos EUA, mas é somente agora que a discussão sobre os limites da atuação do estado na economia de mercado ganha o debate mundial. Os contribuintes americanos estão fazendo o balanço dos prejuízos por terem largado os agentes financeiros à sorte do mercado, num ambiente sub-regulamentado e mal fiscalizado. Um sobrevôo pelos debates da internet mostra que há uma crítica geral à irresponsabilidade dos banqueiros e uma dúvida nacional sobre a pertinência de o estado resgatar com recursos públicos os entes econômicos falidos. Na dúvida, nenhum partido quererá assumir a responsabilidade por um colapso sistêmico, o que torna inevitável o sacrifício do contribuinte com ainda mais estatizações.

É de se esperar que a crise seja o principal cabo eleitoral na iminente eleição presidencial norte-americana - e Barack Obama está melhor posicionado para capitalizar o voto de protesto. De qualquer forma, quem quer que seja o vencedor, o próximo presidente terá que ajustar a política de seu país à uma realidade diferente do ambiente triunfalista liberal dos anos 90. Da mesma forma que a derrocada da URSS silenciou defensores do estatismo centralizador, a atual crise já começa a serenar os ânimos dos exorcistas do estado. Se é que se pode ter algum otimismo em meio à atual tempestade, esse vem da esperança de um debate econômico mundial mais moderado, com menos fanatismo. Não seria ruim que fosse esse o começo do fim da história.