terça-feira, 22 de dezembro de 2009
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Entre o ruim e o pior
Agora, as lideranças da alcatéia, digo, do partido, lutam para que o mauricinho aceite ser candidato a vice, formando então, segundo dizem, uma chapa “puro-sangue”.
Porém, de puro, esta chapa não tem nada.
A contrarrevolução jurídica - por Boaventura de Sousa Santos (Leitura Global)
Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.
Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.
A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.
Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.
Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.
Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.
- Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios. Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.
Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.
- Terras indígenas e quilombolas. A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.
Quanto a estas últimas, podem ser citadas as “cautelas” para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos “aldeamentos extintos”, ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.
- Criminalização do MST. Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.
E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.
- A anistia dos torturadores na ditadura. Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.
Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.
Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Coitada de Copenhague
P.S: ¿Por que não ficam por lá?
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Políticas ambientais e palpites - Blog do Nassif
“COP-15
Marina e Serra discordam de teses de Dilma na conferência sobre clima em Copenhague
Publicada em 14/12/2009 às 22h20m
Chico de Gois – enviado especial
COPENHAGUE – O Bella Center, em Copenhague, local onde ocorre a maioria das reuniões para discutir as mudanças climáticas , aqueceu nesta segunda-feira o debate entre os três pré-candidatos à Presidência que, de forma distinta, participam da Conferência da ONU. O resultado do primeiro dia em que os três estiveram sob o mesmo teto foi a concordância de posicionamento entre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e a senadora Marina Silva (PV-AC), que trocaram amabilidades, contra as teses adotadas pela ministra da Casa Civil e chefe da delegação brasileira, Dilma Rousseff, que esteve em várias reuniões e nem se encontrou com os oponentes frente a frente.
Marina e Serra, por exemplo, defenderam que o Brasil deveria contribuir com US$ 1 bilhão, em dez anos, para os países pobres poderem atingir suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. Serra disse numa entrevista coletiva que considera que, caso o Brasil agisse dessa forma, daria um exemplo aos desenvolvidos, que poderiam se sentir constrangidos e agir da mesma maneira.
- O Brasil deveria contribuir com recursos para este fundo ambiental mundial. Esta contribuição terá um significado simbólico importante para os países desenvolvidos – defendeu Serra.
Mais tarde, ao ser perguntada sobre a proposta dos opositores, Dilma manteve-se firme e disse que o Brasil não deve entrar nessa discussão.
- Um bilhão de dólares não faz nem cosquinha. Os valores estão em torno de US$ 120 bi, US$ 150 bi, e tem valores de até US$ 500 bilhões. O que acho complicado é que a gente só faça gesto. O que a gente tem de fazer são medidas reais, concretas, comprometidas. Temos de ter cuidado, senão vamos cair em propostas fáceis e puramente mercadológicas. Aqui estamos tratando de coisas sérias, que é a proteção do meio ambiente.
Marina defende criação de fundo internacional
(…)”
http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2009/12/14/marina-serra-discordam-de-teses-de-dilma-na-conferencia-sobre-clima-em-copenhague-915213135.asp
Comentário
Bem ou mal, o governo brasileiro apresentou uma proposta que mudou as expectativas de resultados da reunião de Copenhague.Há uma lógica, uma estratégia, que pode ser defendida ou criticada.
Assumiu metas de redução do carbono e defende a tese da diferença de tratamento entre desenvolvidos e emergentes – a fim de obrigar os desenvolvidos a bancar a redução do carbono dos emergentes.
Serra montou um aparato publicitário para se apresentar em Copenhague – que incluiu a compra de patrocínio em redes sociais voltadas para o tema. Consegue espaço na velha mídia, como se fosse um personagem central do jogo. E tudo o que faz é questionar um ponto – o Brasil deveria bancar R$ 1 bi – sem analisar a estratégia geral, sem formular uma política alternativa, sem definir um ponto de vista sistêmico.
Apenas um palpite.
Por Alexandre Leite
“Apenas um palpite.”
É pior que palpite Nassif.
Trata-se de aceitar, numa negociação envolvendo mais de uma centena de atores, com centenas de interesses diferentes, a primeira proposta vinda de quem tem menos ‘moral’ para propor alguma coisa.
O mundo em desenvolvimento quer colocar essa gente na parede e não ser emparedado.
Se for para aceitar esse US$ 1 bi … , que seja no último dia … e não no primeiro. Até lá, muito CO2 vai passar por debaixo da ponte.
Comentário meu:
Acho injusto a postagem contra o Serra.
Seria extremamente injusto dizer que ele nada faz contra o aquecimento global que não aproveitar da cúpula em Copenhague para passear, ou propor factóides destinados tão e unicamente a se opor ao governo brasileiro – sem absolutamente nenhuma visualização sistêmica do problema ambiental e das propostas discutidas no fórum.
Ao contrário, o senhor Serra atua, sim, a favor do meio ambiente do mundo. Basta que observemos as enchentes que seu governo deixa acontecer em São Paulo. Ao permitir a criação de ilhas artificiais com as enchentes, há uma maior quantidade de água espalhada pela superfície do planeta, com consequente menor aquecimento do globo terrestre.
Podemos lembrar ainda que Dubai gastou muito mais para conseguir feito similar (a construção de ilhas artificiais). Esta é apenas mais uma das tantas demonstrações do “choque de jestão” da administração tucana no governo de SP.
Secretário-adjunto de Estado dos EUA diz que relação entre Brasil e Irã é bem-vinda – por Eliane Oliveira (globo. com)
- O Brasil tem o direito de ter relações com o país que quiser, é soberano. Damos as boas vindas ao interesse do Brasil em fazer com que o Irã entenda que é importante cumprir as determinações da Aiea – disse Valenzuela.
Ele lembrou que o presidente dos EUA, Barack Obama, defende um diálogo aberto e de cooperação com todos os países, inclusive com aqueles com os quais tem posições diferentes.
- O objetivo é continuar o diálogo com o Irã, mas o Irã tem que assumir sua responsabilidade e seus compromissos na Aiea – afirmou.
Comentário: se até a globo publica uma reportagem destas é porque as relações entre EUA e Brasil REALMENTE vão bem...
Intelectuais - por Umberto Eco (The New York Times - link em Terra magazine)
Se estou bem lembrado, culturame foi um termo cunhado por Mario Scelba, Ministro italiano do Interior nos últimos anos da década de 1940, que só acreditava na lógica dos cassetetes da polícia.
Spiro Agnew, vice-presidente de Richard Nixon, falava dos esnobes decadentes, o qual remete aos velhos seminários fascistas que riam dos escritores ou dos intelectuais que falavam com sotaque espanhol a respeito dos poetas românticos.
Uma expressão semelhante em inglês é eggheads (cabeças de ovo). Durante os conflitos políticos do pós-guerra, os intelectuais de direita ressuscitaram a expressão inocentes úteis, que foi como Vladimir Lênin chamou os intelectuais que simpatizavam com a esquerda.
Todos esses termos reforçam a ideia de que o desprezo em relação aos intelectuais é uma característica da direita. A consequência é que não existam intelectuais de esquerda, porque todos os intelectuais são da oposição.
Por definição, um intelectual sempre está em oposição a algo; inclusive os que apoiam a direita podem opor-se a ela em muitas questões. Houve grandes intelectuais conservadores, inclusive alguns reacionários. Reacionário não é palavrão - como nos dias de Peppone e de Dom Camilo nos romances de Giovanni Guareschi a respeito de um povoado italiano no pós-guerra - porque muitos intelectuais e artistas já sonharam com a volta a uma ou outra tradição, a um ou outro regime do passado.
Um reacionário não é apenas um fascista. Dante - um importante intelectual - era um reacionário, e mesmo atualmente existem muitos escritores que não fazem outra coisa a não ser criticar a modernidade, a tecnologia e as utopias revolucionárias.
Recentemente a direita italiana identificou como seus "heróis" intelectuais pessoas que eram de esquerda por definição - caso (talvez de forma justa) do intelectual italiano Pier Paolo Pasolini, uma vez que defendia um estado pré-industrial da natureza.
Poucas pessoas fora da Itália, e talvez até dentro dela, lembram-se das especulações ocorridas nos anos 1960 a respeito do nascimento de uma cultura de direita. Havia inclusive uma revista chamada La Destra (A Direita).
Alguns editores como Borghese desenterraram uma obra sem importância de Adolf Hitler e se rebaixaram a publicar Spiro Agnew (chamado no seu tempo de o vice-presidente mais reacionário dos Estados Unidos, o homem que diz em voz alta aquilo que Richard Nixon apenas sussurra).
A Rusconi Books publicou muitos representantes do pensamento de direita. Essas obras - desde o japonês Yukio Mishima e o escritor italiano Giuseppe Prezzolini até o escritor e político italiano Panfilo Gentile - redescobriram uma verdadeira "grande" filosofia reacionária como a de Joseph de Maistre, diplomata francês da era pós-revolucionária considerado um precursor do fascismo.
Para encontrarmos escritores de renome que eram ou são de direita, conservadores ou reacionários basta olhar ao nosso redor.
Podemos encontrar escritores fascistas ou antissemitas como Louis-Ferdinand Celine ou Ezra Pound. E inimigos clássicos da modernidade como o austríaco e historiador de arte Hans Sedlmayr, o filósofo Martin Heidegger ou o intelectual galês René Guénon.
Se olharmos os catálogos dos editores ditos democráticos, podemos encontrar tentativas da esquerda de revindicar para si alguns escritores de direita, como acontece com Ernst Junger ou com Oswald Spengler. Estes escritores de direita não serão também culturame?
O certo é que pensamos na direita como algo homogêneo. Inclusive nestes círculos achamos intelectuais que os reconhecem como seus pares, mas por serem intelectuais não rotulam os seus opositores como culturame ou esnobes decadentes.
Outros - criaturas do sistema da política de farda, lacaios dos políticos, interessados apenas no poder ou no dinheiro - nunca leram o suficiente para saber que existem os intelectuais de direita. Apenas enxergam os de esquerda, principalmente quando estão na oposição.
Para essas mentalidades limitadas, intelectual é sinônimo de opositor. Como o comandante da Luftwaffe (força aérea alemã), Hermann Goering, quando ouvem falar de cultura levam as mãos às suas armas.
Embora a comparação com Goering seja duvidosa, a linha de pensamento surge na obra de teatro nazista "Schlageter", por Hanns Johst: "Wenn ich Kultur hore ... entsichere meinen Browning". Mas aqueles que lançam mão das suas armas não sabem nada a respeito da origem da citação. Não leem; simplesmente não leem.
Umberto Eco é filósofo e escritor. É autor de "A Misteriosa Chama Da Rainha Loana", "Baudolino", "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault". Artigo distribuído pelo The New York Times Sybdicate.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
O legado de 1989 nos dois hemisférios - por Noam Chomsky (The New York Times)
O ano que "mudou tudo", ele escreveu. As reformas de Mikhail Gorbachev na Rússia e sua "renúncia animadora ao uso da violência" levaram à queda do muro de Berlim no dia 9 de novembro - e à libertação do Leste Europeu da tirania russa.
O mérito é merecido e os eventos são memoráveis. Mas outras perspectivas podem dar nova luz aos eventos.
A chanceler alemã Angela Merkel ofereceu uma dessas perspectivas - involuntariamente - quando nos incitou a "usar esse exemplo de liberdade para superar os muros do nosso tempo".
Uma das formas de seguir o ótimo conselho da líder alemã é derrubar o muro monstruoso, maior ainda o que o de Berlim, erguido em território palestino, violando as leis internacionais.
A existência do Muro da Cisjordânia é justificada por questões de "segurança" - o argumento mais utilizado para justificar ações de governos ultimamente. Se a preocupação fosse realmente a segurança, o muro seria construído ao redor da fronteira e seria indestrutível.
O objetivo dessa monstruosidade, construída com o apoio dos EUA e a cumplicidade da Europa, é permitir que Israel tome posse de uma porção valiosa de terras palestinas e os principais recursos naturais da região, negando à população natural da ex-palestina uma existência nacional viável.
Outra perspectiva dos acontecimentos de 1989 foi sugerida por Thomas Carothers, acadêmico que trabalhou em programas de "melhorias democráticas" na administração do ex-presidente Ronald Reagan.
Depois de consultar seus relatórios, Carothers concluiu que todos os líderes norte-americanos até então foram "esquizofrênicos" em seu apoio à democracia, limitando-se apenas àquelas que estivessem de acordo com a estratégia dos EUA e seus objetivos econômicos, como aconteceu com os satélites soviéticos, mas não com os estados clientes dos EUA.
Essa perspectiva é dramaticamente confirmada pela recente comemoração dos eventos de novembro de 1989. A queda do muro de Berlin foi amplamente celebrada, mas poucos souberam do que aconteceria na semana seguinte: No dia 16 de novembro em El Salvador, seis intelectuais latino-americanos respeitados, padres jesuítas, foram assassinados, além da cozinheira e sua filha, pelo batalhão Atlacatl, com armas fornecidas pelos Estados Unidos e treinado no renomado centro de treinamento especial do exército americano, o JFK Special Warfare School.
O batalhão já possuía um currículo sangrento, que começou em 1980 com o assassinato do Arcebispo Oscar Romero, conhecido como "a voz de quem não tem voz".
Durante a década de 1980, a administração Reagan declarou a "guerra contra o terror", mas um terror parecido se estabelecia na América Central. Um reinado de tortura, assassinatos e destruição na região deixou centenas de milhares de mortos.
O contraste entre a libertação dos satélites soviéticos e a destruição completa da esperança dos países clientes dos EUA é chocante e irremediável - especialmente quando alargamos nossa perspectiva dos fatos.
O assassinato dos intelectuais jesuítas trouxe um fim derradeiro para a "teologia da libertação", a volta do cristianismo que teve suas raízes modernas nas iniciativas do Papa João XXIII e o II Concílio do Vaticano, que ele inaugurou em 1962.
O Concílio "inaugurava uma nova era na história da Igreja Católica", escreveu o teólogo Hans Kung. Os bispos latino-americanos adotaram a "opção preferencial pelos pobres".
Portanto, os bispos renovaram o pacifismo radical dos Evangelhos, que haviam sido postos de lado quando o Imperador Constantino estabeleceu o cristianismo como a religião do Império Romano - "uma revolução" que em menos de um século converteu "a igreja perseguida" em uma "igreja perseguidora", de acordo com Kung.
Os padres latino-americanos, após a retomada do Vaticano, levaram adiante a mensagem dos evangelhos, juntamente com freiras e voluntários, aos pobres e perseguidos, incentivando valores comunitários e encorajando-os a tomar o destino nas próprias mãos.
A reação a essa heresia foi a repressão pela violência. Em meio ao terror e à morte, os praticantes da teologia da libertação eram os alvos principais.
Entre eles, há seis mártires da igreja cuja execução há 20 anos é hoje comemorada com um silêncio arrebatador e tristeza indiscutível.
No mês passado em Berlim, os três presidentes mais envolvidos com a queda do muro, George H. W. Bush, Gorbachev e Helmut Kohl, discutiram de quem é o crédito.
"Eu sei que Deus nos ajudou", disse Kohl. George H.W. Bush elogiou os esforços do povo da Alemanha Oriental, que "por muito tempo foram privados de seus direitos divinos". Já Gorbachev sugeriu que os Estados Unidos precisam ter sua própria Perestroica.
Não há dúvidas sobre a responsabilidade pela demolição da tentativa de recuperar o ensinamento do Evangelho na América Latina na década de 1980.
A Escola das Américas (rebatizada depois de Instituto para a Cooperação de Segurança do Ocidente) em Fort Benning, no estado americano da Geórgia, que treina oficiais latino-americanos, anuncia orgulhosamente que o Exército Americano ajudou a "derrotar a teologia da libertação" - com a ajuda, não esqueçamos, do Vaticano com suas expulsões e excomunhões.
A cruel campanha para reverter a heresia colocada em prática pelo Vaticano recebeu uma expressão literária incomparável na parábola de Dostoievsky do Grande Inquisidor em "Os Irmãos Karamazov".
No conto, que se passa em Sevilha na "mais terrível época da Inquisição", Jesus Cristo aparece repentinamente na rua, "suave, inabalável e, ainda assim, por mais estranho que possa parecer, todos o reconheciam" e eram "atraídos a ele de forma irresistível".
O Grande Inquisidor "clama aos guardas que o levem" para prisão. Lá ele acusa Cristo de chegar para "nos impedir" de continuar a tarefa de destruir as ideias subversivas de liberdade e comunidade. Nós não o seguiremos, diz o Inquisidor a Jesus, apenas Roma e a "espada de César". Queremos comandar a terra sozinhos para que possamos ensinar aos "fracos e vis" que "eles só serão livres quando renunciarem sua liberdade a nós e se entregarem". Então eles se tornarão temerosos e assustados e felizes. E amanhã, diz o Inquisidor, "eu vou queimá-lo".
No final, no entanto, o Inquisidor resolve ceder e "soltá-lo aos becos escuros da cidade". O prisioneiro vai embora.
Os alunos da Escola das Américas não foram capazes da mesma piedade.
P.S: fonte - terra magazine
O autismo de Arruda - por Leandro Fortes (Brasília, eu vi)
O trauma do afastamento (o impeachment só seria votado, dois meses depois, em novembro) havia tornado a personalidade de Collor ainda mais estranha. Diariamente, ele acordava cedo, se vestia impecavelmente de paletó e gravata, se fazia acompanhar de assessores e seguranças e, então, atravessava a rua para ir à biblioteca. Isso mesmo: o cômodo não ficava na Casa da Dinda, mas numa casa menor, em frente à residência do presidente. Todo santo dia, um Collor soturno, com olhar vidrado e andar robótico, fazia aquela travessia surreal em direção a um poder imaginário. Lá, sentava em frente a uma mesa de reuniões de madeira maciça e colocava em frente a si um daqueles aparelhos elétricos antigos que matavam insetos. Por quase dois meses, quando finalmente renunciou antes de ser cassado, o presidente do Brasil fingia governar o país em meio a consultas solitárias de títulos aleatórios de livros da família ao som de pequenos estalos provocados pela eletrocutação de moscas e muriçocas. Enquanto o mundo se desmoronava a seu redor, Collor vivia, como um autista, num universo próprio e impenetrável. E dele, ao que parece, nunca mais emergiu.
Essas impressões sobre o atual senador Collor me vieram à cabeça depois de ouvir o pronunciamento do governador José Roberto Arruda, no momento em que ele anunciou sua desfiliação do DEM. Arruda virou um espectro humano desagradável, e mesmo para jornalistas experientes não deixa de ser penoso se defrontar com a manifestação física da degradação moral de um político caído em desgraça. Desmoralizado e abandonado pela raia miúda que com ele se locupletou dos maços de dinheiro que fazem a festa no Youtube, Arruda parece ter entrado naquela fase autista de Collor. Ao falar à imprensa, não estava se dirigindo ao mundo real, mas a uma existência virtual projetada em outra dimensão. Arruda decidiu que o importante agora é continuar governando o Distrito Federal e tocar as mais de mil obras em andamento, levantadas em toda parte, com vistas aos 50 anos de Brasília, a serem comemorados em 21 de abril de 2010.
Em primeiro lugar, José Roberto Arruda não governa mais o Distrito Federal. Sua última ação administrativa foi, digamos assim, a ordem dada à Política Militar para atacar, com cavalos, cães e cassetetes, dois mil manifestantes que estavam pacificamente no Eixo Monumental de Brasília. Lá, como ilustração da anarquia que virá, um coronel PM de cabelos brancos partiu como um babuíno enfurecido para cima de um estudante e rasgou-lhe a camisa. Filmado, ordenou aos PMs que jogassem gás de pimenta nos olhos dos cinegrafistas. Arruda, ao que parece, estava na residência oficial, decidindo se contratará a cantora pop Madonna ou a banda irlandesa U2 para abrir os festejos do Cinqüentenário.
Arruda não tem mais nenhum partido em sua base de sustentação e, agora, não faz parte de nenhuma sigla partidária. Em duas semanas, perdeu 12 secretários e seis administradores regionais (das cidades-satélites e do Plano Piloto). Na Câmara Legislativa, metade dos 24 deputados distritais está envolvida no Mensalão do DEM. Arruda, que costumava inaugurar até creche de boneca, não tem mais coragem de colocar o pé para fora de casa.
Vai para o Palácio do Buritinga, sede do governo, em Taguatinga, escondido pelos vidros fumê de carros oficiais, mais ou menos como Collor atravessava a rua para mergulhar no mundo encantado da biblioteca do avô.
Entrou, definitivamente, na fase do autismo. E com ele, o DEM. O Ex-PFL, ao que parece, acredita mesmo que, ao se livrar de Arruda, irá também se livrar da pecha de partido atrasado, reacionário e corrupto.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Israel, o muro da vergonha - por Ellen Cantarow, Tom Dispatch (Vi o mundo)
Ouve-se muito sobre a violência no conflito
Israel-Palestina, mas raramente se ouve contar a história da determinada e
longa resistência não-violenta, presente e muito importante, de muitas vilas
palestinas, contra o roubo de suas terras. O que aqui escrevo é meu depoimento
sobre o que vi numa dessas vilas na Cisjordânia.
Nunca, desde que começou a ocupação da Cisjordânia por Israel em 1967, o roubo
de terras palestinas e o impedimento do acesso às fontes de água pareceram mais
chocantes do que depois de terras e água passarem a serem usados exclusivamente
para construir “o muro” – construção iniciada em 2002. Enorme, complexo, de
várias caras e formatos, o muro é construção dramática, de quase oito metros de
altura, com torres de vigilância ocupadas por soldados, com cercas
eletrificadas instaladas na parte superior, e que se estende por enormes
distâncias.
Em 2004, a Corte Internacional de Justiça (ICJ) declarou “ilegal” o muro;
Israel ignorou completamente a sentença. Hoje, o muro ondula por mais de 280 km
na Cisjordânia, envolvendo todas as principais colônias e várias colônias
menores, todas exclusivas para judeus (e que são colônias, não são
‘assentamentos’). Quando estiver todo construído, o muro terá cercado 85% da
população de colonos judeus da Cisjordânia – processo de anexação de facto de
fatias significativas de território ocupado pela primeira vez em 1967. Aí está
o sonho da “Grande Israel” sionista, rapidamente convertido em arquitetura e
pedra. Do ponto de vista dos palestinos, o muro é como um monumento ao roubo de
terras e água.
Jayyous, com população de 3.500 habitantes, é uma das vilas palestinas cujo
acesso à água é impedido pelo muro israelense, inserida no nordeste montanhoso
da Cisjordânia, com a cidade palestina de Qalqilya a oeste. O cenário é dos
mais belos do Mediterrâneo, espécie de mistura, digamos, da Toscana e de partes
da Iugoslávia, com inúmeros sítios arqueológicos e ruínas romanas. E é uma das
regiões mais férteis da Cisjordânia. Ali sempre cresceram nogueiras,
laranjeiras, limoeiros e oliveiras, além de hortaliças – sempre em torno de
Jayyous e suas muitas fontes de água subterrânea e poços. Os aqüíferos da
região de Jayyous e Qalqilya, de fato, são um dos principais tesouros da
Cisjordânia. As terras que pertencem à vila de Jayyous e à cidade de Qalqilya
são lindeiras da fronteira israelense de antes de 1967, a chamada “Linha Verde
?.
Antes de haver o muro, os mercadores de Qalqilya mantinham comércio regular com
os israelenses dos dois lados da fronteira; e os agricultores de Jayyous
trabalhavam suas terras ao longo de toda a Linha Verde. Hoje, o monstruoso muro
de concreto cerca Qalqilya completamente, fazendo lembrar os campos de
prisioneiros e os ghettos de outros tempos. Jayyous vive segregada de suas
terras férteis pelo muro, na modalidade que se pode classificar de “barreira” –
um sistema de cercas de ferro, arame farpado e patrulhas militares, usuárias
exclusivas das estradas exclusivas para judeus e controladas por soldados
israelenses.
4.000 pés de oliveiras e limoeiros foram arrancados, ali, para dar lugar ao
muro. Todos os poços da vila e 75% da terra estão hoje confiscados por trás do
muro, isolados no lado oeste – o lado ‘israelense’ – do muro. Uma pequena
colônia exclusiva para judeus, chamada Zufim, está instalada no coração do que,
antes, foi a riqueza dos habitantes de Jayyous. Israel tem planejada a
construção de 1.500 novas moradias nessas terras confiscadas da vila. As novas
unidades destruirão a única estrada pela qual os agricultores de Jayyous ainda
podem entrar e sair de suas terras; antes, havia seis estradas. Israel já
bloqueou cinco. Os novos prédios bloquearão a última.
Sharif Omar Khalid, mais conhecido na região como Abu Azzam, 65 anos, lutou
durante toda a vida para preservar as terras de Jayyous. Em 1980, com outros
agricultores representantes de vilas na Cisjordânia, fundou o Comitê de Defesa
da Terra [ing. Land Defense Committee], uma das 18 organizações que hoje
conduzem a campanha “Parem o Muro” [ing. Stop the Wall]. Dotado de inabalável
otimismo, Khalid contabiliza como vitória uma decisão da Suprema Corte
israelense, de abril de 2006, que obrigou os israelenses a deslocar o muro,
afastando-o dos limites sul da vila. A decisão devolveu aos proprietários
palestinos 11% da terra de Jayyous – 750 dunams [1 dunam = 1.000 m2] dos 8.600
que o muro confiscou.
O muro lá permanece, e também permanece um dos componentes essenciais do muro:
a “passagem agrícola”. Há duas nas terras de Jayyous – uma para o norte; outra
para o sul. Praticamente todos os agricultores da vila são obrigados a usar a
passagem norte. Mantida aberta por dois períodos de 45 minutos (um pela manhã,
outro no final da tarde), a passagem é, de fato, um bloqueio controlado por
soldados israelenses que leva a uma estrada também controlada por soldados
israelenses.
Mas para usar a passagem, transitar pela estrada controlada por soldados e ir
dali às suas terras, os agricultores de Jayyous tem de exibir uma “autorização
para ‘visitantes’”. Desde 2003, Israel decretou que os agricultores são meros
‘visitantes’ nas terras nas quais vivem e plantam há gerações. Obter essas
autorizações é processo praticamente sem fim, que começa pela comprovação da
propriedade da terra. Abu Azzam é um dos maiores proprietários de terra da
vila; seu título de propriedade é antigo, de várias gerações, do tempo em que a
Jordânia ocupou a Cisjordânia. Conhecido ativista contra o muro, várias vezes a
autorização de passagem lhe foi negada; até que a Suprema Corte de Israel
garantiu-lhe um passe permanente, no qual se registra que o portador não
representa “ameaça à segurança de Israel”. Mas o passe ‘permanente’ tem criado
problemas extra a Abu Azzam, na odisseia diária para entrar e sair de suas
terras.
O Portão do Inferno
Vi uma “passagem agrícola”, pela primeira vez, em 2004, nos limites da vila de
Mas’ha, no norte da Palestina. Terrível. Imensas garras de aço, pintadas de
amarelo-ocre, que rangiam ao abrir, por especial obséquio das forças
israelenses de ocupação; permaneciam abertas por cerca de 30 minutos, de
madrugada e no início da noite. Entre uma abertura e outra, as garras
permaneciam cerradas, e ninguém passava, nem para um lado nem para o outro;
quem estivesse fora de casa, lá tinha de ficar por todo um dia ou uma noite;
alguém que precisasse sair de casa para atender a alguma emergência, lá era
detido, por um dia ou uma noite; e os campos ficavam sem irrigar (a irrigação é
feita depois do por do sol), se o agricultor não chegasse a tempo de encontrar
abertas aquelas garras rangentes.
Cada vez que o portão de Mas’ha era aberto, um agricultor solitário, Hani Amer
– cujas terras ficaram cercadas pelo muro por três lados – conseguia visitar
uma parte de seus campos. Dos dois lados do portão havia rolos de arame farpado
e um fosso, ambos paralelos, contínuos, a perder de vista. Depois do fosso,
mais arame farpado. E, depois, uma “estrada militar”, exclusiva para veículos
militares que patrulhavam as fronteiras de um ‘mundo árabe’ do qual se supunha
que viria o apocalipse sobre a “Grande Israel”.
Depois da estrada militar, mais arame farpado e outro fosso, antes que Hani
Amer pudesse, afinal, chegar aos seus campos.
Mas, para saber o que realmente significa a ‘passagem agrícola’, é preciso
passar pelo menos uma noite inteira, como eu passei, com um agricultor de
Jayyous, em tempos de colheita. Acordamos – ele, sua esposa e eu – às 5h30 da
manhã, tomamos um copo do forte café árabe, comemos pão com geleia de frutas do
pequeno pomar que restava junto à casa, e saímos, montados no pequeno trator
branco, enferrujado, sacolejando pela estrada de pedras. Depois, claro, paramos
numa longa fila de outros agricultores, junto ao portão.
Vejam hoje, então, no nascer de mais um dia do 42º ano de ocupação israelense,
em frente àquele monstro de aço amarelo, como cenário de filme de terror, que
eles continuam a chegar, como sempre: um vem de trator; outro, em lombo de
burro, carregado de instrumentos de colheita e sacos; vão chegando e a fila vai
crescendo. Os rolos de arame farpado lá estão, como sempre; e há os fossos e há
a estrada militar, e, assim, lá continuam os mesmos muros que aprisionam, há
tanto tempo, o povo palestino. Vejam os soldados que andam lentamente e
destravam lentamente os portões, acintosamente sem pressa; as garras se abrem e
imediatamente são substituídas por soldados pesadamente armados que convertem a
abertura em ponto inexpugnável de controle; e, mesmo isso, só por alguns
momentos, a cada manhã e a cada fim de tarde.
Enquanto esperava, olhando em volta do trator de Abu Azzam, em outubro passado,
lembrei de como era a colina do outro lado da estrada, há algumas décadas,
quando eu trabalhava como correspondente na Cisjordânia. Toda a região era
percorrida pela linha branca das muretas de pedra que demarcavam os terraços
onde, há séculos, cresciam oliveiras, cujas folhas soavam como sininhos ao
vento, e a folhagem verde-escura das vinhas e dos pomares. A expansão da
‘Grande Israel’ e seu estilo Califórnia-de-ser-e-viver, eram então, no máximo,
itens do sonho sionista. Hoje, estão em toda a Cisjordânia, sonho nenhum, dura
realidade; claro que não havia muro, nem ‘estrada militar’ nem, é claro,
“passagem agrícola”.
Hoje, lá estão, os agricultores e seu burro, seu trator, seus apetrechos de
trabalho, e aproximam-se das garras amarelas do monstro. E passam por elas. E
um a um passam pelo arame farpado e pelo fosso e entram na estrada militar;
então param o trator ou o burro, desmontam e apresentam documentos a um
impassível soldado israelense. O soldado, cuja retaguarda é protegida por
outros dois soldados, vira-se e grita para outro soldado invisível dentro de
uma torre de controle, em hebraico, todos os números e nomes que haja no
documento que tem em mãos. Pensem no que há de estoicismo e coragem naqueles
agricultores que aceitam o ritual que Israel impõe, porque sabem que, por hora,
não há alternativa. E não esqueçam de pensar que aqueles homens e mulheres passam
por tudo aquilo exclusivamente para poder fazer uma coisa: colher suas olivas
plantadas por eles em terra sua.
Antes disso, cada um tem de parar na estrada, cabeça baixa ou olhos
arregalados, à espera de que seu destino seja decidido, por aquele dia; então,
se a passagem é permitida, passa-se. E há mais arame farpado e outro fosso, até
que – finalmente – chega-se a alguma coisa que bem poderia ser liberdade, mas
não é. O agricultor pode, afinal, subir a colina com seu trator ou seu burro. E
pode então começar a trabalhar na colheita das próprias olivas, nas próprias
oliveiras, plantadas em sua própria terra; para chegar até ali, muitas vezes, o
agricultor palestino já perdeu várias horas de trabalho. E esse tormento é
diário.
Ao mesmo tempo, considere os colonos israelenses e os soldados israelenses,
cuja única regra, na obsessão de tudo controlar e de não deixar passe livre a
nenhum agricultor palestino, converte em pesadelo a milenar faina de colher
olivas. Colonos da colônia israelense de Zufim já destruíam plantações de
oliveiras em Jayyous em 2004. (Algumas árvores foram queimadas; outras foram
arrancadas para ser vendidas em Israel; e o esgoto da colônia envenenou e matou
outras inúmeras oliveiras naquela área.)
Uma semana depois de minha visita, segundo o jornal Haaretz, colonos judeus
outra vez “entraram em confronto com palestinos que colhiam olivas na
Cisjordânia”. Os colonos judeus atacaram os agricultores palestinos porque “os
palestinos ali reunidos ameaçam a segurança da colônia e as covas de onde
oliveiras foram arrancadas podem servir de esconderijo para terroristas.”
Em outro ponto da mesma região, as forças de segurança de Israel acompanharam
grupos de colonos judeus que invadiram uma vila palestina para promover
“pequena manifestação” contra a colheita das olivas. (O exército de Israel é
hoje dominado em todos os escalões, dos mais altos aos mais baixos, por colonos
expansionistas ultra-religiosos, para os quais “todo colono é soldado e todo
soldado é colono”.) E também há notícias de que em outro ‘posto avançado’ (nome
que Israel dá às primeiras instalações de novas colônias), denominado Adi Ad,
colonos judeus fundamentalistas arrancaram “dúzias de oliveiras”. Agora,
enquanto escrevo, continuam a chegar mensagens e e-mail que testemunham
inúmeras outras ações semelhantes a essas.
Várias vezes, desde outubro, o exército de Israel impôs toques de recolher na
vila de Jayyous – punição coletiva por demonstrações semanais contra o muro
promovidas pelos moradores mais jovens da vila. Na maior parte dos casos, o
toque de recolher foi imposto depois de os agricultores já estarem nos olivais
e não chegou a impedir a colheita diária. Mas os demais habitantes de Jayyous
foram punidos. Punição coletiva – represália contra todos, por ações de alguns
– é considerada crime de guerra, nos termos da Convenção de Genebra de 1949.
Não parar!
“Israel é um Estado que enlouqueceu”, observou Raja Shehadeh, advogado e
escritor palestino, quando, um dia depois de visitar Jayyous, narrei-lhe a cena
a que assistira na ‘passagem agrícola’. Aquela específica barreira de aço e
garras, aqueles específicos agricultores, aqueles específicos soldados
israelenses convertidos em instrumentos vivos da banalização do mal – tudo isso
faz pensar em alguma específica modalidade de loucura tão simplória quanto
brutal, de que ainda se alimenta a “Grande Israel”. Documentarista holandesa
que entrevistou alguns colonos judeus na Cisjordânia relata um eloquente
fragmento de diálogo: “Qual é seu sonho?” – perguntou ela a um dos colonos
judeus. “Meu sonho”, respondeu ele, “é que meus netos digam, algum dia, olhando
essa terra: aqui, antigamente, viveram árabes.”
Na véspera da manhã em que todos saímos em direção ao muro e à passagem, Abu
Azzam levou um visitante alemão para conhecer a prensa local na qual
diariamente ele e outros agricultores descarregam a colheita diária de olivas.
A visão das olivas de Jayyous andando por uma esteira em direção à prensa, para
emergir numa torrente de garrafões de plástico cheios de azeite foi visão de
alegria e sucesso. Crianças corriam e riam pelo pátio de piso escorregadio,
comendo pedacinhos de pão molhados no azeite dourado, recém-prensado. Que tipo
de loucura humana pensaria em infligir tormento eterno àquele tipo de
comunidade tradicional de trabalho pacífico?
Depois, Abu Azzam contou-me sobre seus anos de ativista político, o casamento,
os filhos. Preso pelos jordanianos por pertencer ao Partido Comunista, e depois
por Israel por sua luta para defender os olivais de sua vila, diz que sua ideia
fixa é prosseguir. “A verdade é que não temos escolha” – diz ele, com um
sorriso e um dar de ombros.
Lembra de quando, em outubro de 2003, o muro ainda em construção, funcionários
israelenses tentaram subornar os ativistas de Jayyous, oferecendo-lhes 650
autorizações que dariam passe livre a vários agricultores para chegar às suas
terras. Mas o “Comitê de Defesa da Terra” decidiu “em decisão conjunta” não
usar os passes. Aceitá-los seria reconhecer o muro e todo o sistema de
sequestro e roubo de propriedade que o muro implica. Os soldados israelenses, então,
mantiveram fechado o portão; isso, no auge da colheita de olivas, goiabas e
mexericas. Abu Azzam e outros agricultores palestinos abriram brechas nas
cercas e conseguiram chegar aos pomares, mas “sem um trator, sem uma mula, sem
carrinhos, sem tudo. Só nossos braços e pernas e cabeças.”
Em seguida, mais prisões. Os agricultores decidiram acampar nos pomares e não
voltar às casas na vila. “Minha mulher ficou furiosa” – lembra Abu Azzam.
“Telefonou-me, dia 21 de outubro, perguntando “Estamos divorciados? Você
abandonou a família?” e eu respondi “Estou resistindo”. E ela: “Resistindo?
Enquanto as goiabas, os pepinos, os tomates apodrecem no pé?” Respondi:
“Estamos na nossa terra. Só isso já é resistência.”
Desde 2003 Abu Azzam e outro agricultores de Jayyous continuam obcecadamente a
resistir em suas terras. A determinação de continuar o cultivo dos 3.250 dunams
que restam, dos 8.050 dunams de antes de Israel roubar-lhes a terra, de não
afastar-se dali, é, só ela, ato de resistência. Na Palestina, chamam-se “samid”
esses que tomaram a decisão de “apenas ficar”. A palavra significa
“perseverante” e, também, ‘cabeça-dura’ e “obcecado” – e é tradução eloquente
da antiga modalidade de resistência palestina não-violenta.
“Vocês têm tantos problemas”, disse a Abu Azzam. “Não pensam em partir?” Ele
sorriu como se tivesse pena de mim. “Toda a nossa vida é um problema. Não quero
viver como refugiado. E sou contra a emigração promovida à moda dos
israelenses.”
Desde 2008, os mais jovens em Jayyous têm feito manifestações junto ao muro. Um
dos líderes – Mohammed Othman – foi preso pelos israelenses no outono passado,
quando desembarcou de volta de uma viagem à Noruega onde fez várias palestras.
Continua preso, sem qualquer acusação formal e sem saber quando será solto.
Os líderes dos movimentos de jovens de Jayyous também enviaram cartas a altos
funcionários dos governos da Noruega e de Dubai, pedindo que as empresas desses
países deixem de investir nas empresas de propriedade do bilionário
descendentes de emigrantes do Uzbequistão e nascido em Israel Lev Leviev. Com
isso, Jayyous une-se a ampla campanha internacional contra empresas que
negociem com as companhias de Leviev. É enorme conglomerado, muito
diversificado, que inclui minas de diamantes em Angola, propriedades
imobiliárias em Nova York e empresas construtoras que constroem colônias nos
Territórios Palestinos Ocupados (inclusive em Zufim). Em março passado, Barak
Ravid, repórter do jornal israelense Haaretz, noticiou que a embaixada
britânica em Telavive “suspendera negociações para alugar um andar na Torre
Kyria, empreendimento imobiliário africano-israelense, porque havia informações
seguras de que a empresa construtora [de Leviev] estava envolvida na construção
de colônias exclusivas para judeus.” Também a Oxfam rompeu inúmeros contratos,
sempre pela mesma razão.
Dia 9/9/2009, um mês antes de minha chegada, a Suprema Corte Israelense outra
vez aprovara pedido para alterar o traçado do muro, com a correspondente
devolução de mais 2.448 dunams aos proprietários originais, de Jayyous.
“Resultado de sua luta?” – perguntei a Azzam. “Resultado da luta de Jayyous,”
ele respondeu. “Somos um grupo da resistência palestina.”
Para ver o muro, invisível na mídia ocidental, clique aqui.
Marginal Tietê: o erro anunciado - Carta das entidades envolvidas na luta contra a Ampliação da Marginal.
Em meados do ano de 2008, surgiram as primeiras informações, ainda não oficiais, sobre um projeto de ampliação da quantidade de pistas na Marginal do Rio Tietê.
Como se sabe, a Marginal do Tietê é uma das mais importantes vias que integra a imensa malha rodoviária do país, não apenas porque é acesso para o abastecimento da cidade de São Paulo, a maior do país, mas, ainda, porque é passagem obrigatória para cargas provenientes ou destinadas aos maiores e mais importantes portos do Brasil.
Além disso, a Marginal poderia ser lembrada pelas enchentes que ocorriam com mais freqüência na década passada, e que originavam uma situação caótica, seja pela impossibilidade de tráfego na região, seja pelo desalojamento e morte de famílias que viviam em situação de risco.
Nada, porém, pode ser mais representativo desta imensa estrada urbana que a lentidão no tráfego, decorrente dos quilômetros de congestionamento diário, que tornam sacrificante a necessidade – inafastável para alguns – de circular por suas vias.
Diante dessa realidade, a Marginal do Tietê passa a ser emblemática para a compreensão de qual destino está sendo firmado à nossa cidade: se rumamos à tentativa de reverter equívocos urbanos e ambientais ou insistimos num modelo de conflito entre equilíbrio ambiental e vivência urbana.
Por essa razão, as intervenções urbanas propostas para a região do Rio Tietê não podem ser consideradas apenas sobre um enfoque: não apenas para solução dos problemas viários de imobilidade, nem, tampouco, para agasalhar propostas ambientalistas radicais de apartá-lo do acesso humano.
Assim, ao tomar conhecimento do projeto de ampliação das Marginais, a sociedade civil organizada, especialmente arquitetos, urbanistas, engenheiros, geógrafos, ambientalistas e lideranças de movimentos sociais atuantes em diversas áreas, passaram a dialogar sobre os impactos do projeto e sua eficiência.
Foram meses de estudos sobre o projeto, denúncias – e comprovações – de falhas no processo de licitação, até que foi iniciado o licenciamento ambiental (tudo isso em tempo recorde, como houvesse pressa para a entrega da obra).
O Estudo de Impacto Ambiental é precário na análise dos impactos ambientais e medíocre quanto aos impactos urbanístico-sociais. Não considerou seriamente o respeito ao patrimônio cultural, subestimou os danos ambientais diretos e os impactos nas áreas de influencia e dissimulou a realidade sobre a impermeabilização do solo na região (valendo-se de valores e parâmetros incompatíveis).
Pior ainda: o Estudo de Impacto Ambiental previu textualmente a desnecessidade de desapropriações para atividades comerciais ou habitacionais, em postura repulsiva e desidiosa com as centenas de famílias cuja remoção foi anunciada amplamente, até pelo Governo do Estado, além de atividades comerciais e esportivas como clubes que serão “rasgados”para a passagem das novas faixas.
Sobre esse tema, cabe um reforço: embora o estudo de impacto ambiental tenha previsto que não haveria desapropriações, o valor para tais iniciativas ultrapassou R$ 40 milhões. Não haveria, pois, alguma falha?!
Apesar das falhas ora apontadas – e tantas outras constantes de parecer elaborado pela Associação dos Geógrafos do Brasil – o procedimento de licenciamento ambiental foi concluído favoravelmente à realização do empreendimento.
Para tanto, foram exigidas compensações ambientais de altíssimo custo – aos bolsos dos contribuintes, claro -, o plantio de centenas de milhares de árvores a construção de uma ciclovia – não urbana, mas em um parque próximo -, entre outras exigências e recomendações que, conforme se verá adiante, não bastarão para esconder a nocividade do empreendimento.
Incoerentemente, é a compensação ambiental, com a criação de um parque, que vai acarretar a maior parte de desapropriação de famílias, e a construção de ciclovias que vai acarretar a supressão de milhares de árvores.
Essas “compensações” – que, efetivamente, nada compensam – fizeram com que o valor do empreendimento dilatasse exponencialmente. Eram R$ 850 milhões, passaram a ser R$ 1,3 bilhões e, até ultimas informações, nós, cidadãos do Estado de São Paulo, devemos assistir a R$ 1, 86 bilhões se esvaindo para custar uma obra de eficiência duvidosa – no mínimo.
Tudo isso aconteceu sorrateiramente, como fosse a população destinatária passiva deste ou qualquer empreendimento. Aconteceu de maneira obscura, sem publicidade prévia, sem convocação expressiva e, portanto, sem legitimidade.
Foram todos surpreendidos – apenas os que circulam pela região – com tratores nos canteiros e árvores históricas, robustas e vivas resumidas a raízes sem vida.
Diante dessa absurdez, aqueles mesmos cidadãos que buscavam dialogar, realizaram atos públicos in loco, manifestando através de faixas, cartazes e vozes a barbaridade anunciada.
Em resposta, o Governo do Estado de São Paulo, avesso ao diálogo, passou a investir vultosamente em propagandas que tinham sempre uma mesma finalidade: convencer os desinformados sobre a eficiência, sustentabilidade e necessidade das obras.
Foram milhões de reais aplicados na elaboração de campanhas publicitárias, criação de página na internet e todos os meios disponíveis para maquiar um empreendimento impróprio.
Desde sempre buscou o Governo desqualificar aqueles que se opunham à obra. Por vezes associando-os a Partidos Políticos, por outras questionando sua capacidade técnica.
Não restava outra alternativa, pois, senão a propositura de uma Ação Judicial para tentar suspender o empreendimento, pelo menos até que as dúvidas sobre riscos e benefícios fossem sanadas. E foi o que aconteceu.
No final do mês de julho de 2009, os representantes das entidades ingressaram com a Ação Civil Pública e aguardavam a decisão sobre o pedido de liminar, para suspender as obras. Infelizmente, apenas semanas depois houve a decisão que denegou o pedido, sob o argumento de que a Justiça não pode intervir nos atos do Poder Executivo – ainda que abusivos.
O Ministério Público foi chamado a se manifestar – conforme determina a legislação – e, em petição sintética e concisa, opinou favoravelmente à concessão da liminar, essencialmente fundado no principio da precaução, já acenou para que houvesse certeza sobre os riscos do projeto e suas eventuais remediações.
Além disso, a juíza responsável, em aparente desconhecimento do conteúdo do processo, fundou-se na ausência de documento que indicasse a insuficiência do Estudo de Impacto Ambiental (não nos esqueçamos que havia um Parecer da Associação dos Geógrafos Brasileiros juntada no mesmo dia)!
Foi, certamente, uma decisão infeliz e – preferimos acreditar – ressentida de conhecimento aprofundado sobre o processo, que já contava com 9 volumes e milhares de folhas.
Dos diversos predicados que foram atribuídos aos representantes das entidades que lutavam voluntariamente por essa causa, ressaltam-se os de fanáticos, malucos, oportunistas, desocupados e conspiradores.
Mesmo a Promotora de Justiça Maria Amélia Nardy Pereira, que apenas cumpria função atribuída por lei, foi alvo de grosserias, que tiveram seu ponto mais baixo com a acusação de ser oportunista, contida em texto do “jornalista” Reinado Azevedo, cujo título levava o nome “Veja bem, Maria Amélia,” em referência à Promotora.
Desamparados pelo Judiciário e com poucas possibilidades de concorrer com a truculenta publicidade da obra, só cabia aos representantes das entidades aguardar para que a tragédia anunciada se concretizasse. E, creia-se – pensávamos ter de esperar mais tempo.
Nos primeiros dias do mês de setembro, uma chuva incomum para o período (mas não para o verão), causou estragos em toda a cidade e região metropolitana, inclusive com a morte de pessoas. O Rio Tietê transbordou, as vias – sem drenagem – encheram de água, e a cidade parou. A resposta explicativa das nossas autoridades veio: culpa da natureza!
Por fim, o último sinal de que o lunatismo tinha um receio fundado: ontem, dia 08 de dezembro de 2009, o Rio Tietê transbordou – pela segunda vez em 3 meses – e, mesmo onde não houve transbordamento, o acúmulo de água resultante da impermeabilização das pistas, redundou no alagamento das faixas e sua interdição!
Diante de todos os fatos, é de se notar que se opor a mais essa obra viária bilionária não é uma questão de fanatismo ambiental ou de oportunismo partidário. Não se limita a discutir se a melhor opção é essa obra ou outra, se vamos plantar mais ou menos árvores, se outra obra de canalização ou aprofundamento de calha deveria ser feita, mas sim o rumo que a cidade toma.
O que buscamos, sobretudo, é difundir o questionamento sobre nosso modelo de cidade já saturada, na qual as discussões mais importantes estão em torno do trânsito caótico – como se todas as outras dificuldades que nos assombram fossem secundárias (saúde, educação, varrição de ruas, corrupção, moradia etc.).
Cada vez que aceitamos calados investimentos públicos em sentido diferente do que precisa nossa cidade, a cada enchente, cada desmoronamento, cada via obstruída e, principalmente, todo o trânsito que engessa a cidade, tem efeitos muito sérios, inclusive do ponto de vista econômico.
Quanto custa uma mercadoria parada? Quanto custa um caminhão entravado? E as casas completamente destruídas pelas águas!? Quanto custa todo o estoque de um dia no CEAGESP[1]? Quanto custa a vida de um filho? E a vida de quatro filhos soterrados no barraco situado em área de risco – e que cuja remoção foi negligenciada pelo Poder Público?
Nossa proposta é que esse debate sobre o rumo da nossa cidade esteja constantemente nos meios de comunicação, nas escolas, nas rodas de conversa. Para tanto, estamos à disposição, inclusive para debater com nossos governantes quais as prioridades para que nossa cidade seja cada vez mais saudável – e cada vez mais nossa.
[1] Em razão da chuva no dia 08/11/09, toneladas de frutas e legumes foram desperdiçados pela enxurrada que invadiu as dependências do CEAGESP.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
O Jornalismo irresponsável - por Luis Nassif
O escândalo divulgado pela Folha na sexta-feira – um artigo de um dissidente do PT, César Benjamin – acusando Lula de ter currado um militante do MEP no período em que esteve preso no DOPS, é um dos mais deploráveis episódios da história da imprensa brasileira. E mostra a falta que fazem pessoas da envergadura de Bradlee.
***
Qualquer acusação, contra qualquer pessoa, exige discernimento, apuração. Quando o jornal publica uma acusação está avalizando-a.
Quando a acusação é gravíssima e atinge o Presidente da República – seja ele Sarney, Itamar, FHC ou Lula – o cuidado deve ser triplicado, porque aí não se trata apenas da pessoa, mas da instituição. Qualquer acusação grave contra um Presidente repercute internacionalmente, afeta a imagem do país como um todo. Se for verdadeira, pau na máquina. Se for falsa, não há o que conserte os estragos produzidos pela falsificação.
***
A acusação é inverossímil.
Na sexta conversei com o delegado Armando Panichi Filho, um dos dois incumbidos de vigiar Lula na cadeia. Ele foi taxativo: não só não aconteceu como seria impossível que tivesse acontecido.
Lula estava na cela com duas ou três presos. A cela ficava em um corredor, com as demais celas. O que acontecesse em uma era facilmente percebida nas outras.
Havia plantão de carcereiros 24 horas por dia. E jornalistas acompanhando diariamente a prisão.
Não havia condições de nenhum fato estranho ter passado despercebido. Panichi jamais ouviu algo dos carcereiros, dos presos, dos jornalistas e do delegado Romeu Tuma, seu chefe.
***
Benjamin não diz que Lula cometeu o ato. Diz que ouviu o relato de Lula em 1994, em um encontro que manteve em Brasília com um marqueteiro americano, contratado pela campanha, mais o publicitário Paulo de Tarso Santos e outras testemunhas.
Conversei com Paulo de Tarso – que já fez campanha para FHC, Lula – que lembra do episódio do americano mas nega que qualquer assunto semelhante tivesse sido ventilado, mesmo a título de piada. E nem se recorda da presença de Benjamin no almoço.
***
E aí se chega à questão central: com tais dados, jamais Ben Bradlee teria permitido que semelhante acusação saísse no Washington Post.
Antes disso, colocaria repórteres para ouvir as tais testemunhas, checaria as informações com outras fontes, conversaria com testemunhas da prisão de Lula na época. Praticaria, enfim, o exercício do jornalismo com responsabilidade.
A Folha não seguiu cuidados comezinhos de bom jornalismo. Não apenas ela perde com o episódio, mas o jornalismo como um todo.
É importante que leitores entendam: isso não é jornalismo. É uma modalidade especial de deturpação da notícia que os verdadeiros jornalistas não endossam.
O desespero da Folha é pior do que a mente de Benjamim - por Renato Rovai (blog do Rovai)
Para quem não se lembra, esse é o sujeito que “denunciou” Emir Sader quando a editora dele não foi escolhida para fazer um trabalho que o sociólogo coordenava.
Era amigo de Sader por muito tempo, mas como seus interesses comerciais não foram atingidos, decidiu acusá-lo publicamente de corrupto.
Este Cesar Benjamim também é o mesmo que trabalhou no programa de governo de Garotinho quando imaginava que aquele poderia ser o candidato do PMDB à presidência da República.
Era um dos “cérebros” do ex-governador na construção de um programa nacionalista.
Mas como a candidatura do ex-governador não emplacou pelo PMDB, este mesmo Cesar Benjamim se filiou ao PSol e saiu candidato à vice-presidência da República na chapa de Heloísa Helena.
Provavelmente porque passou a achar que Garotinho não era mais o caminho a verdade e a vida. Mas sim HH.
Não foi só do PT, partido ao qual foi filiado, que saiu atirando. Também tretou com Garotinho e com o PSol. Benjamim não é só craque em produzir inimigos. É especialista em delação pública sem provas.
Se alguém com um currículo desses procurasse seu jornal para denunciar o presidente da República de ter tentado enrabar (vamos usar o português claro) um jovem nos dias em que era preso político, o que você faria? Publicaria o artigo?
E se essa mente doentia ainda citasse nominalmente uma única pessoa como testemunha, o que você faria? Não ouviria a testemunha e publicaria o artigo?
Cesar Benjamim é uma pessoa sem caráter, um psicopata da política. Pessoas assim existem. E vivem buscando jornais para acusar seus adversários. Jornais, em geral, as ignoram.
Por isso, neste episódio, o que mais me assusta é ver a Folha valer-se de uma mente insana para tentar atingir a reputação de alguém a quem se contrapõe politicamente.
Se a direção deste jornal considera isso válido para atingir seus objetivos, por que não sustentaria um golpe para derrotar esses mesmos adversários políticos?
A iminente derrota da oposição em 2010 e a falta de perspectiva política desse grupo nos próximos anos estão levando a uma radicalização midiática que não é só nojenta. É preocupante.
É bom os partidos da base do governo ficarem atentos a isso.
Uma despedida para FHC - por Leandro Fortes (Brasília, Eu Vi)
Das eleições de 1994 surgiu esse esboço de FHC que ainda vemos no noticiário, um antípoda do mítico “príncipe dos sociólogos” brotado de um ninho de oposição que prometia, para o futuro do Brasil, a voz de um homem formado na adversidade do AI-5 e de outras coturnadas de então. Sobrou-nos, porém, o homem que escolheu o PFL na hora de governar, sigla a quem recorreu, no velho estilo de república de bananas, para controlar a agenda do Congresso Nacional, ora com ACM, no Senado, ora com Luís Eduardo Magalhães, o filho do coronel, na Câmara dos Deputados. Dessa tristeza política resultou um processo de reeleição açodado e oportunista, gerido na bacia das almas dos votos comprados e sustentado numa fraude cambial que resultou na falência do País e no retorno humilhante ao patíbulo do FMI.
Isso tudo já seria um legado e tanto, mas FHC ainda nos fez o favor de, antes de ir embora, designar Gilmar Mendes para o Supremo Tribunal Federal, o que, nas atuais circunstâncias, dispensa qualquer comentário.
Em 1994, rodei uns bons rincões do Brasil atrás do candidato Fernando Henrique, como repórter do Jornal do Brasil. Lembro de ver FHC inaugurando uma bica (isso mesmo, uma bica!) de água em Canudos, na Bahia, ao lado de ACM, por quem tinha os braços levantados para o alto, a saudar a miséria, literalmente, pelas mãos daquele que se sagrou como mestre em perpetuá-la. Numa tarde sufocante, durante uma visita ao sertão pernambucano, ouvi FHC contar a uma platéia de camponeses, que, por causa da ditadura militar, havia sido expulso da USP e, assim, perdido a cátedra. Falou isso para um grupo de agricultores pobres, ignorantes e estupefatos, empurrados pelas lideranças pefelistas locais a um galpão a servir de tribuna ao grande sociólogo do Plano Real. Uns riram, outros se entreolharam, eu gargalhei: “perder a cátedra”, naquele momento, diante daquela gente simples, soou como uma espécie de abuso sexual recorrente nas cadeias brasileiras. Mas FHC não falava para aquela gente, mas para quem se supunha dono dela.
Hoje, FHC virou uma espécie de ressentido profissional, a destilar o fel da inveja que tem do presidente Lula, já sem nenhum pudor, em entrevistas e artigos de jornal, justamente onde ainda encontra gente disposta a lhe dar espaço e ouvidos. Como em 1998, às vésperas da reeleição, quando foi flagrado em um grampo ilegal feito nos telefones do BNDES. Empavonado, comentava, em tom de galhofa, com o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, das Comunicações, da subserviência da mídia que o apoiava acriticamente, em meio a turbilhão de escândalos que se ensaiava durante as privatizações de então:
Mendonça de Barros – A imprensa está muito favorável com editoriais.
FHC – Está demais, né? Estão exagerando, até!
A mesma mídia, capitaneada por um colunismo de viúvas, continua favorável a FHC. Exagerando, até. A diferença é que essa mesma mídia – e, em certos casos, os mesmos colunistas – não tem mais relevância alguma.
Resta-nos este enredo de ópera-bufa no qual, no fim do último ato, o príncipe caído reconhece a existência do filho bastardo, 18 anos depois de tê-lo mandado ao desterro, no bucho da mãe, com a ajuda e a cumplicidade de uma emissora de tevê concessionária do Estado – de quem, portanto, passou dois mandatos presidenciais como refém e serviçal.
Agora, às portas do esquecimento, escondido no quarto dos fundos pelos tucanos, como um parente esclerosado de quem a família passou do orgulho à vergonha, FHC decidiu recorrer à maconha.
A meu ver, um pouco tarde demais.