sábado, 29 de novembro de 2008

Duas notícias - por José Saramago (24 de novembro)

No Brasil, entre entrevista e entrevista, fico a conhecer duas notícias: uma, a má, a terrível, que o temporal que de vez em quando desaba sobre São Paulo para deixar, minutos de fúria depois, um céu limpo e a sensação de que não se passou nada, no sul causou pelo menos 59 mortos e deixou milhares de pessoas sem casa, sem um tecto onde dormir hoje, sem um lar onde seguir vivendo. Notícias destas, apesar de tantas vezes lidas, não podem deixar-nos indiferentes. Pelo contrário, cada vez que nos chega a voz de um novo descalabro da natureza aumenta a dor e a impaciência. E também a pergunta a que ninguém quer responder, embora saibamos que tem resposta: até quando viveremos, ou viverão os mais pobres, à mercê da chuva, do vento, da seca, quando sabemos que todos esses fenómenos têm solução numa organização humana da existência? Até quando olharemos para outro lado, como se o ser humano não fosse importante? Estas 59 pessoas que morreram em Santa Catarina, neste Brasil onde estou agora, não tinham que ter morrido de esta morte. E isto, sabemo-lo todos.
A outra notícia é o Prémio Nacional das Letras de Espanha para Juan Goytisolo, que hoje recordo em Lanzarote, com Monique, com Gómez Aguilera, falando de livros e do ofício de escrever. Monique já não está, não vê este prémio que, por fim, é atribuído a Goytisolo, tantos anos depois de termos lido o seu primeiro livro, então recém-publicado. Juan, um abraço e felicidades.

A página infinita da Internet - por José Saramago

Acabamos de sair da conferência de imprensa de São Paulo, a colectiva, como dizem aqui.

Surpreende-me que vários jornalistas me tenham perguntado pela minha condição de blogueiro quando tínhamos atrás o anúncio de uma exposição estupenda, a que é organizada pela Fundação César Manrique no Instituto Tomie Ohtake, com os máximos representantes e patrocinadores, e com a apresentação de um novo livro à vista. Mas a muitos jornalistas interessava-lhes a minha decisão de escrever na “página infinita da Internet”. Será que, aqui, melhor dito, nos assemelhamos todos? É isto o mais parecido com o poder dos cidadãos? Somos mais companheiros quando escrevemos na Internet? Não tenho respostas, apenas constato as perguntas. E gosto de estar escrevendo aqui agora. Não sei se é mais democrático, sei que me sinto igual ao jovem de cabelo alvoroçado e óculos de aro, que com os seus vinte e poucos anos, me questionava. Seguramente para um blog.

Dia vivido - 27 de novembro - por José Saramago

Continuamos no Brasil, Pilar e eu, e comovidos pela tragédia de Santa Catarina, onde o número de mortos ou desaparecidos não deixa de aumentar, como as histórias humanas, de desolação e desesperança dos sobreviventes, que dali nos chegam. Cruzámo-nos com o presidente Lula, que ia visitar a zona da tragédia. Muito consolo tem que transportar para demonstrar que o Estado é útil. Consolo em palavras e em meios. Das duas coisas necessitamos, os humanos. Contam-nos que nas empresas, espontaneamente, se estão recolhendo fundos para ajudar os vitimados. Para quem, como nós, não vivemos directamente a tragédia, gestos como estes também nos consolam, nos fazem pensar que a jovem da editorial que se preocupa com a sorte de gente que não conhece é uma imagem possível do mundo.

Esta tarde, na Academia Brasileira de Letras apresentei A Viagem do Elefante. Alberto da Costa e Silva disse na sua intervenção que todos somos bibliotecas, porque guardamos leituras no nosso interior como o melhor de nós mesmos. Tenho com Alberto uma antiga relação de amizade, e por ela, este académico, ex-presidente da Academia e ex-embaixador quis apresentar o meu livro como algo próprio. Antes tivemos uma reunião com os académicos, à qual assistiram amigos tão generosos como Cleonice Berardineli e Teresa Cristina Cerdeira da Silva, que não são académicas embora façam parte da aristocracia do espírito, essa que sim é necessária para a evolução da sociedade. Antes estivemos com Chico Buarque, que está a ponto de terminar um novo livro. Se for como Budapeste teremos obra. Chico, o cantor, o músico, o escritor, é um dos homens cabais que unem a qualidade do seu trabalho à sua condição de boa gente. Hoje o dia foi cumprido. Sem dúvida.

A boneca Raimunda e a tortura - por Emiliano José (Cartacapital)

...Foram dias estranhos aqueles. Só o medo e a dor quebraram o cinza. Tudo terminado, com tanto tempo para temer, com tão poucas horas ao ar livre, com tantos toques de recolher. Andávamos em círculos inventando o que fazer. Não sabíamos como viver tanto em tamanho silêncio. E não era exatamente o silêncio da paz.

Fico pensando nessa discussão sobre a tortura. Sobre o fato de ser ou não crime torturar. Esse debate parece um absoluto contra-senso. Afinal, é uma quase obviedade ser a tortura um crime imprescritível. Como trata-se de uma obviedade o fato de que a ditadura militar no Brasil torturou cruelmente, fez desaparecer pessoas, crimes inomináveis que não prescrevem em lugar nenhum do mundo, observada qualquer legislação internacional e, penso eu, observada também as leis nacionais.

Não se trata de rever a lei de anistia, por si só uma lei restritiva, acanhada, parcial. Não foi uma anistia ampla, geral e irrestrita como queríamos nós. Mas, ainda assim, não se trata de rever a lei. Trata-se de apurar o crime da tortura, esse sim, não pode ser deixado impune e não há lei que assegure isso, nem a da anistia.

A Advocacia Geral da União está absolutamente equivocada quando pretende argumentar que a anistia alcançou os torturadores, para beneficiá-los. Estão certos, certíssimos os ministros Paulo Vannuchi e Tarso Genro, quando defendem a punição, com base na lei, daqueles que torturaram.

Como beneficiar os que se deram ao direito de torturar sem qualquer amparo legal? E faço a pergunta por absurdo porque seria uma estupidez admitir que a lei pudesse abrigar a tortura como método. O terrorismo de Estado não pode ficar impune, não deve. Para que a Nação cicatrize suas feridas de uma vez por todas.

...E suspeitarão de seu passaporte. E você nunca mais poderá revelar sua nacionalidade com inocência. Nunca mais poderá falar de seu país sem dar explicações. A era do horror começou. Enterraram um punhal em nossos corpos, e precisamos sangrar.

Penso em Anita Fabbri e Márcia Basseto, presas no final de abril de 1977, em São Paulo. Vejam vocês que estamos no período Geisel, anotem. Até porque há uma escamoteação sobre o governo Geisel como se fosse ele um período de paz ou de distensão. De distensão no sentido que lhe dava a ditadura, podia até ser. Mas, a ditadura ainda mataria – é confissão do próprio Geisel. Está num dos livros de Élio Gaspari.

Márcia guardou as lembranças em algum canto da alma, deliberadamente, bem no fundo, por uma questão de sobrevivência. Era sobrevivência psíquica – entenda-se. Falou depois, passadas quase duas décadas e meia, para o livro que eu estava escrevendo sobre padre Renzo.

Foi presa com Celso Brambilla, na madrugada de 28 de abril de 1977, em São Paulo. Tinha acabado de completar 21 anos. Fazia História na Universidade de São Paulo (USP). Brambilla, Engenharia na Universidade Federal de São Carlos, também no Estado de São Paulo.

Ambos haviam optado pela proletarização – largar os estudos e ir trabalhar numa fábrica, como muitos de nós o fizemos no período. Escolheram São Bernardo, cidade-chave do coração industrial de São Paulo, berço das grandes mobilizações operárias do final da década de 70.

Foram presos e no carro que dirigiam levavam panfletos mimeografados onde se propunha a luta contra a alta do custo de vida e a ditadura. Logo depois, prenderam mais três militantes, entre os quais Anita Fabbri.

E aí foi pau-de-arara, choque elétrico, roleta-russa, socos, pontapés, surra com pedaço de pau. Márcia foi ameaçada de ser executada depois de andar encapuzada durante horas em um carro com chapa fria. Celso foi vítima de telefones (tapas com as mãos em concha nos ouvidos), e no segundo dia de interrogatório teve o tímpano furado e por falta de atendimento ficou surdo. Tudo isso chegou à Anistia Internacional pelas mãos do padre Renzo Rossi.

...Essa Paris nutritiva acabou. Mataram Jaime. Mataram Jaime, Magda! E a dilaceração de Soledad é a sua e é a minha. Três mortes em vida diante de uma, única, absoluta, total morte real. Soledad dorme na cama ao lado. Tomou um calmante. Na noite passada despertei com seus gritos.

Anita quase teve uma crise epiléptica em decorrência da violência dos torturadores. A tortura cresceu de intensidade porque encontraram um bilhete em que ela falava sobre Raimunda. Esta, para os policiais, seria uma das principais direções da organização. Raimunda era uma boneca dos tempos de infância, sua boneca, querida boneca, que Anita guardava com imenso carinho. Eles insistiam: quem é Raimunda? Anotem as dores de Anita.

Tiraram toda a minha roupa, deram-me vários bofetões, apertaram meus mamilos e arrancaram os pêlos da região pubiana, dizendo que seria bem pior mais tarde se eu continuasse calada. Obrigaram a mim e a Márcia a ficarmos nuas, e fomos presas a dois fios que faziam nossos corpos vibrarem segundo a intensidade dos choques. Em outro momento, levei socos, tapas, cascudos no alto do crânio.

Conheci a cadeira do dragão: assento e encosto metálicos, onde, nua e amarrada, passei não sei quanto tempo levando choques em todas as partes do corpo, inclusive nas genitais. Quando estava prestes a ter um ataque epiléptico, um delegado entrou na sala, perguntou o que estava ocorrendo. Eu disse ser epiléptica, e ele mandou então que eu fosse retirada da cadeira. Houve depois uma nova e violenta sessão de torturas, quando então perdi a consciência
.

Houve mobilizações contra a prisão de ambas e dos demais estudantes. Os torturadores, diante disso, interromperam a violência e passaram a fazer o papel de babás. No caso de Márcia e Anita, levavam-nas à enfermaria três vezes ao dia para um tratamento intensivo destinado a apagar as marcas das torturas.
Compressas, banhos de luz, massagens, pomadas. Só no meio de maio, 15 dias depois da prisão, puderam receber visitas, já sem marcas tão visíveis.

A ministra Dilma Roussef anunciou o projeto Memórias Reveladas, destinado a abrir de vez os arquivos da repressão política da ditadura. O projeto prevê a disponibilização na Internet de todo o material da repressão em poder do Arquivo Nacional. É um grande passo. Espera-se agora que a Advocacia Geral da União reconsidere sua posição de defender torturadores. Não sei se é possível esperar reconsideração do ministro Gilmar Mendes que, nos últimos dias, deitou falação – ele outra vez – criticando quem está lutando pela punição dos que torturaram.

- O que vocês estão fazendo aqui a esta hora? Ou soltaram o Jaime e vocês vieram me avisar ou aconteceu uma coisa muito ruim.
- Não soltaram Jaime – a expressão de Vicente dizia tudo.
Olhou-me, então, com o rosto transtornado, como se durante aqueles minutos houvesse feito um passeio fantasmagórico, até muito longe dali. Então, atirou-se em meus braços e gritou. Aquele grito encravou-se em minha alma, ao lado da idéia persistente de que, por desgraça, a espada sempre acaba assumindo a forma de uma cruz
.

(As citações que intercalam esse texto, feitas livremente, sem rigor acadêmico, são do livro Nós que nos amávamos tanto, de Marcela Serrano, uma criativa, sensível escritora chilena. As informações sobre as torturas contra Márcia e Anita e os demais estão no meu livro As asas invisíveis do padre Renzo.)

Wálter Maierovitch invade o Blog do Mino (6)

Direitos Humanos: a renúncia de Baltasar Garzón

O magistrado espanhol Baltasar Garzón atua, na Espanha, como juiz de instrução. Lá não existe a figura do inquérito policial, que é invenção brasileira. Cabe a um juiz-instrutor espanhol comandar a investigação voltada a apurar a existência de crime e a sua autoria. O Brasil, como se nota da leitura da Exposição de Motivos (uma das fontes de interpretação da lei processual) ao Código de Processo Penal, optou pelo sistema do inquérito como ato de polícia judiciária e, pela extensão territorial, não adotou o juizado de instrução.

Na Espanha, como um dos juízes de instrução, coube a Garzón a abertura de um procedimento investigatório sobre os 114 mil desaparecidos durante a Guerra Civil Espanhola e os primeiros 12 anos da ditadura do general Franco.

Garzón conseguiu identificar, em 20 províncias espanholas, fossas coletivas onde eram sepultadas as vítimas da resistência ao terror franquista.

A Procuradoria Nacional da Justiça da Espanha, de forma igual à canhestra posição da nossa Advocacia Geral da União, entende ser legítima e constitucional a Lei de Anistia espanhola, que é de 1979 e sancionada três anos depois da morte de Franco.

Para Baltasar Garzón – com todo acerto –, os crimes contra a humanidade não prescrevem e não podem ser anistiados. Frise-se: a posição de Garzón, que encontra apoio no direito natural positivista e nas convenções e tratados internacionais, é diversa do brasileiro Antonio Carlos Tóffoli, advogado geral da União.

Quando a Procuradoria Nacional cogitou de levar a discussão da Lei de Anistia para a chamada Sala Penal das Audiências de Interesse Nacional e isto para arquivar o procedimento aberto por Gazón e afstá-lo de qualquer investigação sobre matéria alcançada pela Lei de Anistia espanhola, Garzón deu um toque de mestre.

Com efeito. Garzón concluiu um relatório sobre suas apurações. O relatório Garzón tem 152 páginas e revela, pelo território espanhol, os locais onde estão 20 “fossas coletivas” com corpos das vítimas. Além do relatório, ele constituiu uma comissão de peritos para iniciarem os trabalhos de exumações e identificações dos corpos.

Como Garzón percebeu que poderia ocorrer arquivamento do procedimento que tocava e o conseqüente afastamento seu do caso, adotou três medidas que a supracitada Sala Penal de Audiência Nacional não poderá cassar. Ou melhor, Garzón esvaziou a decisão da Sala Penal de Audiência Nacional.

A primeira medida foi encaminhar ao governo Zapatero, para prosseguimento em sede administrativa e não mais Judiciária, dos trabalhos da Comissão de Peritos. Trabalhos, ressalte-se mais uma vez, voltados à exumação e identificação dos corpos enterrados nos 20 sítios identificados. E isso a ministra da Justiça de Zapatero irá realizar, pois o governo tem compromisso de resgatar a memória histórica da Espanha.

A segunda deliberação de Garzón foi a de desmembrar o procedimento de apuração, enviando para as autoridades das 20 províncias onde se encontram as fossas com os desaparecidos. Cada província tem autonomia administrativa para prosseguir nas apurações.

Como última deliberação, e já com tudo encaminhado, Garzón renunciou a prosseguir no caso, para evitar o seu afastamento.

Neste final de semana, Garzón recebeu apoio de vários intelectuais e artistas de importância no cenário internacional, que assinarão um manifesto a ser lido no início da próxima semana. Dentre os intelectuais e artistas assinarão o manifesto José Saramago, Ernesto Sábato, Jose Luis Sampedro, Juan Goytisolo, etc.

PANO RÁPIDO. Com essa supracitada atitude, Garzón demonstrou que não busca, como foi acusado, promoção pessoal, mas o resgate à verdade histórica e o compromisso de defesa com os direitos do ser humano. (Por Wálter Fanganiello Maierovitch)

Nos rincões dos Mendes - por Leandro Fortes (Cartacapital)

Em sua terra natal, o presidente do STF e a família agem como coronéis

Existe um lugar, nas entranhas do Centro-Oeste, onde a vetusta imagem do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, nada tem a ver com aquela que lhe é tão cara, de paladino dos valores republicanos, guardião do Estado de Direito, diligente defensor da democracia contra a permanente ameaça de um suposto – e providencial – “Estado policial”. Em Diamantino, a 208 quilômetros de Cuiabá, em Mato Grosso, o ministro é a parte mais visível de uma oligarquia nascida à sombra da ditadura militar (1964-1985), mas derrotada, nas eleições passadas, depois de mais de duas décadas de dominação política.

O atual prefeito de Diamantino, o veterinário Francisco Ferreira Mendes Júnior, de 50 anos, é o irmão caçula de Gilmar Mendes. Por oito anos, ao longo de dois mandatos, Chico Mendes, como é conhecido desde menino, conseguiu manter-se na prefeitura, graças à influência política do irmão famoso. Nas campanhas de 2000 e 2004, Gilmar Mendes, primeiro como advogado-geral da União do governo Fernando Henrique Cardoso e, depois, como ministro do STF, atuou ostensivamente para eleger o irmão. Para tal, levou a Diamantino ministros para inaugurar obras e lançar programas, além de circular pelos bairros da cidade, cercado de seguranças, a pedir votos para o irmão-candidato e, eventualmente, bater boca com a oposição.

Em setembro do ano passado, o ministro Mendes foi novamente escalado pelo irmão Chico Mendes para garantir a continuidade da família na prefeitura de Diamantino. Depois de se ancorar no grupo político do governador Blairo Maggi, os Mendes também migraram do PPS para o PR, partido do vice-presidente José Alencar, e ingressaram na base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – a quem, como se sabe, Mendes costuma, inclusive, chamar às falas, quando necessário. Maggi e os Mendes, então, fizeram um pacto político regional, cujo movimento mais ousado foi a assinatura, em 10 de setembro de 2007, do protocolo de intenções para a instalação do Grupo Bertin em Diamantino, às vésperas do ano eleitoral de 2008.

Considerado um dos gigantes das áreas agroindustrial, de infra-estrutura e de energia, o Bertin acabou levado para Diamantino depois de instalado um poderoso lobby político capitaneado por Mendes, então vice-presidente do STF, com o apoio do governador Blairo Maggi, a quem coube a palavra final sobre a escolha do local para a construção do complexo formado por um abatedouro, uma usina de biodiesel e um curtume. O investimento previsto é de 230 milhões de reais e a perspectiva de criação de empregos chega a 3,6 mil vagas. Um golpe de mestre, calcularam os Mendes, para ajudar a eleger o vereador Juviano Lincoln, do PPS, candidato apoiado por Chico Mendes à sucessão municipal.

No evento de assinatura do protocolo de intenções, Gilmar Mendes era só sorrisos ao lado do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, a quem levou a Diamantino para prestigiar a gestão de Chico Mendes, uma demonstração de poder recorrente desde a primeira campanha do irmão, em 2000. Durante a cerimônia, empolgado com a presença do ministro e de dois diretores do Bertin, Blairo Maggi conseguiu, em uma só declaração, carimbar o ministro Mendes como lobista e desrespeitar toda a classe política mato-grossense. Assim falou Maggi: “Gilmar Mendes vale por todos os deputados e senadores de Mato Grosso”. Presente no evento estava o prefeito eleito de Diamantino, Erival Capistrano (PDT), então deputado estadual. “O constrangimento foi geral”, lembra Capistrano.

Ainda na festa, animado com a atitude de Maggi, o deputado Wellington Fagundes (PR-MT) aproveitou para sacramentar a ação do presidente do STF. “O ministro Gilmar Mendes tem usado o seu prestígio para beneficiar Mato Grosso, apesar de não ser nem do Executivo nem do Legislativo”, esclareceu, definitivo. Ninguém, no entanto, explicou ao público e aos eleitores as circunstâncias da empresa que tão alegremente os Mendes haviam conseguido levar a Diamantino.

O Grupo Bertin, merecedor de tanta dedicação do presidente do STF, foi condenado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em novembro de 2007, logo, dois meses depois da assinatura do protocolo, por formação de cartel com outros quatro frigoríficos. Em 2005, as empresas Bertin, Mataboi, Franco Fabril e Minerva foram acusadas pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça de combinar os preços da comercialização de gado bovino no País. Foi obrigado a pagar uma multa equivalente a 5% do faturamento bruto, algo em torno de 10 milhões de reais. No momento em que Gilmar Mendes e Blairo Maggi decidiram turbinar a campanha eleitoral de Diamantino com o anúncio da construção do complexo agroindustrial, o processo do Bertin estava na fase final.

Ainda assim, quando a campanha eleitoral de Diamantino começou, em agosto passado, o empenho do ministro Mendes para levar o Bertin passou a figurar como ladainha na campanha do candidato da família, Juviano Lincoln. Em uma das peças de rádio, o empresário Eraí Maggi, primo do governador, ao compartilhar com Chico Mendes a satisfação pela vinda do abatedouro, manda ver: “Tenho falado pro Gilmar, seu irmão, sobre isso”. Em uma das fazendas de soja de Eraí Maggi, o Ministério do Trabalho libertou, neste ano, 41 pessoas mantidas em regime de escravidão.

Tanto esforço mostrou-se em vão eleitoralmente. Em outubro passado, fustigado por denúncias de corrupção e desvio de dinheiro, o prefeito Chico Mendes foi derrotado pelo notário Erival Capistrano, cuja única experiência política, até hoje, foi a de deputado estadual pelo PDT, por 120 dias, quando assumiu o cargo após ter sido eleito como suplente. “Foi a vitória do tostão contra o milhão”, repete, como um mantra, Capistrano, a fim de ilustrar a maneira heróica como derrotou, por escassos 418 votos de diferença, o poder dos Mendes em Diamantino. De fato, não foi pouca coisa.

Em Diamantino, a família Mendes se estabeleceu como dinastia política a partir do golpe de 1964, sobretudo nos anos 1970, época em que os militares definiram a região, estrategicamente, como porta de entrada para a Amazônia. O patriarca, Francisco Ferreira Mendes, passou a alternar mandatos na prefeitura com João Batista Almeida, sempre pela Arena, partido de sustentação da ditadura. Esse ciclo foi interrompido apenas em 1982, quando o advogado Darcy Capistrano, irmão de Erival, foi eleito, aos 24 anos, e manteve-se no cargo por dois mandatos, até 1988. A dobradinha Mendes-Batista Almeida só voltaria a funcionar em 1995, bem ao estilo dinástico da elite rural nacional, com a eleição, primeiro, de João Batista Almeida Filho. Depois, em 2000, de Francisco Ferreira Mendes Júnior, o Chico Mendes.

Gilmar nasceu em Diamantino em 30 de dezembro de 1955. O lugar já vivia tempos de franca decadência. Outrora favorecida pelo comércio de diamantes, ouro e borracha por mais de dois séculos, a cidade natal do atual presidente do STF se transformou, a partir de meados do século XX, num município de economia errática, pobre e sem atrativos turísticos, dependente de favores dos governos federal e estadual. Esse ambiente de desolação social, cultural e, sobretudo, política favoreceu o crescimento de uma casta coronelista menor, se comparada aos grandes chefes políticos do Nordeste ou à aristocracia paulista do café, mas ciosa dos mesmos métodos de dominação.

Antes do presidente do STF, a figura pública mais famosa do lugar, com direito a busto de bronze na praça central da cidade, para onde os diamantinenses costumam ir para fugir do calor sufocante do lugar, era o almirante João Batista das Neves. Ele foi assassinado durante a Revolta da Chibata, em 1910, por marinheiros revoltosos, motivados pelos maus-tratos que recebiam de oficiais da elite branca da Marinha, entre eles, o memorável cidadão diamantinense.

Na primeira campanha eleitoral de Chico Mendes, em 2000, o então advogado-geral da União, Gilmar Mendes, conseguiu levar ministros do governo Fernando Henrique Cardoso para Diamantino, a fim de dar fôlego à campanha do irmão. Um deles, Eliseu Padilha, ministro dos Transportes, voltou à cidade, em agosto de 2001, ao lado de Mendes, para iniciar as obras de um trecho da BR-364. Presente ao ato, prestigiado como sempre, estava o irmão Chico Mendes. No mesmo mês, um dos principais assessores de Padilha, Marco Antônio Tozzati, acusado de fazer parte de uma quadrilha de fraudadores que atuava dentro do Ministério dos Transportes, juntou-se a Gilmar Mendes para fundar a Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino, a Uned.

O ministro Mendes, revelou CartaCapital na edição 516 (leia o post Gilmar: às favas a ética), é acionista de outra escola, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que obteve contratos sem licitação com órgãos públicos e empréstimos camaradas de agências de fomento. Não é de hoje, portanto, que o ensino, os negócios e a influência política misturam-se oportunamente na vida do presidente do Supremo.

No caso da Uned, o irmão-prefeito bem que deu uma mãozinha ao negócio do irmão. Em 1º de abril de 2002, Chico Mendes sancionou uma lei que autorizava a prefeitura de Diamantino a reverter o dinheiro recolhido pela Uned em diversos tributos, entre os quais o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Serviços (ISS) e sobre alvarás, em descontos nas mensalidades de funcionários e “estudantes carentes”. Dessa forma, o prefeito, responsável constitucionalmente por incrementar o ensino infantil e fundamental, mostrou-se estranhamente interessado em colocar gente no ensino superior da faculdade do irmão-ministro do STF.

Em novembro de 2003, o jornalista Márcio Mendes, do jornal O Divisor, de Diamantino, entrou com uma representação no Ministério Público Estadual de Mato Grosso, para obrigar o prefeito a demonstrar, publicamente, que funcionários e “estudantes carentes” foram beneficiados com a bolsa de estudos da Uned, baseada na renúncia fiscal – aliás, proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal – autorizada pela Câmara de Vereadores. Jamais obteve resposta. O processo nunca foi adiante, como, de praxe, a maioria das ações contra Chico Mendes. Atualmente, Gilmar Mendes está afastado da direção da Uned. É representado pela irmã, Maria Conceição Mendes França, integrante do conselho diretor e diretora-administrativa e financeira da instituição.

O futuro prefeito, Erival Capistrano, estranha que nenhum processo contra Chico Mendes tenha saído da estaca zero e atribui o fato à influência do presidente do STF. Segundo Capistrano, foram impetradas ao menos 30 ações contra o irmão do ministro, mas quase nada consegue chegar às instâncias iniciais sem ser, irremediavelmente, arquivado. Em 2002, a Procuradoria do TCE mato-grossense detectou 38 irregularidades nas contas da prefeitura de Diamantino, entre elas a criação de 613 cargos de confiança. A cidade tem 19 mil habitantes. O Ministério Público descobriu, ainda, que Chico Mendes havia contratado quatro parentes, inclusive a mulher, Jaqueline Aparecida, para o cargo de secretária de Promoção Social, Esporte e Lazer.

No mesmo ano de 2002, o vereador Juviano Lincoln (ele mesmo, o candidato da família) fez aprovar uma lei municipal, sancionada por Chico Mendes, para dar o nome de “Ministro Gilmar Ferreira Mendes” à avenida do aeródromo de Diamantino. Dois cidadãos diamantinenses, o advogado Lauro Pinto de Sá Barreto e o jornalista Lúcio Barboza dos Santos, levaram o caso ao Senado Federal. À época, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), não aceitou a denúncia. No Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a acusação contra a avenida Ministro Gilmar Mendes também não deu resultados e foi arquivada, no ano passado.

A lentidão da polícia e da Justiça na região, inclusive em casos criminais, acaba tendo o efeito de abrir caminho a várias suspeitas e deixar qualquer um na posição de ser acusado – ou de ver o assunto explorado politicamente.

Em 14 de setembro de 2000, na reta final da campanha eleitoral, a estudante Andréa Paula Pedroso Wonsoski foi à delegacia da cidade para fazer um boletim de ocorrência. Ao delegado Aldo Silva da Costa, Andréa contou, assustada, ter sido repreendida pelo então candidato do PPS, Chico Mendes, sob a acusação de tê-lo traído ao supostamente denunciar uma troca de cestas básicas por votos, ao vivo, em uma emissora de rádio da cidade. A jovem, de apenas 19 anos, trabalhava como cabo eleitoral do candidato, ao lado de uma irmã, Ana Paula Wonsoski, de 24 – esta, sim, responsável pela denúncia.

Ao tentar explicar o mal-entendido a Chico Mendes, em um comício realizado um dia antes, 13 de setembro, conforme o registro policial, alegou ter sido abordada por gente do grupo do candidato e avisada: “Tome cuidado”. Em 17 de outubro do mesmo ano, 32 dias depois de ter feito o BO, Andréa Wonsoski resolveu participar de um protesto político.

Ela e mais um grupo de estudantes foram para a frente do Fórum de Diamantino manifestar contra o abuso de poder econômico nas eleições municipais. A passeata prevista acabou por não ocorrer e Andréa, então, avisou a uma amiga, Silvana de Pino, de 23 anos, que iria tentar pegar uma carona para voltar para casa, por volta das 19 horas. Naquela noite, a estudante desapareceu e nunca mais foi vista. Três anos depois, em outubro de 2003, uma ossada foi encontrada por três trabalhadores rurais, enterrada às margens de uma avenida, a 5 quilômetros do centro da cidade. Era Andréa Wonsoski.

A polícia mato-grossense jamais solucionou o caso, ainda arquivado na Vara Especial Criminal de Diamantino. Mesmo a análise de DNA da ossada, requerida diversas vezes pela mãe de Andréa, Nilza Wonsoski, demorou outros dois anos para ficar pronta, em 1º de agosto de 2005. De acordo com os três peritos que assinam o laudo, a estudante foi executada com um tiro na nuca. Na hora em que foi morta, estava nua (as roupas foram encontradas queimadas, separadas da ossada), provavelmente por ter sido estuprada antes.

Chamado a depor pelo delegado Aldo da Costa, o prefeito Chico Mendes declarou ter sido puxado pelo braço “por uma moça desconhecida”. Segundo ele, ela queria, de fato, se explicar sobre as acusações feitas no rádio, durante o horário eleitoral de outro candidato. Mendes alegou não ter levado o assunto a sério e ter dito a Andréa Wonsoski que deixaria o caso por conta da assessoria jurídica da campanha.

CartaCapital tentou entrar em contato com o ministro Gilmar Mendes, mas o assessor de imprensa, Renato Parente, informou que o presidente do STF estava em viagem oficial à Alemanha. Segundo Parente, apesar de todas as evidências, inclusive fotográficas, a participação de Mendes no processo de implantação do Bertin em Diamantino foi “zero”. Parente informou, ainda, que a participação do ministro nas campanhas do irmão, quando titular da AGU, foram absolutamente legais, haja vista ser Mendes, na ocasião, um “ministro político” do governo FHC. O assessor não comentou sobre os benefícios fiscais concedidos pelo irmão à universidade do ministro.

A reportagem da Carta também procurou o prefeito Chico Mendes. O chefe de gabinete, Nélson Barros, prometeu contatar o prefeito e, em seguida, viabilizar uma entrevista, o que não aconteceu.

*Reportagem originalmente publicada na edição 522 de CartaCapital, de 19 de novembro de 2008

Wálter Maierovitch invade o Blog do Mino (4)

Dantas: a caminho de Lins?

A instrução processual está encerrada no processo penal que Dantas é acusado, em continuação delitiva, de ser o mandante de crime de corrupção.

Como o juiz De Sanctis permaneceu na 6ª.Vara Criminal, abdicando de promoção ao cargo de desembargador, foi abortada qualquer manobra defensiva de não entregar o memorial de alegações finais.

Pelo que corre na ‘rádio-corredor’ do fórum da Justiça federal de São Paulo, o juiz De Sanctis vai trabalhar a partir desta quarta-feira e atravessará o final de semana debruçado nos autos. Na segunda-feira, presume-se, teremos duas decisões, incluída a sentença.

A primeira decisão versará sobre o pedido, formulado hoje pelo advogado de Dantas, de juntada da fita com a gravação da reunião de 14 de julho, que marcou a saída do delegado Protógenes Queiroz da presidência do inquérito da Satiagraha. Referida fita, com 2,55 horas de gravação, está na posse do deputado Raul Jungmann, que, na parte da tarde, foi, pessoalmente, entregá-la ao ministro Gilmar Mendes. Este já recebeu e providenciou cópias para os demais ministros.

Como dizem as rendeiras nordestinas que não existe ponto sem nó, a mensagem de Jungmann foi captada pelo defensor constituído por Dantas, que correu e plantou nos autos o supracitado requerimento para vinda de cópia da supracitada gravação, para posterior alegação de nulidade. Se o pedido for indeferido, o defensor vai alegar nulidade, por se atentar à ampla defesa.

Na segunda decisão, que deverá ser publicada na segunda-feira 24, teremos a sentença de absolvição ou a condenação de Dantas e dos demais co-réus.

Diante de uma condenação iminente, e para isso basta examinar as provas, Dantas poderá, na própria sentença, ter negado o direito de recorrer em liberdade e, assim, ocorrerá a expedição de mandado de prisão.

Como seu advogado é experiente, Dantas, a partir de hoje, não vai estar em local conhecido. No caso de expedição de mandado de prisão, Dantas, certamente, vai estar, como se fala informalmente nos fóruns, em Lins, ou melhor, em Lugar Incerto e Não Sabido (lins). Isto até que seu advogado impetre habeas-corpus, para poder, o paciente Dantas, apelar em liberdade. (Por Wálter Fanganiello Maierovitch).

Wálter Maierovitch invade o Blog do Mino (3)

Fuga de Notícias

Fazer papel de bobo, ninguém gosta. Quando atentam contra nossa inteligência, dá vontade de reagir e berrar:

- Não somos tolos...

De forma descarada continuam as fugas de notícias da Polícia Federal. E vem a pergunta: Por que só o delegado Protógenes Queiroz é indiciado em inquérito?

No dia 14 de julho passado, foi gravada, e deveria ficar sob sigilo, o teor da reunião entre diretores da Polícia Federal e o delegado Protógenes. Dessa reunião, resultou o afastamento do delegado Protógenes Queiroz da presidência do inquérito iniciado com Operação Satiagraha.

À época, os jornais noticiaram que a gravação da reunião fora uma exigência de Protógenes.

Logo depois da supracitada reunião do afastamento de Protógenes, segundo informa a edição de hoje do jornal Folha de S.Paulo, a direção da Polícia Federal “vazou trechos de quatro minutos da gravação do encontro, que tem duas horas e 55 minutos, e divulgou a versão de que o delegado saiu porque quis”.

Percebe-se que os responsáveis pela direção da Polícia Federal, à época, providenciaram uma fuga da notícia, agravada pela mentira, pois o inteiro teor da reunião mostra caso de afastamento compulsório de Protógenes.

Mais ainda, não fora Protógenes a exigir a gravação, mas o delegado e seu superior hierárquico Roberto Troncon, diretor da Divisão de Combate ao Crime Organizado.

No inquérito sob a presidência do delegado Amaro Fernandes que apura vazamento de informações da Satiagraha, e o suspeito é Protógenes, todos os dias ocorrem vazamentos.

Ora, se a direção da PF realiza a fuga de notícias, está explicada a razão que move o delegado Amaro Fernandes a agir da mesma forma e isto na presidência do inquérito que apura os vazamentos de Protógenes. No particular, a “par condictio” (igualdade) não vale a Protógenes, suspeito de vazamentos. (Por Wálter Fanganiello Maierovitch).

O caso Márcia Cunha - 2 por Luis Nassif

Matéria de Fausto Macedo, no Estadão, relatando a tentativa de suborno da juíza Márcia Cunha, a primeira a proferir sentença contra o Opportunity, na batalha pelo controle da Brasil Telecom (clique aqui).

Ao retornar de viagem a Nova York “começou o inferno”. Uma das empresas de Dantas ajuizou exceção de suspeição contra ela, ofensiva rejeitada pela 8ª Câmara Cível. A juíza assinala que o grupo de Dantas a fustigou com representações e reclamações sucessivas. Apresentaram quatro laudos periciais “que indicavam que a antecipação de tutela não era de sua autoria intelectual”. Ela contratou um perito. Ele atestou que a decisão foi elaborada “a partir do lap top da depoente”.
Um dossiê apócrifo começou a ser espalhado no Rio, atribuindo-lhe a compra de um apartamento de luxo em Ipanema. Estranhos rondavam o edifício onde reside. Um homem fez imagens do prédio. O Tribunal de Justiça providenciou segurança pessoal para Marcia. A escolta foi retirada durante um “período de calmaria”. Quando o misterioso motociclista a abordou em Santa Teresa, ela caminhava só pelo bairro. Fez ocorrência na 14ª Delegacia. Afirmou que “as ameaças começaram após ter prolatado a decisão contra o Opportunity, do qual Daniel Dantas é o controlador”.
O banqueiro negou. O inquérito policial foi relatado e remetido ao Ministério Público, que pediu o arquivamento do caso. Com o peso de “mais uma dezena de suspeições” contra si, a juíza, afinal, capitulou. Ela avaliou que “não tinha mais condições psicológicas de prosseguir no caso, devido às ameaças que havia sofrido”.
Quando se afastou, já respondia a um processo por calúnia, dois inquéritos, um civil e um penal, ação por improbidade e processo no Órgão Especial do TJ - arquivado por 16 votos a 4 -, além das exceções de suspeição. “Após reconhecer minha suspeição acabaram-se todas as torturas psicológicas”, declarou ela à Polícia Federal.


O procedimento é o mesmo adotado contra outros adversários de Dantas, valendo-se de veículos da mídia: ataques difamadores, fabricação de dossiês, enxurrada de ações judiciais, uso intensivo da imprensa, sem direito a resposta do atacado.
Há um boxe com o advogado de Dantas, Nélio Machado, advogado barra-pesada que, através de jornalistas cooptados, transformou o assassinato de reputações em estilo recorrente e impune.
Declaração sua ao jornal:
Sobre a suposta proposta de suborno ao marido da juíza, Sérgio Antônio de Carvalho, Machado afirma desconhecer Eduardo Rascoviski, que teria atuado a mando do Opportunity para contratá-lo, e acredita que a acusação “também entra no contexto da narrativa fantasiosa”.
Da agenda de Humberto Braz, executivo da Brasil Telecom, homem que controlava os contratos de publicidade da BrT e da Telemig Celular, contratava assessorias de imprensa e mantinha contato com jornalistas, e um dos responsáveis pela tentativa de suborno do delegado da PF (pagava US$ 1 mi para tirar parentes de Dantas do processo e incluir adversários):

38- Compromisso: "Eduardo Rascovsky" , Data Original: "30/03/2004 13:00:00 GMT"
41- Compromisso: "Eduardo Rascovsky" , Data Original: "31/03/2004 20:30:00 GMT"
43- Compromisso: "Eduardo Rascovsky" , Data Original: "14/04/2004 14:00:00 GMT"
113- Compromisso: "Eduardo Rascovsky" , Data Original: "05/07/2004"
125- Compromisso: "Eduardo Rascovsky" , Data Original: "09/07/2004"
137- Compromisso: "Eduardo Rascovsky" , Data Original: "21/07/2004"
A agenda de Humberto Braz na BrT vai até outubro de 2004.
Aqui, um apanhado de matérias sobre o assassinato moral da juíza.
Aqui, o capítulo “As Relações Incestuosas na Mídia” em que trato do episódio em questão.

O furacão e a Themis - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

Em abril de 2007 eclodiu a Operação Hurricane (furacão) da Polícia Federal, resultante de 1 ano e 3 meses de investigações e cerca de 40 mil horas de conversas captadas, legalmente, por meio de escutas telefônicas e ambientais.

Dentre os presos cautelares figuravam dois desembargadores do Tribunal Federal da 2ª Região, José Eduardo Carreira Alvim e Ricardo Regueira. Também um representante do Ministério Público Federal, João Sérgio Leal Pereira e um juiz do Tribunal do Trabalho de Campinas, Ernesto Dória. Este chamava a atenção, nas fotografias e filmagens, pelo uso de um par de óculos de armação gigante, bem maior que a máscara do Zorro, e pelo distintivo de juiz, preso na lapela do paletó. Com uma armação similar, nenhum assaltante precisa se encapuzar.

Ainda foram presos na Operação Hurricane os antigos e famosos bicheiros Capitão Guimarães, Anísio Abrahão e Turcão. Aquele que começaram por comandar o Carnaval carioca com parte do lucro do jogo do bicho. Nos últimos anos, são gestores do espetáculo momístico. Organizam a festa, embolsando, pelas Ligas, as verbas municipais destinadas ao carnaval.

Nas diferentes fases de desenvolvimento da Hurricane, foram presas 60 pessoas, apreendidos 51 luxuosos carros importados mostrados pelo Jornal Nacional, jóias valiosas e R$10 milhões em papel moeda.

O furacão, no entanto, perdeu a força, -- não o prestígio junto à população --, quando os potentes começaram a ser postos em liberdade, a começar por habeas-corpus liberatórios concedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em resumo, todos os 60 presos pela Hurricane foram soltos pela Justiça.

Os dois desembargadores, Ricardo Regueira, recentemente falecido, e José Eduardo Carreira Alvim, ex-vice-presidente do tribunal e candidato derrotado à presidência da Corte em processo eleitoral com pesadas acusações e suspeitas de escutas ambientais em gabinetes. No dia seguinte à soltura, os referidos desembargadores, sem constrangimento, voltaram aos seus gabinetes e às funções jurisdicionais.

Uma interceptação telefônica revelou que o advogado e lobista Virgílio Medina, irmão do ministro Paulo Medina do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negociou, por R$1,0 milhão, a venda de uma liminar a beneficiar a máfia da jogatina eletrônica. Uma liminar da lavra do ministro Paulo Medina do STJ resultou na liberação de 900 máquinas de jogos de azar, decisão posteriormente cassada pela ministra Ellen Gracie, do STF.

Por decisão cautelar do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Medina acabou suspenso da função jurisdicional, mantidos, por evidente, os vencimentos integrais.

Nesta quarta-feira 26, o STF, por maioria de votos, recebeu, parcialmente, a denúncia do procurador geral da República e deu início a um processo criminal contra o ministro Medina, o desembargador Carreira Alvim, o juiz Dória, o procurador Leal e outros implicados como, por exemplo o supracitado advogado e agenciador Virgílio Medina. Na decisão, todos os magistrados permanecerão fora de função, até julgamento final do processo-criminal.

Com efeito, por 7x2 o STF recebeu a denúncia a respeito do crime de corrupção passiva de que é acusado o ministro Medina. Igual placar deu-se com relação ao crime de prevaricação. Por um voto (4x5), rejeitou-se a denúncia que apontava Medina como membro da máfia dos jogos eletrônicos de azar.

O relator do caso foi o ministro Cezar Peluso. Para o ministro Marco Aurélio, não merecia recebimento a denúncia contra Medina por crimes de corrupção, prevaricação e formação de quadrilha: todos de que é acusado.

A ministra Carmem Lúcia só enxergou razoável a denúncia por prevaricação contra o ministro Medina. Como não assisti ao julgamento pela televisão, não sei informar se a ministra tinha tomado emprestado os óculos do acusado Ernesto Dória, de grossas lentes escuras.

Os ministros Eros Grau e Ricardo Lewandowsky viraram a votação que se encaminhava para o recebimento da acusação de formação de quadrilha por parte de Medina. Para eles, o processo não deveria ser aberto por tal delito.

Quanto ao desembargador, o juiz, o procurador e o agenciador irmão de Medina, a denúncia foi aceita com referência aos crimes de corrupção passiva e formação de quadrilha.

Pelo jeito, a Themis, - deusa da Justiça -, deu uma arribada, diante da decisão do STF. Um tapa, com botox ou um lifting, depois de 60 indiciados ganharam a liberdade.

No particular, até os bicheiros ficaram fora das grades, -- e o processo contra eles foi excluído do foro privilegiado--, embora cometam contravenções e delitos diariamente, ou melhor, continuadamente. E até resultado de carnaval a cúpula do bicho manipula, como se suspeitou em 2007, depois da vitória da Beija-Flor da Nilópolis. Em síntese, nem a prisão de Guimarães, Anísio e Turcão, entendeu-se necessária, embora banquem jogos de azar, promovam lavagem de dinheiro e corrupção.

O presidente Zeus, marido-poderoso da Themis, -- aquele que chama “às falas” até o nosso mortal presidente da República --, precisava da melhora da sua convivente, a companheira Themis, de segunda núpcias. Assim mesmo, acabou sendo o único a sugerir que, com relação ao ministro Medina, toda a acusação deveria limitar-se à corrupção passiva.

O certo é que a Themis estava caidinha desde 2007. Isto depois da passagem do Hurricane que fez com que ela fosse parar no Irajá, na companhia de bicheiros e da máfia da jogatina eletrônica de azar.

Themis deu recentemente uma piorada depois que um potente banqueiro, --que usa grampos da marca Kroll-, colocou em dúvida a sua honradez. Isto com uma ainda mal contada história de que controla, com dinheiro, Tribunais superiores.

Mal contada história porque, nos Tribunais regionais e no STJ, o auricular-banqueiro perdeu todas. Ele só conseguiu duas liminares do marido da Themis, confirmadas pela maioria dos membros do Pretório do Olimpo.

O caso do ministro Paulo Medina surpreende, pois o seu passado não o condena. Ao contrário, o enaltece. O ministro Medina é juiz há 40 anos. Ele ingressou na magistratura de Minas Gerais, foi desembargador e corregedor geral da Justiça mineira. Foi, também, presidente da Associação Brasileira de Magistrados e ministro por escolha do então presidente Fernando Henrique: confira, abaixo, o currículo do ministro, tirado do site do STJ.

O ministro Medina foi acusado de corrupção. Teria vendido uma liminar, que resultou na liberação de 900 máquinas eletrônicas de jogos de azar. Mais ainda, ele teria, intencionalmente, atrasado andamentos de processos para que caíssem na prescrição e ocorressem impunidades. Aqui, como até os ministros do STF têm processos com prazo estourado (o ministro Jobim, por exemplo, deixou um cartório de processos ao aposentar), a prova da intenção de promover a impunidade será tormentosa, para a acusação.

Convém destacar que havia justa causa para o recebimento da denúncia por crime de corrupção passiva. O advogado e irmão do ministro, conforme interceptação telefônico lícita, negociou, usando o nome do ministro, uma liminar, por 1 milhão de reais. E na fase da denúncia vale o “in dubio pro societatis” e não o “in dúbio pro reo”.

Por outro lado, será bom para a Magistratura que o STF julgue o mérito das acusações, ou seja, se verdadeiras as imputações. Afinal, diante do que disse Virgílio Medina e da liberação de 900 máquinas por liminar, não dava para não receber a denúncia por crime de corrupção passiva.

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Curriculum Vitae do ministro Paulo Medina.
--1-Bacharel em Direito - Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - 1965.
Presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Monitor das cadeiras de Direito Administrativo e Constitucional.
Orador da Turma de 1965.
Curso de Especialização em Ética e Pedagogia, Técnica de Comunicação e Expressão - 1966.

--2- Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a partir de 26/6/2001.
Membro da 3ª Seção e da 6ª Turma.

--3- Magistratura:
Aprovação no concurso para Juiz de Direito em Minas Gerais - 1968;
Juiz da Comarca de Ervália – primeira entrância – 2/10/1968;
Juiz da Comarca de Camanducaia – segunda entrância – 12/5/1970;
Juiz da Comarca de Santos Dumont – segunda entrância – 4/12/1971;
Juiz da Comarca de Conselheiro Lafaiete – terceira entrância – 10/11/1973;
Juiz da Comarca de Belo Horizonte – entrância especial – 7/10/1978;
Juiz - Diretor do Foro Eleitoral de Belo Horizonte.
Juiz do Tribunal de Alçada – 1/11/1985:
Segunda Câmara Cível;
Primeira Câmara Criminal;
Segunda Câmara Criminal – Presidente;
Presidente das Câmaras Criminais do Tribunal de Alçada;
Vice - Presidente do Tribunal de Alçada - 9/11/1990.
Desembargador do Tribunal de Justiça – 29/8/1991:
Quarta Câmara Cível;
Segunda Câmara Cível;
Segunda Câmara Criminal;
Terceira Câmara Criminal – Presidente;
Membro do Conselho Superior da Magistratura – 30/5/1992;
Membro da Corte Superior – 8/11/1995;
Vice - Corregedor Geral de Justiça – 5/10/1998;
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais;
Corregedor - Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais.

--4-Magistério:
Aprovação em Concurso Público para Professor de Direito Judiciário Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG;
Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Barbacena – MG;
Professor de Direito Penal e de Direito Civil da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete – MG;
Diretor da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete - MG;
Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

--5- Outras Atividades exercidas:
Vereador - Rochedo de Minas – 1961/1965.
Presidente da Câmara Municipal.
Advogado - OAB/MG 8.012 – 1966/1968.

--6- Participação em Entidades de Classe:
Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros – AMAGIS - 1993/1995;
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB - 1995/1997;
Presidente da Federação Latino - Americana de Magistrados – FLAM - 1997/1999.

--7-Publicações:
Autor de diversos artigos publicados em revistas e periódicos especializados.
Autor do livro Cidadania só com Justiça sobre as relações do Poder Judiciário com o poder político e a sociedade.

--8- Condecorações, Títulos, Medalhas:
Medalha de Honra da Inconfidência;
Medalha Santos Dumont, grau Ouro;
Medalha Ordem do Mérito, pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais;
Colar do Mérito Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais;
Colar do Mérito Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro;
Comenda José Maria Alkimin do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.
Títulos de Cidadania Honorária de Belo Horizonte, Juiz de Fora, Conselheiro Lafaiete, Caxambu e Santa Bárbara.

O significado da renúncia de Baltasar Garzón - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

O magistrado espanhol Baltasar Garzón atua, na Espanha, como juiz de instrução. Lá não existe a figura do inquérito policial, que é invenção brasileira. Cabe a um juiz-instrutor espanhol comandar a investigação voltada a apurar a existência de crime e a sua autoria. O Brasil, como se nota da leitura da Exposição de Motivos (uma das fontes de interpretação da lei processual) ao Código de Processo Penal, optou pelo sistema do inquérito como ato de polícia judiciária e, pela extensão territorial, não adotou o juizado de instrução.

Na Espanha, como um dos juízes de instrução, coube a Garzón a abertura de um procedimento investigatório sobre os 114 mil desaparecidos durante a Guerra Civil Espanhola e os primeiros 12 anos da ditadura do general Franco.

Garzón conseguiu identificar, em 20 províncias espanholas, fossas coletivas onde eram sepultadas as vítimas da resistência ao terror franquista.

A Procuradoria Nacional da Justiça da Espanha, de forma igual à canhestra posição da nossa Advocacia Geral da União, entende ser legítima e constitucional a Lei de Anistia espanhola, que é de 1979 e sancionada três anos depois da morte de Franco.

Para Baltasar Garzón – com todo acerto –, os crimes contra a humanidade não prescrevem e não podem ser anistiados. Frise-se: a posição de Garzón, que encontra apoio no direito natural positivista e nas convenções e tratados internacionais, é diversa do brasileiro Antonio Carlos Tóffoli, advogado geral da União.

Quando a Procuradoria Nacional cogitou de levar a discussão da Lei de Anistia para a chamada Sala Penal das Audiências de interesse Nacional e isto para arquivar o procedimento aberto por Gazón e afstá-lo de qualquer investigação sobre matéria alcançada pela Lei de Anistia espanhola, Garzón deu um toque de mestre.

Com efeito. Garzón concluiu um relatório sobre suas apurações. O relatório Garzón tem 152 páginas e revela, pelo território espanhol, os locais onde estão 20 “fossas coletivas” com corpos das vítimas. Além do relatório, ele constituiu uma comissão de peritos para iniciarem os trabalhos de exumações e identificações dos corpos.

Como Garzón percebeu que poderia ocorrer arquivamento do procedimento que tocava e o conseqüente afastamento seu do caso, adotou três medidas que a supracitada Sala Penal de Audiência Nacional não poderá cassar. Ou melhor, Garzón esvaziou a decisão da Sala Penal de Audiência Nacional.

A primeira medida foi encaminhar ao governo Zapatero, para prosseguimento em sede administrativa e não mais Judiciária, dos trabalhos da Comissão de Peritos. Trabalhos, ressalte-se mais uma vez, voltados à exumação e identificação dos corpos enterrados nos 20 sítios identificados. E isso a ministra da Justiça de Zapatero irá realizar, pois o governo tem compromisso de resgatar a memória histórica da Espanha.

A segunda deliberação de Garzón foi a de desmembrar o procedimento de apuração, enviando para as autoridades das 20 províncias onde se encontram as fossas com os desaparecidos. Cada província tem autonomia administrativa para prosseguir nas apurações.

Como última deliberação, e já com tudo encaminhado, Garzón renunciou a prosseguir no caso, para evitar o seu afastamento.

Neste final de semana, Garzón recebeu apoio de vários intelectuais e artistas de importância no cenário internacional, que assinarão um manifesto a ser lido no início da próxima semana. Dentre os intelectuais e artistas assinarão o manifesto José Saramago, Ernesto Sábato, Jose Luis Sampedro, Juan Goytisolo, etc.

PANO RÁPIDO. Com essa supracitada atitude, Garzón demonstrou que não busca, como foi acusado, promoção pessoal, mas o resgate à verdade histórica e o compromisso de defesa com os direitos do ser humano.

O legado racista no processo eleitoral dos EUA - por Argemiro Ferreira

A eleição de um presidente negro nos EUA ainda pode funcionar como convite ao país para rever regras eleitorais antidemocráticas e cacoetes racistas herdados da velha Confederação do sul. Socorreria, assim, a imagem desacreditada do país que se apresentava ao mundo como modelo democrático - imagem desmentida durante tanto tempo pelo racismo e ultimamente também pelo belicismo bushista.
Quando o presidente George W. Bush chegou à Casa Branca, depois de perder a votação popular no país e ser beneficiado no Colégio Eleitoral pelo roubo de votos na Flórida, governada pelo irmão Jeb Bush, implodiu de vez aquela imagem. Em oito anos, com guerras reais (Iraque, Afeganistão) e imaginárias (ao terrorismo), ele agrediu as liberdades civis, favoreceu e terceirizou a tortura, criou os pesadelos de Guantânamo e Abu Ghrabi.
Já que a derrota esmagadora nas urnas em 2008 extremou o repúdio, dentro e fora dos EUA, a tal desatino, à obsessão neoconservadora de controlar o petróleo alheio e à fracassada política desregulamentadora que produziu uma crise financeira disseminada pelo mundo inteiro, é oportuna ainda a revisão também de outros equívocos históricos que o país tem insistido em subestimar.
À sombra da escravidão negra
Independentemente da resposta internacional - que também terá de vir, em especial no campo econômico e comercial - os EUA podem fazer o dever de casa com o esforço para remendar a própria imagem. A começar por uma reforma capaz de tornar de fato democráticas as regras de sua eleição presidencial, já que as dos fundadores da república nasceram sob a má influência da escravidão negra.
Criou-se há mais de dois séculos - e prevalece até hoje - um Colégio Eleitoral que se reúne em cada um dos estados (hoje, 50) e no Distrito de Columbia para escolher formalmente o presidente do país (saiba mais sobre o Colégio Eleitoral AQUI e AQUI). É o que acontecerá no dia 15 do próximo mês de dezembro. Desta vez, por acaso, ele deve ratificar a escolha feita pelos milhões de eleitores que foram às urnas em número recorde. Mas não tem sido sempre assim.
Pelo menos quatro vezes na história do país a escolha do Colégio Eleitoral não coincidiu com a que tinha sido feita na votação popular. A última vez em que isso aconteceu foi em 2000 - quando, por uma diferença de meio milhão de votos, os eleitores tinham dado a vitória a Al Gore mas a maioria daquele Colégio, obsoleto e antidemocrático, ficou para o adversário dele, George W. Bush (veja acima a foto de um dos debates entre eles).
O detalhe sórdido em relação a esse processo eleitoral duvidoso é que a própria sobrevivência do sistema antiquado só pode ser atribuída a tradição, sentimentalismo ou nostalgia. Ao ser criado, ele não se deveu a razões sólidas e respeitáveis. O motivo principal, ao contrário, foi a existência da escravidão negra em alguns dos estados participantes da convenção que aprovou a Constituição.
O peso dos escravos no Colégio Eleitoral
Os estados do sul queriam que seus escravos, aos quais obviamente não era dado o direito de votar, fossem contados para ampliar o peso na repartição dos votos eleitorais dos estados. No cálculo então estabelecido, cada escravo equivalia a três quintos de uma pessoa branca. Conta talvez generosa para um racista, mas apenas porque isso aumentava o poder do dono de escravos e, claro, o peso do estado em votos eleitorais.
É verdade que os fundadores consideraram ainda, no debate do processo eleitoral, a dificuldade na época de se ter informações sobre a capacidade dos candidatos presidenciais. Em geral as pessoas conheciam os nomes locais de candidatos a cargos de aldeias, cidades e condados do estado. O Colégio, com eleitores mais qualificados, fazia algum sentido para melhor avaliação de um candidato à presidência.
Mas nem essa razão acessória justifica manter hoje o Colégio Eleitoral, receita potencial de crise. Pois o processo inclui ainda outra regra antidemocrática - a que manda dar todos os votos eleitorais ao candidato que vence num estado. Significa isso que depois da votação são automaticamente anulados todos os votos dados ao derrotado, mesmo que ele tenha recebido até 49,9% da votação. Isso cria distorções insanáveis, até por supervalorizar estados indefinidos, ainda que menos relevantes.
Até quem acha ter Bush, em 2000, derrotado de fato o rival Al Gore na Flórida por 517 votos de vantagem, conforme a contagem suspeita mas oficializada por Katherine Harris, sabe que na votação popular do país Gore ganhou por meio milhão. Será possível defender como democrático ou legítimo tal resultado? Claro que não. Mas é essa a regra em vigor no país que se oferece como exemplo de democracia.
Também uma correção histórica
Resta lembrar ainda a conveniência de mais correções no legado dos pais fundadores. A Constituição deles, ao contrário do que acham alguns, foi marcada por falhas - por ter resultado de compromissos quase impossíveis, às vezes entre posições opostas. A sangrenta guerra civil, sete décadas depois, resultou disso. Decidido a manter a escravidão o sul racista considerou violados os “direitos dos estados”.
Derrotados, os rebeldes sulistas (”Estados Confederados da América”) passaram a viver o controvertido período da Reconstrução, demonizado até hoje em livros de História dos EUA - da mesma forma como também são demonizados abolicionistas como John Brown (foto à esquerda, feita em 1859, ano em que foi enforcado), que alguns historiadores preferem retratar como louco sedento de sangue por libertar escravos no sul usando armas (saiba mais sobre ele AQUI).
Apenas uma década depois da vitória da União sobre o racismo confederado, o impasse de quatro meses em torno da duplicidade de resultados em estados do sul na eleição presidencial de 1876 levou o candidato democrata Rutherford Hayes, para tornar-se presidente, a fazer conchavo com líderes políticos do sul, num tempo em que se glorificava ali os crimes nefandos da Ku Klux Klan - como o linchamento de negros.
De volta ao poder, a velha elite branca pode então restabelecer a segregação racial por mais um século - até as leis de direitos civis e direito de voto do negro, em 1964-65. O sul dos EUA, além disso, tornou-se um conjunto de estados de partido único, como a URSS de Josef Stalin. Segregados e sem direitos, só restava aos negros tentar a fuga para o norte ou correrem o risco do linchamento sob qualquer pretexto.

O araponga agitado - por Leandro Fortes (Cartacapital)

Desde o afastamento do delegado Paulo Lacerda da direção-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 1º de setembro, o oficial de inteligência Nery Kluwe não perde uma oportunidade para dizer sempre a mesma coisa: Lacerda não pode voltar. Em entrevistas a jornalistas, em conversas com superiores e na Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas Clandestinas, a CPI dos Grampos, ele mantém o discurso monocórdio: Lacerda não pode voltar. A posição de Kluwe, presidente da Associação de Servidores da Abin (Asbin), é semelhante à da defesa do banqueiro Daniel Dantas, baseada na “contaminação” das provas pela participação de espiões da agência na Operação Satiagraha. Mas os motivos são outros. Isso porque a volta de Lacerda poderá encerrar a carreira de Kluwe.

Ao assumir o comando da Abin, em setembro de 2007, Lacerda fez um movimento de aproximação com Kluwe ao definir uma política de aumento salarial, festejada dentro da categoria. Mas acabou por arrumar, em seguida, um inimigo poderoso dentro da instituição ao criar a Corregedoria-Geral da agência, nos moldes da existente na Polícia Federal.

Na Abin, Lacerda notou que não havia nenhum mecanismo formal de investigação interna. No máximo, instauravam-se comitês de sindicância, sem autonomia nem método, que nada investigavam. Muitos dos processos, simplesmente, desapareciam sem jamais ser concluídos. Para o cargo de corregedora-geral foi designada a delegada Maria do Socorro Tinoco, ex-chefe de gabinete de Lacerda na PF, policial com fama de ser linha-dura. Lá, ela trabalha com outros dois delegados federais.

No ano passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) encaminhou à Corregedoria-Geral da Abin uma denúncia contra Kluwe. O presidente da Asbin foi acusado de advocacia administrativa, por usar informações secretas da agência para atuar em causas particulares (ele é advogado). É crime passível de demissão a bem do serviço público, o que certamente vai acontecer com Kluwe, dadas as informações disponibilizadas à delegada Maria do Socorro.

Ao contrário da PF, no entanto, o cargo de corregedor da Abin não tem mandato, ou seja, o titular pode ser demitido a qualquer momento. Por isso Kluwe corre contra o tempo e insiste no afastamento imediato de Lacerda e, ato contínuo, na nomeação de um servidor da Abin para o cargo. Dessa forma, ele pode apressar a demissão da delegada Maria do Socorro, a extinção da Corregedoria (que estaria “contaminada” pela presença de policiais federais) e o arquivamento do processo – ou, como nos velhos tempos, contar com o sumiço da papelada. A Corregedoria descobriu, ainda, que ele faltava ao trabalho sob alegação de cumprir agenda de atividades da associação de servidores, mas, na verdade, usava os horários para comparecer a audiências de clientes particulares.

O dia do fico - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

Como na Justiça, as decisões dos juízes de primeiro grau e os acórdãos dos tribunais são publicados na imprensa oficial de forma resumida. A deliberação do juiz Fausto Martin De Sanctis, tomada na terça-feira 18 e no sentido de permanecer na 6ª Vara Criminal, pode ser ementada, sumulada, da seguinte maneira: “Digo ao povo que fico, apesar das pressões, dos conselhos pusilânimes, dos factóides plantados e das tentativas de desmoralização”.

Ser magistrado significa imparcialidade no curso da investigação. Também saber se posicionar sem paixões (1) no desenrolar da atividade persecutória desenvolvida pelo Ministério Público, (2) na apreciação dos pedidos da defesa e (3) na instrução do processo. Todo juiz tem o poder-dever de estabelecer a igualdade de tratamento, a ampla defesa e, como já se escreveu, dar ciência bilateral (ao autor e ao réu) dos atos e dos termos do processo, a abrir oportunidade para contrariá-los.

Mais, ser magistrado, não interessa se juiz, desembargador ou ministro, significa ser “parcial” ao sentenciar. No inquérito ou no curso do processo, é rotineiro o magistrado ser chamado a decidir sobre imposição de medidas de cautela (prisão cautelar) ou de contra-cautela (liberdade ao preso). Ele sabe que uma providência cautelar é sempre provisória, isto é, não significa condenação ou absolvição.

Um exemplo clássico é sempre esquecido: um imputado de autoria de crime de estupro que, por se saber inocente, começa a ameaçar testemunhas e a poluir as provas. Sua prisão preventiva será necessária. Jamais pelo reconhecimento da autoria do indigitado estupro, mas por tentar interferir, ilegal e arbitrariamente, na busca da verdade real, que é a meta da instrução processual.

O juiz criminal em função jurisdicional não deve na sentença deixar impunes os crimes nem punir os inocentes. Por isso, decide à luz das provas. Daí a visível tentativa de Daniel Dantas de conseguir anulá-las, para que não valham as recolhidas, pois mostram de forma clara a consumada corrupção.

Com efeito, em momento algum De Sanctis antecipou julgamentos sobre o mérito. E se o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, em decisão bem contestada por um dos seus integrantes, que houve ilegalidade nas prisões cautelares de Dantas, isto não quer dizer que o juiz De Sanctis tenha antecipado o julgamento. Houve ilegalidade, entendeu o STF, na decretação de uma prisão cautelar preventiva, que nada tem com a lide (mérito). Lide caracterizada, de um lado, por uma pretensão de punir Dantas como mandante, e os co-réus, dados como mandatários, por crime consumado de corrupção e, de outro lado, pelo direito subjetivo de liberdade. Este decorrente da presunção constitucional de não culpabilidade, que alguns, sem rigor técnico-jurídico, chamam de presunção de inocência.

Só a De Sanctis cabia a decisão do “fico”. A Constituição garantia-lhe a inamovibilidade. E ele optou por permanecer como titular da 6ª Vara para cumprir seu ofício jurisdicional, diante de tantos ataques, mentiras, factóides, pressões e excesso de linguagem: confira-se o voto do ministro Celso de Mello, indicado ao STF por José Sarney, por sugestão do polêmico jurista Saulo Ramos.

Frise-se: do juiz De Sanctis espera-se que faça justiça, condenando ou absolvendo. Claro, a parte vencida nunca ficará convencida. Portanto, teremos apelações e recursos. Por outro lado, continuam, de forma descarada e hipócrita, as fugas de notícias, os vazamentos.

Foi gravado e deveria ficar sob sigilo o teor da reunião ocorrida em 14 de julho, que resultou no afastamento do delegado Protógenes Queiroz da presidência do inquérito iniciado com a Operação Satiagraha.

Depois da reunião, segundo informa a Folha de S.Paulo, a direção da Polícia Federal “vazou trechos de quatro minutos da gravação do encontro, que tem 2 horas e 55 minutos, e divulgou a versão de que o delegado saiu porque quis”. Percebe-se que os responsáveis pela direção da PF providenciaram uma fuga da notícia, agravada pela mentira, pois o inteiro teor da reunião mostra caso de afastamento compulsório.

Se a direção da PF realiza a chamada fuga de notícias, está explicada a razão que move o delegado Amaro Fernandes a agir da mesma forma, e isto na presidência do inquérito que apura os vazamentos da Satiagraha. No particular, a par condictio (igualdade) não vale a Protógenes, suspeito de vazamentos.

Por derradeiro, não houve a reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para apreciar o recurso do deputado Raul Jungmann. Ele está inconformado com a decisão do corregedor, ministro Gilson Dipp, de não aceitar a sua representação contra De Sanctis, pois o CNJ não tem competência para decidir sobre decisões jurisdicionais. O deputado não sabe o que é isso, mas seu recurso e diligência devem ter agradado muito a Dantas.

E Lula assinou - por Cartacapital

Na quinta-feira 20, o presidente Lula assinou o decreto que altera o Plano Geral de Outorgas (PGO). É o sinal verde para que a Oi, sócia de seu filho Fábio na Gamecorp, incorpore a Brasil Telecom.

Quem defende a idéia argumenta que a mudança contempla a atual tendência do mercado mundial de telecomunicação, de concentração. E que a união dará ao Brasil uma empresa nacional capaz de competir internacionalmente. Os detalhes político-policiais prefere-se esquecer.

Sob o comando do delegado Protógenes Queiroz, a Operação Satiagraha, que tantas dores de cabeça trouxe ao governo, a ponto de provocar uma guerra interna na Polícia Federal e entre esta e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), iria redundar inevitavelmente nas articulações que levaram à fusão agora autorizada pelo presidente. Basta reler o relatório de Queiroz para encontrar o fio da meada a unir os anseios particulares e políticos encobertos sob o manto do interesse público.

O delegado, vê-se, está sendo bombardeado. Confia-se que seu substituto, Ricardo Saadi, não desperdiçará as linhas de investigação. De qualquer maneira, o doutor Queiroz produziu durante quatro anos farto material, suficiente para explicar parte essencial das relações de poder no Brasil. E a fusão entre a Oi e a BrT é um capítulo recente e importante.

Lula assinou o decreto. Já o delegado Queiroz continua sentado sobre uma espécie de caixa de Pandora. As conseqüências são imprevisíveis, se o conteúdo desta caixa vier à tona.

Aquele santo padroeiro dos conservadores - por Argemiro Ferreira

Desde que foi canonizado - na unanimidade dos obituários feitos pelos políticos e pela mídia, no próprio dia de sua morte e nos seguintes - Ronald Wilson Reagan (foto ao lado, saiba mais sobre ele AQUI) virou um santo sem mácula, padroeiro do conservadorismo americano. Nunca ouse, por favor, fazer a menor restrição a essa figura inatacável, ainda que seja apenas uma avaliação sensata sobre sua duvidosa vocação de ator.
Um aliado dele - Dan Quayle, que foi vice de George H. W. Bush (o pai) - virou motivo de chacota no mundo (continua a ser, até hoje) porque corrigiu um garoto que escrevera corretamente no quadro negro a palavra potato (batata). Nunca se recuperou. Se tivesse acontecido com Reagan, imagino que as mais altas autoridades da língua mudariam prontamente a grafia da palavra para adaptar a realidade ao erro dele.
Uma vez o influente colunista James Reston, do New York Times, afirmou que durante os oito anos de Reagan “a Casa Branca viu-se forçada a fazer mais correções de declarações públicas dele do que já tinha feito até então em relação a qualquer outro presidente”. Reagan não mentia cinicamente como Richard Nixon, mas dizia mais asneiras - e com mais regularidade e frequência - do que qualquer outro.


Realidade, fantasia e fraude


Alguns dos escorregões eram embaraçosos mas pouco relevantes - ao menos para quem já fizera no cinema até papel de psicólogo de macaco - no filme Bedtime for Bonzo, da foto à direita (veja o DVD abaixo e saiba mais AQUI). Coisas como o brinde “à Bolívia” embora estivesse no Brasil (no fundo, para Reagan, não havia diferença entre os dois). Ou chamar Samuel Doe, então chefe de estado da Libéria, na África, de “Chairman Moe” - obviamente confundido, não se sabe bem porque, com o “Chairman Mao” do livrinho vermelho. E mais coisas parecidas.
Esses seriam tropeços inocentes, meio infantis, de gente acostumada a decorar o papel (para um filme) ou ler o texto (no noticiário da TV) sem entender direito de que se tratava. Como Cid Moreira no seu tempo de “Jornal Nacional” - ou, talvez, o Seu Boneco atual, William Bonner. Dá perfeitamente para conviver com isso, mas não com os erros mais sérios de Reagan - exageros, inverdades explícitas, estatística inventada, histórias fabricadas.
Na atual discussão sobre a indústria automobilística nos EUA repete-se todo dia que o ganho médio do trabalhador é US$72 por hora - conta falsa, pois tal número refere-se ao total da despesa dos salários dividida pelo número dos empregados e horas trabalhadas. Mas ao total está somado ainda o pagamento das pensões dos aposentados. É o clássico estilo Reagan, que nunca admitia estar errado. Faz até lembrar as histórias dele sobre o que chamava de “rainhas do welfare“.


Aquelas rainhas de Cadillac


Durante uns seis anos, já depois de ter cumprido os dois mandatos como governador da Califórnia mas antes de se tornar presidente, Reagan repetia como real sua história destinada a desacreditar o welfare (benefícios oficiais, semelhantes ao bolsa-família). Segundo ele, “rainhas do welfare” (welfare queens) viviam no luxo às custas do Estado, desfilando em Cadillacs - tudo graças a fraudes.
No início os relatos podiam parecer verdadeiros. Mas Reagan passou a aperfeiçoar um caso específico com requintes mais suculentos. Falava de certa “rainha de welfare em Chicago”, que usava 80 nomes, 30 endereços e 12 carteiras de Social Security para receber benefícios por quatro maridos mortos que, na verdade, nunca tinham existido. No total, dizia, ela embolsava mais de US$ 150 mil por ano.
Alguns jornais investigaram a história e concluiram que ele só podia estar se referindo a uma mulher condenada em Chicago por usar dois nomes e receber US$ 8 mil. Era o único caso real parecido. Ainda que a verdade fosse inteiramente diferente, Reagan preferiu ignorá-la. Insistiu na própria ficção e continuou a repetir a história absurda e falsificada. Fazia mais sucesso - e funcionava melhor no discurso contrário à ajuda oficial a necessitados.


O presidente fora de controle


Como tinha conquistado o direito de criar a própria realidade, nos seus últimos anos de vida - dentro e fora do governo - Reagan passou a fantasiar mais. Em novembro de 1983, ao receber na Casa Branca o premier israelense Yitzhak Shamir, contou a ele que servira como fotógrafo numa unidade do Exército encarregada de filmar a libertação de um campo de extermínio nazista na II Guerra.
Em fevereiro do ano seguinte contou a mesma história a Simon Wisenthal, o célebre caçador de nazistas. Não mentia: apenas tornara-se incapaz de distinguir a ficção da realidade. De fato serviu ao Exército, como outros atores, durante o período da guerra (veja-o acima no uniforme de capitão, quando achava estar lutando na guerra). Limitava-se a narrar ou interpretar filmes de treinamento militar. Em Hollywood. Não saiu dos EUA, apesar de se convencer depois de que tinha até libertado campos de concentração.
Essa conduta dele foi analisada em 1987 pelo cientista político Michael Rogin no livro Ronald Reagan, the Movie - and Other Episodes in Political Demonology (veja a capa ao lado e saiba mais AQUI). Mais tarde, foi pior. Reagan passou a falar de filmes como se fossem fatos acontecidos com ele. Em discurso solene relatou a tragédia do piloto heróico que preferiu morrer no avião a abandonar sua tripulação. Era um episódio de A Wing and a Prayer, um filme com Dana Andrews. Terá Reagan sido mesmo um santo? Pode ser. Mas quem governava o país enquanto ele “viajava” no Alzheimer?

Comentário: Para ver as fotos, ver o blog do Argemiro Ferreira (que é fenomenal).

Gado - por José Saramago

Não foi fácil chegar ao Brasil. Não foi fácil sequer sair do aeroporto. As instalações da Portela estão infestadas de pessoas de ambos os sexos que nos olham com desconfiança como se tivéssemos escrito na cara, a denunciar-nos, um historial de declarados ou potenciais terroristas. A estas pessoas chamam-lhes “seguranças”, o que é bastante contraditório porque, por experiência própria e tanto quanto pude perceber ao redor, os pobres viajantes não sentem nem sombra de segurança na sua presença. O primeiro problema tivemo-lo na inspecção da bagagem de mão. Ainda no rescaldo da doença de que padeci e de que felizmente me venho restabelecendo, devo tomar com regularidade, de duas em duas semanas, um medicamento que, em caso de passagem por um aeroporto, necessita ir acompanhado de declaração médica.

Apresentámos essa declaração, carimbada e assinada como mandam os regulamentos, pensando que em menos de um minuto teríamos licença de seguir. Não sucedeu assim. O papel foi laboriosamente soletrado pela “segurança” (era uma mulher), que não achou melhor que chamar um superior, o qual leu a declaração de sobrolho carregado, talvez à espera de uma revelação que lhe fosse sugerida pelas entrelinhas. Começou então um jogo de empurra. A “segurança”, que já tinha, por duas ou três vezes, pronunciado esta frase inquietante: “Temos de verificar”, recebeu logo o apoio do seu chefe que as repetiu, não duas ou três vezes, mas cinco ou seis. O que havia para verificar estava ali diante dos olhos, um papel e um medicamento, não havia mais que ver. A discussão foi acesa e só terminou quando eu, impaciente, irritado, disse: “Pois se tem que verificar, verifique, e acabemos com isto”. O chefe abanou a cabeça e respondeu: “Já verifiquei, mas este frasco tem de ficar”. O frasco, se podemos dar tal nome a uma garrafinha de plástico com iogurte, foi juntar-se a outros perigosos explosivos antes apreendidos. Quando nos retirávamos não pude deixar de pensar que a segurança do aeroporto, por este andar, ainda acabará por ser entregue à benemérita corporação dos porteiros de discoteca…

O pior, porém, ainda estava para vir. Durante mais de meia hora, não sei quantas dezenas de passageiros estivemos apinhados, apertados como sardinhas em barrica, dentro do autocarro que deveria levar-nos ao avião. Mais de meia hora sem quase nos podermos mexer, com as portas abertas para que o ar frio da manhã pudesse circular à vontade. Sem uma explicação, sem uma palavra de desculpa. Fomos tratados como gado. Se o avião tivesse caído, bem se poderia dizer que havíamos sido levados ao matadouro.

Lula, Mídia e Opinião Pública: Amor e Ódio - Blog do Nassif

A retórica violenta do colunista da Folha Vinícius Torres Freire contra Lula (e o que ele chama de lulismo) em seu blog é exemplo de um fenômeno que deve ser discutido acima das questões partidárias e ideológicas.

Personagens como Lula, mas também como Getúlio, Lacerda, e outros tantos líderes políticos no mundo, costumam atrair um debate muitas vezes destemperado.

E digo que o debate é destemperado nas duas frentes, visto que, na maioria das vezes, as opções se regem pelo amor e pelo ódio.

Seria reducionismo puro atribuir as marretadas retóricas de autores como Arnaldo Jabor, Vinícius Torres, Clovis Rossi, simplesmente a um preconceito social, motivado pela origem do presidente.

Não são somente líderes populares (embora estes em maior número) que arregimentam sentimentos tão extremos em torno de si. Amor cego. Ódio surdo.

Hipóteses

Vou tentar, aqui, com muito zelo pelo apartidarismo proposto pelo jornalista Luis Nassif para esta comunidade, levantar hipóteses que expliquem a violência desse discurso anti-lulista.

Hipótese 1

"As retóricas violentas anti-líderes estão na proporção inversa do carisma que estes mesmos líderes dispõem junto a amplos setores da sociedade (a que possivelmente estará sujeito Barack Obama, nos EUA, pelo seu enorme carisma junto a latinos, negros, pobres e jovens)".

Em outras palavras: "grupos sociais que não se sentem representados pelos líderes cortejados por outros grupos desenvolvem necessariamente ressentimentos no nível imaginário. Quanto mais paixão "positiva" estes líderes despertarem num lado, mais paixões negativas, eles despertarão no outro".

Hipótese 2
Talvez esse sentimento de desprezo e ódio possa explicado não somente pela relação dos grupos sociais, mas pela relação dos discursos representados ou rechaçados por estes líderes.

Isto porque nem sempre há coincidência entre "discurso" e grupo social (nem toda mulher é feminista, nem toda elite é anti-popular, por exemplo.)

O caso do colunista da Folha é muito exemplar: ele fora editor de ciência e educação; portanto, duas editorias que aparentemente são responsáveis pelos debates mais racionalizados no jornalismo.

As expressões "chefe de quadrilha", muito utilizada por Arnaldo Jabor para definir o presidente Lula, e "canalha", usado metonimicamente para definir o seu governo, por Clóvis Rossi, são suaves em termos de agressividade, quando são comparadas àquelas utilizadas pelo ex-editor de educação e de ciência da Folha.

Já de antemão alerto que não comparo em nenhum momento os posts de Vinícius Torres com os chamados blogs de difamação.

Também não há, abaixo, qualquer argumento que leve em consideração questões ideológico-partidárias.

Vinícius é jornalista e tem condições intelectuais de manter um post de debate racionalizado. Mas, ao tratar de Lula, o colunista muda rapidamente seu estilo.

Vamos tomar como exemplo um post recente, que acabou levando o jornalista a um verdadeiro bate-boca com lulistas, não menos agressivos, que responderam com paixão simétrica ao argumento de Vinícius de que Lula fora racista em certa fala pública.

"O primitivismo de Lula" e a retórica do desprezo


O racismo de Lula (25/11/2008)

"Lula, o boquirroto incontrolável, temperou sua logorréia com racismo num discurso de ontem"


Esta é a primeira frase do post: a acusação é de racismo simplesmente, independente dos termos pejorativos anteriores.

A revolta do colunista tem a ver com um discurso muitíssimo comum no país, de exaltação da mestiçagem, da "mistura de raça", e de povos. Esta filiação discursiva motivou músicas, romances, poemas e filmes, debates e opiniões, muitas vezes sustentadas por notáveis, e que nunca soou aos brasileiros como uma opinião perigosa e preconceituosa: segundo esse discurso, "o brasileiro é mais criativo, porque mais heterogêneo". Está presente em diversas fases do modernismo e retorna fortemente na própria Tropicália.

Curiosamente, o colunista não identificou a enorme tradição deste pensamento: ele atribuiu a Lula um racismo grave:

Diz, Lula.

"Por que o brasileiro tem mais criatividade? Esta mistura do europeu, índio, negro, sabe, permitiu que nascesse um povo mais criativo, mais esperto do que a média, daqueles que são tudo assim, tudo a mesma coisa...".

Sobre esta fala, vem um comentário veemente e furioso:

"Pois é. Os japoneses, que estão entre os povos mais 'tudo assim, tudo a mesma coisa', devem ser menos criativos. Os alemães também. Assim como os chineses han, várias nações africanas, índios isolados etc, devem, pois, ser menos criativos do que os brasileiros e, também, que os americanos, segundo a ciência de Lula..


O modo de atribuir esta discurso a uma "ciência do Lula" apaga o fato de que é longa a tradição de atribuir a esta mistura de povos uma certa superioridade criativa.

A questão poderia ser discutida da seguinte forma: este pensamento é tão ingênuo quanto o seu contrário, o da superioridade de povos não miscigenados.

Mas seguem os ataques:

"Os americanos, apesar de suas discriminações negativas, misturaram italianos, judeus, alemães, irlandeses, suecos, gregos, ingleses, mexicanos, porto-riquenhos etc etc. Aliás, afora esses exemplos, sendo o brasileiro o mais "exemplar", a humanidade, segundo Lula, nunca se misturou desde o início dos tempos. Ou valem apenas misturas recentes?"


A fala de Lula é nacionalista sem dúvida, mas não há nenhuma referência a outros povos heterogêneos.

Recentemente, Obama disse que o "povo americano nasceu para seguir em frente, e precisa retomar a caminhada". Curiosamene, a fala foi uma das mais aplaudidas pela imprensa opinativa.

Talvez algum jornalista tenha se incomodado, dizendo que Obama "não devesse ter desprezado outros povos que também nasceram para caminhar para frente". Mas acho pouco provável que um gesto de elogio à nação americana seria interpretado de maneira tão negativa em solo pátrio.

Segue Vinícius:

"Criatividade, aliás, tem tudo a ver com "raça", esse conceito tão "científico", é claro, nos diz o Gobineau do racismo criativo _Lula".


Aqui Lula é comparado a Gobineau e ao racismo científico do século XIX: que, no entanto, caminhava numa outra direção, a da hierarquia das "capacidades raciais", ao que se seguiu o discurso dos perigos da miscigenação, vista naturalmente como degeneração física, moral e intelectual das "raças" superiores.

O discurso da mestiçagem como "ganho" e não como "perda" foi uma reação ao racismo do século XIX. Nasceu ali pelos anos 30 e teve em Gilberto Freire um bom ponto de apoio.

Sabemos que não há ganhos "raciais" nas mestiçagens. Sabemos da pouca propriedade "científica" de uma crença como esta. Mas talvez não se possa dizer que aqueles que acreditam que "a heterogeidade da formação cultural" do Brasil seja um motivo de orgulho são "racistas". Esta é uma expressão forte, pouco condizente com o que vemos e ouvimos neste discurso do elogio às nossas misturas, um xingamento.

Mas não vamos discutir os méritos, apenas os encadeamentos argumentativos do colunista, apontando com que discursos ele dialoga.

Silenciamento e poder


Num certo momento, Vinícius defende que Lula seja impedido (ou se impeça) de falar para crianças no Brasil:

"Lula talvez devesse se impedir de falar diante de crianças e jovens, ao menos".


Isto é recorrente nas retóricas de ódio a Lula: a vontade de que ele não fale. De que ele seja silenciado e não se pronuncie. Mas aí deve-se perguntar 1) o que seria silenciado se Lula fosse calado? 2) Quem seria silenciado se Lula fosse calado?

Vamos tentar ir à frente das respostas mais comuns a estas perguntas (tanto de um lado como de outro do espectro político-partidário).

Observe que, na passagem seguinte, o contra-argumento não é simétrico ao argumento do sujeito a ser criticado:

"Em 2004, discursando para crianças disse que ler é como começar a fazer exercícios: "dá uma preguiça ‘desgramada’". Um trecho de coluna deste blogueiro a respeito, também de 2004:


"Para as crianças, ler é tão desanimador como as caminhadas para os adultos sedentários: "dá uma preguiça 'desgramada'", disse o presidente Lula da Silva ao inaugurar a Bienal do Livro de São Paulo
".


Não vamos entrar no mérito da questão, novamente, visto que sabemos perfeitamente que temos em sala de aula muita resistência à leitura por parte dos nossos jovens - curiosamente uma resistência própria a uma sociedade midiática audiovisual, que se impôs no decorrer da passagem, no Brasil, de uma cultura marcada pela oralidade para a escrita.

Esta questão é muita debatida nos meios educacionais e o jornalista que transita pela editoria de educação deveria conhecer este debate.

Mas esta "constatação" feita por Lula transforma-se em "pregação da preguiça de ler".

Não é preciso debater à condenação lingüística, expressa pelas aspas, ao termo "desgramado", que é palavra de uso corrente fora da chamada "norma culta". Mas sem dúvida esta "condenação entre aspas" é a materialização de uma repulsa aos falares populares, a sua sintaxe, e ao seu léxico.

Segue o post:

"Lula não lê mais de duas páginas de relatórios, dizem assessores, gosta de piscina, churrasquinho, pelada e música sertaneja, samba, suor e cerveja. Não deixa, pois, de ter razão o realismo pedestre de Lula sobre a leitura. Preconceito? Não é o caso".


Observe os elementos mobilizados para dizer que Lula é um "homem ignorante" e que deveria ser impedido de falar aos jovens: "o presidente gosta de festa, futebol, música (a especificidade "música sertaneja" que aqui aparece para afirmar que "Lula não ouve música culta"), samba, suor e bebida.

A expressão "samba, suor e bebida" não é casual: tem a ver com o imaginário sobre "diversão de pobre". O samba (ao lado da música sertaneja, como expressões culturais menores), o suor, remetendo à pouca ascese dos corpos, que seria mais apropriada às high cult, e cerveja, como índice de um consumo pouco sofisticado.

A idéia de que pessoas que tenham "gostos populares" sejam ignorantes e incapazes reaparece na coluna, mas pertence também a um discurso muito antigo, que chegou a fazer parte inclusive dos ideólogos de esquerda: o de um povo alienado e inconsciente da seu potencial. A diferença é que, para o colunista, "isto" não tem potencial algum.

Corporeidade e civilização

Seguimos:

"O presidente não é deus, como alertou, mas gosta de ser a voz do povo, um megafone de hábitos, trejeitos, preconceitos, utopias e até sabedorias populares. Tanto faz, a princípio, que Lula seja assim".

É curioso como a corporeidade de Lula incomoda o colunista: os trejeitos (assim como o suor) são expressão de uma identificação com um tipo de pensamento (selvagem?) que se baseia sobre "preconceitos, utopias e até (observe o conectivo que orienta o argumento para a noção de esforço) sabedorias populares".

Os trejeitos de Lula, sua pouca memória corporal nos "dizeres gestuais" contidos, disciplinados, daquele que pertence à filiação cultural européia, traz incômodos, parecem selvagens, pouco educados.

O corpo de Lula não seria ideal para o poder. O corpo do poder é um corpo que deve remeter ao corpo "disciplinado", ereto, com gestual contido, sugerindo racionalidade.

Mas o argumento deve ser complementado com o vem a seguir, que revela a oposição fundante deste raciocínio: pensamento selvagem x razão civilizacional.

"O problema é que ele não consegue transcender seu realismo pedestre a fim de desempenhar o papel público de presidente, de transmitir uma visão mais racional e elaborada sobre as questões públicas".


O mais surpreendente no discurso - muito antigo, aliás, e que remete à debilidade das massas, do homem comum - com que Vinícius se identifica e se reconhece de forma bastante enfática, é o emocionalismo presente em sua fala/escrita.

Expressa-se sobre uma poética da condenação do que, no seu imaginário, é o povo, o selvagem, e o primitivo.

Neste "evolucionismo social", há etapas que Lula não consegue transcender. Lula não chegou, para este discurso, ao patamar civilizacional esperado daquele que ocupa a cadeira da presidência.

Seguem os argumentos de depreciação do presidente:

"Limita-se às metáforas chãs, tem amor pelas mezinhas, pelas alegorias da vida de peão, sobre o companheiro que leva bronca da patroa por ter parado no botequim para a cervejinha".


A vida comum é deplorada. Lula é pecaminoso porque dá corpo cotidiano às grandes questões (Permitam-me um digressão: "Mas o que seriam as grandes questões? Em outras palavras: "a grande questão fim do neoliberalismo não tem a ver com o cotidiano chão de pessoas que perderam o teto?")

A expressão mais violenta e forte vem agora:

"Esse bestiário da vida operária não dá conta do debate democrático, o metaforismo popular não é capaz de traduzir questões de governo para o povo pobre. É apenas demagogia, talvez não intencional: Lula é o que parece ser. Transmite seus preconceitos sem pejo ou mesmo consciência do que faz, como no caso da gafe sobre a leitura e tantas outras."


Insiste o blog-jornalista na tal gafe sobre a leitura, atribuindo por fim a Lula uma "inconsciência sobre sua incapacidade".

Curiosamente, os argumentos são pré-levistraussianos, que atribui a inconsciência cultural em relação às estruturas determinantes a todos os grupos humanos.

O esforço aqui é o de mostrar que, além da questão partidária, tão evocada nas discussões do jornalismo, pode-se compreender o posicionamento dos sujeitos a partir de suas filiações discursivas, suas identificações ideológicas a pensamentos, na maioria das vezes bem tradicionais. Pode-se entender também como, na luta dos discursos, se justificam os afetos, como o amor, a paixão e o ódio.

Wálter Maierovitch invade o Blog do Mino (2)

Os Planos 'B' e 'C' de Dantas

Qual seriam os Planos “B” e “C” de Daniel Dantas? É o tema do momento entre os operadores do Direito. O certo é que o primeiro, Plano “A” e consistente no afastamento por parcialidade do juiz Fausto De Sanctis, já foi para o vinagre. O alegado por Dantas foi rejeitado, não “grudou”.

Evidentemente e como afirmou o advogado de Dantas, existe recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas não será julgado antes da sentença. Se a sentença já estiver dada, esse recurso contra a decisão do Tribunal Regional Federal – que rejeitou a exceção de suspeição do juiz De Sanctis – estará prejudicado.
O Plano “B” já está anunciado no processo. Pelo menos um dos co-réus não apresentará as alegações finais, cujo prazo findará na próxima quarta-feira, 19 de novembro. É que amanhã está designada audiência para recebimento, pelo juiz, das razões finais, que são escritas.

A não apresentação implicará na obrigatoriedade de intimação pessoal do réu (ou réus, se mais de um não apresentar). Intimação para constituição de novo defensor para apresentar as razões finais, sob pena de o juiz que presidiu a instrução processual nomear um dativo.

Como as intimações são pessoais (por mandado a ser cumprido por Oficial de Justiça e a de Dantas a ser realizada no Rio de Janeiro), o Plano “B” inviabilizaria o lançamento de sentença, por parte do juiz De Sanctis. E o Plano “B” volta-se a não possibilitar o lançamento de decisão por De Sanctis. Com a dilação decorrente da necessidade de intimação pessoal, não haverá tempo para De Sanctis sentenciar antes de ser promovido para desembargador.

Há quem diga, – e não é o meu entendimento –, que o não comparecimento à audiência implicará em revelia, a ensejar a designação de defensor-dativo, que apresentará as razões. Tal entendimento, tornará o processo nulo, quando chegar o momento de decisões pelos Tribunais. Cada acusado tem o direito de nomear um defensor-técnico da sua livre escolha. Quando o defensor deixa de apresentar peça fundamental, como o caso de alegações finais, a omissão dele não pode prejudicar o réu que o constituiu. Portanto, deve ser sempre aberta ocasião para a constituição de novo defensor, fixado prazo razoável para a escolha pelo acusado.

O esperado é que nenhum dos réus apresentem as alegações finais. No entanto, se Dantas apresentar, o processo poderá ser desmembrado e julgado. Assim, ficará para depois o julgamento dos acusados de mandatários de Dantas.

O Plano “B”, no caso, depende de o juiz De Sanctis se inscrever (poderá se inscrever e desistir em curto prazo de 5 dias) ao concurso para desembargador, que é por antiguidade. Ele é o segundo da lista, com o primeiro já tendo declarado que não concorrerá.

O Plano “C”, pelo que se especula, a uma sentença condenatória do juiz De Sanctis, parte de uma eventual condenação de Dantas. Melhor explicando: ao condenar, o juiz De Sanctis vai facultar aos réus recorram em liberdade?

Para alguns operadores, Dantas, que é réu-primário, poderá recorrer em liberdade. Outros, do Ministério Público, entendem que, na sentença e por ser necessária, vai ocorrer a imposição de prisão cautelar: a prisão cautelar, que é gênero, tem como espécies a (1) prisão temporária, (2) a preventiva, (3) por pronúncia (crimes dolosos contra a vida), (4) por sentença.

Nessa hipótese de condenação sem apelo em liberdade, entrará o Plano “C” de Dantas, com novos habeas-corpus e o STF poderá voltar a ser o árbitro.

Particularmente e independentemente de Dantas, a orientação que predomina na Jurisprudência é a de manter, na sentença condenatória, o “statu quo ante” (no estado em que se encontrava anterormente). Se está respondendo ao processo em liberdade, continuará assim. É a orientação justa e coerente, apesar de Dantas, frise-se.

Por outro lado e na hipótese de condenação, como seria a dosagem da pena a Dantas?

Se for superior a 8 anos, o regime penitenciário será fechado. Caso se torne definitiva, Dantas poderá dividir cela com Cacciola, em Bangu.

No caso de pena baixa e caso seja definitiva, Dantas poderá receber regime aberto, na forma de prisão albergue domiciliar. Aí, teremos o juiz apelidado de Lalau na aristocrática mansão do Morumbi e Dantas, na sofisticada Vieira Souto, em prédio de um apartamento por andar. Como o juiz Nicolau, a polícia ficará a vigiar na rua e os vizinhos se imaginarão seguros, sem ter de pagar serviço de segurança privado.

PANO RÁPIDO. Se o juiz De Sanctis absolver Dantas, o Ministério Público, certamente, irá recorrer. Ocorrendo absolvição, Dantas e os advogados passarão a acreditar em Papai Noel. (Por Wálter Fanganiello Maierovitch)

Wálter Maierovitch invade o Blog do Mino

De Sanctis continua

1. O Tribunal Regional Federal, por maioria (2x1), acaba de rejeitar a exceção de suspeição apresentada por Daniel Dantas e cuja meta era afastar, por parcialidade, o juiz Fausto de Sanctis do processo criminal onde o autor da exceção é apontado como mandante de crime de corrupção.

Ao contrário do sucedido no Rio de Janeiro, quando a juíza do caso a envolver o Opportunity, se afastou do processo sob alegação de não agüentar as pressões e as ameaças à sua família, o juiz Fausto de Sanctis, em São Paulo e no processo criminal por corrupção, respondeu, na exceção de suspeição ajuizada por Dantas, que não se considerava suspeito de parcialidade e apenas decidira de acordo com a lei.

Agora, no entanto, o juiz De Sanctis vive um dilema. Se concorrer ao concurso referente ao cargo de desembargador-federal, -- e a vaga é por antiguidade --, sairá do rumoroso processo criminal, sem tempo para sentenciar. Caso não participe do concurso para promoção, e ele é o segundo na antiguidade, sendo que o primeiro da lista já tornou público que não irá concorrer ao cargo, levará a peja de covarde, que, na hora de decidir sobre absolvição ou condenação, foge da raia.

Por evidente, só a ele cabe decidir sobre a sua carreira de magistrado. Mas, muitos ficarão na torcida para que decida a causa e com isenção. O juiz Fausto de Sanctis passou por pressões e sempre se portou com equilíbrio, ao contrário do presidente do Supremo Tribunal Federal e de outro ministro da Corte, este último, ministro Celso de Mello, por ocasião do simulacro de habeas-corpus, que estava com o exame prejudicado pela soltura ocorrida e serviu para, com ginásticas mentais e contra o voto do ministro Marco Aurélio, para “driblar” a aplicação de uma súmula da sua jurisprudência e “absolver” Gimar Mendes.

2. Nesta terça-feira 18, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que pessoas mal informadas imaginam ser de controle externo à magistratura e o qual não possui competência constitucional para apreciar a conduta dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) –, deverá deliberar sobre eventual instauração de um procedimento administrativo-disciplinar contra o juiz Fausto De Sanctis, do caso Satiagraha.

Trata-se de um recurso apresentado pelo deputado federal Raúl Jungmann, ex-ministro da Reforma Agrária do governo Fernando Henrique Cardoso. O deputado não se conformou com a decisão que determinou o arquivamento da sua representação.

Na referida representação, o deputado Jungmann aponta como irregular a decisão do juiz De Sanctis de conceder senhas a agentes da Polícia Federal, no curso das investigações da chamada Operação Satiagraha. As senhas permitiriam acesso a dados cadastrais de investigados.

Como se observa, a representação e o recurso administrativo atacam decisão decorrente de atividade jurisdicional e, portanto, sujeita a recurso aos tribunais, como, por exemplo, mandado de segurança.

Ao CNJ compete, diz a Constituição da República, “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”.

O CNJ não tem competência para interferir em matéria jurisdicional. Esta é sempre da competência dos Tribunais.

O inconformismo do deputado Jungmann surpreende. Como recebeu, legalmente e na sua campanha, ajuda financeira de membro associado ao Grupo Opportunity, de Daniel Dantas, deveria perceber um conflito de interesses. Como não percebe, arrisca-se a ser apontado como membro da forte bancada de Dantas, na Câmara dos deputados.

A decisão de arquivamento, agora atacada por recurso do deputado Jungmann, é do ministro Dip, membro do CNJ e do Superior Tribunal de Justiça.

Ao que tudo indica, a semana começou mal para Dantas, apesar dos factóides que circularam no sábado e no domingo passados. Como se percebe, o tiro saiu pela culatra e o juiz Fausto de Sanctis só sairá do processo se quiser. (Por Wálter Fanganiello Maierovitch).