sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Judiciário, pós-Gilmar - por Luis Nassif

O Judiciário nunca mais será o mesmo depois de Gilmar Mendes. E não propriamente por suas virtudes.
Gilmar Mendes está expondo as vísceras do Judiciário de uma maneira nunca vista. Não como o magistrado acima das paixões, que quer clarear o jogo de poder interno, mas como parte integrante de um jogo de poder, que pretende se valer de sua posição para impor o seu grupo.
Clique aqui para duas matérias do Estadão - favoráveis a Ali Mazloum - mas informando que ele está prestes a ser afastado de suas funções por atos cometidos em 2002. Cinco votos contra, levando a desembargadora Suzana Camargo - ligada a Gilmar Mendes - a pedir vistas, enquanto Masloum apelava para o Conselho Nacional de Justiça, presidido por Gilmar Mendes. Existe material pedagógico melhor para entender o Judiciário do que Gilmar Mendes?
O caso de Mazloum tem duas vertentes. Sua posição na investigação do delegado Protógenes chegou às raias de uma imprudência sem tamanho, o exercício do abuso reiterado.
1. Viu suspeição na troca de telefonemas entre procuradores, juiz e delegado.
2. Usou uma informação falsa - a falsa lista de telefonemas da Nexxys para o delegado - para endossar uma das teses mais caras a Daniel Dantas: a de que havia interesses empresariais por trás da operação.
3. Tentou criminalizar telefonemas de jornalistas ao delegado.
4. Quebrou partes sigilosas do inquérito da Satiagraha, permitindo que Dantas e seus advogados entrassem com um sem-número de recursos.
5. O Consultor Jurídico vazou sua posição antes de ela ser divulgada, simultaneamente com informações do tal relatório italiano - que os advogados de Dantas transformaram na peça chave da sua defesa.
No entanto, o TRF3 de São Paulo levanta um caso de 2002 para avançar contra Mazloun. Fausto Macedo - jornalista ligado ao juiz e que vazou por muito tempo notícias do inquérito - divulga a suspeita de que o caso estaria ligado às últimas decisões de Mazloum, de pedir a quebra do sigilo telefônico de Paulo Lacerda. Mas na mesma matéria informa que o caso já vinha rolando desde 9 de agosto de 2007 e o julgamento já tinha sido adiado quatro vezes por falta de quorum.
O processo administrativo contra Mazloum foi aberto em 9 agosto de 2007, quase cinco anos depois do fato que lhe é imputado. Em 13 de setembro de 2002, às 19h10, ele concedeu liminar em habeas corpus para adiar julgamento de um médico pelo Conselho Regional de Medicina, que ocorreria no dia seguinte, um sábado, às 8h30.
Baptista Pereira, o relator, aponta “indícios de irregularidades” na conduta de Mazloum, por isso pede sua punição. Para ele, o juiz suspendeu julgamento de um procedimento administrativo disciplinar “quando inexistente qualquer risco à liberdade de locomoção do paciente”.
O relator da ação acusa Mazloum de “violação à regra de competência” porque entende que o juiz não poderia ter despachado o feito depois das 19 horas, quando o fórum federal fecha as portas, mas ordenado sua distribuição. Mazloum alega que era o único magistrado no fórum, naquele instante. “A liminar não acarretou prejuízo ou dano à administração, nem ensejou qualquer tipo de vantagem a quem quer que seja, conforme verificou o relator”, diz Mazloum.
Três vezes o Órgão Especial adiou o julgamento, por falta de quórum - nos dias 29 de abril, 13 de maio e 27 de maio. No dia 10 de junho, o juiz começou a ser julgado. Havia 12 desembargadores na sala. Foram convocados mais quatro juízes.
A velha República
O quadro que Gilmar expõe do Judiciário, mostra um poder muito semelhante ao jogo político da Velha República. Há uma política interna complexa, que atrapalha a ação individual de juízes. Há tantas possibilidades de sanções, de retaliações, que só resta a um juiz abrigar-se sobre o manto protetor de um grupo de influência. Ou ser um cabeça-dura como Fausto De Sanctis.
Dia desses conversei com um ex-desembargador, simpático a Mazloum, que traçou o quadro para mim:
1. Mazloun não é diretamente ligado a Gilmar Mendes, mas à desembargadora Suzana Camargo - que é umbilicalmente ligada a Gilmar Mendes.
2. O grupo contrário ao de Suzana é o de Baptista Pereira.
3. De Sanctis é independente, não pertence a grupo algum.
Mazloum foi alvo de condenações no TRF3; e beneficiário de decisões de Gilmar Mendes no STF. Depois de salvo por Gilmar Mendes, meteu-se até o pescoço com suas decisões controvertidíssimas nesse inquérito contra o Protógenes. Sem o apoio de Suzana Camargo e de Gilmar Mendes, estará liquidado. É possível que essa situação explique sua atuação nesse inquérito contra o delegado.
Todo esse quadro de guerras internas do Judiciário está sendo desnudado por Gilmar Mendes. Não por sua sabedoria, por seu espírito reformador, mas por ter explicitado o que de pior existe: o deslumbramento com o cargo, a superexposição, as demonstrações de poder, o jogo explícito de grupos, a indiferença em relação às críticas à sua empresa.
O Direito de Resposta para a Abril
Clique aqui para artigo de Gilmar Mendes sobre a modernização do Judiciário. Pela primeira vez. Mendes foge do seu padrão “o Judiciário sou eu” e mostra os avanços ocorridos com os mutirões da Justiça.
E, abaixo, minhas desventuras com o Direito de Resposta solicitado à revista Veja.
Como sempre acontece nos casos envolvendo a Editora Abril e a Globo, o processo cai na Vara de Pinheiro. É uma vara que conhece profundamente o tema, já que trata de questões envolvendo duas das maiores editoras nacionais.
É um tema com implicações profundas nos balanços das editoras. No balanço do ano passado, auditoria, composta por advogados especializados, constatou que a Abril deveria reservar mais de R$ 50 milhões para prevenir perdas em ações em andamento. Os advogados da Abril disseram que, pelo andamento dos processos, R$ 5 milhões seriam suficientes. Os auditores analisam as ações pelos padrões do Judiciário; os advogados da Abril pelos padrões das suas próprias causas - que são julgadas na Vara de Pinheiros. Só por aí dá para se ter uma pálida ideia da diferença de entendimento para ações similares na Justiça em geral; e as ações contra a Editora Abril.
Paulo Henrique Amorim entrou com uma ação de perdas e danos contra artigos escritos por Diogo Mainardi na Veja. A ação foi julgada em Primeira Instância pela Dra Aparecida Angélica Correia Nagão, da Vara de Pinheiros, que concluiu que aquele estilo (de ofender e injuriar) fazia parte do show, Mainardi era assim mesmo. Em Segunda Instância, o tribunal deu ganho de causa a Paulo Henrique e considerou as acusações tão graves que impôs multa substancial à Abril. Uma mudança radical de entendimento. No período em que vigorou a sentença da Juíza, Paulo Henrique foi alvo de uma bateria adicional de ataques, com o mesmo teor de baixaria, pelo fato de ter sido derrotado em Primeira Instância.
No ano passado sofri ataque da mesma pessoa, que tem sido reiteradamente condenada em instâncias superiores por crimes contra a honra. Meu advogado Marcel Leonardi entrou com um pedido de direito de resposta - que nada tem a ver com ação criminal. Dra Angélica negou o pedido sem analisar o mérito. Disse que faltava especificar o crime. O Marcel - que é um brilhante e estudioso jovem advogado - apelou, mostrou que em casos de direito de resposta não cabe especificação de crime pela singela razão de que não se está solicitando (ainda) punição, mas… direito de resposta. Em vão. A juíza negou e o processo 011.08.001815-8 subiu para a Segunda Instância.
No Tribunal, os desembargadores concluíram o consagrado em toda jurisprudência do setor, de que o argumento de Marcel era correto. Agora o caso volta para a Dra. Angélica julgar o mérito.Mas bastou um entendimento da Juiza sobre um detalhe processual - mesmo indo contra a jurisprudência - para a eficácia do Direito de Resposta (a rapidez na resposta) ir por água abaixo.
Já se passaram muitos e muitos meses, acho que mais de um ano. E não sei quantos meses mais levará para ela julgar o mérito. E não sei se, antes de julgar o mérito, haverá espaço para novas exigências processuais. E não sei se acusar alguém de “achacador”e outras baixarias será interpretado como parte do estilo jocoso do parajornalista. E também não sei se com o fim da Lei de Imprensa, Dra. Aparecida Angélica não irá declarar que a ação está extinta, porque extinta a lei que a fundamentou. E, mesmo analisando o mérito e me dando ganho de causa, o tempo decorrido será tão extenso que a sentença perderá grande parte da eficácia. Ou seja, com uma mera interpretação - e incorreta (posto que reformada pela Segunda Instância) da parte da Juíza - a Abril reduziu substancialmente o custo de imagem com mais um assassinato de reputação. Reduzindo seu custo, levará mais tempo para mudar seu estilo. E se a intenção das punições é prevenir novos ataques contra a honra de terceiros, mais uma vez essa intenção foi minimizada.
O Direito de Resposta é, processualmente, um dos procedimentos mais rápidos do Judiciário.

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