quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Ainda esperanças no eleito - por Mino Carta (Cartacapital)

A crise econômica e financeira que abala o mundo não somente desnuda a falácia da religião do deus mercado, mas também oferece uma lição do Congresso americano, capaz de portar-se como convém à democracia dos três poderes iguais e independentes. A despeito do fracasso de Bush júnior, o regime de governo herdado pelos Estados Unidos dos “pais fundadores” às vezes dá sinais de vitalidade.

Comparações com o Brasil não se recomendam, e tampouco seriam justas. A rigor, carecemos de pais fundadores e da experiência determinante da Revolução Francesa. Poucos países são tão desiguais. Quanto à liberdade, é para a minoria, e os três poderes giram por conta própria e com propósitos distintos, como partes de um mecanismo incoerente antes que ineficaz.

Clareza há em um ponto, indiscutivelmente. Se é verdade que o presidencialismo projeta de forma peremptória a figura presidencial, está claro que Luiz Inácio Lula da Silva atingiu um patamar de popularidade nunca dantes navegado. Na semana passada, neste mesmo espaço, destacava seus 70% de aprovação, conforme as pesquisas de opinião. Escassos dias depois atingimos 80%.

Não é arriscado prever que a influência de Lula pesará sobre os resultados das eleições municipais, sem exclusão de uma ou outra surpresa, decerto rara. Esta profunda, transcendente afinação com o povo brasileiro, que também é afinidade, teria de ser aproveitada muito além dos efeitos de um apoio popular destinado à extinção ao cabo do segundo mandato. Nada impede que o sucessor de Lula faça um governo excelente, mas a aprovação das pesquisas não terá os mesmos alcances. Antes de mais nada, porque o futuro eleito não será um ex-metalúrgico que manteve intacta a fé em si mesmo depois de três derrotas seguidas.

Agora, vejamos: quem é Luiz Inácio Lula da Silva? Pouparei os pacientes leitores de lucubrações psicológicas, sem deixar de acentuar o que é evidente na personalidade do presidente, do cidadão e do indivíduo. Lula é um conciliador. Um negociador. São características largamente exibidas tanto nos tempos de liderança sindical quanto na criação do Partido dos Trabalhadores.

Tal foi, aliás, um dos argumentos de CartaCapital, ao optar pela candidatura dele em 2002 e 2006. A contradizer os pavores empresariais que, em 1989, levaram o presidente da Fiesp, Mario Amato, a anunciar o êxodo de centenas de milhares de brasileiros, na expectativa de razias vermelhas caso Lula chegasse ao poder. Lula alimenta a convicção de que inexiste problema passível de não ser resolvido na conversa, e inúmeras vezes provou ter razões para tanto. Resta ver a que preço, pois há conversas e conversas. De todo modo, outro aspecto é transparente na personalidade do presidente: a sua capacidade de resistir. De insistir com tenacidade incansável. De voltar à carga. No Brasil de hoje, sem descurar das conseqüências da crise americana, muitas são as questões que merecem a aplicação deste Lula negociador tenaz. Sobram-lhe dois anos, e é o espaço à disposição para fazer o que não fez até agora, de sorte a apontar o caminho para o sucessor.

Há reformas a serem realizadas para combater o problema mais grave entre aqueles que assoberbam e tolhem o Brasil, a gritante desigualdade. Rui o cassino global criado pelo neoliberalismo, a bem da compreensão de que o dinheiro tem o valor do puro ar se não for alicerçado pela produção, em proveito do desenvolvimento e da distribuição da riqueza. Do ex-operário apoiado por quatro quintos da nação esperam-se passos decisivos neste terreno.

Muito além do Bolsa Família, recurso medíocre e símbolo de uma situação dolorosa. Não pelas razões de quem clama contra as precariedades do assistencialismo, e sim por causa daquilo que de fato representa. Vejo o povo que mergulha debaixo da mesa dos poderosos para colher as migalhas. E é trágico que estas bastem para seduzi-lo. Dois anos é tempo suficiente para grandes empreitadas.

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