quarta-feira, 7 de julho de 2010

O mal-estar da grande mídia - Glauco Cortez (blog do Nassif)

Há um certo mal-estar na grande mídia brasileira. Há descuidos ideológicos, politicagem sem um mínimo bom senso, campanha política de baixo nível, uma insatisfação, uma certa ira, um leve desencantamento, uma agressividade ansiosa.

A grande mídia parece uma fera, que sabe de seu poder, mas se sente um pouco acuada.

Esse mal-estar não afeta somente o jornalismo, mas também a tolerância e a liberdade de imprensa. A mídia começa a usar e abusar do Poder Judiciário contra pessoas que noticiam ou emitem opiniões com críticas a ela. Freud talvez diria que é um mal-estar provocado pelo nascimento de um irmão mais novo. Talvez.

Na realidade, há possivelmente inúmeras razões para a situação em que se encontra a grande mídia, mas longe da psicanálise, algumas considerações podem ser feitas.

A primeira é o próprio desenvolvimento democrático do Brasil. Há no país, apesar de ter apenas 20 anos de democracia, o retorno de uma pressão muito grande por demandas sociais, que estão sendo parcialmente atendidas pelo governo. Isso deveria ser orgulho para a grande mídia, que sempre criticou e mostrou as mazelas do país. No entanto, há um sabor amargo e um certo rancor, visto que essas demandas sociais e democráticas acabam tangenciando os latifúndios cartoriais da mídia. Há, portanto, um mal-estar pelos avanços democráticos e sociais.
Há também um mal-estar provocado pelo desenvolvimento tecnológico, pela internet e outras mídias, pelo barateamento da produção gráfica e audiovisual. Há muita gente com capacidade técnica e tecnológica para produzir conteúdo, há muita gente com possibilidade de publicação e distribuição de conteúdo por meio de novas tecnologias. Isso afeta diretamente a grande mídia porque as pessoas começam a comparar, analisar e questionar a qualidade e as omissões. Começa a haver certa concorrência de conteúdo, que não é exatamente uma concorrência econômica.

Há menos de uma década, a Folha de S.Paulo noticiou que um jovem músico entrou em um estúdio de rádio e, com um revólver em punho, exigiu que o locutor tocasse as músicas de sua banda. Esse era o único meio de dar visibilidade ao seu trabalho artístico. Hoje há novas possibilidades tecnológicas de distribuição, principalmente a internet, que transforma tal fato em algo pré-histórico. Esse poder centralizador da distribuição cultural está ruindo e isso provoca inevitavelmente um mal-estar.

O surgimento da ferramenta de publicação dos blogs é outra potencialização do mal-estar. Há uma grande quantidade de blogs bem estruturados em processos e conhecimentos de comunicação e jornalismo, além de inúmeros outros com a qualidade simples, mas primordial de um bom texto, uma boa análise ou inesperada criatividade. Exemplos não faltam: Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha, Altamiro Borges, Rodrigo Vianna, Blog do Mello, Luís Nassif, Na Maria News, Eduardo Guimarães, Rovai, portal Vermelho, Carta Maior, FNDC e tantos outros que nem dá para inumerar, mas que dissecam a relação entre a mídia e o poder. Há um mal-estar pela sensação de não só pautar, mas também ser a pauta.

Há um mal-estar político e com o governo Lula. É um governo que não prejudicou e nem enfrentou a mídia durante os dois mandatos, mas também não é facilmente domesticado, enquadrado. Há um certo mal-estar porque parece que a mídia culpa o governo por não a socorrer no momento em que o mar parece agitado. Mas há também um mal-estar por apostar em um projeto político da oposição (PSDB/DEM) que está completamente vazio de utopia, é um projeto de manutenção das desigualdades sociais travestido de sonhos gerado pelo marketing político. É um projeto que não pode pegar a bandeira da igualdade, da justiça e nem da fraternidade, moralidade, ética ou mesmo da gestão pública. É um projeto que, no fundo, visa manter o status quo. E isso é desagradável.

Há um mal-estar também na mídia porque parece que parte do povo, essa entidade, desprendeu-se do seu cabresto. Há uma certa insatisfação e angústia com a impotência das ações da própria mídia no que diz respeito à sua capacidade de convencimento, de direcionamento. É um mal-estar que beira a insanidade e gera frases como "o povo está contra a opinião pública".

Há um mal-estar por ter de dialogar e de se confrontar de igual para igual com blogs, sites e empresas sem grande capital financeiro. É algo como: "quem é esse Zé mané que está me criticando sem o meu filtro, sem minha permissão?" ou "quem é esse povinho que agora diz quem eu sou e como deve ser o jornalismo?" É aquele mal-estar de ter de falar de igual para igual com quem sempre lhe foi subalterno.

Por fim, há um profundo mal-estar porque estamos em um processo de reorganização das formas produtivas de comunicação. É possível que o capitalismo continue o mesmo na fábrica de sabonete, na usina de aço ou na indústria têxtil, mas há uma profunda mudança econômica e produtiva em andamento na indústria da cultura e isso inevitavelmente provoca uma incerteza, uma angústia, um certo medo.

A má notícia para a grande mídia é que isso parece ser só o começo. Quando organizações sociais, sindicatos e grupos utópicos de diversos setores da sociedade entenderem que a comunicação não é simplesmente um front de guerra, mas um espaço de mediação cultural que se porta como uma instância de superação da consciência de classes, de superação da consciência de grupo, aí as transformações serão muito mais aceleradas, muito mais intensas.

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