quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Uma alta capacidade de reproduzir preconceitos - Maria Inês Nassif (Valor Online)

As chances de erro nas previsões eleitorais são altas, pelo simples fato de que, entre o início da campanha e seu final, um processo se coloca em movimento, e só para quando o último eleitor digitar o seu voto na urna. Esse voto, ao longo da campanha, esteve exposto a todo tipo de argumento. Afinal, uma campanha nada mais é do que a tentativa de convencimento da maioria de que o projeto de poder de um determinado partido, ou candidato, é o mais apropriado para o país.
Quando o que está em jogo é conseguir interpretar uma emoção coletiva que, traduzida em números, represente a maioria dos votos para um determinado candidato, as coisas ficam difíceis. Os movimentos são detectados de forma muito fácil pelas pesquisas de opinião quando elas apontam uma tendência constante - por exemplo, ao longo de quase todo o período em que foi divulgado o tracking diário Vox Populi-IG-Bandeirantes, em especial na antepenúltima e penúltima semanas antes das eleições, os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) mantiveram intenções de voto praticamente estáveis. Era quase uma unanimidade, entre analistas, que Dilma venceria no primeiro turno. Na última semana, a ascensão de Marina Silva (PV) tirou o primeiro turno de Dilma - sejam quais forem as razões que levaram a essa mudança de tendência.

As primeiras pesquisas de opinião no pós-primeiro turno recuam à tendência detectada nas penúltima e antepenúltima semanas antes de 3 de outubro. Dilma volta a ser a favorita. Ao que tudo indica, a alta agressividade da campanha do tucano, em especial na última semana antes do primeiro turno, produziu resultados e chegou ao pico um pouco depois da primeira eleição, arregimentando votos que foram para Marina, e em seguida foi esvaziada em seus efeitos. Nas últimas semanas de campanha, o eleitor sofreu uma overdose de "denúncias" de várias fontes - horário eleitoral gratuito, imprensa tradicional, televisão comercial, telefonemas para suas casas, panfletos distribuídos em portas de igrejas e templos evangélicos, um súbito uso de pré-conceitos religiosos com a devida ajuda dos pastores de Deus na terra etc. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria colocar um outro item no rol "nunca antes na história desse país": nunca se usou tanta difamação num processo eleitoral como contra a candidata Dilma Rousseff, aproveitando-se dos preconceitos que já vêm embutidos no pacote mulher, petista, ex-militante da luta armada, ex-doente de um câncer, divorciada etc. Até que Dilma fosse candidata, sinceramente, eu achava que todo o estoque de preconceitos havia sido usado contra Lula nas campanhas de 1989, 1994, 1998 e 2002: operário, sem curso universitário, de origem nordestina. Os preconceitos da elite brasileira, no entanto, têm a insuperável capacidade de se superar.

Estoque parecia ter sido usado todo contra o operário Lula

Os excessos, todavia, têm limites. Existe uma linha muito tênue entre o medo que causa a difamação e a repulsa ao difamador. A artilharia pesada contra Dilma tende a torná-la vítima, daqui para 31 de outubro. Outra coisa é a maré. Dos dois candidatos, é Serra quem surfa contra a onda. O resultado nacional do primeiro turno não traz nenhum grande recado de desaprovação ao governo que Dilma representa. O presidente Lula, em nenhum momento da campanha eleitoral, teve reduzidos os seus índices de aprovação - e , ao que tudo indica, mantém uma capacidade de transferência inédita na história republicana brasileira.

O outro fator que pode favorecer Dilma, nessas duas últimas semanas antes do pleito, é que a agressividade da campanha do adversário tem produzido movimentos sólidos de unidade em torno da candidatura Dilma Rousseff, por parte de uma esquerda que estava dispersa desde 2002 e que à margem da militância partidária. O PT, que passou pelo processo de institucionalização e burocratização, tem vida partidária o ano todo mas perdeu capacidade de mobilizar massas, voltou a atrair contingentes que haviam se descolado do partido. Existe um óbvio receio do discurso pré-64 que foi a tônica da campanha tucana - e a reação é a unidade em torno de Dilma.

Esse é o movimento que detecto agora. Pode ser que não aconteça nada disso - a análise política, não raro, deixa escapar movimentos subterrâneos e súbitos. Pode ser que a nova classe média, que incha o meio da pirâmide social brasileira por conta da distribuição de renda ocorrida na última década, tenha se contaminado pelo conservadorismo próprio de classe, por medo da queda social. Mas, sinceramente, acho que, assim como milhões de brasileiros superaram a linha da pobreza, moveram-se também para fora de uma rigorosa linha de preconceito. O Brasil é conservador, mas não o foi quando decidiu eleger Lula, em 2002, e reeleger Lula, em 2006. O desejo de continuidade, se prevalecer nessas eleições e eleger Dilma, não terá nada de conservador, perto do discurso assumido pelo "candidato da mudança".

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