quarta-feira, 29 de junho de 2011

Uma analogia

Lendo o cartapácio que é o livro “Os donos do poder”, de Raymundo Faoro, encontro o seguinte trecho:

Desde a primeira hora da colonização, Portugal, sensível ao plano de governo da terra imensa e selvagem, mandou à colônia, ao lado dos agentes do patrimônio real, os fabricantes de letrados, personificados nos jesuítas. "O gosto pelo diploma de bacharel," — nota Gilberto Freyre — "pelo título de mestre, criaram-no bem cedo os jesuítas no rapaz brasileiro; no século XVI já o brasileiro se deliciava em estudar retórica e latim para receber o título de bacharel ou de mestre em artes.
"Já a beca dava uma nobreza toda especial ao adolescente pálido que saía dos 'páteos' dos jesuítas. Nela se anunciava o bacharel do século XIX o que faria a República, com a adesão até dos bispos, dos generais e dos barões do Império. Todos um tanto fascinados pelo brilho dos bacharéis." O caminho da nobilitação passava pela escola, pelos casarões dos jesuítas, pela solene Coimbra ou pelos acanhados edifícios de Olinda, São Paulo e Recife. O alvo seria o emprego e, por via dele, a carruagem do estamento burocrático, num processo de valorização social decorrente do prestígio do mando político. Educação inútil para a agricultura, talvez nociva ao infundir ao titular o desdém pela enxada e pelas mãos sujas de terra, mas adequada ao cargo, chave do governo e da administração. Os jovens retóricos, hábeis no latim, bem falantes, argutos para o sofisma, atentos às novidades das livrarias de Paris e Londres, com a frase de Pitt, Gladstone e Disraeli bem decorada, fascinados pelos argumentos de Guizot e Thiers, em dia com os financistas europeus, tímidos na imaginação criadora e vergados ao peso das lições sem crítica, fazem, educados, polidos, bem vestidos, a matéria-prima do parlamento. Olhados à distância terão o ar ridículo dos velhos retratos, com os versos finos dedicados a musas e damas mal-alfabetizadas. Falta-lhes a voz áspera, o tom rude, a energia nativa dos colonos norte-americanos e dos políticos platinos, menos obedientes ao estilo europeu, mais homens, menos artistas e mais dotados de encanto poético.”


Por alguma razão, ao ler este trecho do livro, lembrei-me imensamente de FHC e Lula.

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