sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A defesa de Dantas por Raimundo Pereira - por Luis Nassif

Confesso não ter tido ainda tempo e paciência para ler a defesa que Raimundo Pereira faz de Daniel Dantas.A falta de paciência não é em relação a Raimundo - em outros tempos, autor de reportagens bem feitas -, mas ao assunto.

Li artigos que ele produziu e me baseio, agora, na síntese feita na Folha de hoje por Frederico Vasconcellos - que é criterioso.

A intenção de Raimundo de colocar Dantas como alvo de uma conspiração que inclui a Globo, a Veja e o governo é de um contorcionismo atroz. Atropela fatos e passa ao largo do que escrevi na série "O Caso de Veja". Lá demonstro claramente que Veja tem uma posição de denúncia do banqueiro até determinado momento, quando muda totalmente de linha e passa a assassinar reputações de todos os que se colocam no seu caminho. Qual a razão da mudança?

A primeira vítima de assassinato fui eu, jornalista que em outros tempos fazia parte da lista de pessoas que sempre ajudou Raimundo Pereira - seja mandando matérias para suas publicações, seja adquirindo coleções ou ações.

Os ataques que sofri da Veja vieram em edições com 6 (Raimundo: 6) páginas de publicidade de empresas de Dantas para cada edição de ataque. O preço pago por Dantas foi de 12 páginas de publicidade em duas edições da revista.

E fui atacado justamente por mencionar que o financiamento ao mensalão vinha de empresas de Dantas. A Folha me deixou na mão, sem uma defesa sequer. Recebi mais de 50 emails de leitores solidarizando-se comigo. Nenhuma carta foi publicada pelo jornal. Tempos depois, a própria Folha entrou de cabeça na defesa de Dantas, assassinando reputações de magistrados contrários a Dantas, criando falsas ênfases em torno dos movimentos de Heráclito Fortes e do tal relatório do Ministério Público italiano.

Uma juiza foi alvo de tentativa de suborno de lobista ligado a Dantas. Quando denunciou a manobra, foi alvo de um assassinato de reputação cruel, perpetrado na Folha. Anos depois, O Globo denunciou o lobista e a montagem do ataque contra a juíza - sem mencionar a Folha. Será que Raimundo passou ao largo de episódios como esse?

Foi escandalosa a defesa de Dantas, feita especialmente pela Veja e Folha, mais dicretamente pelo Estadão e Globo. E, agora, Raimundo coloca Dantas como vítima da Globo e da Veja para poder criar uma nova retórica de defesa para ele, legitima-lo perante um público de esquerda.

A Satiagraha foi atacada pelo mesmo governo que Raimundo Pereira, agora, acusa de ter perseguido Dantas para viabilizar a venda da Oi.Que "conspiração diabólica" é essa em que o delegado vira alvo de inquéritos da Polícia Federal, o juiz alvo de ações no Supremo, o delegado Paulo Lacerda é mandado para fora do país, a mão do Estado se volta contra os investigadores. Tudo encenação, "conspiração diabólica"?

É possível recolher inúmeras inconsistências no inquérito, as ilações de Protógenes sobre vazamentos de informação do FED, confusões sobre a imprensa (misturando lobistas com jornalistas atrás de informações). É possível fazer um apanhado de erros nas ações contra Dantas - conforme fizeram, antes, os próprios advogados de Dantas.

Raimundo simplesmente acolheu os argumentos dos advogados de defesa, deixando de lado o essencial: o processo espúrio que concede a Dantas poderes absolutos sobre empresas, através de acordos de acionistas escandalosos, firmados com antigas direções dos fundos de pensão. E, depois, o uso de assassinatos de reputação contra jornalistas, juízes, procuradores, pela máquina de moer reputações coordenada por Dantas e por Humberto Braz. Entra com capital ínfimo na Brasil Telecom e sai com R$ 1 bilhão, graças ao imbróglio que montou juntando ações na Justiça com uso reiterado de reportagens armadadas por ele na imprensa. E ainda é vítima? Indague-se qual a razão de todos seus sócios terem ido para a guerra com ele - da TIW à Telecom Itália, passando pelos fundos e, no final, pelo Citi.

Preciso ler o livro na íntegra para formar um juízo melhor. A idéia de que Dantas foi vítima de "conspiração diabólica", injustiçado por todos seus sócios, é mais adequada ao estilo Mainardi de parajornalismo, não ao grande jornalismo que Raimundo sempre praticou.

Folha de S.Paulo - Para jornalista, Dantas foi "demonizado" na Satiagraha - 10/12/2010
Para jornalista, Dantas foi "demonizado" na Satiagraha


Livro afirma que disputa pelo mercado de telecomunicações está por trás do caso


Autor diz que "trama política" desviou foco das privatizações e sustou investigação sobre o mensalão do PT

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

A "demonização" do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, foi resultado de disputas entre grupos econômicos pelo mercado brasileiro das telecomunicações.

A tese é do jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, 70, em "O Escândalo Daniel Dantas". O livro é uma crítica ao trabalho do delegado Protógenes Queiroz na famosa Operação Satiagraha.

O método de Queiroz foi "grampear conversas e mobilizar um exército de arapongas e analistas precários para tirar delas fragmentos que o mau jornalismo transformaria em escândalo", diz.

Ele vê uma trama política que desviou o foco das privatizações tucanas e sustou uma investigação sobre Dantas e o mensalão petista.

ORIGEM

A disputa pelo mercado das telecomunicações começou com as privatizações no governo FHC. Mas "o ataque a Dantas mudou de qualidade no governo Lula", diz.

Dantas "era um diabo como os outros" no inferno do sistema financeiro. "Atacá-lo, para não mudar nada, nem nas telecomunicações, nem nas finanças, foi uma jogada de mestre", diz o autor.

Em 1998, os grampos do BNDES revelavam a preferência dos tucanos pelo consórcio do Opportunity no leilão da Telemar. Mas quem ganhou foi o consórcio Jereissati-Andrade Gutierrez.

Dantas detinha o controle da Brasil Telecom (BrT). No governo Lula, os fundos de pensão pressionaram para afastar Dantas do comando da BrT e do fundo do Citi. O objetivo era vender a BrT à Telecom Italia, que disputava a telefonia celular.

Quem comprou a BrT, em 2008, foi a Oi, empresa de telefonia controlada por Sérgio Andrade e Carlos Jereissati. Esse grupo foi o grande beneficiado pela satanização de Dantas, segundo Pereira.

"GUERRA DE PAPEL"

Em 2000, a "Veja" mostra Dantas como um "financista demoníaco". "O Globo" denuncia irregularidades no fundo do Opportunity nas Ilhas Cayman. "Carta Capital" traz o primeiro dos quase cem textos contra Dantas.

Por trás dessas reportagens, diz Pereira, estavam os fundos de pensão, a canadense TIW, a Telecom Italia e Luiz Roberto Demarco, sócio demitido do Opportunity em 1999 e que se tornou "implacável acusador de Dantas".

A Telecom Italia, "com cobertura do governo brasileiro", rebaixou do campo político para o policial o nível da luta pelo controle da BrT. A TI fez espionagem e pagava cerca de 1 milhão de euros por mês ao financista Naji Nahas para intervir em seu favor na disputa com Dantas.

Agentes da TI invadiram o sistema da Kroll -que investigava ações do grupo italiano contra Dantas. Em 2004, a TI entregou à PF CD que deu origem à Operação Chacal, investigação contra Dantas.

MENSALÃO

Em 2007, Protógenes assume a Chacal, rebatizada de Satiagraha, para investigar se Dantas foi o grande financiador do mensalão petista.

Mas decidiu centrar a investigação na venda da BrT. Para Protógenes, havia a quadrilha de Dantas e outra de Naji Nahas. Por cima das duas, o Palácio do Planalto.

"Esse conjunto de hipóteses ridículas só se transforma em fato perante a opinião pública porque os procuradores e o juiz [Fausto De Sanctis] que as leem, ou deveriam ter lido, não se dão conta do absurdo", afirma Pereira.

Em 2008, o INC (Instituto Nacional de Criminalística) conclui que é difícil identificar os clientes do Opportunity que teriam feito operações suspeitas em Cayman. O delegado Protógenes "decide pedir ao juiz De Sanctis a operação controlada com a qual iria obter, do mesmo juiz, a condenação de Dantas por suborno".

Queiroz recebeu transcrição do grampo de uma curta conversa entre um sócio de Dantas, Humberto Braz, e o próprio Dantas, na qual o nome do delegado era citado.

"Era a saída para prender Dantas por corrupção", diz Pereira. Ele ouviu o grampo no Opportunity e diz que não há prova de que ali havia uma ordem para tentar corromper o delegado.

"GOLPE DE MESTRE"

A prisão de Dantas "foi golpe de mestre para duas tramas diabólicas": a Satiagraha havia sido inútil para investigar o mensalão e inócua para apurar as operações do Opportunity em Cayman.

Protógenes deu à TV Globo a exclusividade da cobertura da prisão e usou jornalistas da emissora no papel de policiais, afirma o jornalista.

Ele concluiu o livro em agosto, com duas previsões: Protógenes seria condenado e se elegeria deputado federal. O delegado se elegeu.

O ESCÂNDALO DANIEL DANTAS

AUTOR Raimundo Rodrigues Pereira
EDITORA Manifesto
QUANTO R$ 56,00 (326 págs.)

Folha de S.Paulo - Livro não traduz a verdade, diz Protógenes - 10/12/2010

Livro não traduz a verdade, diz Protógenes

DE SÃO PAULO

O delegado da Polícia Federal e deputado eleito Protógenes Queiroz (PC do B-SP) diz que o livro do jornalista Raimundo Rodrigues Pereira "não traduz a verdade".

"É um livro inidôneo, de um jornalista que foi respeitado no passado e que encerra sua carreira de uma forma melancólica, com um livro mentiroso que não traduz a verdade, tentando desqualificar meu trabalho contra a corrupção", diz o delegado.

Segundo Protógenes, "a verdade já foi retratada na sentença do doutor Fausto De Sanctis, que condenou o banqueiro bandido Daniel Dantas a dez anos de cadeia e ao pagamento de R$ 13,4 milhões de multa e reparação".

Protógenes afirma que o livro de Pereira retrata a sentença da 7ª Vara Federal Criminal -decisão do juiz Ali Mazloum, que condenou o delegado da PF a três anos e 11 meses de prisão, pena convertida em prestação de serviços, sob a acusação de ter vazado informações e fraudado uma das provas da Operação Satiagraha.

"Essa sentença vai sofrer apreciação dos tribunais superiores, que saberão dar a resposta que a sociedade merece", diz o delegado.

Protógenes levanta a suspeita de que a obra tenha sido financiada pelo banco Opportunity: "Não tenho como provar, eu ouvi dizer que esse livro foi financiado".

Pereira nega ter recebido recursos de Daniel Dantas.

De Sanctis diz que "uma obra literária pode ser ficcional e não possuir o comprometimento com as provas que o processo penal é obrigado a ter e o Judiciário a respeitar". "O livro possui ética bastante semelhante à das defesas, mas com uma extensão dirigida ao público", diz.

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