sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Chicaneiros e Sofistas - por Miguel do Rosário (óleo do diabo)

Depois de Merval Pereira, do Globo, ter citado artigo de Dalmo Dallari no qual o jurista defende o golpe em Honduras – dizendo que não foi golpe -, a Folha de São Paulo, reproduz o texto na edição deste sábado. Com um detalhe importante: o artigo vem publicado na própria seção Mundo, ao lado das notícias, e não na parte reservada às opiniões.

O fato de Dallari ser ligado ao PT é um trunfo. A mídia conservadora está sempre à cata de petistas cujas opiniões lhe seja útil. Recentemente, Dallari também elogiou o espancamento de estudantes e professores da USP, durante os conflitos decorrentes de uma greve, e suas palavras também pareceram cair como maná dos céus para editorialistas meio acuados na posição desconfortável de isentar ou defender o governador José Serra.

Desta vez, novamente, a opinião dallariana soa como trombeta salvadora, principalmente para aqueles que, como Merval Pereira, apostaram seu prestígio na defesa de um golpe condenado mundialmente.

Acontece que o artigo de Dallari é um amontoado de besteiras. A discussão sobre se foi golpe ou não é ultrapassada. A maioria esmagadora afirma que sim. Os fatos dizem que sim. As consequências gritam. O povo hondurenho, que é, afinal, quem tem a última palavra nessa questão, se manifesta nas ruas, gritando contra o golpe de Estado.

Dallari menciona a decisão da Suprema Corte de Justiça como se falasse de uma canetada de Otávio Augusto, o César dos Césares. Quer dizer, então, que se Gilmar Mendes quiser, ele pode depor o Lula e deportá-la para Nicarágua?

É por essas e outras que sempre afirmo aqui, neste blog, que não acredito em sábios. A verdade não é uma propriedade arraigada em títulos acadêmicos ou fama. A verdade é uma força em movimento, e só existe na discussão livre, na dialética. O golpe militar no Brasil, em 1964, também foi apoiado por diversos juristas famosos. Muitas celebridades do mundo artísticos e acadêmico igualmente chancelaram o assassinato da democracia brasileira. Ao percorrer as páginas dos jornalões brasileiras dos dias subsequentes ao golpe de 64, encontro, por exemplo, um depoimento de Alfredo Federico Schmicht, o simpático e boêmio editor e poeta, o mesmo que descobriu Graciliano Ramos e foi uma figura tão querida entre a vanguarda da intelectualidade nacional, defendendo a legalidade do golpe.

Respeito a opinião de Dallari, mas dou-me o direito e a liberdade de afirmar que ele, mais uma vez, perdeu uma magnífica oportunidade de não falar besteira. Diante da gravidade do fato e dos interesses geopolíticos envolvidos, a opinião de Dallari apenas serve à extrema direita americana (tenho usado essa palavra, americana, no caso de Honduras, para me referir a toda América, de norte a sul).

É claro que foi golpe! Não são chicanerias de juristas vaidosos e confusos (para não dizer senis), que mudarão o fato consumado de um presidente, eleito democraticamente, ser deposto sem o mínimo direito à defesa, essa sim uma lei “pétrea” de qualquer democracia. Dallari pode até defender o espancamento de alunos e professores da USP, mas usar o seu prestígio para chancelar um golpe de Estados é de provocar engulhos. Ao mesmo tempo, serve de alerta para todos. É preciso pensar com a própria cabeça, sempre. O caso de Honduras é um tema político, e não podemos nunca deixar a política ser dominada pela esquizofrenia jurídica, pois, é sempre bom lembrar, quase todos os golpes de Estado da história da humanidade, tiveram suas justificações. No caso da América Latina, sempre foram “democráticos”...

Zelaya pode ter cometido inúmeros erros políticos. Não tenho a mínima idéia se Zelaya é um bom presidente ou não. O que estamos discutindo aqui são princípios democráticos universais, os quais foram brutalmente violentados em Honduras, e o Brasil, na medida do possível, sem intervenção e sem agressão, está colaborando para que eles, os tais princípios, sejam consolidados.

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