segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Kamel e a rota da manipulação - por Marco Aurélio

“Nós erramos em São Paulo”, admitiu o todo-poderoso chefe daquele que é considerado – e pior – alardeado pelas organizações, como o mais importante instituto de pesquisas do país. Era 2004, campanha para a prefeitura de São Paulo. Por ‘desvio metodológico’ ou ‘desvio na tabulação dos dados’ (explicações dadas à época) foi ‘impossível’ prever a arrancada de Marta Suplicy de cinco pontos percentuais – fora portanto da margem de erro da pesquisa. Essas mudanças de comportamento influenciam muito a parte dos indecisos que vota para ganhar, como já expliquei em 20/08/2009 (arquivo do blog).
A prefeita disputava a reeleição e se transformou em inimiga da elite, que a apelidou de ‘Martaxa’ (vocês já viram rico gostar de imposto? Nem eu.). Marta também deu as costas aos motoristas brancos e endinheirados das regiões centrais da cidade (um erro) e decidiu investir em infra-estrutura e ensino de qualidade para pretos e pobres da periferia (um acerto). Perdeu a eleição para Serra, com um empurrãozinho das organizações. Mas não é esse o ponto. O ponto é que, escalado para fazer a reportagem que mostrava o erro em São Paulo, estava um repórter acima de qualquer suspeita: Carlos Dorneles. Num telefonema a partir da redação, o chefe do instituto admitiu o erro. Quando Dorneles voltou da entrevista estava incomodado. O entrevistado havia mudado sua versão. Independentemente disso, sentamos e o repórter escreveu a história como deveria ser contada. Que o instituto errou em São Paulo, mas que na entrevista o chefe relativizava o erro. O texto foi submetido ao Rio, onde o Guardião da Doutrina da Fé faria uma ‘revisão’.
Quando voltou, o texto tinha sido reescrito. Mostrava todos os acertos do instituto em várias capitais do país e lá no meio, escondida, uma frase dizendo que, em São Paulo, a pesquisa não foi feliz. Quando lemos a versão recebida de volta, olhamos um para o outro e exclamamos: – Esta não é a matéria. Estava distorcida e protegia o instituto. Perguntei a ele: – O que vamos fazer? Dorneles respondeu: – Eu não vou gravar. Eu não sou pago para proteger o instituto.
Disse a ele que precisava submeter aquela decisão ao diretor de jornalismo – o tal que foi editor de texto do principal telejornal da emissora e foi afastado por incompetência, anos antes. O sujeito coçou a cabeça, leu, releu, consultou o Guardião e nos chamou. Aí exclamou:
– Mas o que é que você acha que tem que mudar?
Dorneles respondeu: – Eu não acho que tem que mudar nada. Essa não é a matéria que eu fiz e não vou gravar esse off.
O ‘diretor-editor afastado’ voltou a coçar a cabeça (quanta coçeira…) e disse para mim:
– Transforma em nota coberta. (Nota coberta é um texto mais curto, lido pelo apresentador e ilustrado pelo editor).
Talvez tenha começado aí o martírio do nosso repórter. Ao lado dele ainda viveríamos outras histórias cabeludas, que vamos relembrar aos poucos. Se pudesse dar um conselho, diria para os postulantes à próxima eleição deixarem um instituto independente, de preferência estrangeiro, na manga. E fazer pressão para o voto vir impresso da urna. Caso contrário, não sei não…

http://maureliomello.blogspot.com/2009/10/nos-erramos-em-sao-paulo-admitiu-o-todo.html#links

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