quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Se todos são keynesianos, o que Keynes diria a Dilma? – por Fernando Ferrari Filho e Marco Flávio Resende (Valor Econômico)

A crise financeira internacional e seus desdobramentos sobre o lado real das economias, em especial em 2009, em termos de recessão, desemprego e desaquecimento do volume de comércio, acabaram originando um consenso entre economistas acadêmicos, analistas econômicos e "policymakers", qual seja, todos passaram a ser "keynesianos" - cabe ressaltar que, infelizmente, a maioria deles tão somente por oportunismo - tanto para explicar a referida crise quando para remediá-la.

No Brasil, não foi diferente. Apesar de as autoridades econômicas terem, em um primeiro momento, subestimado os impactos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira, as políticas monetária e fiscal contracíclicas, de cunho keynesianas, implementadas pelas autoridades econômicas foram fundamentais para que o país saísse da recessão e voltasse a crescer de forma pujante e até surpreendente - segundo estimativas preliminares, em 2010 o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve ter crescido ao redor de 7,5% -, por mais que o cenário internacional ainda seja de turbulência.

A "bola da vez" continua sendo a crise fiscal-financeira dos Piigs, acrônimo para Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.

Se nossa atividade econômica apresenta um resultado exuberante, pelo menos no curto prazo, voltamos a enfrentar "velhos" problemas do período da prosperidade, dentre os quais a tendência à apreciação cambial, cujos efeitos são a deterioração da balança comercial e o processo de desindustrialização, e o viés do Banco Central (BC), receoso do "descontrole" da inflação, em querer subordinar a política fiscal ao regime monetário, que acabam impondo limitações para que a economia brasileira tenha estabilidade macroeconômica intertemporal (crescimento econômico robusto, inflação sob controle e equilíbrios fiscal e externo).

Nesse particular, sendo todos "keynesianos" e supondo que fosse possível psicografar Keynes, quais medidas econômicas o "mestre" sugeriria para a presidente Dilma Rousseff? Centrando as atenções em algumas das proposições de política macroeconômica apresentadas por Keynes ao longo de seus escritos, reunidos nos 30 volumes dos "Collected Writings of John Maynard Keynes", publicado pela Royal Economic Society, ele proporia maior coordenação das políticas fiscal, monetária e cambial, seja para resolver "os principais problemas da sociedade econômica em que nós (Brasil, inclusive) vivemos, que são o desemprego e a arbitrária e desigual distribuição da renda e da riqueza" (John Maynard Keynes. "The General Theory, of Employment, Interest and Money". New York, HBJ Book, 1964, p.372), seja para solucionar o desequilíbrio e a vulnerabilidade externa brasileiras.

Para tanto, Keynes proporia:

1) Política fiscal ancorada tanto na administração de gastos públicos - algo completamente diverso de déficit público - quanto na política de tributação. No que diz respeito à administração dos gastos públicos, deveria haver dois orçamentos: o corrente, para assegurar recursos à manutenção dos serviços básicos fornecidos pelo Estado à população, tais como saúde pública, educação e segurança pública, e o de capital, em que o Estado realizaria investimentos públicos complementares aos investimentos privados e fundamentais para a expansão da demanda efetiva. A ideia de Keynes com os referidos orçamentos é a de que, em períodos de prosperidade, o gasto público deve ser reduzido, ao passo que, em períodos recessivos, ele deve ser elevado. Assim, a política fiscal torna-se contracíclica e assegura o equilíbrio fiscal intertemporal do governo. A política de tributação, por sua vez, deveria concentrar-se essencialmente nos impostos sobre a renda, o capital e a herança, viabilizando, assim, uma melhora da distribuição da renda e da riqueza. Pois bem, a partir da proposição fiscal de cunho keynesiana e observando a situação fiscal brasileira dos últimos anos, percebe-se que a reduzida taxa do investimento público e a elevada carga tributária indicam que o ajuste fiscal deve se concentrar nos gastos de custeio e na racionalização do gasto público;

2) Flexibilização da política monetária para dinamizar os níveis de consumo e investimento e afetar a preferência pela liquidez dos agentes econômicos. No caso do Brasil, acrescente-se que a redução da taxa básica de juros (Selic) é fundamental para arrefecer o custo de rolagem da dívida pública;

3) Política cambial para assegurar a manutenção da taxa real efetiva de câmbio de equilíbrio e não gerar pressões inflacionárias. A taxa real efetiva de câmbio estável é fundamental pois, diante de um contexto em que a liquidez internacional continua muito elevada em função das políticas adotadas nos países centrais para superar a crise, as taxas de juros internacionais estão baixas e o crescimento dos países centrais está relativamente estagnado, as elevadas taxas de crescimento de economias emergentes (e, no caso do Brasil, também de juros) ensejam grande influxo de capitais que, por sua vez, acabam provocando a apreciação da taxa de câmbio (em especial do real). Como sabemos, essa experiência foi vivida pelo Brasil em passado recente: devido à elevada liquidez internacional o câmbio apreciou-se, o déficit em transações correntes tornou-se crescente e os superávits da conta de capital e financeira e do balanço de pagamentos elevaram-se, criando, assim, a pseudo-impressão de que esses resultados decorriam da robustez da economia. Contudo, quando a liquidez internacional foi arrefecida, o racionamento dos fluxos de capitais para a economia brasileira tornou-se uma realidade e a crise cambial se instalou, em grande parte recrudescida pela abertura financeira. Portanto, para evitarmos os erros do passado decorrentes dos desequilíbrios externos da economia brasileira, câmbio administrado e regulação e/ou controle dos fluxos de capitais são imprescindíveis.

Em suma, resgatando Keynes, espera-se que Dilma e suas autoridades econômicas sinalizem políticas fiscais e monetárias contracíclicas e intervenções no mercado de câmbio para que o país tenha, a despeito do cenário internacional desfavorável, estabilidade macroeconômica intertemporal.

Fernando Ferrari Filho é professor titular do departamento de Economia/UFRGS, pesquisador do CNPq e vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
Marco Flávio Resende é professor do Cedeplar/UFMG, pesquisador do CNPq e diretor da AKB.

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