quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Início de festa pra uns, fim pra outros

Início de festa

Algumas pessoas questionam o início do governo Dilma, seus estranhos posicionamentos, como de ir ao jornal Folha de São Paulo, o mesmo que publicou uma ficha (da ditadura) falsa feita pelo DOPS*, que procurou saber de seu passado guerrilheiro no meio da campanha eleitoral com vistas a prejudicá-la, jornal que a atacou sumariamente, que defendeu seu adversário com unhas e dentes, que fez de tudo para conspurcar a democracia brasileira e eleger o candidato que eles desejavam – e não o povo.

Não só foi ao jornal, frise-se, como de maneira desastrosa, destacou o papel de Otávio Frias, justamente um dos maiores defensores da ditadura militar, que chegou a apoiá-la materialmente na persecução de seus nefastos objetivos. Se a presidente fosse lá única e tão somente defender a liberdade de imprensa, já cometeria por si só um erro estratégico grave, pois estes veículos de comunicação não possuem absolutamente nenhum apego a democracia. Tem sim, apego a continuar a bradar suas pseudo-verdades, independente do regime que aí se apresenta. Se o regime lhes é favorável ideologicamente (e financeiramente, claro), as favas com a liberdade.

O momento em que a Folha e alguns defenderam a redemocratização, foi quando o barco da ditadura já havia afundado – como é consabido, a Globo nem isto fez. Portanto, ao defender simultaneamente a liberdade de imprensa e o papel da Folha de São Paulo nela, a presidente, no mínimo, comete uma antinomia

Mais recentemente, a Folha – juntamente com seus irmãos ideológicos – apoiaram desmedidamente o inescrupuloso José Serra, que fez uma das campanhas mais sórdidas de que se tem notícia no mundo, talvez até mais abjeta que a de Collor. Dilma foi caluniada por todos os lados: era o poste, a assaltante de bancos, a defensora de abortos, a assassina, a ateia (¡que crime!), a lésbica, a terrorista.

Ela é presidente da república, e de fato deve governar para todos. Porém, julgo que o conveniente seria dar uma atenção especial para aqueles pelos quais ela foi eleita: pessoas mais humildes, trabalhadores organizados, movimentos sociais, etc. O que se observa, entretanto, é exatamente o contrário: a presidente, feito um cachorro com o rabo entre as pernas, vai, em direção – tanto física, quanto em atos políticos – atrás daqueles que a trataram a ferro e fogo.

O clima é o de início de festa. Mas toda festa tem um fim.

*: Convenhamos, “ficha falsa” é um pleonasmo: mesmo a ficha original, por ter sido escrita pela ditadura, já seria, por concepção, falsa.

O verdadeiro estelionato eleitoral

Não há compromisso por parte do governo com os movimentos sociais, aceno a sindicatos, mudança na lei dos meios de comunicação, sequer uma menção em acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) de investigar e punir as graves violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar.

Se a presidente, com uma inacreditável generosidade, perdoou as bestas-feras que a seviciaram, deve compreender que muitos outros torturados e seus familiares, bem como a sociedade brasileira – ou ao menos a parte íntegra dela – com toda a razão, não o fez: não querem revanchismo, querem justiça. Tem direito a isto.

Congresso

Ao invés de já começar seu governo tomando uma postura firme em direção a uma reforma política séria – que, pra começar, deve inserir o financiamento público de campanha –, não: o esforço do governo é para a aprovação de um salário mínimo vergonhoso – além do mais se considerando o recente aumento de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil dos congressistas, e seus deletérios efeitos em cascata, que agregaram cerca de 1,8 bilhões de reais nos custos governamentais ao longo do país, concomitantemente a um discurso fuleiro do “corte de gastos”.

Afora, claro, as muitas mordomias a que os parlamentares têm direito: só trabalham de terça a quinta-feira; possuem uma (extensa) “criadagem” (muito bem paga, por sinal), condução, passagens aéreas, “auxílio-escritório”, “auxílio-transporte”, segurança, cotas gráficas, auxílio-moradia de 3 mil reais, ou, podem ficar com os novos “apartamentos funcionais”, que estão sendo reformados a um preço extremamente oneroso, destinados a criar verdadeiros palácios para os reis nus poderem ficar bem confortáveis. Mas, obviamente, votam favoráveis ao valor miserável de 545 reais por responsabilidade para com o país.

E o PT, o PDT, o PSB, o PC do B, que compõem a pseudo-esquerda brasileira, destaque-se, votaram a favor do aumento brutal de seus salários e irrisório no salário mínimo: no dos outros é refresco.

Ministério

Como já escrevi, observamos a nomeação de uma serie de pessoas altamente vinculadas ao que há de mais reacionário na política nacional (Nelson Jobim, Antonio Palocci, José Eduardo Cardozo, Paulo Bebêrnardo, Garibaldi Alves, Edson Lobão, Moreira Franco, etc) - afora o vice-presidente, claro.

E eu tenho uma tese, que deveria desenvolver em outro momento, mas a apresento resumidamente aqui: onde Antonio Palocci esta, nada pode dar certo. Eu realmente não sei o que este tucano (e põe tucano nisto) faz no PT. Parece-me que ele é uma espécie de Midas ao avesso. Tudo que toca...

Perdidos no espaço

Enquanto isto, o governo fica com seu discurso absolutamente torto: enquanto deseja aumentar as exportações de produtos com alto valor agregado, dependendo menos dos produtos primários, corta 10% dos gastos em educação superior no país.

Chamem todos: Marx, Kant, Hegel, Schopenhauer, Rousseau, Hume, Sartre, Pascal, Locke, Descartes, Leibniz, Platão, Maquiavel, Stuart Mill, Adam Smith, Spinoza, Voltaire, qualquer um deles: nenhum conseguirá entender a lógica disto.

Concessões

Se alguém pensa que esta trégua entre o governo e a velha mídia é inarredável, basta lembrar que o início do governo Lula foi a mesmíssima coisa.

Talvez a mídia não esteja batendo como de sempre, porque o governo Dilma começou bem similar ao que o do Serra seria.

Em uma análise totalmente equivocada, vi um comentarista escrever que a grande imprensa estaria “pedindo água” com este clima mais ameno. Ledo engano. Não há absolutamente nenhuma capitulação da mídia: há do governo Dilma. A velha mídia esta onde sempre esteve.

Se alguém duvida, façamos uma análise: ¿quais foram as ações de maior impacto desde que ela assumiu a presidência? Responde-se com extrema facilidade: corte de gastos, aumento de juros e elevação irrisória do salário mínimo.

Destarte, pode-se fazer uma pergunta deveras interessante: ¿qual a diferença desta plataforma para a do Serra?

Eu não sei se a presidente toma tais atitudes conservadoras (de modo similar ao presidente Lula no início de seu mandato – este começou muito mal) para adquirir confiança, gerar confiança, e conseguir ao longo do tempo, de maneira mais harmônica, impor sua agenda. Se é esta a estratégia, acredito que ela esta fadada ao fracasso. Por mais que faça concessões, ela jamais será aceita pela direita. É como João Goulart (evidentemente, cada um com seu contexto), que cedeu inúmeras e inúmeras vezes. Assim mesmo, foi deposto. Ou, utilizemos um caso mais recente e similar, o do próprio Antonio Palocci. Era o símbolo, o baluarte da direita nativa no governo Lula, o queridinho, a “racionalidade”, o que “ganhou todas”. Quando foi interesse de alguns barões, isto não bastou para impedir que ele fosse bombardeado de todas as formas e caísse (a mídia fez isto porque, acreditando em suas próprias mentiras, julgou que tirando o Palocci arrasar-se-ia o governo Lula de vez, mas sua análise foi extremamente precária: exatamente quando o neoliberal foi tragado pela maré de denúncias e um desenvolvimentista assumiu o ministério da fazenda que o governo Lula embalou e o Brasil passou a crescer de maneira robusta – claro, a velha mídia jamais admitirá que uma política adversa a que defendia gerou o belo crescimento que o Brasil atravessa).

Em outros termos, o governo Dilma faz amplas concessões que são absolutamente inócuas para “selar a paz”. São apenas um armistício temporário, enquanto o inimigo se rearma para atacar mais adiante – e ainda posar de imparcial.

Tempos atrás, Ricardo Kotscho citando o jornalista Frederico Branco, bem destacou como age a direita brasileira: eles não aprendem, não esquecem e não perdoam.

Futuro

Sem bola de cristal, apenas com uma capacidade analítica mínima, podemos prever o futuro político do Brasil: fatalmente, mais adiante ocorrerá um novo “escândalo” no governo. Este escândalo, mesmo que não baseado em fatos, devido ao volume exagerado de notícias, de repercussão, de editoriais raivosos – se é que há alguma notícia que não seja um editorial nos dias de hoje – gerará uma nova “crise”. E, baseado no “escândalo” e na “crise” que a própria mídia gerou, esta mesma partirá com tudo pra cima, tentando derrubar a presidente, como é de sua natureza golpista.

Atores sociais

Neste momento de crise, a presidente Dilma vai recorrer aos babacas de sempre, exatamente para aqueles que agora ela vira as costas: aos sindicatos (especialmente a CUT), aos movimentos sociais, aos estudantes, a parte progressista da internet, etc., para não ser derrubada. Em nada diferente do que ocorreu com o presidente Lula – excetuando a relevância da internet, que na época era menor.

Não devemos nos esquecer que no auge da “crise” do “mensalão”, houve protestos nas ruas favoráveis ao presidente Lula em várias cidades. Isto é muito significativo. Relembro-me de uma entrevista em que Jorge Bornhausen disse explicitamente que a oposição queria o impeachment do presidente, porém, só não ia para as ruas defendê-lo porque não havia apoio político do povo para isto.

¿E não havia por quê? Porque os trabalhadores organizados, os estudantes, os movimentos sociais, aqueles que de fato puxam este tipo de mobilização estavam com o governo.

A tal falácia da estratégia do “deixar sangrar” – que alguns da oposição até hoje cobram seus pares por terem-na adotado – não era uma escolha. Se houvessem tentado derrubar o presidente Lula, teriam, no mínimo, conseguido apenas uma “venezuelização” do Brasil, com extremos se digladiando o tempo todo, e exterminando o “centro” político do país. E no máximo, teriam conseguido gerar um dos mais atrozes eventos da sociedade que é uma guerra civil.

Em outros tempos, os polutos da direita brasileira pagaram pra ver, porque supuseram que, de um jeito ou de outro, sairiam vencedores deste embate – como de fato, saíram. João Goulart preferiu fugir a iniciar uma guerra civil no Brasil, e a direita, sem disparar uma única bala, assumiu o poder.

Já em 2005, a análise não era tão clara, no fim das contas a direita poderia sair perdedora e arrasada: eles preferiram não pagar pra ver, e tentar derrotar o presidente Lula mais adiante, nas urnas. Não foi uma estratégia “deixar sangrar”. Era a única opção viável.

Armistício com quem não negocia

Voltando ao assunto principal, ¿por que a mídia ficaria batendo no governo logo de início, se a presidente esta encampando suas principais bandeiras? Corte de gastos, elevação de juros e precário aumento do salário mínimo, nomeação de diretores “juristas” para o Banco Central, tudo isto temperado com um ministério altamente conservador, acenos e mais acenos de paz, discurso moderado, esquecimento da tortura, da lei dos meios de comunicação, das reformas sociais, da diminuição da carga horária semanal para 40 horas, etc.

¿Bater pra que, se ela esta fazendo tudo que eles querem?

¿E de que adiantarão todas estas concessões do governo? ¿Pensam que assim estarão conquistando a amizade da mídia? Não adiantará nada. Pode-se escrever em pedra. Mais adiante, partirão com tudo pra cima do governo e da presidente – uma questão de classe.

Abandono

Ao invés de se voltar para os seus, a presidente escolhe um caminho diverso, ao invés de fazer um governo de esquerda, ao contrário, opta por cair nos braços da direita e ser mais realista que o rei.

Talvez queira agradar a todos os lados, porém, jamais conseguirá. Os interesses são antagônicos. E, se pensa que fazendo uns agrados a direita ela pode manter o essencial a esquerda, a presidente esta muito enganada. É um fosso sem fundo - por mais que ela ajude os conservadores, eles nunca dar-se-ão por satisfeitos. Por outro lado, se ela tenta agradar a esquerda (se é que tenta fazê-lo com a esquerda, eu mesmo creio que não) e à direita, ela bem me lembra a frase do revolucionário latino-americano Che Guevara, “os meios-termos não podem significar outra coisa senão a ante-sala da traição”. Ou esta com nós ou esta com eles.

Suponho, de maneira lúgubre, que a frase não caiba no contexto em que a insiro, porque não há meio-termo nenhum: com raras exceções, o governo é como um todo, um governo extremamente conservador. Esta com eles, portanto.

Eu não acredito que estou escrevendo isto, mas se for pra governar desta forma, pasmem, talvez a eleição do Serra fosse menos nociva ao país, pois ao menos assim as forças progressistas estariam desde o início armadas contra o conservadorismo. Agora, não: boas pessoas, das origens mais diversas, deixam-se levar, não pelo que veem no governo Dilma, mas pela oposição que fazem a seus inescrupulosos adversários políticos.

A direita esta derrotando o governo Dilma da mesma maneira como a igreja católica derrotou os Vikings: não pela luta (no caso, as urnas), mas por dentro.

A diferença entre o PT no governo (não seus militantes) e o PSDB se esvai – e não é pelo fato, infelizmente, de o PSDB ter passado a ser um partido progressista. A cada dia deste governo, como já escrevi de quando da nomeação ministerial, parece se repetir a última cena de A revolução dos bichos: os porcos se levantam, pois já não há mais diferença entre eles e os homens.

Pedindo baixa

De quando da perspectiva da eleição de José Serra, fiz de tudo o que estava ao meu alcance para impedir sua nefasta eleição: muitos e-mails e postagens em meu blog, conversas com vizinhos, parentes, amigos e colegas de serviço, fui as ruas bandeirar e distribuir panfletos, enfim, fiz o que me cabia, como proletário e como homem.

Porém, quando a próxima crise política vier, quando estes “novos amigos” lhe darem não só as costas, como atacarem este governo e a presidente com tudo que possuem, e aí então o governo e a direção do PT se lembrarem de suas bases, de quem os elegeu, se lembrarem para pedir ajuda, quando a presidente e seu partido necessitarem de apoio nas ruas, tenham certeza de que contarão com um soldado a menos.

Até porque, como já bem disse, sou um operário – e não um palhaço.

Se todos são keynesianos, o que Keynes diria a Dilma? – por Fernando Ferrari Filho e Marco Flávio Resende (Valor Econômico)

A crise financeira internacional e seus desdobramentos sobre o lado real das economias, em especial em 2009, em termos de recessão, desemprego e desaquecimento do volume de comércio, acabaram originando um consenso entre economistas acadêmicos, analistas econômicos e "policymakers", qual seja, todos passaram a ser "keynesianos" - cabe ressaltar que, infelizmente, a maioria deles tão somente por oportunismo - tanto para explicar a referida crise quando para remediá-la.

No Brasil, não foi diferente. Apesar de as autoridades econômicas terem, em um primeiro momento, subestimado os impactos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira, as políticas monetária e fiscal contracíclicas, de cunho keynesianas, implementadas pelas autoridades econômicas foram fundamentais para que o país saísse da recessão e voltasse a crescer de forma pujante e até surpreendente - segundo estimativas preliminares, em 2010 o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve ter crescido ao redor de 7,5% -, por mais que o cenário internacional ainda seja de turbulência.

A "bola da vez" continua sendo a crise fiscal-financeira dos Piigs, acrônimo para Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.

Se nossa atividade econômica apresenta um resultado exuberante, pelo menos no curto prazo, voltamos a enfrentar "velhos" problemas do período da prosperidade, dentre os quais a tendência à apreciação cambial, cujos efeitos são a deterioração da balança comercial e o processo de desindustrialização, e o viés do Banco Central (BC), receoso do "descontrole" da inflação, em querer subordinar a política fiscal ao regime monetário, que acabam impondo limitações para que a economia brasileira tenha estabilidade macroeconômica intertemporal (crescimento econômico robusto, inflação sob controle e equilíbrios fiscal e externo).

Nesse particular, sendo todos "keynesianos" e supondo que fosse possível psicografar Keynes, quais medidas econômicas o "mestre" sugeriria para a presidente Dilma Rousseff? Centrando as atenções em algumas das proposições de política macroeconômica apresentadas por Keynes ao longo de seus escritos, reunidos nos 30 volumes dos "Collected Writings of John Maynard Keynes", publicado pela Royal Economic Society, ele proporia maior coordenação das políticas fiscal, monetária e cambial, seja para resolver "os principais problemas da sociedade econômica em que nós (Brasil, inclusive) vivemos, que são o desemprego e a arbitrária e desigual distribuição da renda e da riqueza" (John Maynard Keynes. "The General Theory, of Employment, Interest and Money". New York, HBJ Book, 1964, p.372), seja para solucionar o desequilíbrio e a vulnerabilidade externa brasileiras.

Para tanto, Keynes proporia:

1) Política fiscal ancorada tanto na administração de gastos públicos - algo completamente diverso de déficit público - quanto na política de tributação. No que diz respeito à administração dos gastos públicos, deveria haver dois orçamentos: o corrente, para assegurar recursos à manutenção dos serviços básicos fornecidos pelo Estado à população, tais como saúde pública, educação e segurança pública, e o de capital, em que o Estado realizaria investimentos públicos complementares aos investimentos privados e fundamentais para a expansão da demanda efetiva. A ideia de Keynes com os referidos orçamentos é a de que, em períodos de prosperidade, o gasto público deve ser reduzido, ao passo que, em períodos recessivos, ele deve ser elevado. Assim, a política fiscal torna-se contracíclica e assegura o equilíbrio fiscal intertemporal do governo. A política de tributação, por sua vez, deveria concentrar-se essencialmente nos impostos sobre a renda, o capital e a herança, viabilizando, assim, uma melhora da distribuição da renda e da riqueza. Pois bem, a partir da proposição fiscal de cunho keynesiana e observando a situação fiscal brasileira dos últimos anos, percebe-se que a reduzida taxa do investimento público e a elevada carga tributária indicam que o ajuste fiscal deve se concentrar nos gastos de custeio e na racionalização do gasto público;

2) Flexibilização da política monetária para dinamizar os níveis de consumo e investimento e afetar a preferência pela liquidez dos agentes econômicos. No caso do Brasil, acrescente-se que a redução da taxa básica de juros (Selic) é fundamental para arrefecer o custo de rolagem da dívida pública;

3) Política cambial para assegurar a manutenção da taxa real efetiva de câmbio de equilíbrio e não gerar pressões inflacionárias. A taxa real efetiva de câmbio estável é fundamental pois, diante de um contexto em que a liquidez internacional continua muito elevada em função das políticas adotadas nos países centrais para superar a crise, as taxas de juros internacionais estão baixas e o crescimento dos países centrais está relativamente estagnado, as elevadas taxas de crescimento de economias emergentes (e, no caso do Brasil, também de juros) ensejam grande influxo de capitais que, por sua vez, acabam provocando a apreciação da taxa de câmbio (em especial do real). Como sabemos, essa experiência foi vivida pelo Brasil em passado recente: devido à elevada liquidez internacional o câmbio apreciou-se, o déficit em transações correntes tornou-se crescente e os superávits da conta de capital e financeira e do balanço de pagamentos elevaram-se, criando, assim, a pseudo-impressão de que esses resultados decorriam da robustez da economia. Contudo, quando a liquidez internacional foi arrefecida, o racionamento dos fluxos de capitais para a economia brasileira tornou-se uma realidade e a crise cambial se instalou, em grande parte recrudescida pela abertura financeira. Portanto, para evitarmos os erros do passado decorrentes dos desequilíbrios externos da economia brasileira, câmbio administrado e regulação e/ou controle dos fluxos de capitais são imprescindíveis.

Em suma, resgatando Keynes, espera-se que Dilma e suas autoridades econômicas sinalizem políticas fiscais e monetárias contracíclicas e intervenções no mercado de câmbio para que o país tenha, a despeito do cenário internacional desfavorável, estabilidade macroeconômica intertemporal.

Fernando Ferrari Filho é professor titular do departamento de Economia/UFRGS, pesquisador do CNPq e vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
Marco Flávio Resende é professor do Cedeplar/UFMG, pesquisador do CNPq e diretor da AKB.

As dúvidas sobre a estratégia política de Dilma - por Luis Nassif

Vamos tentar entender um pouco essa questão da presença da presidente Dilma Rousseff nos 90 anos da Folha.

O pós eleições mostrou claramente que o único pólo remanescente de oposição radical reside em uma dobradinha mídia-PSDB paulista explorando preconceitos contra o governo Lula. Foram cinco anos de pauleira que não pouparam ninguém, nem Lula, nem Dilma, nem quem ousasse ficar na frente do blitzkrieg midiático.

A motivação da velha mídia não é ideológica. Busca posicionar-se politicamente, recuperar influência em um quadro de profundas transformações tecnológicas, políticas e sociais no decorrer do qual perdeu o cetro de poder político máximo do país.

Eleita, a estratégia de Dilma Rousseff foi similar à de Getúlio Vargas, após a derrota paulista em 1932: estendeu a mão aos vencidos. Praticamente desativou a Lei dos Meios, enfrentou a reação das centrais sindicais ao novo mínimo, não fez nenhum aceno até agora aos movimentos sociais e compareceu na condição de presidente ao aniversário de 90 anos da Folha de São Paulo.

Com a presença na solenidade da Folha, Dilma atacou as duas frentes: o pacto de 2005 da velha mídia e os resquícios (ainda fortes) de preconceito contra ela em São Paulo. No aniversário da Folha, foi estrela máxima, a presidente imbuída de toda solenidade do cargo. Nas fotos do evento, FHC parecia o súdito constrangido cumprimentando a soberana.

Portanto, um lance que enfraquece o último bastião no qual se escorava o que restou da oposição que perdeu as eleições. Ajuda, inclusive a abrir mais espaço para a nova oposição que emergirá no decorrer do ano.

O preço desse movimento são as dúvidas que trazem sobre a posição de Dilma nos próximos anos.

Próximos lances

O discurso de Dilma foi protocolar, educado, adequado ao momento. Externou princípios consagrados de defesa da liberdade de imprensa e do papel da imprensa na democracia. Mas despertou indagações de monta, sobre se essa aproximação seria tática, estratégica, se significaria uma ruptura com o modelo Lula – porque baseada no abandono na Lei dos Meios.

Vamos por partes.

Primeiro, não há a menor possibilidade de apostar em um rompimento dela com Lula. Ambos são suficientemente maduros e espertos para não embarcarem nessa falsa competição.

A sensação que passa é de uma estratégia combinada, na qual caberia a Lula manter a influência sobre movimentos populares, sindicalismo e PT; e a Dilma aproximar-se e desarmar os setores empresários e políticos mais refratários ao lulismo-dilmismo.

Do ponto de vista de estratégia política, conseguiram fechar o melhor dos mundos: o antilulismo está sendo carreado pela velha mídia para um pró-dilmismo, resultando um xeque- mate: se o governo Dilma for bem sucedido, ela é reeleita; se for mal sucedido, Lula volta.

Essa súbita paixão da velha mídia por Dilma não apenas tira Serra da parada midiática, como reduz o espaço de novas lideranças de oposição.

É evidente que não vai durar para sempre. Mas provoca um conjunto de indagações.

A primeira, o fato de Dilma ter ignorado a militância que se formou na Blogosfera para defendê-la da combinação de ataques difamatórios da velha mídia e do esquema montado por Serra. "Assassina", "terrorista", "assaltante", "poste", lésbica, foram apenas parte desse círculo de horrores.

Não cabe a uma presidente da República remoer mágoas. E seu papel, responsável, é o de baixar sempre que possível a fervura política.

Mas caberia muito antes do evento uma manifestação em relação à militância que a defendeu com unhas e dentes – nem me refiro aos jornalistas blogueiros, mas aos blogueiros que emergiram nessa batalha, a jovem militância que chegou de norte a sul para enfrentar o exército de assassinos de reputação de Serra.

O segundo ponto é sobre o desenho final do governo Dilma.

Até que ponto, para aproximar-se do pacto paulista, ela deveria se afastar dos movimentos sociais? Sua eleição não provocou nenhum rebuliço político por parte dessas forças, nenhum acerto de contas, nenhuma exorbitância maior mesmo dos setores mais radicais que a apoiaram. Esse afastamento gradativo não é boa política. Acumula mágoas que poderiam ser evitadas como acenos, pequenos sinais.

Fora os gestos políticos, o que se espera do governo Dilma – a partir de dois meses de avaliação – será um ímpeto gerencial maior, uma cobrança maior tornando o governo mais eficiente. Mas, ao mesmo tempo, nenhuma ousadia para enfrentar temas polêmicos, como a reforma fiscal, a lei dos meios, a reforma política.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"Revolta contra o capitalismo é forma de reforçá-lo" – (entrevista com Slavoj Žižek) por Jorge pontual (GloboNews)


Toda a revolta contra o capitalismo — protestos, movimentos ecológicos, fundamentalismo islâmico — pode ser apenas uma forma de reforçar o seu poder. A teoria é do polêmico e bem humorado Slavoj Žižek, pensador esloveno conhecido pelo mundo, tanto pelos seus 50 livros publicados, quanto pelas suas análises lacanianas dos filmes de Hollywood, de Alfred Hithcock e David Lynch.

Na entrevista, concedida ao repórter Jorge Pontual, no programa Milênio, da GloboNews, Žižek fala da transformação do Afeganistão em um país fundamentalista, sobre a expansão e diferenças do populismo na América Latina e também da reação das pessoas no mundo Ocidental à pressão para serem livres.

“O que a sociedade está lhe dizendo é o seguinte: ‘Seja você mesmo, seja você plenamente, realize o seu potencial’. Com toda essa pressão para sermos livres, sofremos mais de ansiedade e de impotência do que nunca”, analisa.

Leia a entrevista de Slavoj Žižek a Jorge Pontual:

Jorge Pontual — Protestos anticapitalistas, movimentos ecológicos, militantes pacifistas, fundamentalismo islâmico, redes de terroristas: à primeira vista, todos seriam inimigos do sistema dominante. Na verdade, apenas reforçam o poder do capitalismo avançado. Esta é uma das teses polêmicas do pensador Slavoj Žižek, o enfant terrible da filosofia, o rock star da psicanálise, o inimigo radical tanto da direita quanto da esquerda. Nascido na ex-Iugoslávia, no que é hoje a pequena Eslovênia, Žižek tomou de assalto o mundo acadêmico internacional com mais de 50 livros publicados em dezenas de países, entre eles o Brasil. Turnês mundo afora com palestras superlotadas e infindáveis vídeos e filmes sobre sua obsessão: o cinema. Aliando a erudição ao gosto por piadas escatológicas, Žižek é um marxista mais próximo de Groucho Marx do que de Karl Marx. Um comunista que segue Jesus e que prega o cristianismo sem Deus. No primeiro de dois Milênios profundos e também hilariantes, gravados no estúdio da Globo em Nova York, Žižek fala do terrorismo e dos impasses da esquerda populista e não deixa pedra sobre pedra.

Jorge Pontual — Olhando por esta janela dez anos atrás, era possível ver as torres gêmeas. Elas ficavam bem ali. Você escreveu muito sobre isso, certo? Vamos falar primeiro sobre isso: os atentados de 11 de setembro, suas consequências, para mostrar aos nossos espectadores como você trata um tema, as ideias preconcebidas, a ideologia escondendo a verdade nesses tipos de situação. Por exemplo, que o liberalismo americano e o fundamentalismo islâmico fazem parte do mesmo sistema, que não é possível entender um sem o outro.
Slavoj Žižek — Se retroalimentam.

Jorge Pontual — Um se alimenta do outro.
Slavoj Žižek — Isso é crucial para o modo como a ideologia funciona hoje. Como disse o grande filósofo Gilles Deleuze, nós não temos apenas respostas erradas para alguns problemas, mas temos também problemas errados. Problemas que talvez tenham relação com problemas reais, mas pela maneira como são formulados, eles são mistificados. Logicamente, o terrorismo é um problema real que enfrentamos. Mas ao formular o problema como uma luta entre a tolerância liberal e o fundamentalismo, você já mistificou o problema. Por quê? Porque eles são, como você disse — e eu concordo plenamente — eles são dois lados da mesma moeda. Não que não importe que eles sejam diferentes, mas é a ordem liberal mundial que, por uma necessidade intrínseca, gera o fundamentalismo. O maior exemplo, que eu sempre cito, é o Afeganistão. Infelizmente, tenho idade suficiente para lembrar o que era o Afeganistão há 35, 40 anos. Talvez fosse o país mais tolerante e menos fundamentalista. Era o país muçulmano menos fundamentalista do Oriente Médio.

Jorge Pontual — Tinham um partido comunista.
Slavoj Žižek — Um partido forte, local. Ao assumir o poder, surpreendeu até os soviéticos.

Jorge Pontual — As mulheres não usavam véu.
Slavoj Žižek — Eles tinham um rei que era uma espécie de reformista progressivo. Mas os comunistas eram tão fortes que achavam que podiam dar um golpe de Estado sozinhos. Quando a União Soviética interveio, os EUA fortaleceram seus próprios agentes para combatê-la, dentre eles, Osama Bin Laden e outros. Então, como resultado, o Afeganistão se tornou fundamentalista. Não se trata de um país que sempre foi fundamentalista. O Afeganistão se tornou fundamentalista porque ficou enredado na política mundial.

Jorge Pontual — Agora o fantoche americano, Hamid Karzai, está recebendo dinheiro do Irã, o “inimigo maligno”, e está dizendo: “O patriotismo tem um preço. Os EUA também me dão dinheiro”.
Slavoj Žižek — Isso é o mais triste desses países que os EUA querem “democratizar” sem o devido trabalho político. O resultado é uma mistura de fundamentalismo religioso e corrupção pura e simples. E você não sabe o que escolher. Eu estive recentemente — na verdade, há mais de um ano — em Ramallah e conversei com alguns intelectuais palestinos que me disseram que a maior tragédia para eles era que, nos últimos 20, 25 anos, a esquerda secular palestina havia praticamente desaparecido. Até mesmo certos rostos. Você se lembra, alguns anos atrás, ela era quase sempre o rosto da OLP na CNN, Hanna Ashrab. Ela ainda está lá, e eu sei... Essa é uma história maravilhosa. Um israelense me explicou que ela desapareceu num acordo estranho entre os dois lados. Os palestinos não queriam que ela... Os fundamentalistas diziam: “Que história é essa? Uma mulher que foi educada no Ocidente não pode nos representar”. Os sionistas de linha dura também não a queriam porque diziam que ela passava a imagem errada. As pessoas iam achar que os palestino eram normais. Eles preferiam os palestinos de Arafat, que balbuciavam num inglês mal articulado. E sobre o que você falou da cumplicidade dos dois lados... Vou contar algo que vai interessar aos espectadores. Uma história incrível que aconteceu com um bom amigo antissionista. Udi Aloni, um cineasta judeu. Alguns dias depois do atentado de 11 de setembro, ele pegou um táxi próximo a Union Square. E, chegando à Union Square, o taxista, um muçulmano fundamentalista, contou a ele a história de sempre: que o atentado tinha sido planejado pelos judeus, que nenhum judeu tinha morrido porque todos haviam sido informados e coisa e tal. O que ele fez em respeito aos seus irmãos judeus? Pediu que o homem parasse o táxi porque não falava com pessoas de visão tão estrita. Ele desceu e atravessou a Union Square, onde viu um grupo de judeus fundamentalistas pregando para as pessoas, e um deles gritava: “Agora temos uma prova de que Deus nos ama. Nenhum judeu morreu no atentado de 11/9!” Ele pensou: “É a mesma coisa!” O sotaque era diferente, a história era igual. O mesmo que aconteceu com o Afeganistão aconteceu com o Kansas aqui nos EUA. Essa é a tragédia americana. Seus telespectadores devem conhecer o livro maravilhoso... Não é uma grande teoria, mas uma boa descrição, de Thomas Frank. Ele diz que o Estado americano que, há 30 anos — e foi assim por mais de 100 anos — era o mais progressivo de todos, sempre foi, começando com John Brown, tinha o mais articulado movimento abolicionista, é agora o alicerce da linha mais dura.

Jorge Pontual — Não se ensina a evolução.
Slavoj Žižek — Pois é. Isso deveria nos fazer pensar.

Jorge Pontual — É o Afeganistão dos americanos. Mas isso é um fenômeno novo, certo? Não é tradição.
Slavoj Žižek — É, mas isso faz parte. E é aí que chegamos a uma tendência geral. Faz parte de uma tendência geral muito preocupante. Estou escrevendo um livro político em que tento desenvolver esse tema. Não posso falar do seu país ou da América Latina. Mais até na Europa do que na América Latina, é uma coisa que realmente me preocupa e me apavora. Deixe-me simplificar ao máximo. Até agora, na disputa política típica, o máximo que temos são dois grandes partidos: um de centro-esquerda, outro de centro-direita, com o mesmo poder, ambos agradam a toda a população. E há outros partidos menores. Agora uma coisa terrível está acontecendo. Cada vez mais, entre esses dois partidos, um deles desaparece, ou eles se unem. Eles deixam de ser dois partidos e nós ficamos com um partido principal. Vamos chamá-lo de “Partido do Puro Capitalismo Global”. Ele é pró-capitalismo, mas, ao mesmo tempo, defende a diversidade cultural, os homossexuais, o aborto. O único sério oponente, o que realmente inflama os ânimos, é o anti-imigrantista, nacionalista, fundamentalista etc. E não apenas em antigos países comunistas do sudeste europeu, como Hungria, Romênia e Albânia. Mesmo naqueles que eram para nós, na Europa, o mito de tolerância: a Suécia, a Noruega, a Holanda etc. Essa é a nossa tragédia. É muito preocupante. Porque a esquerda tragicamente aceitou essa, digamos, “despolitização”. De acordo com os acadêmicos de esquerda, todos os problemas agora são problemas culturais, de tolerância e assim por diante. Pense na Europa Ocidental: a única força política, não essas maoístas com membros em cinco países, mas a única força política relevante que ainda ousa se dirigir à classe trabalhadora são os anti-imigrantes de direita. Na França, Le Pen é a única entre os políticos. E isso me preocupa. Eu me lembro de um velho dito de Walter Benjamin: “Por trás de todo fascismo há uma revolução de esquerda fracassada”. Isso é literalmente verdade nos países árabes, por exemplo. Nós nos esquecemos completamente de como, até 20, 30 anos atrás, havia partidos comunistas muito fortes, seculares. Tudo isso desapareceu. E, por isso, eu digo aos meus amigos liberais: “Não quero mais terrorismo, mas vocês se dão conta de que apenas algum tipo de novas esquerda, não sei qual, poderia salvar suas próprias ideias liberais?” E algo novo, não a velha e conhecida esquerda comunista. E não há ambiguidade nisso. A experiência stalinista do século 20...

Jorge Pontual — Acabou.
Slavoj Žižek — Não apenas acabou, como talvez tenha sido a maior tragédia política, ética, talvez até econômica, da história da humanidade. De certa forma, foi muito pior que o fascismo. Por quê? No fascismo, você sabe. Fazendo uma análise simplista, os fascistas são os caras maus que diziam em seus programas: “Vamos fazer coisas ruins”. Aí, chegaram ao poder e fizeram as coisas ruins. Certo, e daí? Com os comunistas, foi uma verdadeira tragédia. O que quer que se diga sobre eles, no começo, havia um potencial emancipatório que se transformou em terror, de certa forma ainda mais terrível e mais difundido. Então, por que me refiro ao stalinismo de forma quase ambígua? Creio que se trata do maior enigma do século 20. Acho que até o mais liberal crítico de direita anticomunista naqueles grandes livros, como os de Montefiore. Eles não dão conta do recado. Nós ainda precisamos confrontar esse enigma. Mesmo os teóricos de esquerda importantes o evitam, como os da Escola de Frankfurt: Habermas e outros. Eles não descontaram todos os escritos contra o fascismo, e assim por diante. Eles ignoram totalmente o fenômeno do stalinismo. É algo que ainda temos que abordar.

Jorge Pontual — Uma coisa sobre a qual você fala brevemente no seu livro e que gostaria que elaborasse um pouco mais é o capitalismo populista da América Latina. O que é esse capitalismo populista de que você fala?
Slavoj Žižek — Eu não tenho uma teoria muito profunda. O que estou querendo dizer é que... Vou ser bem sucinto. Em primeiro lugar, quero enfatizar bem: talvez até seja uma coisa boa. Posso ser radical de esquerda, mas não sou um idiota completo. Não estou esperando a formação do novo partido leninista. Nós devemos ser realistas e aproveitar as oportunidades. Li um texto excelente de Goran Therborn, um sociólogo sueco. O texto é bem simples, mas é fantástico. Ele toma dois conjuntos de valores. Primeiro, ele calcula, de acordo com dados oficiais, o nível de igualitarismo dos países escandinavos. Apesar da crise e tudo o mais, eles ainda são extremamente igualitários. Eu fiquei chocado ao saber que, na Noruega, mesmo em empresas privadas, a variação entre o maior e o menor salário é de 1 para 4, talvez de 1 para 5. Agora, o contra-argumento neoliberal de costume é que, se fizermos isso, se mantivermos o seguro-saúde e tudo o mais, enfraqueceremos a competitividade. Sabe o que ele fez? Ele não analisou publicações parciais de esquerda, mas o Wall Street Journal, a lista oficial dos capitalistas dos países mais competitivos. Eles estão no topo da mesma forma. Mas, no topo do topo temos Cingapura e Hong Kong. Depois, vêm Suécia e Noruega. Isso prova que não é verdade o que os neoliberais estão dizendo, que, ao abolir o Estado assistencial, você perde competitividade. Desculpe, mas não necessariamente. Eu não idealizo Lula, mas vocês, ainda assim, provaram que, nos últimos anos, com Lula na presidência... Volto a dizer que não o idealizo. Como isso se relaciona como a sua pergunta? O que está acontecendo graças ao imortal presidente George Bush, o filho? Por causa de uma coisa que ele fez, todo esquerdista deveria rezar pela alma dele todos os dias. Nos seus oito anos de governo, ele, com certeza, enfraqueceu a hegemonia e a liderança mundial dos EUA. Depois de seu governo, os EUA são, cada vez mais, apenas um entre muitos. Agora estão surgindo novos blocos hegemônicos. Vamos chamar ainda de bloco dos EUA e países anglo-saxões, a Europa ainda está buscando o seu caminho. Temos o que chamamos ceticamente de “capitalismo com valores asiáticos” nos países orientais mais autoritários e temos o populismo latino. Se você me perguntar, nenhum deles me agrada. Em primeiro lugar, eu não gostaria de viver num mundo onde as escolhas fossem apenas China ou EUA. Eu gostaria de elaborar mais sobre as diferenças. Diferentemente de alguns amigos meus... Não estou falando aqui do Brasil, mas de populistas de esquerda latinos, como Perón e Chávez atualmente. Eu não confio neles. Para mim, este foi o meu grande mal-entendido — e ele literalmente me odeia por isso — com meu ex-amigo Ernesto Laclau. Ele ainda acha que o populismo é algo originalmente progressivo, que promove o avanço da esquerda. Não. O populismo está sempre, por definição, na origem do fascismo. Populismo significa construir um grande bloco nacionalista acima das diferenças de classe. Então, quem passa a ser o inimigo? Não há mais a luta de classes, então precisamos de alguém, mesmo que não os judeus, de alguém como os judeus, contra quem possamos nos rebelar. Por isso, infelizmente, não concordo com meus colegas argentinos que elogiam o peronismo de esquerda. Acho que o peronismo foi uma catástrofe. Nesse nível, não estou tentando bajular o Brasil, não sei o bastante sobre vocês. Mas acho que, talvez, e me corrija se eu estiver errado, alguns de seus presidentes tenham flertado... Como era o nome dele?

Jorge Pontual — Com o fascismo?
Slavoj Žižek — Não, não. Com o populismo, até o esquerdista Quadros... Kubitschek... (creio que ao invés de Quadros ele se referisse a Jango)

Jorge Pontual — Jango.
Slavoj Žižek — É, um pouco. Mas, entretanto, vocês nunca se encaixaram nesse verdadeiro populismo latino-americano. Essa foi a sorte de vocês. É por isso que vocês estão prosperando. É por isso que a Argentina não consegue decolar. É por isso que, mesmo na Venezuela, Chávez, eu afirmo... Eu não entendo. Deixe-me ser bem claro. Primeiro, Chávez fez algo pelo qual deveríamos ser gratos a ele. Pelo que eu sei, ele pelo menos tentou ir mais longe do que Lula e tudo o mais, para realmente incluir no processo político os excluídos das favelas. Isso é muito bom. Se não fizermos isso, vamos nos acercar de uma guerra civil interna. Não é apenas um fenômeno latino-americano. Olhe a França, todos aqueles carros queimados. Olhe a China! Eu estive lá há três meses, e eles me perguntaram se eu sabia quantas rebeliões violentas espontâneas aconteciam dentro da China por ano. Por “rebelião” quero dizer uma comoção tão importante que a Polícia e o Exército têm que intervir, e há derramamento de sangue. Por ano, são 20 mil. Entende? Tudo bem. Mas, em minha opinião, ele se perdeu nesse tradicional. E o petróleo foi a sua maldição, de certa forma.

Jorge Pontual — Chávez?
Slavoj Žižek — É. O mesmo acontece com os regimes árabes. Se você tem uma grande fonte de dinheiro, isso, infelizmente, dá a você espaço de manobra suficiente para adiar o aparato realmente eficaz do Estado, as reconstruções e tudo mais.

Jorge Pontual — E qual é o problema de Chávez?
Slavoj Žižek — Em minha opinião, é funcionar cada vez mais como um país caudilhista latino-americano. Eu sei que ele também tenta implementar umas parcerias, mas é basicamente um estado autoritário.

Jorge Pontual — E a proximidade deles com o governo de Ahmadinejad?
Slavoj Žižek — Foi aí que começaram as minhas suspeitas com relação a Chávez. Primeiro pensei que talvez fosse bom o que ele estava tentando fazer. Mas veja os aliados dele. Talvez você conheça o ditado que diz: “Diga-me com quem andas e te direi quem és”. Ahmadinejad! Pior ainda, Lukashenko. Sem falar de Putin. Lukashenko. Ele é um louco. Isso é motivo de muita preocupação. Por exemplo, precisamente... Eu não sou um liberal ingênuo pró-Ocidente, mas acho que as últimas eleições no Irã foram quase um evento histórico mundial. Por quê? Mousavi, o candidato derrotado oficialmente, talvez fosse uma verdadeira solução. Mousavi fazia parte da revolução do Khomeini. Mas ele fazia parte do grupo que foi posto de lado quando os fundamentalistas assumiram o poder. Ele é a prova viva de que a Revolução de Khomeini não foi simplesmente um golpe extremista islâmico. Se você tiver uma certa idade... Alguns de nós têm, que coisa trágica! Você se lembra de que, quando o Xá partiu e Khomeini assumiu o poder, a situação ficou indefinida por cerca de um ano e meio. Até que, finalmente, os fundamentalistas assumiram o poder. Aí, tudo o que havia sido reprimido, um aspecto mais emancipatório, explodiu. Isso é muito importante porque era contra o fundamentalismo, mas não era algo simples: “Vamos adotar o liberalismo Ocidental”. E aqui, meu Deus, como foi que Chávez não viu isso? Frequentemente, quando a esquerda consegue um progresso autêntico, o Terceiro Mundo está envolvido. Você sabe qual é a hipocrisia de esquerda de hoje nos países desenvolvidos? Eles gostam da revolução com uma condição: que ela aconteça bem longe, que não mude a vida deles. Pode ser no Vietnã, em Cuba... É bom que ela aconteça longe para você fazer seu trabalho sujo aqui: você faz esquemas, se corrompe, mas seu coração está lá longe. O mesmo acontece com Chávez hoje em dia. É fácil para os europeus gostarem dele. Mas eu acho que o governo dele vai se tornar, cada vez mais, uma ditadura pessoal quase cômica. Eu desconfio profundamente... não dele pessoalmente, não me importa, mas num sinal de como opera a totalidade do poder. Como, por exemplo, quando ele começou com o programa “Aló Presidente”. Alguém me contou, e me pareceu piada. Mas agora o programa se dividiu em dois: o “Aló Presidente Prático” e o “Aló Presidente Teórico”, em que Chávez se mete a... Eu concordo com... Sabe quem me deu essa indicação? Toni Negri. Meu Deus! Eu não concordo com ele, em tese, mas ele é da esquerda, me alertou sobre isso, e eu não acreditei nele quatro anos atrás. Ele me disse para não ficar fascinado com Chávez e que, embora fosse muito mais modesto, o Brasil era muito mais interessante.

A segurança industrial e o WikiLeaks – por GalileoGalilei (blog do Nassif)

Nassif,
A história já é um pouco antiga (tem uns 12 dias), mas acho que não saiu na imprensa daqui.

Desculpe-me se eu estiver equivocado.

Fiquei surpreso diante das voltas e reviravoltas em uma história de espionagem e contra espionagem, envolvendo firmas de consultoria em ciber-segurança e grupos de apoiadores do Wikileaks, capaz de deixar muitas das histórias de James Bond no chinelo.

Ao mesmo tempo essa história revela uma face do sistema de segurança do complexo industrial norte-americano que intuíamos a sua existência, mas que até então ainda não havia chegado à superfície.

Ao que parece, tudo começou no final do ano passado, quando o CEO (Aaron Barr) de uma companhia especializada em consultoria de ciber-segurança (HBGary e sua co-irmã HBGary Federal) em dificuldades financeiras anteviu a possibilidade de receber um polpudo contrato de um escritório de advocacia contactado pelo Bank of America para blindá-lo de possíveis ameaças decorrentes de vazamento de documentos provocados pelo Wikileaks.

Havia também uma possibilidade de conseguir outro contrato de prestação de serviços para a Câmera de Comércio norte-americana.

Para ganhar o(s) contrato(s), Barr preparou algumas palestras onde defendia táticas, digamos pouco ortodoxas, sugerindo invadir os servidores da Wikileaks, forjar documentos para desacreditar a organização, investigar a vida pessoal de supostos vazadores de documentos, bem como de apoiadores, tanto para pressioná-los quanto chantageá-los, etc...

Entre o repertório de possíveis ações havia inclusive a intimidação de jornalistas, amplamente conhecidos como favoráveis à Wikileaks, além de colecionar tweets de ativistas procurando mapear suas atividades e suas conexões na rede.

O(s) contrato(s) demorou(ram) para ser celebrado(s) e Aaron Barr, enquanto aguardava a aprovação do(s) mesmo(s), resolveu se infiltrar em um grupo de ativistas do FaceBook, auto-denominado Anonymous, supostamente responsável pelos ataques à Mastercard e à Visa, em represália ao bloqueio de fundos do Wikileaks realizado por essas organizações.

Talvez para angariar publicidade para as suas empresas em dificuldades e/ou para demonstrar suas habilidades, Barr começou a divulgar que teria descoberto a identidade dos principais ativistas dos Anonymous.

Foi aí que, no início de fevereiro, o Financial Times publicou uma reportagem retirando Barr do anonimato e divulgando que os principais membros do Anonymous teriam sido por ele identificados.

O Anonymous não só desmentiu a suposta identificação de seus líderes, como contra-atacou fulminantemente um dia depois, invadindo os servidores das empresas de Barr, derrubando seu Website, apoderando-se de toda a correspondência eletrônica, destruindo cerca de um TeraByte de dados - incluindo Backups, danificando sua conta no Tweeter e apagando remotamente seu iPad.

Pior que isso, após a tomada e estudo prévio da correspondência eletrônica de Barr, cerca de 40.000 e-mails e algumas apresentações em power-point foram divulgadas publicamente através do PirateBay.
Essa divulgação do material encontrado nos computadores de Barr revelou alguns dos agressivos métodos sugeridos de ataque, muitos deles fora da lei.

O Bank of America e a Câmera de Comércio norte-americana, apesar da divulgação dos e-mails em que estas se mostravam envolvidas até o pescoço nas negociações com Barr resolveram negar tudo alegando sempre terem trabalhado dentro da lei e da ética.

As fontes, cujos links coloco abaixo, são insuspeitas:

http://www.ft.com/cms/s/87dc140e-3099-11e0-9de3-00144feabdc0,Authorised=false.html?_i_location=http%3A%2F%2Fwww.ft.com%2Fcms%2Fs%2F0%2F87dc140e-3099-11e0-9de3-00144feabdc0.html&_i_referer=#axzz1DWB0kKHq
http://blogs.forbes.com/andygreenberg/2011/02/14/hbgary-ceo-also-suggested-tracking-intimidating-wikileaks-donors/
http://arstechnica.com/tech-policy/news/2011/02/how-one-security-firm-tracked-anonymousand-paid-a-heavy-price.ars

Mas a melhor reportagem é esta aqui embaixo, feita alguns dias depois quando já era possível ter dados para mostrar os encadeamentos dos fatos:

http://arstechnica.com/tech-policy/news/2011/02/the-ridiculous-plan-to-attack-wikileaks.ars/

Esta última é bem longa, mas emocionante.

Por que o Brasil cresceu mais – por Demian Fiocca (Folha de São Paulo)

O crédito de bancos públicos, voltados ao investimento, foi importante para evitar que a aceleração da economia fosse limitada pelo risco de inflação

O Brasil viveu dois períodos diferentes desde a estabilização. De 1995 a 2003, teve crescimento baixo: 2,2% em média. De 2004 a 2010, alcançou crescimento alto: 4,4% em média. Mudanças na gestão econômica explicam essa melhora.

O país não foi levado pela "onda" de uma expansão mundial. Enquanto o crescimento do mundo oscilou de 3,4% para 3,8%, o do Brasil dobrou.
Tampouco foi apenas a "sorte" dos bons preços das commodities.

Minério ou petróleo em alta estimularam investimentos nesses setores e o saldo comercial. Mas o uso de poupança externa, dado pelo déficit em contas correntes, diminuiu.

Passou, na média anual, de 2,9% do PIB para 0,2%.

Cinco políticas importantes têm de constar das explicações do novo crescimento: distribuição de renda, investimentos de estatais, fomento à expansão do crédito, acumulação de reservas e medidas anticíclicas.

Essas políticas moldaram um novo ambiente, de ampliação de renda e emprego, de um lado, e de confiança e expansão do investimento, de outro. Não foi algo trivial nem de continuidade pela inércia.

Desde 2005 há críticos à diretriz de expandir as operações do BNDES. Quando se afirmava que o Brasil podia crescer 5%, outros tentavam provar que o máximo possível era 3,5%.

Quando os bancos públicos sustentaram a expansão do crédito em meio à crise, muitos faziam ressalvas. Quando o presidente transmitia mensagens de otimismo, vários tentaram ridicularizar. Mas todas essas diretrizes estavam corretas.

Comparando 1997-2003 com 2004-2010, o gasto federal cresceu de 15% para 17% do PIB. As transferências a pessoas, como o Bolsa Família e as aposentadorias vinculadas ao salário mínimo, respondem por todo o acréscimo de 2% do PIB.

O gasto com pessoal oscilou de 4,5% para 4,4%. Os investimentos da União, de 0,7% para 0,8%. Tiveram impacto neutro.

Os investimentos das estatais federais subiram de 1,2% para 1,7% do PIB em média. Esse foi outro fator de aceleração.

Adotaram-se medidas favoráveis à expansão dos bancos privados, como a regulação do crédito consignado e o apoio aos bancos médios durante a crise econômica, e diretrizes indiscutivelmente novas de expansão e apoio em relação aos bancos públicos.

O crédito dos bancos privados saltou de 14,8% do PIB em 2003 para 27,1% em 2010. O dos bancos públicos, de 9,8% para 19,5%.

O crédito dos bancos públicos, mais voltados ao investimento, foi importante para ampliar a capacidade produtiva e evitar que a aceleração da economia fosse limitada pelo risco de inflação.

Entre 1995 e 2005, as reservas internacionais oscilaram na faixa de US$ 30-70 bilhões. Com a nomeação de Mantega para a Fazenda, desde 2006 prevaleceu uma política de compra continuada de reservas, por prudência contra crises e para suavizar a tendência de valorização do real, de modo a evitar um impacto brusco sobre a indústria.

As reservas então sobem de U$ 54 bilhões em 2005 para US$ 206 bilhões em setembro de 2008, às vésperas da crise.

Por fim, quando o mundo mergulha na crise, opta-se por política anticíclica, de manutenção dos investimentos públicos, redução de impostos e forte suporte ao crédito.

Descontando efeitos contábeis do Fundo Soberano e da concessão do pré-sal, o superávit primário federal foi reduzido de 2,8% em 2008 para 1,2% em 2009 e em 2010.

Injetou-se impulso de mais de 3% do PIB nesses dois anos. O suporte ao crédito responde facilmente por outros 3% do PIB. Foram políticas ativas, corajosas e inovadoras, que estão no centro do bom desempenho econômico do país.

DEMIAN FIOCCA, é economista, sócio da Mare Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Nossa Caixa

A conta que não fecha na política econômica – por Luis Nassif (blog do Nassif)

A estratégia política de Dilma Rousseff não fecha com a política econômica.

A lógica inicial de seu governo foi correta: esvaziar todos os focos de tensão, todos os fatos concretos ou meros factóides utilizados para a crítica a Lula.

Amenizou o discurso na política externa, desenvolveu um estilo contido de presidência, reduziu o grau de atritos com a velha mídia, deu o tom gerencial aos primeiros passos de governo, definiu como prioridades o combate à miséria absoluta e evitou sinais maiores aos movimentos sociais.

A lógica é correta: a polarização política torna automático o apoio dos aliados; o desafio, então, é desarmar os críticos. Engoliu as ofensas de campanha, os ataques sórdidos, a campanha difamatória e vamos em frente.

Até aí tudo bem, é prova de amadurecimento político, faz parte dos movimentos iniciais de governo, do período de graça conferido a cada governante, da trégua para reorganizar as ideias. Ninguém, por certo, suporá que essa trégua é eterna. Mais cedo ou mais tarde a guerra recomeçará.

A questão central é o conflito de prioridades.

Pela entrevista com Glauco Arbix, do IPEA, fica-se sabendo que Dilma continua uma defensora intransigente de uma nova economia, calcada no conhecimento, na inovação, na menor dependência das commodities. Ao mesmo tempo, manteve a política de metas inflacionárias do Banco Central, com a combinação letal de juros altos e câmbio baixo. A Selic já está em níveis absurdamente elevados e deve continuar a subir. Quer contentar a economia real; quer contentar o mercado.

Em algum momento do futuro, haverá o impasse.

Suposto modelo Dilma de desenvolvimento:
1. Ampliação da inclusão social.
2. Estímulo ao mercado interno.
3. Desenvolvimento tecnológica da economia nacional para competir globalmente.

Fora de lugar, câmbio e juros têm dois efeitos deletérios:
1. Pressionam a relação dívida/PIB, consumindo mais recursos fiscais para manter a relação cadente.
2. Apreciam o real, expondo amplamente a economia brasileira à invasão dos importados e tornando a balança comercial cada vez mais dependente de produtos primários.

É um evidente conflito de prioridades. No ano passado, a própria Fazenda demonstrou que havia outros instrumentos - que não os juros - para combater eventuais pressões inflacionárias. Cadê?

Para combater as distorções de câmbio e juros, o que faz Dilma?

1. Amplia os cortes orçamentários, paralisando programas. Não se trata apenas de uma melhora na qualidade do gasto. Os cortes baterão direto em programas essenciais.
2. Tenta criar gambiarras para compensar a perda de competitividade da economia brasileira com câmbio e juros. Planeja desonerações tributárias, defesa comercial, mas acaba esbarrando no próprio nó fiscal produzido pela combinação juros-câmbio.
3. O real apreciado faz com que parcelas cada vez mais expressivas do mercado interno sejam transferidas para produtos importados. As multinacionais brasileiras criadas nos últimos anos estão adiando cada vez mais projetos internos de investimento e transferindo sua produção para fora, especialmente para a China.

Do lado da Fazenda, não existe mais a clareza exibida no período de crise. Não se sabe se é uma situação transitória, quais os próximos anos, quais as visões de futuro, qual sua visão de câmbio e de juros.
Fernando Pimentel, do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), Aloizio Mercadante, do MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia), Luciano Coutinho, do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), têm atuado em várias frentes, procurando mobilizar a parte industrial do país a aderir ao novo modelo. Mas cadê o modelo?

Treinamento, investimentos em inovação, investimentos em infraestrutura são componentes importantes desse modelo, mas não são a parte central. Sem juros adequado, câmbio competitivo e crescimento de PIB mínguam não apenas as receitas como também a vontade nacional pelo desenvolvimento.

É começo de governo ainda, pouco tempo para avaliações definitivas.

Mas algo me diz que está na hora do governo Dilma definir com mais clareza para onde pretende conduzir o país.

Reprovado! – por Roberto Luis Troster (Valor Econômico)

Após décadas acompanhando a política econômica, reprovei-me. Acredito no potencial do Brasil, tenho certeza de que é possível crescer a taxas maiores que as atuais, creio nas boas intenções do governo em alcançá-las e que há ações positivas nesse sentido. Entretanto, admito que algumas iniciativas me parecem contraproducentes e reduzem o potencial do país. Não entendo sua racionalidade e não consigo explicá-las. Ilustro.

Aprendi que quanto maiores forem os estoques menores serão os preços. Quando há muito tomate na feira, o quilo fica mais barato. Um estoque grande, com custo de armazenamento elevado e sem serventia, deprime o preço. É o caso dos legumes em fim de feira e é o que está acontecendo com as reservas internacionais.

O governo compra cada vez mais dólares, e a cotação está cada vez menor. Meu ponto é que a partir de um determinado valor de reservas, o aumento de seu volume tem um efeito perverso que é de dar mais segurança a investidores, atrair mais deles e baratear ainda mais o dólar. A estratégia de comprar mais para fazer seu preço subir, diminuindo a oferta interna de divisas não vai funcionar.

O efeito no preço causado pelos estoques altos e juros elevados prevalece sobre as tentativas de depreciar o câmbio com impostos e outras iniciativas como as aquisições. Há mais dólares no mundo do que é possível ser comprado pela autoridade monetária brasileira. Além do fato que não é a oferta e demanda que determinam seu preço, mas sim a expectativa de fluxo. Essa política só pode dar errado. Não consigo entender como defendem essa linha de ação, além de ser uma estratégia cara, muito cara.

Faltam recursos para ajudar os desabrigados na região Serrana do Rio e em Santa Catarina, abundam os pedidos de doações, todavia, destinam-se R$ 200 milhões por dia na política de reservas. Equivale a 25 mil casas populares por semana, ou a meio salário mínimo todos os meses para cada um dos 13,5 milhões de brasileiros severamente pobres. Está além da minha compreensão esse desperdício. Há estratégias melhores.

O investimento que interessa ao país é o produtivo que gera empregos, traz novas tecnologias, abre mercados no exterior para as exportações e estabelece bases sólidas aqui. O que não convêm é o especulativo que cobra juros e ao primeiro sinal de perigo sai do país. Entretanto, o investimento produtivo é tributado e as aplicações em renda fixa por estrangeiros estão isentas de imposto de renda. Desconheço uma explicação.

É permitido que um brasileiro tenha conta em divisas no exterior. Há bancos brasileiros em outros países em que correntistas do mundo inteiro têm depósitos em moeda estrangeira. Entretanto, um brasileiro, pessoa ou empresa, não pode ter conta em divisas no Brasil. É uma lógica que não faz sentido.

O governo deve gerar um superávit primário para que sobrem mais recursos para o setor privado e baixe o patamar de juros. Sempre achei que o certo seria cortar gastos, todavia, a solução adotada é mudar sua contabilização. Dessa forma, dispêndios deixam de ser despesas e numa manobra brilhante, consegue-se um superávit maior. Como ninguém pensou nisso antes para acabar com o déficit público no Brasil? Mágica para mim! Assumo que supera a minha capacidade de compreensão.

A valorização do real está tirando a competitividade da indústria brasileira no exterior e no país. As exportações de produtos básicos já superaram as de manufaturados e a cada dia que passa, importa-se mais o que pode ser produzido aqui. Parte da solução seria um conjunto de medidas para aumentar a produtividade das fábricas nacionais, entretanto, nada está sendo feito ou anunciado nessa direção. Não sei o porquê.

As médias e micro empresas empregam proporcionalmente mais pessoas que as maiores por unidade de capital. Quer-se mais empregos. Entretanto, aperta-se o crédito para o pequeno tomador, elevando os compulsórios e oferecem-se mais recursos a taxas subsidiadas e fixas para grandes conglomerados com aportes do Tesouro Nacional ao BNDES. É um paradoxo que não consigo decifrar.

Os congressistas acabaram de se aprovar um salário de R$ 26 mil, podem aposentar-se após dois mandatos apenas e têm assistência médica gratuita, além de outras mordomias. Professores ganham menos do que um décimo desse valor, têm que trabalhar até os sessenta anos ou mais para aposentar-se e acessam a rede pública para assistência médica, não têm nenhuma outra regalia. Sempre achei que a educação é a base do futuro de um país. Engano meu, os méritos dos eleitos em construir o porvir são maiores e merecem ter um padrão de vida melhor que os ex-docentes. Não faz sentido para mim.

Há mais coisas em que não acredito. Uma é a manutenção dos preços das commodities nesse patamar. A história mostra que eles oscilam e quando caem problemas acontecem. A crise da borracha e a do café são exemplos do século passado. Se não fosse a alta recorde de alguns produtos no ano passado, o Brasil já teria tido um déficit na balança comercial. Imagino que a reversão das cotações de nossas exportações vai coincidir com a entrada em produção do Pré Sal. Tomara, não conheço detalhes, mas tenho minhas dúvidas.

O país tem a 5ª legislação mais sofisticada para operações em bolsa e a 139ª em custo de burocracia para empresas e não há anúncios para modernizá-la. Não faz sentido para mim que o país da ginga é o que tem mais travas legais. Como é possível crescer num mundo que está mudando, sem modernizar suas instituições? A realidade está se transformando rapidamente em razão de avanços tecnológicos, globalização, dinâmica de outras economias e abundam reclamações dos empresários denunciando um processo de desindustrialização. Todavia, insiste-se em manter o modelo. Qual é a razão? Será que é para dar emprego a dezenas de milhares de despachantes, contadores, fiscais e advogados? Não tenho respostas.

Enfim, o Brasil tem uma economia pujante com potencial e um governo bem intencionado, mas vejo problemas no horizonte. Estou torcendo para ele estar certo e eu reprovado. Dessa forma, teremos um final feliz.

Roberto Luis Troster.Doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban, da ABBC, do Banco Itamarati e professor da USP, PUC-SP e Mackenzie. robertotroster@uol.com.br

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Cercado por fraudes, segundo tempo turbina caixa e políticos do PC do B – por Leandro Colon (Estado de São Paulo)

Projeto do Ministério do Esporte só em 2010 distribuiu R$ 30 milhões a ONGs de dirigentes e aliados do partido; ‘Estado’ percorreu núcleos esportivos no DF, GO, PI, SP e SC e flagrou convênios com entidades de fachada, situações precárias e de abandono

Crianças improvisam a pelada no terreno baldio onde deveriam existir dois núcleos do programa
Foto: Ed Ferrira / AE 

BRASÍLIA - Principal programa do Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva, o Segundo Tempo, além de gerar dividendos eleitorais, transformou-se num instrumento financeiro do Partido Comunista do Brasil (PC do B), legenda à qual é filiado o ministro.

A reportagem do Estado foi conhecer os núcleos do Segundo Tempo no Distrito Federal, em Goiás, Piauí, São Paulo e Santa Catarina. A amostra, na capital e região do entorno, no Nordeste mais pobre ou no Sul e no Sudeste com melhores indicadores socioeconômicos, flagrou o mesmo quadro: entidades de fachada recebendo o dinheiro do projeto, núcleos esportivos fantasmas, abandonados ou em condições precárias.

As crianças ficam expostas ao mato alto e a detritos nos terrenos onde deveriam existir quadras esportivas. Alguns espaços são precariamente improvisados, faltam uniformes e calçados, os salários estão atrasados e a merenda é desviada ou entregue com prazo de validade vencido.

No site do ministério, o Segundo Tempo é descrito como um programa de "inclusão social" e "desenvolvimento integral do homem". Tem como prioridade atuar em áreas "de risco e vulnerabilidade social", criando núcleos esportivos para oferecer a crianças e jovens carentes a prática esportiva após o turno escolar e também nas férias.

Conferidas de perto, pode-se constatar que as diretrizes do projeto, que falam em "democratização da gestão" foram substituídas pelo aparelhamento partidário. A reportagem mostra, a partir deste domingo, 20, como o ministro Orlando Silva, sem licitação, entregou o programa ao PC do B.

O Segundo Tempo está, majoritariamente, nas mãos de entidades dirigidas pelo partido e virou arma política e eleitoral. Só em 2010, ano eleitoral, os contratos com essas entidades somaram R$ 30 milhões.

O Ministério do Esporte afirma que "cabe à entidades parceira promover a estruturação do projeto". Questionado sobre as situações constatadas pelo Estado e pelo controle partidário do programa, o ministério defendeu o critério de escolha das entidades sob o argumento que é feita uma seleção técnica dos parceiros.

Terreno vazio. O dinheiro deveria ser usado para criar 590 núcleos e beneficiar 60 mil crianças carentes. Na procura por um núcleo cadastrado na cidade do Novo Gama (GO), por exemplo, a reportagem encontrou um terreno baldio onde deveria funcionar um campo de futebol. Cerca de 2,2 mil crianças foram iludidas na cidade por uma entidade sem fins lucrativos fantasma.

No Novo Gama, o programa Segundo Tempo é só promessa, mas, na última campanha eleitoral, foi usado como realidade pelo vice-presidente do PC do B do DF, Apolinário Rebelo. O mesmo ocorreu na Ceilândia (DF).

Em Teresina (PI), no lugar de uma quadra poliesportiva os jovens usam um matagal, onde improvisam tijolos e bambus para jogar futebol e vôlei. Do lado de fora, no muro do terreno, a logomarca do Segundo Tempo anuncia que ali existiria um núcleo do programa. O local é um dos espaços cadastrados por uma entidade que já recebeu R$ 4,2 milhões para cuidar do projeto. Seus dirigentes são do PC do B.

Lideranças de comunidades carentes de Santa Catarina criticaram a intermediação do Instituto Contato, dirigido pelo PC do B, no Segundo Tempo e anunciaram que abriram mão do projeto. Aulas de tênis são dadas na calçada, com raquetes de plástico. Em Florianópolis, a reportagem encontrou um lote de suco de groselha com validade vencida num núcleo do programa.

A campeã de recursos do governo é a ONG Bola Pra Frente, dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, vereadora de Jaguariúna (SP) pelo PC do B - R$ 28 milhões foram repassado à entidade desde 2004.

Prestação de contas

O Ministério do Esporte afirma, em seu site, que todos os convênios do programa Segundo Tempo devem fornecer "descrição detalhada dos materiais, bens ou serviços adquiridos"

Para entender

O Programa Segundo Tempo foi criado no começo do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na teoria, o objetivo é oferecer a crianças e jovens carentes oportunidade de prática esportiva após o turno escolar e nas férias.

O Ministério do Esporte fecha parcerias com entidades sem fins lucrativos, que assumem a tarefa de botar em prática o Segundo Tempo. Prefeituras também fazem convênio com o governo. A ideia é criar núcleos esportivos e contratar professores. Segundo o ministério, o Segundo Tempo deve "oferecer práticas esportivas educacionais, estimulando crianças e adolescentes a manter uma interação efetiva que contribua para o seu desenvolvimento integral".

Comentário
Afora a gravidade do fato em si, fica ainda o questionamento a respeito de como este mesmo ministério – a despeito da criação da Autoridade Pública Olímpica, órgão que vai comandar as obras dos jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, e será comandada pelo megalomaníaco Henrique Meirelles – esta cuidando das onerosas obras das Olimpíadas e da Copa do Mundo.
É um péssimo sinal.
Se em um programa muito mais simples, o senhor Orlando Silva não conseguiu gerir de maneira adequada os recursos destinados ao seu ministério, o que podemos esperar das obras mais complexas que agora começam?
Parece-me uma repetição da história dos jogos pan-americanos, em que o Maracanã recebeu uma reforma que custou dezenas de milhões de reais (obra, claro que teve aquele famoso “aditivo” – e ficou ainda mais cara). E, agora, para a Copa, esta reforma caríssima feita... não adiantou para nada, teve de se pagar para fazer outra reforma, ainda mais cara que a outra.
Parabéns ao Estadão pela matéria, assim se faz jornalismo, e não bradando contra o “escândalo” do cartão corporativo que pagou a tapioca.

P.S: Para esclarecimento, este mesmo ministro comprou certa vez, com o cartão corporativo uma tapioca que custou 8 reais. Ao perceber o erro, ressarciu o erário. Vários meses depois, de quando da cobertura dos tais “gastos escandalosos” com cartão corporativo, utilizaram este equívoco como exemplo da corrupção que existia com este dispositivo. Uma falácia.

''O Brasil precisa melhorar a infraestrutura'' - por O Estado de São Paulo

A escalada de reclamações contra os chineses não passou despercebida pela segunda maior economia do mundo. O governo de Pequim está disposto a reequilibrar o comércio entre as duas nações, mas o embaixador Qiu Xiaoqi tem certeza deque a origem dos problemas de alguns setores da indústria não está do outro lado do mundo.

"As indústrias brasileiras têm de fortalecer sua competitividade econômica e comercial. É preciso investir, melhorar a infraestrutura", afirmou o embaixador da China no Brasil em entrevista exclusiva ao Estado.
As pendências que esperam ser resolvidas pelo governo Dilma Rousseff. A principal é o reconhecimento da China como economia de mercado, promessa feita por Lula em 2004 e até hoje não cumprida.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo Dilma Rousseff está fazendo uma reavaliação das relações Brasil-China. Qual é a expectativa de Pequim?
As relações entre China e Brasil lograram um crescimento muito rápido nos últimos anos, sobretudo no campo político. O presidente Hu Jintao e o presidente Lula se reuniram com bastante frequência e isso levou a um alto nível de confiança política entre os dois países. A política externa da China dá muita importância ao Brasil. Temos uma série de coincidências em temas internacionais como ONU, mudanças climáticas e reforma do sistema econômico e financeiro mundial. Desde 2009 a China passou a ser o principal parceiro comercial do Brasil e no ano passado ultrapassamos outros países e nos tornamos o primeiro investidor direto no País. A presidente Dilma Rousseff visitará muito em breve a China, e será uma ocasião na qual as autoridades máximas dos dois países poderão trocar plenamente suas opiniões sobre como vamos desenvolver nos próximos anos nossas relações.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil, mas enquanto vendemos matérias-primas os chineses vendem produtos industrializados. Como corrigir esse desequilíbrio?
A China importa aquelas matérias-primas de que precisa para seu crescimento, como minério de ferro, soja, petróleo e exportamos os produtos de que a economia brasileira precisa. No ano passado, o superávit comercial do Brasil com a China passou de US$ 5 bilhões. Não é uma cifra pequena. Nas relações comerciais com os Estados Unidos e a União Europeia, o Brasil tem déficit. Isso demonstra que o comércio entre Brasil e China é benéfico para ambos. Se não fosse, não faria sentido o crescimento tão rápido nos últimos anos.

Mas não há claro desequilíbrio na composição desse comércio bilateral?
Alguns amigos brasileiros se queixam de que o País exporta matérias-primas de baixo valor e importa muitos produtos da China de maior valor agregado. Temos de buscar uma resolução para isso com desenvolvimento comercial. Não é uma situação que pode mudar de um dia para o outro.

Há uma escalada das críticas contra os chineses por parte da indústria brasileira. O senhor teme que isso prejudique a relação entre os dois países?
Reconheço que alguns setores industriais publicaram muitos comentários negativos sobre o comércio com a China. Não estou de acordo com essas opiniões. Como disse, o comércio é benéfico para ambas as partes. Os problemas que hoje alguns setores industriais do Brasil encontram não têm origem na China. As indústrias brasileiras têm de fortalecer a própria competitividade econômica e comercial. É preciso investir, melhorar a infraestrutura. Escutei com muita alegria que o novo governo brasileiro reconhece que melhorar a infraestrutura do País é importante para uma maior competitividade econômica. Queria que os amigos do setor industrial, que estão preocupados com a concorrência da China, colocassem sua atenção na melhoria da competitividade, da infraestrutura.

O investimento em infraestrutura feito pelo governo chinês explica o aumento da competitividade da indústria local?
Hoje a infraestrutura na China é uma das melhores do mundo. Construímos mais de 100 mil quilômetros de autopistas. Já somos o segundo país com mais autopistas do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. Somos a primeira potência em trens de alta velocidade. Temos 8 mil quilômetros de trem-bala e tudo isso nos últimos sete anos. E construímos também muitos aeroportos e portos. Nossa rede elétrica é a mais avançada do mundo. Tudo isso permite à China elevar a competitividade no mercado mundial porque com isso reduzimos os custos de produção.

O governo já deixou claro que pretende adotar medidas para conter a disparada das importações. Isso incomoda Pequim?
O governo brasileiro, conforme as notícias publicadas, está considerando algumas medidas para melhorar a situação comercial com o exterior. Espero que não sejam exclusivamente contra a China. O protecionismo comercial não é uma solução para os problemas. Temos um canal de diálogo muito fluido. Tenho conversado com as altas autoridades brasileiras, em diversos ministérios, e chego à conclusão de que o governo brasileiro está muito interessado em fortalecer suas relações políticas com a China e a cooperação comercial e econômica.

As empresas brasileiras reclamam das dificuldades de investir na China. Há disposição para diminuir essas barreiras?
É um equívoco achar que a China impõe barreiras aos investimentos estrangeiros em geral e, especificamente, do Brasil. As empresas brasileiras têm de ter mais valentia para entrar no mercado chinês. Sei que agora no Brasil alguns empresários falam chinês e entendem bastante bem a cultura chinesa e têm um modo de pensar como os chineses. Mas são casos bastante isolados. Nos últimos 30 anos a China foi o país em desenvolvimento que mais recebeu investimentos estrangeiros, e essa entrada maciça de recursos é um fator positivo para o crescimento do país. A China é um mercado no qual as empresas podem ganhar muito. Pode perguntar à Nokia, Samsung, LG e às empresas japonesas.

O governo dos EUA quer cooptar o Brasil para aumentar a pressão internacional contra a política cambial chinesa. Câmbio está na agenda Brasil-China?
O desequilíbrio comercial entre a China e os Estados Unidos não tem origem no yuan e muito menos o desequilíbrio econômico mundial tem na moeda chinesa a sua origem. Acho que o governo do Brasil reconhece que esses problemas não têm a ver com a China. Não estamos de acordo com a ideia de ser pressionados. Pressionar a China não é inteligente. A valorização do real tampouco tem origem na moeda chinesa. Portanto, para que falar sobre um problema que não tem a ver com a gente?

Em 2004, o governo brasileiro prometeu reconhecer a China como economia de mercado, mas isso não aconteceu. O senhor espera uma solução para esse problema agora?
Em 2004 o presidente Hu Jintao fez a primeira vista de Estado ao Brasil e, nas conversas com o presidente Lula, a parte brasileira se comprometeu a reconhecer a China como economia de mercado. Esse é um compromisso político sério e ao longo dos anos esperamos que fosse concretizado. Esperamos que seja resolvido o quanto antes pois, com a resolução dessa questão, vamos assentar uma base muito melhor para nossa cooperação no futuro.

O senhor espera uma solução ainda no governo Dilma?
Esperamos.

A China está empenhada em ajudar o Brasil a obter um assento permanente no conselho de segurança da ONU?
A China está a favor da reforma da ONU, com ênfase no aumento da representatividade dos países em vias de desenvolvimento. A reforma do Conselho de Segurança é uma questão muito complicada na qual temos de procurar o consenso mais amplo possível porque qualquer reforma da ONU tem de favorecer o fortalecimento do papel da organização.

A presidente Dilma tem uma postura diferente do presidente Lula quando o assunto é direitos humanos. Existe preocupação sobre a discussão desse tema?
Posso afirmar que nunca o povo chinês desfrutou de tanta liberdade como hoje. Mas nenhum país é perfeito nos direitos humanos. Isso também vale para a China. Temos muitas coisas que precisam melhorar. Estamos dispostos a trabalhar neste aspecto, fazer intercâmbios com outros países. Mas há algo importante: nenhum país tem o privilégio de se comportar como juiz na questão dos direitos humanos. Podemos discutir, trocar opiniões e pontos de vista, mas com base no entendimento recíproco. Impor seu ponto de vista aos outros, isso nós não aceitamos.

Comentário
Ótima entrevista, tanto pelo que fala, quanto pelo que emite – por exemplo, que seu país é contrário a presença do Brasil no conselho de segurança da ONU (assim como os EUA de Obama, lembre-se).

Brasileiros têm mais dinheiro na Suíça do que chineses – por Jamil Chade (O Estado de São Paulo)

Corrida por paraísos fiscais ganha ritmo sem precedentes; valor na Suíça varia entre US$ 6 bi e US$ 60 bi

GENEBRA - Brasileiros contam com uma fortuna depositada nos bancos suíços e, apesar de toda a operação conduzida pela Polícia Federal contra doleiros e bancos estrangeiros, a corrida por paraísos fiscais ganha um ritmo sem precedentes. Dados do Banco Central da Suíça, obtidos pelo ‘Estado’, revelam que os brasileiros mantêm ao menos US$ 6 bilhões em Genebra, Zurique e outras praças financeiras da Suíça.

Esse seria o valor oficial de contas declaradas, mas os bancos privados suíços consideram que o valor real pode ser dez vezes maior. Ex-funcionários de bancos na Suíça e agentes que trabalham na abertura de contas alertam que esse valor oficial é "a ponta do iceberg".

O volume de dinheiro de brasileiros na Suíça vem crescendo. Entre 2005 e 2009, o BC suíço aponta a entrada de mais US$ 1,1 bilhão do Brasil. Segundo dados oficiais, nenhum outro país emergente registrou tal avanço e a expansão é a maior registrada de dinheiro vindo do Brasil.

O total da fortuna mantida por brasileiros na Suíça já é superior aos de China, Índia e Arábia Saudita. A Suíça estima que tem, em seus cofres, US$ 3 trilhões em fortunas pessoais. O valor seria quase metade da fortuna privada do planeta.

Os 85 bancos suíços que fazem parte do cálculo indicam em seus balanços que os brasileiros teriam 4,9 bilhões de francos suíços (um franco vale um dólar) em contas de poupança, ativos, ações, títulos e contas correntes.

Além desse valor, 1,1 bilhão de francos suíços provenientes do Brasil estão listados como "operações fiduciárias". Nessa classificação, o banco não tem obrigação de apresentar os números em seus balanços e todo o risco fica por conta do banco privado (o BC suíço não dá garantias em caso de quebra do banco privado). Na maioria dos casos, é nessa classificação que recursos considerados ‘sensíveis’ ou de personalidades políticas estrangeiras são depositados.

Assim como a existência de "operações fiduciárias", os bancos suíços contam com uma série de outros instrumentos para tornar menos transparente a origem de recursos. Nos US$ 6 bilhões indicados na Suíça como sendo de brasileiros está exclusivamente o dinheiro que saiu do Brasil em direção aos bancos de Genebra e Zurique.

Se uma fortuna é transferida do Brasil para as Ilhas Cayman e só depois para a Suíça, ela não é contabilizada como fluxo que veio do Brasil, e sim da ilha caribenha. Não é por acaso que bancos suíços mantêm filiais nesses outros paraísos fiscais.

Portanto, o volume registrado pelo BC suíço de US$ 6 bilhões oriundos do Brasil poderia ser apenas uma fatia do todo, segundo fontes do setor bancário.

Políticos

Outro método adotado é a manipulação do cargo da pessoa que queira abrir a conta, garantindo que a autorização para o depósito seja dada sem problemas. Um ex-colaborador de um banco suíço com forte presença no Brasil revelou ao Estado, sob anonimato, que essa foi a forma usada para abrir uma conta em nome de um ex-governador de um grande Estado.

No formulário para abertura de contas, o banco exige que o cliente considerado como "sensível" por seu cargo político preencha um formulário e é logo classificado como "Pessoa Politicamente Exposta".

A lei exige que se demonstre que os recursos têm origem em outra atividade que não a política. No caso do ex-governador, o banco e o político entraram em acordo para que fosse apresentado como presidente de uma empresa de reflorestamento, sem mencionar sua posição pública.

Comentário
Por estas e outras, eu julgo que o primeiro país, àquele que deveria estar no topo da lista dos países corruptos, seria a Suíça, seguido destes diversos paraísos fiscais.
O Brasil considera como países fiscais diversas Ilhas (Cayman, Bermudas, Marshall, da Madeira, Maurício, Virgens Britânicas e Virgens Americanas), Andorra, Tonga, Panamá, Aruba, Bahamas, Mônaco, Costa Rica, Hong Kong e Macau.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Governo de esquerda atrai mais o capital – por Cristian Klein (Valor Econômico)

Cito este pequeno trecho da entrevista com o cientista político Peter Gourevitch, que ajuda a discernir a diferença entre esquerda e direita no mundo de hoje, no que tange ao aspecto econômico - no político, há muita coisa a mais.

Valor: Quais são as políticas mais típicas que os governos de esquerda fazem para atrair o capital externo?
Gourevitch: Eles tentam estabilizar a economia, criar políticas decentes para o mercado, mostrar que também investem em educação, tentam facilitar a vida econômica, reforçam o investimento social, em infraestrutura, em comunicações, estradas, treinamento. Tentam fazer o país atraente.

Valor: E os governos de direita, como agem?
Gourevitch: Para a direita o importante é que o Estado não crie mais impostos e que tudo mais se resolva pela iniciativa privada.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A morte da Europa Social - por Michael Hudson e Jeffrey Sommers* (SinPermiso - CartaMaior)

Protesto na Grécia, em 2010, contra planos de austeridade impostos ao país


A história da Europa dependerá de como ela lidará com esta crise; se segue o curso pacífico do benefício mútuo e prosperidade econômica tão apreciados nos manuais de ciência econômica, ou se segue a espiral baixista da austeridade, que tanto tem tornado impopulares os planejadores do FMI, nas economias devedoras. É nesse barco que a Europa embarcará? Esse é o destino do projeto de uma Europa social, de Jacques Delors? É isso o que os cidadãos da Europa esperavam, quando adotaram o euro? Há uma alternativa, nem é preciso dizer. É que os credores do cume da pirâmide econômica arquem com as perdas.

Letônia e os "Tigres Bálticos": modelo para Irlanda, Espanha e Portugal?

“Sejam como a Letônia!”, gritam os banqueiros e a mídia financeira aos governos da Grécia, da Irlanda e agora, também, de Portugal e Espanha. “Por que não ser como a Letônia e sacrificar vossa economia para pagar as dívidas que contraístes durante a bolha financeira?”. A resposta é que não podem fazê-lo sem sofrer um colapso econômico, demográfico e político que piorará ainda mais as coisas.

Faz só um ano que se reconheceu que várias décadas de neoliberalismo tinham destruído a economia estadunidense e a de muitos países europeus. Anos de desregulação, de especulação e de falta de investimento na economia real deixaram-nos com uma desigualdade crescente e com uma demanda magra de consumo, salvo a financiada incorrendo em dívida. Mas a imprensa financeira e os tomadores de decisões políticas neoliberais contra-atacaram se servindo dos “Tigres Bálticos” como aríete paradigmático contra as políticas keynesianas de gasto e contra o modelo da Europa social sonhado por Jacques Delors.

Os analistas viram nos resultados das eleições letãs de outubro passado uma vindicação da eficácia da austeridade para resolver a crise financeira. O mantra habitual – recitado novamente há pouco por The Economist – é que o honrado e taciturno primeiro ministro letão, Valdis Dombrovskis obteve a reeleição em outubro apesar de ter imposto as políticas fiscais e de austeridade mais duras já adotadas em tempos de paz, porque um eleitorado “maduro” teria se dado conta da necessidade peremptória e desafiou à “sabedoria recebida” votando num governo de austeridade.

O Wall Street Journal publicou não poucos artigos a favor desse ponto de vista. No último deles, Charles Dowbury advogava uma estratégia letã de desvalorização interna e austeridade como modelo a seguir pelas nações europeias em crise. A ideia mais comumente defendida é que a queda livre da Letônia (a maior entre todas as nações desde a crise de 2008) chegou finalmente ao fundo do poço e que a recuperação, embora frágil e bastante modesta, está em curso.

Essa ideia atrai os banqueiros que buscam evitar quebras na dívida privada e na pública, na esperança de que a austeridade possa levar à recuperação econômica. Mas o modelo letão não é imitável. A Letônia carece de um movimento operário com voz e conta apenas com uma modesta tradição de ativismo que não se baseie na etnia. Ao contrário do que figura na imprensa, suas políticas de austeridade distam muito de serem populares. As eleições giraram em torno de assuntos étnicos, não foi um referendum sobre a política econômica. Os etnicamente letões (a maioria) votaram em partidos etnicamente letões (a grande maioria, neoliberais), enquanto que a considerável minoria russófila (30%) votou com análoga disciplina em seu partido (vagamente keynesiano).

Vinte anos depois da independência, as consequências da emigração russa para a Letônia sob a ocupação soviética segue configurando pauta de votação. A menos que outras economias possam utilizar divisões étnicas similares como cobertura de distração, os dirigentes políticos que se proponham a políticas de austeridade de tipo letão estão condenados ao sufrágio eleitoral.

Embora a crise econômica tenha sido suficientemente profunda para fazer uma população despolitizada sair às ruas no inverno de 2009, o grosso dos letões não tardou em achar o caminho de menor resistência na pura e simples emigração. A austeridade neoliberal gerou perdas demográficas maiores que as deportações de Stalin nos anos 40 (desta vez, no entanto, sem perdas de vidas). À medida que os cortes em educação, assistência em saúde e outras infraestruturas sociais básicas cada vez mais ameaçam minar o desenvolvimento no longo prazo, os jovens preferem a emigração ao sofrimento, numa economia sem postos de trabalho. Mais de 12% da população total (e um percentual muito maior de sua força de trabalho) trabalha agora no exterior.

Além disso, as crianças (as poucos que há, dada a derrubada nos índices de casamentos e natalidade) ficaram para trás, em situação de orfandade. Isso levou os demógrafos a se perguntarem a respeito da sobrevivência deste pequeno país, de modo que, a menos que outras economias europeias devastadas pela dívida e com populações muito superiores aos 2,4 milhões de habitantes da Letônia possam encontrar mercados de trabalho que aceitem seus trabalhadores desocupados em consequência da austeridade financeira, a menos que isso ocorra essa opção é inviável.

O crescimento de 3.3% previsto para a Letônia em 2011 se menciona como prova adicional do êxito de um modelo de austeridade que teria estabilizado tanto sua crise da dívida como seu déficit comercial crônico, financiado com empréstimos hipotecários em moeda estrangeira. Dado que o PIB caiu 25% durante a crise, com tamanha taxa de crescimento levaria uma década inteira só para recuperar as dimensões da economia letã de 2007. Como este “rebote do gato morto” [1] poderia resultar suficientemente atrativo e induzir os outros Estados da União Européia a se lançarem no despenhadeiro fiscal?

A economia comparada, sob todos os aspectos, política

A despeito de seus resultados econômicos e sociais desastrosos, o certo é que o trauma neoliberal letão é idealizado pela imprensa financeira e pelos políticos neoliberais, a fim de impor austeridade em suas próprias economias. Antes da crise global de 2008, os “Tigres Bálticos” eram celebrados como a vanguarda das economias de livre mercado da Nova Europa. Os críticos desse “milagre” econômico – fundado em empréstimos em moeda estrangeira para financiar a especulação com propriedades e a aquisição de bens públicos em processo de privatização – foram menosprezados e depreciados como negadores obstinados. E agora, sem perder a pompa, os comentaristas de ocasião cometem a insolência de nos oferecer a opção letã pela austeridade como uma política exemplar para outras nações.

A opção letã serve a distintos senhores. Permite à imprensa financeira seguir disparando com a autocorreção dos mercados e com a ideia de que a austeridade traz consigo a prosperidade. O Banco Central letão (cuja estridência neoliberal, diga-se de passagem, levou até o FMI a expressar preocupação) deseja dar uma volta por cima que o absolva de pôr em curso políticas que impõem sofrimento maciço ao povo letão. E Washington e os neoliberais da União Europeia desejam que outros países tornem suas a versão letã da “Porta Aberta” da China, disfarçada de um sistema dickensiano de proteção social. A abertura à penetração econômica é o critério de medida e os bálticos a exibem em grau superlativo; ergo, são “exitosos” independentemente do bem ou do mal que sua economia custe às necessidades de seu povo.

Dada a proximidade entre a Letônia e a Bielorrússia, é ilustrativo comparar o modo como os neoliberais avaliaram suas economias. A Letônia sofreu o pior colapso econômico europeu em 2008 e 2009, com um continuado desemprego na casa de dois dígitos. Sua economia não tem crescimento até agora (2011) e é mais provável que o modesto crescimento experimentado siga acompanhado por uma taxa de desemprego de dois dígitos. Uma fração enorme de sua população evacuou do país, deixando para trás crianças ao cuidado de avós, senão sozinhos.

A vizinha Bielorrússia, que conta com poucas vantagens geográficas letãs (portos e costas), tem um PIB não muito menor que o da Letônia. A Bielorrússia experimentou um auge com taxas de crescimento de dois dígitos antes da crise e manteve sua economia em pleno emprego durante a crise, muito longe do colapso de 25% que desorganizou a Letônia. A Bielorrússia tem também um coeficiente de Gini (índice que mede a desigualdade) próximo ao da Suécia, enquanto a Letônia se aproxima mais dos níveis crescentes de desigualdade que caracterizam no momento os EUA.

E no entanto, a Letônia é declarada um sucesso e a Bielorrússia, um fracasso. O World Factbook da CIA recorda aos seus leitores que o bom rendimento econômico bielorrusso ocorreu “apesar dos obstáculos de uma economia inflexível centralmente dirigida”. Tal é a caracterização corrente da Bielorrússia. Mas o que haveria de se perguntar é se o que seu êxito reflete não são precisamente as virtudes de sua planificação central. A Letônia gerou maior liberdade política para seus dissidentes, mas a Bielorrússia tem menos desigualdade econômica e dívida externa menor.

Todas as economias da história têm sido economias mistas. Não estamos defendendo a imprensa do Camarada Lukachenko, tampouco sua política repressiva na Bielorrússia. Simplesmente não vamos ao extremo oposto de aplaudir o modelo neoliberal letão. Pode-se criticar o sistema político bielorrusso sem tragar a oligarquia eleitoral em que a vida política letã consiste. No entanto, ganhem ou percam em matéria de resultados econômicos, o caso é que a imprensa e os acadêmicos ocidentais proclamam a Letônia e os famintos Tigres Bálticos vencedores, enquanto a Bielorrússia, sejam quais forem seus rendimentos econômicos, sejam quais forem seus méritos, é declarada perdedora. Não se verá uma só mirada de comparação objetiva entre as economias dos dois países; ninguém se preocupa em examinar sobriamente onde têm êxito e onde fracassam (também por setores) com o olhar voltado para as lições de todo inevitáveis. As comparações econômicas são, sob todos os aspectos, políticas.

Não estamos culpando a nação letã pelos cruéis experimentos políticos neoliberais a que está sendo submetida; o que está em questão é a comunidade global dos mandatários políticos, de intelectuais e de parte das próprias elites letãs: sua persistência em prosseguir nessa política fracassada e ainda recomendá-la a outros países como via para o crescimento econômico (quando do que se trata é de um suicídio econômico e demográfico). O povo letão sofreu as consequências devastadoras das duas guerras mundiais e de duas ocupações, o que o neoliberalismo veio coroar com o desmantelamento de sua indústria e o aprofundamento cada vez maior da dívida – em moeda estrangeira! – desde a conquista de sua independência, em 1994 (1). O neoliberalismo gerou uma pobreza tão profunda que causou um êxodo de proporções bíblicas ao exterior. Chamar a isso de um passo econômico adiante e uma vitória da razão econômica não pode menos que recordar a caracterização das vitórias militares imperiais romanas que Tácito pôs na boca do líder celta Calgacus, antes da Batalha de Monte Graupius: “Desertificam e chamam a isso de paz”.

Ao longo dos vários anos que levamos visitando a Letônia (ler: O Caminho da Servidão - http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16407&boletim_id=652&componente_id=10886), temos tido testemunhos de um povo industrioso e talentoso, transbordante de pessoas inteligentíssimas, embora submersas num meio corrupto. O que nos propomos aqui é explicar por que o fracassado “modelo letão”, longe de se entender como uma política a impor, quer a Irlanda, a Grécia e a outros países europeus devedores, deveria ver-se como um aviso do que outros países têm de evitar a todo custo.

Temos trabalhado na mesma Letônia com o propósito de estimular uma mudança de político. O que, afinal, está agora em jogo é o futuro da democracia social europeia e a continuação da paz numa região devastada por guerras durante um milênio antes de 1950.

O problema é que as dificuldades econômicas europeias enraízam-se unicamente na prodigalidade, como comumente sustentam a imprensa econômica e muitos políticos; a dívida é uma consequência de problemas estruturais financeiros, econômicos e fiscais da concepção da Europa pós-soviética. Em substância: a União Europeia nunca desenvolveu mecanismos sustentáveis de transferência de capital de suas economias mais ricas para os países mais pobres, especialmente na periferia.

A ordem de Bretton Woods do pós-guerra foi parte de um sistema mais facilitador de empréstimos de reconstrução e transferências de capital entre uma Europa destruída pela guerra e os EUA. A ajuda do Plano Marshall, acompanhada de controles de capital e investimento público para estimular o desenvolvimento econômico e a independência monetária permitiu às economias nacionais da Europa ocidental comprar importações procedentes dos EUA e, ao mesmo tempo, construir sua própria capacidade exportadora e aumentar seus níveis de vida.

Não é que o sistema fosse perfeito, mas o desejo de evitar o ciclo anterior, de meio século, de depressão econômica e guerra (assim como as crescentes preocupações derivadas da Guerra Fria) levou as economias da Europa ocidental a se desenvolverem e a estabeleceram as bases de uma ulterior integração continental.

O período pós-Guerra fria depois de 1991 reflete pautas similares de subdesenvolvimento na relação entre a Europa ocidental rica e seus sócios mais pobres do Leste e do Sul europeus. Em claro contraste com aquilo que foi feito depois da Segunda Guerra Mundial, não se forjaram estruturas institucionais que conferissem a estas últimas economias capacidade de se auto sustentar. Ao contrário: o que o endividamento em moeda estrangeira conseguiu – marcadamente, em empréstimos hipotecários para moradia -, sem estabelecer os meios para a sua devolução foi o resultado exatamente oposto.

Hoje, os estados mais ricos da União Europeia são economias industrializadas de alto valor agregado. A ampliação da União Europeia há vinte anos ficou marcada por umas exportações e uns créditos bancários crescentes oriundos dessas nações ricas para as que chegaram a ser as economias em crise dos nossos dias; ficou marcada, do mesmo modo, por níveis crescentes de endividamento, no contexto de vendas e liquidações privatizadoras sem impostos progressivos à renda e com impostos reduzidos para a propriedade de bens imóveis (um fator, este último, da maior importância para entender as bolhas imobiliárias).

Durante a década passada, os países bálticos e da Europa do Leste financiaram o grosso de seu déficit comercial com empréstimos procedentes de bancos suecos, austríacos e de outros países, com a garantia de bens imóveis e infraestruturas que compravam e recompravam com uma dívida alavancada crescente. Isso não permitiu o assentamento de bases para o estabelecimento de meios de pagamento dessas dívidas, salvo com uma bolha imobiliária continuamente inflada que permitiu sustentar os empréstimos em moeda estrangeira com volume suficiente para cobrir os déficits comerciais crônicos e as não menos crônicas fugas de capitais.

O que os estados bálticos tem feito agora é equilibrar seus balanços em conta corrente, não produzindo ma’is bens e serviços e empobrecendo a sua população. Seus planejadores neoliberais destruíram o consumo, não para criar capital para investir, mas para pagar dívidas a banqueiros estrangeiros. Assim é como se está ajustando a interrupção dos fluxos de capital procedente dos bancos estrangeiros, agora que o empréstimo gerado pela bolha imobiliária secou. (Recorde-se, de passagem, que este empréstimo exterior gerado pela bolha imobiliária foi em seu momento calorosamente aplaudido, por converter os seus mercados imobiliários em “Tigres Bálticos” cavalgáveis por uns bancos que se enriqueceram com o processo).

Os banqueiros e a imprensa financeira pintam este programa de austeridade desenhado para poder pagar aos bancos como um caminho para o futuro. O que dista em muito da realidade. Porque a realidade crua é que tal programa afunda esses países numa maré de títulos de dívida nas mãos de credores que nunca se preocuparam muito com a forma como as economias bálticas poderiam pagar. E pagar, é o caso dizê-lo, encolhendo a economia, emigrando e esmagando ainda mais implacavelmente os trabalhadores.

A carga fiscal gravita muito mais pesadamente sobre o emprego que na Europa ocidental de sessenta anos atrás, no período de sua reconstrução. Os negócios com informação interna privilegiada e a fraude financeira se estenderam a toda parte. Como não bastasse, a dívida nominal em euros para os membros associados garantia receitas em suas próprias moedas locais. E o pior de tudo: os bancos simplesmente emprestavam para a compra de imóveis e infraestruturas já existentes, em vez de financiar o incremento da produção e a formação de capital tangível. À diferença das subvenções de governo a governo do Plano Marshall, a política do Banco Central Europeu de centrar os empréstimos bancários comerciais produziu uma única coisa: uma bolha imobiliária.

O empréstimo bancário aprofundou suas bolhas imobiliárias e financiou uma transferência de propriedade imobiliária, mas não a formação de muito capital tangível novo, que facilitaria as economias devedoras a pagarem suas importações. Ao contrário: suas dívidas cresceram sem que se incrementasse sua capacidade de importação. Resultou assim, pois, inevitável que todo o castelo de cartas terminasse por desmoronar.
Ao instituir as relações econômicas da União Europeia, a teoria do livre mercado assumiu que o investimento direto e o empréstimo bancário propiciariam o capital necessário para ajudar as regiões econômicas mais pobres a encurtar distâncias. Essa suposição se revelou infundada. Os bancos, ao emprestarem com hipotecas e outros ativos já existentes, inflaram seus preços de crédito. O que agora é preciso enxugar é o gasto da dívida e outras sequelas relacionadas a essa filosofia econômica de mente estreita.

Tudo isso serviu aos grandes exportadores da União Europeia, mas não desenvolveu uma estabilidade de alcance europeu, fundada num crescimento econômico de maior envergadura. Sem a ameaça da guerra à espreita ou sem a intimidação política da Rússia, as nações mais ricas da Europa puseram na proa uma liberação comercial e umas privatizações que aceleraram a desindustrialização no antigo bloco soviético. Aos membros da Europa meridional fizeram-nos entrarem na zona do euro com sua moeda forte e suas limitações ao gasto público, o que impediu que esses países pudessem desenvolver suas indústrias da mesma maneira que o fizeram a Europa Ocidental e os Estados Unidos.

Esse estado de coisas não podia durar muito, porque o Leste europeu foi reconstruído de maneira tal que se tornou dependente da importação e ficou financeiramente subordinado ao Oeste: mais, pois, como uma região colonial do que como um sócio de pleno direito. E como ocorre com as regiões coloniais, o oeste se converteu no destino das fugas de capitais, à medida que se vendia propriedade imobiliária a crédito e os lucros saiam das cleptocracias e das oligarquias do leste europeu e da Europa do sul. A moeda estrangeira para pagar os empréstimos bancárias que estavam inflacionando os preços dos bens imóveis se obtinha tomando ainda mais empréstimos, a fim de inflacionar ainda mais os preços da propriedade imobiliária: a definição clássica de um esquema ponzi. Neste caso, os bancos europeus jogaram o papel de novos participantes no esquema piramidal, organizando as economias pós-soviéticas como uma vasta cadeia de letras que subministram o dinheiro para manter o fluxo da espiral para cima.

O problema foi que o crédito só era concedido para alimentar bens imóveis e para financiar a exportação de bens de uma Europa ocidental dependente da exportação (com sua Política Agrícola Comum de excedentes e colheitas) a um Leste desindustrializado e agricolamente não modernizado. A dívida piramidal expansiva tinha de colapsar, porque não se estabeleceram os meios de pagá-la.

Houve uma vaga esperança de que os níveis de desenvolvimento econômico terminassem se igualando em toda a UE, como se o empréstimo bancário e as compras e tomadas de controle empresarial estrangeiros pudessem levar a uma maior homogeneidade e não a uma maior polarização financeira. O problema é que a União Europeia via seus novos membros como mercados para os bancos e os exportadores existentes (o que incluía também vê-los como base de dumping e de preços predatórios para seus excedentes agrícolas), não como novos membros que necessitavam de ajuda para se tornarem economicamente sustentáveis, nem tampouco como países em que se pudesse erguer sistemas financeiros nacionais viáveis por si mesmos.

A grande questão: afundar a própria economia para pagar a dívida a uns bancos que foram irresponsáveis ou carregar a banca com perdas e salvar a prosperidade e uma igualdade social mínima.

Dadas as restrições que o euro impõe aos seus países membros, compreende-se que as nações e os bancos credores da União Europeia queiram resolver esta crise com uma “desvalorização interna”: salários mais baixos, menos gasto público e queda dos níveis de vida, quer dizer, medidas que possibilitem o pagamento da dívida. É a velha doutrina do FMI que fracassou estridentemente no Terceiro Mundo. Dir-se-ia que esta doutrina está em pleno processo de ressurreição na Europa.

A política da UE parece consistir em que a renda dos assalariados e os fundos de pensão resgatem os bancos de sua herança de más hipotecas e outros empréstimos que não podem ser pagos (salvo vendendo a cabeça à miséria). Grécia e Irlanda, e agora talvez também Portugal e Espanha, entendem o modelo que se lhes está exigindo emular? Quantas doses de “medicamento letão” podem fazer esses países engolirem?

Se suas economias se encolhem e se o emprego cai, para onde emigrará sua força de trabalho? Sem investimento público, como chegarão a ser competitivos? A vida tradicional para as economias mistas é a concessão pública de infraestrutura a preços de custo ou a preços subsidiados. Mas se os governos, como se diz, “preparam o seu caminho de saída da dívida” vendendo suas infraestruturas públicas a compradores privados que as compram a crédito (com taxas de juros fiscalmente deduzidas!), o que fazem é contaminar a economia de pedágios extratores de renda, essas economias seguirão, assim, cada vez mais atrasadas e serão ainda mais incapazes de honrar suas dívidas. E o atraso nos pagamentos vai se resolver numa curva de crescimento exponencial de juros compostos.

As nações e os bancos credores da União Europeia estão buscando resolver a crise por uma via que não lhes custe muito dinheiro. O melhor, dizem, dada a impossibilidade em que se encontram as economias em crise de depreciar a sua moeda, é a “desvalorização interna” (a austeridade salarial), conforme o modelo letão. Os bancos e os titulares de bônus cobrarão a partir dos empréstimos de resgate do FMI e da UE.

O problema é a austeridade imposta com os níveis atuais de endividamento. Se os salários (e, portanto, os preços) declinam, a carga da dívida (já suficientemente elevada em termos históricos comparativos) vai se tornar mais pesada. É o que os EUA sofreram em fins do século XIX, quando o nível de preços foi induzido à baixa para “restaurar” o ouro ao seu preço anterior à Guerra Civil (e anterior, pois, ao bilhete verde [dólar valendo como título de crédito]). O candidato presidencial William Jennings Bryan se esgoelava, crucificando o trabalho na cruz do ouro em 1896. É o mesmo problema que a Inglaterra tinha experimentado antes, depois do Tratado de Gante, que pôs fim às Guerras Napoleônicas em 1815. À parte a miséria e as tragédias humanas que se irão multiplicar-se como consequência da austeridade fiscal e salarial, é economicamente autodestrutiva: criará uma espiral para baixo da demanda, que levará o conjunto da União Europeia à recessão.

O problema básico é se é desejável para as economias sacrificarem seu crescimento e impor a depressão – e níveis de vida mais baixos – em benefício dos credores. Raramente na história foi esse o caso, salvo em contextos de guerra aguerrida de classes. Assim, pois, o que farão os letões, os gregos, os irlandeses, os espanhóis e outros europeus, quando seu trabalho for crucificado pela “desvalorização interna”, perdendo poder aquisitivo para pagar os credores estrangeiros?

O que é necessário é um botão de reiniciar da filosofia econômica e fiscal da UE. A história da Europa dependerá de como ela lidará com esta crise; se segue o curso pacífico do benefício mútuo e prosperidade econômica tão apreciados nos manuais de ciência econômica, ou se segue a espiral baixista da austeridade, que tanto tem tornado impopulares os planejadores do FMI, nas economias devedoras.

É nesse barco que a Europa embarcará? Esse é o destino do projeto de uma Europa social, de Jacques Delors? É isso o que os cidadãos da Europa esperavam, quando adotaram o euro?

Há uma alternativa, nem é preciso dizer. É que os credores do cume da pirâmide econômica arquem com as perdas. Isso restauraria os coeficientes intensificados de Gini de desigualdade de renda e riqueza aos níveis mais baixos de há uma ou duas décadas. Não fazê-lo significaria restar presos a um novo tipo de tributo de tipo extrator internacional, muito parecido ao que os invasores vikings impuseram a Europa, há mil anos, ao se apoderarem das terras e imporem um tributo. Hoje, o que fazem é impor encargos financeiros ao modo da servidão pós-moderna, que ameaça devolver a Europa ao seu estado pré-moderno.

NOTA T.: [1] "Dead cat bounce", ou "rebote del gato muerto" é uma expressão derivada do dito inglês comum: Even a dead cat will bounce if it is dropped from high enough! ("Até um gato morto rebota, se jogado de altura suficiente)", e passou a engrossar o jargão metafórico do mundo financeiro anglo-saxão atual: aponta um rebote mais ou menos sustentável de um valor ou de um título, depois de uma forte e duradoura queda, mas o valor em questão, como o gato, segue morto e jazer inerte em si mesmo é seu destino.

*Michael Hudson trabalhou como economista em Wall Street e atualmente é Distinguished Professor na Universidade do Misoury, Kansas City, e presidente do Institute for the Study of Long-Term Economic Trends (ISLET) [Instituto para o estudo das tendências econômicas de longo prazo]. Sua dedicação aos problemas das economias pos-soviéticas, e especialmente a letã levou-o a ser representante, por parte da coalizão de esquerda letã Centro da Harmonia, como economista chefe da Reform Task Force Latvia, um think tank encarregado de elaborar uma política econômica alternativa para esse país báltico. É autor de vários livros, entre eles destacam-se: Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (nueva ed., Pluto Press, 2003) e Trade, Development and Foreign Debt: How Trade and Development Concentrate Economic Power in the Hands of Dominant Nations (ISLET, 2009).

*Jeffrey Sommers é codiretor do Baltic Research Group no ISLET e professor visitante na Stockhol School of Economics, de Riga.

Tradução: Katarina Peixoto

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