quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

As diferenças entre Lula e Chávez – por João V. (blog do Nassif)

"Ao final do governo Lula a grande mácula persiste: Somos ainda um dos países mais injustos do planeta."

Sim, mas mesmo com uma política decididamente apostada em diminuir as desigualdades sociais no Brasil, tal desiderato necessita de tempo. A questão é conquistar "momentum" e prosseguir consistentemente. Também julgo que uma deriva neoliberal seria desadequada, na verdade nem julgo que fosse verdadeiramente possível sem gerar grandes atritos sociais, insustentáveis talvez. Essa ideia de Estado mínimo neoliberal quer dizer, no fundo, uma diminuição drástica dos impostos sobre o capital e da regulação do mercado. Quer dizer, também, e por isso, um ataque frontal ao poder dos sindicatos de trabalhadores, daí, desde logo, o risco de convulsões sociais.

O problema com o neoliberalismo é, também, desde logo, a diferença entre a sua teoria e a prática, ou seja, advoga teoricamente que a desregulamentação do mercado e uma taxação mínima sobre o capital aumenta a produtividade do sector privado e, com isso, o emprego e a riqueza nacional. A questão é que esta taxação mínima implica um abandono do Estado social e com isto a presunção de que o crescimento vai ser contínuo, sem crises.

Mas a história tem mostrado que as crises são quase inevitáveis e é nestes momentos que o neoliberalismo manda a teoria para as urtigas e corre para o Estado em busca de fundos de emergência e coisas que tais, ou seja, nessa altura já quer a participação do Estado, mas apenas na forma de dinheiro para o capital, já que continua a não querer regulamentação. Então, apesar de teoricamente serem a favor do Estado mínimo, na realidade querem um Estado forte para a defesa dos seus interesses, um Estado que interfira no mercado sempre que necessário, sem que, no entanto, interfira em forma de regulação ou taxação. A única regulação que querem é a dos sindicatos, no sentido de lhes diminuir o poder real. Fora isso, nada mais senão deixar fazer e quando necessário injetar dinheiro no capital privado. Isto significa também que os impostos que ainda assim o Estado recolhe pertencem, na realidade, a esse grande capital, são como uma reserva, um fundo de garantia para que em tempos de crise se possam refinanciar e manter o domínio sobre a economia. Daí que a quebra dos sindicatos seja necessária ao Estado neoliberal, porque tal quebra diminui a capacidade da mão-de-obra se organizar e impor a transformação do Estado.

Em todo o caso, num Estado democrático é ainda possível eleger partidos mais sensíveis a regulação dos mercados e ao Estado social, mas se a destruição deste, durante o período de vigência do neoliberalismo for muito ampla e profunda, mesmo um governo de esquerda terá muitas dificuldades em agir consoante a sua matriz política e econômica, já que os recursos necessários para a reconstrução de um Estado social destituído são imensos e em tempos de crise esses recursos não abundam. Passa a ser preciso tempo, quer dizer, a ser necessário que governos mais sensíveis ao Estado social e à regulação do mercado perdurem para além do tempo mais agudo da crise.

Aqui podemos ver, por exemplo, a diferença de método entre Lula e Chávez. O presidente brasileiro prefere um caminho negociado, quer dizer, acenar ao capital com o apoio do povo para que o capital aceite maior presença da regulação e do Estado social, já Chavez parece querer destituir simplesmente a iniciativa privada, nomeadamente a nível de grande indústria, e passar a controlar todo o processo produtivo. O risco é que junto com a destituição do grande capital se destitua toda a iniciativa privada e caiam não só as classes altas, mas também a classe média. E um país sem classe média torna-se dependente, quase em absoluto, do Estado. Lula prefere um caminho mais longo, ou mais indirecto do que Chávez, que segue uma via muito mais directa, mas pode ser que esse caminho mais longo signifique preparação, nomeadamente pela educação e a protecção social, dos mais pobres para se tornarem cada vez mais autônomos, ou seja, um caminho que na prática resulte na construção de uma classe média vigorosa.

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