terça-feira, 28 de agosto de 2012

Lago Tekapo - por Chris Gin (Fotografia)


Lago Tekapo, Canterbury, Nova Zelândia.

O julgamento do mensalão

Realmente esta história do mensalão é de dar engulhos.
Por um lado, porque não agrega nada a cultura política do país (os equívocos dantes cometidos são sumariamente repetidos – especialmente os vinculados ao financiamento das campanhas), fica como um erro pontual e não sistêmico, que é o caso – bem citado no texto "As lições não aprendidas do mensalão", do Luis Nassif.

Só pra deixar bem claro: os problemas éticos e morais que o presidente Lula teve em sua base de apoio não foram muitos até o mensalão (quando supostamente teria sido descoberta e alterada a forma como se praticava a interlocução governo-congresso), os problemas com certeza foram muito mais graves depois do mensalão, pois, para garantir que não haveria contestações institucionais ao seu governo (já que a porca oposição udenista que temos tentou dar um golpe com um impeachment no presidente Lula – plano malfadado pela falta de apoio popular), ele ampliou imensamente a base de sustentação do seu governo, assimilando a pior escória da política brasileira. Assimilou esta escumalha do jeito clássico criado por FHC: via emendas parlamentares e cargos governamentais.
É isto que a ignorância moralista não consegue enxergar: o mensalão é um embuste, mas coisa pior é aplicada sumariamente nos governos federal, estaduais e municipais, o “mensalão branco”, via emendas e cargos.
Bruno Covas: disse que não disse que não tinha
dito o que disse, mas que disse outra coisa diferente
do que as pessoas pensam que ele disse (?).
Só para lembrar um caso clássico que citei pouco tempo atrás aqui no blog, o deputado Bruno Covas (PSDB-SP), disse que ao conseguir uma emenda de cinquenta mil reais para uma cidade do interior, o prefeito quis lhe “devolver” cinco mil reais. Os notórios 10% de propina. Segundo Covas, ele disse para o prefeito doar este valor para Santa Casa.
Escrevi sobre o caso aqui no Política Nada Imparcial:

Lembra até a fala do Bruno Covas (deputado estadual de SP), dizendo que, ao se deparar com o esquema de vendas de emendas parlamentares - fato absolutamente comum na assembleia legislativa (tucana) paulista segundo sua fala - ele pediu então para que a "sua parte", sua cota da propina, fosse doada a uma instituição de caridade. Depois disse que não havia dito isso. Confrontado com a gravação da entrevista dada ao jornal, que comprovava que ele de fato havia dito o que o jornal publicou, ele disse que não disse que não tinha dito o que disse, mas que disse outra coisa diferente do que as pessoas pensam que ele disse. Confuso? A culpa não é minha, é da explicação (?).

Pouco tempo atrás, escrevi por aqui também:

De fato é impressionante: no caso Collor e nas operações Castelo de Areia e Satiagraha há provas incontestáveis – até vídeo da tentativa de suborno perpetrada pelos asseclas de Daniel Dantas nesta última (gravação esta autorizada por um juiz federal).
Ainda assim, nos três casos eles foram inocentados, pois as provas foram anuladas – ou seja, não interessa se os delitos foram cometidos, ou não, mas sim a suposta validade das provas.
No mensalão não há prova nenhuma do pagamento mensal de parlamentares para que votassem a favor do governo. Nenhuma. Mas isto não interessa. Se os fatos não coadunam com o que alguns pensam, danem-se os fatos.
Tudo leva a crer que os acusados serão condenados não pelo que supostamente cometeram, mas sim porque os donos do poder assim querem que sejam.
Isto é Brasil.


Luiz Fux: o ônus da prova cabe ao acusado
Foto: André Coelho
Escrevi pouco, é ainda pior do que isto: o afã do ministro Luiz Fux (ministro nomeado pela Dilma, frise-se) em condenar era tamanho, a adaga da vingança (e não da justiça) era tão afiada, que ele ia condenar um dos acusados por crime ao qual ele sequer era acusado! (o ministro Joaquim Barbosa o corrigiu a tempo).
O Luiz Fux chegou a cometer a excrescência de escrever que o então deputado João Paulo Cunha não provou claramente como foram gastos os cinquenta mil reais que sua esposa sacou – segundo João Paulo Cunha, para pagar pesquisa eleitoral.
Para Luiz Fux, portanto, o ônus da prova cabe ao acusado!
Para conseguir um jeitinho de se condenar os acusados no julgamento do mensalão, seus ministros estão chegando ao ridículo de alterar uma regra basilar do direito mundial – só aplicada em regimes ditatoriais, como o do Estado Novo: o ônus da prova esta cabendo ao acusado.
Ainda segundo Fux, deve haver uma “flexibilização das provas” nos megadelitos. Pensava eu que se fosse para ter este pensamento torto, seria justamente o contrário: nos crimes de menor monta, onde dificilmente podem ser encontradas provas (poucas pessoas envolvidas, inexistência de provas eletrônicas, ausência de investigação mais apurada, etc.) é que se poderia “flexibilizar” as provas. Ainda sim, não sei se seria correto. Mas para ele, não. Apesar dos anos de massacre, investigações da imprensa, CGU, TCU, ministério público federal, polícia federal, ainda assim, deve haver uma “flexibilização” das provas.
Mas para condenar os (já) condenados, vale tudo, não é mesmo?


A ministra Rosa Weber também não deixou por menos:
Rosa Weber: "elasticidade" na admissão das provas
"Nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação".
Como compreender “elasticidade” das provas? É o mesmo caso da “flexibilização” de Fux: ou as provas existem, ou não. Ponto. Provas são provas. Na verdade este julgamento esta inaugurando uma nova seara no campo jurídico, a prova-mola. consegue provar nada sobre as acusações, mas ao menos é elástica, flexível.

É impressionante que ocorra um descalabro destes justamente em um julgamento ocorrido na última instância, já que os acusados não poderão recorrer à outra instância – a não ser, talvez, que recorram ao bispo.
Pelo clima de linchamento criado pela velha mídia, entretanto, fatalmente não seriam perdoados pela autoridade eclesiástica: seriam sumariamente excomungados para o inferno.


Realmente, o julgamento do mensalão esta entrando pela história – através do esgoto.

Arte digital - por Feng Zhu design


As lições não aprendidas do mensalão - por Luis Nassif

Na sua coluna de ontem, no jornal O Valor, o respeitado Renato Janine Ribeiro publica carta enviada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nela, FHC questiona afirmação de Janine sobre a cooptação de votos para a aprovação  da emenda da reeleição.  “Esta existiu, diz, mas por parte de políticos locais”.

Apenas constata que fez o mesmo do mesmo. Apenas, de uma forma mais “profissional”.

 É importante o seu depoimento. E lembro aos leitores que o eixo de meu artigo estava na tese de que as questões de corrupção, que pareciam tão claras quando o lado do bem se opunha à ditadura, se transformaram num cipoal desde que PT e PSDB se digladiam”, conclui Janine.

***

Tanto no mensalão como na votação da emenda da reeleição, o objetivo era a cooptação de parlamentares. Apenas os métodos foram diferentes.

No período FHC, a cooptação se deu através das emendas parlamentares, prática inaugurada no seu governo.

Cada emenda envolve três tipos de interesse: do parlamentar que a propôs, da empresa que será beneficiada com ela e do governo federal, a quem cabe a sua liberação.

Havia, então, uma triangulação.

1. Os operadores do governo acertavam com os governadores o apoio da sua bancada.
2. Em seguida, liberavam a emenda.
3. O dinheiro chegava na ponta e o governador (e a empreiteira) fazia o acerto com seus deputados.

Esse mesmo modelo foi aplicado para derrotar o ex-presidente Itamar Franco na convenção do PMDB que pretendia lança-lo como candidato à presidência da República. A operação foi articulada pelo então Ministro dos Transportes de FHC, Eliseu Padilha.

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O chamado “mensalão” foi fruto do amadorismo inicial do PT.

FHC havia consagrado uma tecnologia de governabilidade apoiando o PSDB em um grande partido, o PFL, O PT decidiu fortalecer pequenos partidos. E o pacto passava por bancar os custos de campanha dos parlamentares. Deu no que deu.

Depois do escândalo, o PT fechou apoio do PMDB, aproximou-se do candidato a partido grande PSDB e passou a se valer da metodologia das emendas parlamentares, tal e qual o governo FHC.

***

Agora se tem os dois principais partidos do país – PT e PSDB – recorrendo a métodos de cooptação que precisam ser revistos. Esse mesmo modelo é aplicado em Brasília e em São Paulo.

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Durante algum tempo justificou-se esse modelo. O país iniciava o aprendizado democrático e a questão da governabilidade era relevante, especialmente depois de um governo (José Sarney) que andou toda sua gestão na corda bamba e outro (Fernando Collor) que perdeu o mandato.

***

Mas já é hora de se aprimorar a democracia brasileira. Ao tentar tirar casquinha da situação, FHC não colabora para esse aprimoramento. Nem Lula, ao minimizar o episódio.

Há um modelo imperfeito, que torna os governos reféns e, ao mesmo tempo, cooptadores de partidos políticos, assim como os parlamentares reféns dos financiadores de campanha.

O episódio será positivo se ajudar a deflagrar uma ampla discussão sobre o modelo político, a formação de partidos, o financiamento privado de campanha, a questão das emendas parlamentares.  Se usado oportunisticamente, o país não terá nada a ganhar com o episódio.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Rua deserta - por Coolvibe (Arte digital)

Gushiken e o populismo penal midiático - por Paulo Moreira Leite (Época)

O desagravo de Ricardo Lewandovski a Luiz Gushiken deve servir de advertência a quem acompanha seriamente a denúncia do mensalão. O ministro foi além de Joaquim Barbosa e do procurador Roberto Gurgel, que pediram a absolvição de Gushiken por falta de provas.

Lewandovski disse que o ex-ministro deveria ser proclamado inocente.

Na verdade, a única base da denúncia contra Gushiken desapareceu há muito tempo. Responsável pelo marketing do Visanet, centro dos desvios para Marcos Valério, Henrique Pizzolato disse que recebera ordens de Gushiken ao depor na CPMI dos Correios. Mais tarde, depondo na Justiça, Pizzolato se retratou e disse que faltara com a verdade. Admitiu, como Lewandovski recordou no julgamento, que fora pressionado, sentiu medo e ficou confuso durante a CPMI.

Todos sabiam disso e assim mesmo Gushiken foi indiciado. Quando os advogados de Gushiken protestaram contra a falta de qualquer prova, a resposta é que, se ele fosse mesmo inocente, acabaria absolvido mais tarde.

Homens públicos devem ter uma pele dura e grossa para enfrentar ataques inevitáveis. Concordo. A coisa é um pouco mais séria, porém.

Gushiken passou os últimos sete anos com a vida revirada pelo avesso. Teve até contas de um jantar em São Paulo examinadas pelo TCU e divulgada pelos jornais, naquele tom de suspeita – e preconceito – de quem se permite identificar sinais de deslumbramento e novo riquismo em todo cidadão que entrou na vida pública pela porta de serviço das organizações populares, em seu caso, o movimento sindical. Até a marca de vinho era tratada como esbanjamento. Certa vez, uma diária de hotel, a preço médio, foi publicada como se fosse gasto exagerado, seguindo a máxima do baixo jornalismo de que nenhuma publicação perde dinheiro quando aposta na ingenuidade de seus leitores.

Uma revista publicou uma reportagem onde as palavras de Pizzolato a CPI eram tratadas como verdade factual. Gushiken resolveu acionar a publicação cobrando uma indenização. Foi tratado como inimigo da liberdade de imprensa, claro. Perdeu a causa.

Falando sobre o mensalão e sobre a pressão sobre a justiça, Luiz Flávio Gomes, antigo juiz e estudioso da profissão, escreveu recentemente sobre o mensalão:

“Muitos juízes estão sendo estigmatizados pelo populismo penal midiático e isso coloca em risco, cada vez mais, a garantia da justiça imparcial e independente. O risco sério é a célebre frase ’Há juízes em Berlim’ (que glorifica a função da magistratura de tutela dos direitos e garantias das pessoas frente aos poderes constituídos) transformar-se num vazio infinito com a consequente regressão da sociedade para a era selvagem da lei do mais forte, onde ganha não a justiça, sim, quem tem maior poder de pressão.“

Conheci Alceni Guerra, deputado do PFL do Paraná, alvo de denúncias furiosas durante o governo Collor. Quando se descobriu que nada se podia provar contra ele, Alceni foi inocentado e tornou-se um símbolo da precipitação e da falta de cuidado. Não aguardou sete anos. Os mesmos veículos que divulgaram denuncias contra ele fizeram questão de retratar-se, talvez porque Alceni, um raro exemplar de político conservador com consciência social – votou vários benefícios na Constituinte – representava forças que se pretendia preservar e recompor assim que fosse possível, após o impeachment de Collor.

Havia duas razões especiais para manter Gushiken no centro da acusação, mesmo depois que ficou claro que nada havia de concreto contra ele. Uma causa era política. Com uma ligação histórica com Lula, que lhe deu um posto estratégico na coordenação da campanha de 2002, manter a acusação era uma forma de manter a denúncia perto do presidente.

Ajudava a incluir um membro do primeiro escalão naquilo que o procurador” geral chamou de “quadrilha”e “organização criminosa.“

Considerando que José Dirceu, o outro acusado com patente ministerial, só foi denunciado por uma testemunha especialista em auto-desmentidos como Roberto Jefferson, a presença de Gushiken dava um pouco de tonelagem a história, concorda?

Outro motivo é que Gushiken foi um adversário irredutível das pretensões do banqueiro Daniel Dantas em manter o controle da Brasil Telecom, graças a um acordo de acionistas que lhe dava um poder de mando incompatível com sua participação como acionista. E aí nós chegamos a um aspecto muito curioso sobre aquilo que o juiz Luiz Flavio Gomes chamou de populismo penal midiático.

Está provado que Daniel Dantas participou do esquema Marcos Valério. Não foram somente os 3,6 milhões de reais. O inquérito do delegado Luiz Zampronha, da Polícia Federal, mostra que, sob controle de Daniel Dantas, a Brasil Telecom assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Valério. É isso aí: R$ 50 milhões. Está lá, na investigação da PF.

Ainda assim, Daniel Dantas ficou fora da lista dos acusados e suspeitos. Mas se Pizzolato pode ser acusado e possivelmente será condenado por desvio de dinheiro público, é de se perguntar por que os recursos privados que Daniel Dantas mobilizou não lhe trouxeram a menor dor de cabeça neste caso. Não quero julgar por antecipação, sei que há muitas questões envolvidas quando se fala no nome deste banqueiro e sinto sono quando penso nelas. Daniel Dantas foi inocentado de várias acusações que lhe foram feitas.

O barulho da Operação Satiagraha mostrou-se inversamente proporcional a capacidade de apresentar provas contra os principais envolvidos.  Mas é curioso.

Banqueiro com cadeira reservada no núcleo das privatizações do governo FHC, Daniel Dantas  também queria favores especiais do governo Lula. Pagou com contrato. Está no inquérito, que Zampronha elaborou e enviou para o procurador Roberto Gurgel. Zampronha observa que a vontade de se acertar com Valério era tamanha que a turma sequer pediu uma avaliação técnica – mesmo meio fajuta, só para manter as aparências – da agência que fazia o serviço anterior. Mesmo assim, nada lhe aconteceu. Não precisou sequer dar maiores explicações. Nada.

Confesso que até agora não encontrei uma boa explicação a respeito.

Será que dinheiro privado é mais inocente?

Será que vale aqui a regra de que acusado de corruptor é menos culpado do que o corrupto?

É engraçado nosso populismo penal midiático, vamos combinar.

Gushiken foi tratado como culpado até que a inanição absoluta das acusações falasse por si. No auge das denúncias contra ele, dois jornalistas de São Paulo foram autorizados a fazer uma devassa nos arquivos da Secretaria de Comunicações, procurando provas para incriminá-lo. O próprio Gushiken autorizou o levantamento, sem impor condições. Os jornalistas nada encontraram mas sequer fizeram a gentileza de registrar publicamente o fato. É certo que não seria possível chegar a uma conclusão definitiva a partir daí. Mas, naquelas circunstâncias, seria pelo menos um indício de inocência, se é que isso existe, não é mesmo?

A tardia declaração de inocência de Gushiken é uma lição do populismo penal midiático. A vítima não é só o ministro.

É você.

Quando o macho não aguenta mais... - por Mauricio Amaral (pretinho básico)

Jorge Hage, da CGU: “Corrupto rico não vai preso no Brasil” - por Bob Fernandes (Terra Magazine)




(Versão em texto abaixo)

Corrupção. Esse segue sendo o tema, a novela. Seja no julgamento no Supremo, onde quatro dos 38 réus já começaram a ser condenados, seja nessa enganação, ao menos por enquanto, que é a CPI do Cachoeira; essa que faz de conta que vai pegar, mas não pega.

Falemos então da corrupção no Brasil. Há 7 anos, a Controladoria Geral da União, a CGU, fiscaliza o uso de dinheiro federal em cidades com menos de 500 mil habitantes. Até hoje, 23 de agosto, foram investigadas 2001 cidades, o que significa 35,9% dos mais de 5.600 municípios do país. Uma gigantesca pesquisa. Resultados no uso de R$ 17 bilhões e 200 milhões nestes 7 anos: corrupção, da grossa, em 20% do Brasil. E problemas que incluem incompetência, despreparo, mau uso das verbas públicas etc., em 80% das cidades investigadas no país.

Detalhe: isso só em relação às verbas federais, apenas imaginando o que se passa com o granário estadual e municipal. E só nos municípios com menos de 500 mil habitantes.

Por corrupção, nos últimos sete anos, foram demitidos 3 mil e 800 funcionários federais e 2.367 empresas foram consideradas inidôneas. Outras 1.475 empresas estão suspensas de um cadastro que vai se tornando nacional, assim como 1.200 ONGs. Todas essas empresas e ONGs não podem mais receber dinheiro público.

Sonegação e evasão fiscal: a Transparência Brasil diz não existirem números confiáveis nesse cenário.

Números confiáveis levantou Everardo Maciel, que foi secretário da Receita Federal nos governos FHC. Com base no recolhimento da CPMF no ano de 1998, Everardo estimou em 32% o não pagamento de impostos no Brasil. Admitindo-se que uma porção disso tivesse base, brechas legais para escapar dos impostos.

No ano 2000, e também a partir do rastreamento da CPMF, o ex-secretário da Receita encontrou o não pagamento de impostos na casa dos 29%. Nos Estados Unidos, uma média de 18%.

Portanto, diante de tanta obviedade, desconfie quando alguém vier com o papinho fácil e hipócrita de apontar apenas o corrupto da ocasião; sempre o outro, o vizinho, claro. A encrenca é muito maior, mais ampla, mais disseminada e mais profunda do que isso.

Para tentar entendê-la melhor, trechos de uma conversa com Jorge Hage. Ele é o homem que dirige a CGU e há 7 anos investiga as cidades do Brasil com sua equipe de auditores; isso numa ação coordenada com vários outros órgãos do Estado brasileiro: Receita Federal, polícias, Ministério Público, COAF, Tribunal de Contas…

Perguntado sobre qual seria, hoje, a principal causa da corrupção no Brasil, Jorge Hage responde:

- Não tenho dúvidas. O financiamento de campanhas políticas e de partidos políticos…

Sobre quem mais se avança no dinheiro público:

- Isso é indiscriminado… é feito de vereador para cima, feito por todos os grandes partidos e por quase todos os partidos, e em todos os estados do país…

Por que fazem assim, qual seria um dos indutores dessa disseminação da corrupção? Resposta:

- O financiamento de políticos e de campanhas por parte das empresas é altamente concentrado e pouquíssimo transparente…

(Hage tem sugestões para enfrentar esse e outros aspectos da questão, mas esse é um trecho da conversa para mais adiante).

Para o Controlador Geral da União, o Judiciário segue sendo fator preponderante no sistema que permite a impunidade. Jorge Hage resume assim a resultante disso tudo:

- Um rico… um réu com dinheiro, um corrupto rico não vai preso no Brasil. Ou a pena prescreve, ou quando sai a condenação, dez, vinte anos depois, o sujeito já morreu…

(Ressalva do diretor da CGU: o julgamento do chamado "mensalão" só está se dando num prazo tão próximo dos eventos porque um fator, o foro privilegiado de alguns dos 38 réus, arrastou todo o processo para o Supremo Tribunal Federal).

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Revolução na estrada - por Yuri Kozyrev (World Press Photo)


Foto de um dos combates das forças revolucionárias anti-Kadafi na cidade Líbia de Ras Lanuf. 
O ditador Muammar Khadafi viria a ser preso e morto alguns meses depois.

Moralidade de um lado só - por Paulo Moreira Leite (Época)

Meu ponto de vista é que o mensalão não foi apenas caixa 2 para campanhas eleitorais nem apenas um esquema de desvio de recursos públicos. Foi uma combinação de ambos, como sempre acontece em sistemas eleitorais que permitem ao poder econômico privatizar o poder político com contribuições eleitorais privadas.

Um julgamento justo será aquele capaz de distinguir uma coisa da outra, uma acusação da outra, um réu do outro.

Quem combate o financiamento público de campanha não quer garantir a liberdade de expressão financeira dos eleitores, como, acredite, alguns pensadores do Estado mínimo argumentam por aí e nem sempre ficam ruborizados.

Quer, sim, garantir a colonização do Estado pelo poder econômico, impedindo que um governo seja produto da equação 1 homem = 1 voto.

É aqui o centro da questão.

Tesoureiros políticos arrecadam para seus candidatos, empresários fazem contribuições clandestinas e executivos que tem posições de mando em empresas do Estado ajudam no desvio. Operadores organizam a arrecadação eleitoral e contam com portas abertas para tocar negócios privados. Fica tudo em família – quando são pessoas com o mesmo sobrenome.

Foi assim no mensalão tucano, também, com o mesmo Marcos Valério, as mesmas agências de publicidade e o mesmo Visanet. Um publicitário paulista garante pelos filhos que em 2003 participava de reuniões com Marcos Valério para fazer acertos com tucanos e petistas. Era tudo igual, no mesmo endereço, duas fases do mesmo espetáculo.

Só não houve igualdade na hora de investigar e julgar. Por decisão do mesmo tribunal, acusados pelos mesmos crimes, os mesmos personagens receberam tratamentos diferentes quando vestiam a camisa tucana e quando vestiam a camisa petista. É tão absurdo que deveriam dizer, em voz baixa: “Sou ou não sou?” Ou: “Que rei sou eu?”

Mesmo o mensalão do DEM, que, sob certos aspectos, envolveu momentos de muito mau gosto, foi desmembrado.

Diante da hipocrisia absoluta da legislação eleitoral, sua contrapartida necessária é o discurso moralista, indispensável para dar uma satisfação ao cidadão comum. Os escândalos geram um sentimento de revolta e inconformismo, estimulando o coro de “pega ladrão!”, estimulado para “dar uma satisfação à sociedade” ou para “dar um basta na impunidade!” Bonito e inócuo. Perverso, também.

Até porque é feito sempre de forma seletiva, controlada, por quem tem o poder de escolher os inimigos, uma força que está muito acima de onze juízes. Estes são, acima de tudo, pressionados a andar na linha…

Em 1964, o mais duradouro golpe contra a democracia brasileira em sua história, teve como um dos motes ilusórios a eliminação da corrupção. O outro era eliminar a subversão, como nós sabemos. Isso demonstra não só que a corrupção é antiga mas que a manipulação da denúncia e do escândalo também é. Também lembra que está sempre associada a uma motivação política.

Entre aqueles que se tornaram campeões da moralidade de 64, um número considerável de parlamentares recebeu, um ano e meio antes do golpe, cinco milhões de dólares da CIA para tentar emparedar João Goulart no Congresso. Depois do 31 de março essa turma é que deu posse a Ranieri Mazzilli, alegando que Jango abandonara a presidência embora ele nunca tenha pedido a renúncia.

Seis anos depois do golpe, o deputado Rubens Paiva, que liderou a CPI que apurou a distribuição de verbas da CIA e foi cassado logo nos primeiros dias, foi sequestrado e executado por militares que diziam combater a subversão e a corrupção. Não informam sequer o que aconteceu com seu corpo. Está desaparecido e ninguém sabe quem deu a ordem nem quem executou. Segredo dos que combatiam a subversão e a corrupção, você entende.

O alvo era outro. A democracia, a sempre insuportável equação de 1 homem = 1 voto.

Eu acho curioso que a oposição e grande parte da imprensa – nem sempre elas se distinguem, vamos combinar, e recentemente uma executiva dos jornais disse que eram de fato a mesma coisa – tenham assumido a perspectiva de associar, quatro décadas depois, a corrupção com aquelas forças e aquelas ideias que, em 64, se chamavam de subversão.

A coisa pretende ser refinada, embora pratique-se uma antropologia de segunda mão, uma grosseria ímpar. Não faltam intelectuais para associar Estado forte a maior corrupção, proteção social a paternalismo e distribuição de renda à troca de favores. Ou seja: a simples ideia de bem-estar social, conforme essa visão, já é um meio caminho da corrupção.

Bolsa-Família, claro, é compra de votos. Como o mensalão, ainda que nenhuma das 300 testemunhas ouvidas no inquérito tenha confirmado isso e o próprio calendário das votações desminta uma conexão entre uma coisa e outra. Roberto Jefferson disse, na Policia Federal, que o mensalão era uma “criação mental” mas a denúncia reafirma que a distribuição de recursos era compra de consciência, era corrupção – você já viu aonde essa turma pretende chegar.

A corrupção dos subversivos é intolerável enquanto a dos amigos de sempre vai para debaixo do tapete.

Desse ponto de vista, eu acho mesmo que o julgamento tem um sentido histórico. Não por ser inédito, mas por ser repetitivo, por representar uma nova tentativa de ajuste de contas. Não é uma farsa, como lembrou Bob Fernandes num comentário que você deve procurar na internet.

A farsa é o contexto.

Veja quantas iniciativas já ocorreram. O desmembramento, que só foi oferecido aos tucanos. O fatiamento, que nunca havia ocorrido num processo penal e que apanhou o revisor de surpresa.

Agora que a mudança de regras garantiu que Cezar Peluso possa votar pelo menos em algumas fases do processo (“é melhor do que nada”, diz o procurador geral) já se coloca uma outra questão: o que acontece se o plenário, reduzido a dez, votar em empate? Valerá a regra histórica, que eu aprendi com uns oito anos de idade, pela qual em dúvida os réus se beneficiam? Ou o presidente Ayres Britto irá votar duas vezes?

E, se, mesmo assim, houver uma minoria de quatro votos, o que acontece? Vai-se aceitar a ideia de que é possível tentar um recurso?

Ali, no arquivo das possibilidades eventuais, surgiu uma conversa do ministro Toffoli, às 2 e meia da manhã, numa festa em Brasília. Já tem sido usada para dar liçãozinha de moral no ministro. No vale-tudo, servirá para criar constrangimento.

Enquanto isso, os visitantes que chegam a Praça dos Três Poderes demonstram mais interesse em tirar foto turística para o facebook do que em seguir os debates, como revelou reportagem de O Globo. Calma. O julgamento não vai ser tão rápido como se gostaria. Com a cobertura diária no horário nobre, manchetes frequentes, é possível mudar isso…

Minha mãe ria muito de uma vizinha, que dias antes do 31 de março de 64 foi às ruas de São Paulo protestar a favor de Deus, da Família, contra a corrupção e a subversão. Quando essa vizinha descobriu, era um pouco tarde demais e a filha dela já tinha virado base de apoio da guerrilha do PC do B. O diplomata e historiador Muniz Bandeira conta que a CIA trouxe até padre americano para ajudar na organização daqueles protestos.

A marcha de 64 foi um sucesso, escreveu o embaixador norte-americano Lincoln Gordon, num despacho enviado a seus chefes em Washington, já envolvidos no apoio e nos preparativos do golpe. Mas era uma pena, reparou Gordon, que havia poucos trabalhadores e homens do povo.

Pintura - por Didier Delamonica

Os votos de Barbosa e Lewandovski no julgamento do mensalão - por Luis Nassif (Blog do Nassif)

Voto de Lewandovski expõe falta de discernimento de Barbosa

O revisor Ministro Ricardo Lewandovski considerou haver sinais abundantes de que a empresa IFT, de Luiz Costa Pinto, prestou serviços à Câmara. Os advogados de defesa já haviam relatado inúmeros depoimentos de funcionários da Câmara atestando a entrega do trabalho.

Em seu voto, Joaquim Barbosa endossou as acusações da Procuradoria Geral da República (PGR), de que o contrato era fantasma e que Costa Pinto prestaria apenas trabalhos pessoais ao então presidente da Câmara João Paulo.

Houve uma primeira investigação que apurou não terem sido entregues boletins reservados mensais. Com base nisso, em uma análise superficial a primeira investigação da Polícia Federal considerou que o contrato era falho.

Posteriormente, o Tribunal de Contas aprofundou as investigações e constatou que:

1 - Não constava do contrato da Câmara com a IFT a feitura dos boletins.
2 - Mesmo que constasse do contrato, sua ausência não caracterizaria burla devido à abrangência muito maior do contrato, que foi entregue na sua totalidade.
3 - Lewandovski registrou a robusta prova testemunhal, de que a empresa efetivamente prestou serviços à Câmara, com elogios fartos de diversos setores da Câmara. E o fato do TCU, por unanimidade, ter considerado legal o contrato e sua execução.

Tudo isso foi ignorado por Joaquim Barbosa. Sua intenção jamais foi a de se comportar como juiz, mas como um auxiliar da acusação, um inquisidor pequeno, incapaz de separar o joio do trigo. Joaquim Barbosa não teve o menor interesse em separar as acusações objetivas das meras suspeitas, como se na ponta houvesse apenas inimigos a serem exterminados.

Duro nas suas sentenças, quando identifica sinais de culpa, Lewandovski  demonstra discernimento e preocupação em separar o joio do trigo. Até agora, sua palavra mostra credibilidade quando absolve e também quando condena. Ao contrário de Joaquim Barbosa, que não mostra credibilidade nem quando tem razão.

Como ensinou Lewandovski ao final, o juiz é o "perito dos peritos", o único a avaliar todos os elementos, não podendo fiar-se em um laudo único, sem considerar as demais provas e evidências.


O voto de Lewandovski na acusação de peculato

O Ministro Ricardo Lewandovski opinou pela condenação por peculato do ex-diretor de publicidade do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, e das agências de publicidade de Marcos Valério. Da mesma maneira, aliás, que o relator Joaquim Barbosa.

Mas há uma diferença abissal entre eles.

Barbosa, em sua ânsia de condenar a qualquer preço, considerou como recursos públicos os “bônus de volume” (BVs). Alegou também que o contrato da DNA com o Banco do Brasil obrigava à devolução dos BV ao banco.

Lewandovski mostrou que BVs são recursos privados. Qualquer publicitário ou jornalista sabe que os BVs são pagamentos dos veículos para as agências. Mostrou também que o contrato da DNA com o BB não era claro na questão da devolução do BV ao banco. Falava genericamente em bônus e benefícios. Um perito  resolveu avançar além das chinelas e reinterpretou o contrato, entendendo que estava implícito o BV.

Lewandovski derrubou ambos elementos. No entanto, votou pela condenação de Pizzolato e das agências devido ao fato de ter constatado (ontem à noite, segundo ele) que o inquérito informava que a DNA lançava como BV pagamentos recebidos de seus próprios fornecedores. Contratava terceiros e recebia de volta parte do pagamento, inflando seus lucros.

Apesar de demonstrar muito mais discernimento que Joaquim Barbosa, o voto de Lewandovski deixa uma questão não respondida: se as notas se referiam a operações entre a DNA e seus fornecedores, em tese o Banco do Brasil não teria porque acompanhar essas operações. Se não precisava informar o BB sobre os BVs recebidos, o inquérito se referia a lançamentos contábeis, sobre os quais o BB, em tese, não tinha nenhuma ingerência.

Seu voto foi pela condenação de Pizzolato também nas demais acusações (lavagem de dinheiro e formação de quadrilha). Aí os dados eram difíceis de derrubar: antecipação de pagamentos à DNA, sem comprovação de trabalho; e a caixa com dinheiro recebida em sua casa.

Detalhe curioso: a expressão de alívio de Lewandovski, quando informou ter encontrado elementos para a condenação por peculato aos 90 minutos de jogo.

PS - Nos comentários, o Assis Ribeiro lembrou que Joaquim Barbosa falou também que parte relevante do que se considerava BV não era. Tem razão. Ou seja, a suposta "descoberta" de Lewandovski, aos 90 minutos de jogo, não era tão descoberta assim.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Fotografia - por Laoen

Casuísmo no mensalão? - por Paulo Moreira Leite (Época)

É possível  enxergar efeitos políticos  por trás do debate sobre a metodologia do julgamento do mensalão.

Joaquim Barbosa resolveu apresentar seu voto de maneira fatiada em oito partes. Apresenta sua opinião sobre cada denúncia e apresenta seu voto. Em seguida, o ministro revisor, Ricardo Lewandovski, apresenta seu voto. O plenário se manifesta. Em oito capítulos.

Aprendi, nos meus cursos de filosofia, que a única forma de compreender o mundo é partir do geral para particular – e não o contrário. Também aprendi que, nas contas matemáticas, a ordem dos fatores pode não alterar o produto. Na vida real, isso pode acontecer.

Há um problema de conceito no julgamento. Essa discussão atravessa as denúncias contra todos os réus: foi um caso de compra de votos? Foi simples caixa 2? Uma mistura de ambos?

Os partidos do governo Lula atuaram de forma convencional, como sempre fizeram – no mensalão tucano, no mensalão do DEM – ou agora estamos diante de uma “organização criminosa”?

Essa é a questão. É isso o que todos querem saber. O ministério público fala em “compra de consciências”, em “suborno”, em “propina” para fatos que, na visão de muitas pessoas, honradas, com passado político democrático e respeitável, nada mais representam do que uma velha expressão de nossos maus costumes eleitorais. O debate reside aí. Temos uma acusação séria, com fatos demonstrados e bem explicados, ou temos uma acusação oportunista, de fundo político?

Num julgamento fatiado em partes, evita-se o debate principal, que envolve o conceito do mensalão – que confundiu até a testemunha principal, Roberto Jefferson –  para se partir para uma etapa posterior, que é julgar as denúncias específicas  – o que só seria possível depois que o plenário já tivesse deliberado sobre aquilo que está em debate. O debate sobre as partes abafa a  discussão geral. E abafa, claramente, as opiniões de Lewandovski.

Não se trata de dizer quem possui a melhor argumentação. Barbosa mostrou hoje que tem um voto estruturado, com fatos e argumentos. Imagino que Lewandovski terá um voto com a mesma qualidade.

A mudança evita o debate  principal do julgamento. É como se ele  já tivesse ocorrido. Foi por esse motivo que José Carlos Dias, um dos principais advogados brasileiros, tucano com todas as carteirinhas, foi ao microfone para pedir ao plenário que reconsiderasse a decisão.

Pela regra aprovada, o  revisor estará sempre no corner, na defensiva, respondendo ao relator, sobre temas que ele escolheu e denúncias que apresentou. Pela metodologia anterior, seria um conflito entre iguais. Tanto Barbosa como Lewandovski teriam um tempo para desenvolver suas teses. Agora, será um conflito onde o relator sempre estará com a iniciativa  e o revisor na defensiva.

É curioso que, no meio do julgamento, Barbosa tenha colocado no problema do tempo. Não, não falou sobre a aposentadoria de Cezar Peluso, que pendura a toga  em 3 de setembro e é visto como um voto seguro pela condenação da maioria dos acusados. Barbosa referiu-se a seus problemas de saúde ao dizer que se o julgamento demorasse muito ele também não poderia estar presente.

Será que as regras mudaram para facilitar um julgamento rápido? Não tenho a menor disposição para criticar o Supremo. Tampouco tenho competência jurídica para isso.

Mas o nome disso não é casuísmo? Claro que o mais importante é realizar todos um bom julgamento, claro, transparente. É mais importante do que o prazo, concorda?

E se você acha que a defesa quer atrasar a decisão para evitar prejuízos nas eleições municipais, a recíproca, aqui, é verdadeira: também é possível dizer que a acusação quer apressar para garantir o efeito eleitoral de sua decisão, concorda?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Entrando no limbo - por Erik Shumacher (arte digital - coolvibe)

O núcleo da política do mensalão - por Paulo Moreira Leite (Época)

A primeira notícia sobre mensalão é que a verdade de uma face só começa a perder credibilidade.

A noção de que se trata do “maior escândalo da história” ficou mais difícil de sustentar depois da revelação de que, ouvidas mais de 300 testemunhas, da acusação e da defesa, não apareceu ninguém para descrever as célebres “compras de voto”, “mesadas” ou outras formas de comércio político que Roberto Jefferson descreveu em junho de 2005.

O mesmo Jefferson, na verdade,  deixou de sustentar essa versão em depoimentos posteriores, menos barulhentos e mais consistentes, que prestou à Polícia e a Justiça nos anos seguintes. Num deles, o deputado do PTB refere-se ao mensalão como ”criação mental.“ Disse, explicitamente, que “não envolvia” troca de apoio entre o Planalto e o Congresso e se destinava a financiar a campanha municipal de 2004.

A verdade é que depois do início do julgamento alguns casos se revelaram particularmente humilhantes para a acusação. Estou falando do ex-ministro, ex-deputado e líder sindical bancário Luiz Gushiken. A acusação pede absolvição de Gushiken por falta de provas.

Mas durante sete anos Gushiken frequentou os jornais e tele jornais como um dos suspeitos. Sua foto de cavanhaque e olhos puxados estava em toda parte, as acusações também. Em 2005, seu depoimento a CPI foi interrompido por comentários maliciosos de parlamentares da oposição, que dificultavam a conclusão de qualquer raciocínio. Parte do plenário espumava de felicidade.

Já se sabia que a acusação tinha decidido indiciar Gushiken em 2007 embora admitisse que só tinha indícios muito fracos para isso. Mas ela foi em frente, com o argumento de que, se não apurasse nada de novo, o acusado seria inocentado. Mas se era assim, por que não fazer o contrário e só indiciar em caso de indícios concretos?

Revelou-se, ontem, no Supremo, um detalhe especialmente cruel. Embora tivesse acesso a documentos oficiais que poderiam ser úteis a Gushiken, a acusação recusou-se a fornecê-los a seus advogados em tempo hábil. Com isso, o réu foi prejudicado no direito de apresentar uma boa defesa. Feio, né?

O fato é que o julgamento tem permitido a apresentação serena de mais de uma versão, interrompendo um ambiente de linchamento que acompanhou o caso desde o início.

E é para voltar ao linchamento que começam a circular novas versões e opiniões sobre o caso, sobre a Justiça brasileira, sobre a impunidade nacional e assim por diante.

O raciocínio é simples: não importa o que for provado nem o que não for provado. Caso os 38 réus não sejam condenados de forma exemplar, quem sabe saindo algemados do tribunal, o país estará desmoralizado, nossa Justiça terá demonstrado, mais uma vez, que só atua a favor da impunidade, que todos queremos pizza e assim por diante.

Parafraseando Napoleão no Egito, tenta-se vender uma empulhação. Como se os 512 anos de nossa história contemplassem os 190 milhões de brasileiros a partir das estátuas de mármore da sede do Supremo em Brasília.

Vamos deixar claro. Ninguém quer a impunidade. Todo mundo sabe que o abuso do poder econômico é um dos principais fatores de atraso de nosso regime democrático. Leva a corrupção e desvia os poderes públicos de seus deveres com a maioria da população.

Não é difícil reparar, porém, numa grande hipocrisia. As mesmas forças que sempre se beneficiaram do poder econômico, da privatização da política e do aluguel dos governos são as primeiras a combater toda tentativa de reforma e de controle, com o argumento de que ameaçam as liberdades exclusivas de quem tem muito patrimônio para gastar em defesa de seus interesses.

Denunciam o mensalão hoje, mas fazem o possível para que seja possível criar sistemas semelhantes amanhã. Não por acaso, há dois mensalões com um duplo tratamento. O dos mineiros, que é tucano, já foi desmembrado e ninguém sabe quando será julgado. Já o do PT, que é mais novo, e deveria ceder passagem aos mais velhos, é o que se sabe.

Este tratamento duplo ajuda a demonstrar a tese tão cara à defesa de que a dificuldade principal não se encontra no mensalão, mas nos interesses políticos que os acusados defendem e representam. Interesses diferentes têm tratamento diferente, concorda?

O principal argumento para o linchamento é provocar uma parcela da elite brasileira em seu ponto fraco – o complexo de inferioridade em relação a países desenvolvidos. O truque é falar que sem uma pena severa nem condenações “exemplares” (exemplo de que mesmo?) vamos confirmar nossa vocação de meia-república, um regime de bananas, com uma semi-desigualdade entre os cidadãos, onde a população não sabe a diferença entre público e privado.

Coisa de antropólogo colonial em visita a terras de Santa Cruz. Por este raciocínio, num país tropical como o nosso, não se deve perder tempo falando em “prova”, “justiça,” ”fatos”, “testemunhas”. Muito menos em “direitos humanos,” essa coisa que “só serve para bandidos”, não é mesmo. Somos atrasados demais para ter atingido esse ponto. Sofremos de um mal maior, de origem.

O que existe, em nossa pequena aldeia brasileira, é uma “cultura” de país pobre, subdesenvolvido, sem instrução. É ela que a turma do linchamento acredita que precisa ser combatida e vencida. Por isso o julgamento do mensalão não é um “julgamento” nem os réus são apenas “réus.”

São arquétipos. São “símbolos” e não dispensam verdades comprovadas para serem demonstrados. Mas se é assim, seria melhor chamar o Carl Jung em vez de o Ayres Britto, não?

No julgamento de símbolos, basta a linguagem, o verbo, a verba, a cultura, os poetas, ou em tempos atuais, a mídia – é com ela que se constroem e se desfazem símbolos e mitos ao longo da história e mesmo nos dias de hoje, não é mesmo?

Dane-se se as provas não correspondem ao que se espera. Para que se preocupar com testemunhas que não repetem o texto mais conveniente?

O que importa é dar uma lição aos selvagens, aos incultos, aos despreparados.

Como se houvessem civilizados. E aqui é preciso refletir um pouco sobre essa visão do Brasil. É muito complexo para um país só.

Qualquer antropólogo que já passou um fim de semana nos Estados Unidos sabe que ali se encontra um dos países mais desiguais do planeta, onde os ricos não pagam impostos, os pobres não têm direito a saúde e as garantias formais da maioria dos assalariados são exemplo do Estado mínimo. A Justiça é uma mercadoria caríssima e as boas universidades estão reservadas para os gênios de qualquer origem e os milionários que podem pagar mensalidades imensas e ainda contribuem com uma minúscula fatia de suas fortunas para garantir um sistema em que o topo garante ingresso para seus filhos e netos – com aplauso de deslumbrados tropicais pelo sistema.

Quem se acha “europeu” poderia abrir as páginas de A Força da Tradição, onde o historiador Arno Meyer descreve a colonização da burguesia revolucionária – da liberdade e da igualdade – pela aristocracia que moderou ímpetos mais generosos e democráticos, chamados fraternos, dos novos tempos.

Fico pensando se os pensadores americanos acordam de manhã falando em sua meia-república depois de pensar na força Tea Party. E os europeus, incapazes de olhar para o horror e a miséria de sua crise contemporânea? Também acham que tem um problema em sua “cultura”?

Tudo isso para dizer que o problema não é cultura, não é passado, mas é a luta do presente.

E aí não é possível deixar de notar uma grande coincidência. Vamos esquecer os banqueiros e publicitários dos “núcleos” operacional e financeiro da denúncia. Vamos para o principal, o “núcleo político.”

Há quatro décadas, José Dirceu foi preso sem julgamento e, mais tarde, iniciou uma longa jornada no exílio e na clandestinidade. Não lhe permitiam circular pelo país nem defender suas ideias em liberdade. O mesmo regime que o perseguia suprimiu eleições, transformou a justiça num simulacro, cassou ministros do Supremo, instalou a censura a imprensa e convocou um admirador de Adolf Hitler, como Filinto Muller, para ser um de seus dirigentes políticos.

Civilizado, não? Meia-república? Ou o país deveria ser transformado numa ditadura porque lideres estudantis, como Dirceu, defendiam um regime como o comunismo cubano?

José Genoíno foi preso e torturado. Queria fazer uma guerrilha da escola maoísta – popular e prolongada. Imagine a farsa do tribunal militar que o condenou – com aqueles oficiais que cobriam o rosto, na foto inesquecível do julgamento da subversiva Dilma Rousseff, mas não deixavam de cumprir o figurino do regime, ilustrado por denuncias fantasiosas, de tom histérico.

Gushiken, a quem não forneceram provas na hora necessária, era do tempo em que a polícia vigiava sindicatos, perseguia dirigentes – achava civilizado dar porrada, desde que não ficassem marcas de choques elétricos.

Esta turma merece mesmo ser chamada de “núcleo político” do caso. Está no centro das coisas de seu tempo. É o centro do átomo.

Ninguém se importa com banqueiros do Rural, vamos combinar. Nem com publicitários. Se forem inocentados, terão direito a um chororô de fingida indignação e estamos conversados.
A questão está nos “políticos”.

Sabe por que? Porque dessa vez “os políticos” já não podem ser silenciados na porrada.

Quatro décadas depois, cidadãos como Genoíno, Dirceu, Gushiken, e seus descendentes políticos, não são conduzidos a tribunais militares. Podem apresentar sua versão, defender seus direitos. Resta saber se serão ouvidos e considerados. Ou se há provas e argumentos para condená-los, sem perseguição política.

Vídeo por vídeo, não há nada contra os réus que se compare a tentativa de suborno que serviu de prova da Operação Satiagraha – anulada pela Justiça. Também não há relação de contribuições a políticos tão clara como a Castelo de Areia, com dezenas de milhões desviados, nome após nome – anulada pela Justiça. Para voltar a um passado um pouco mais distante. Nunca se viu um escândalo tão grande como o impeachment de Collor, com troca de favores e obras públicas registradas em computador – prova anulada pela Justiça.

Desta vez, os réus têm uma chance. É isso que irrita a turma do linchamento. Imagine quantas provas de inocência não sumiram no passado. Quantos depoimentos não foram redigidos e alinhavados pela pancada e pela tortura.

Hoje, os mesmos réus e seus descendentes políticos têm direito a ser ouvidos. Representam. Seu governo tem votos. O partido é o único que população reconhece.

Alguns acusados do núcleo contam com advogados que não cobram menos de R$ 100 000 só pela primeira consulta – sem qualquer compromisso posterior. Pois é. O justiça brasileira continua escandalosamente cara, exclusiva, desigual. É feita para brancos e muito ricos. Mas os bons advogados deixaram de ser monopólio do pessoal de sempre. Tem gente nova no clube. O país não mudou muito. Só um pouquinho.

É isso que a turma do linchamento não suporta.


Comentário
Um belo texto. 
De fato é impressionante: no caso Collor e nas operações Castelo de Areia e Satiagraha há provas incontestáveis – até vídeo da tentativa de suborno perpetrada pelos asseclas de Daniel Dantas nesta última (gravação esta autorizada por um juiz federal).
Ainda assim, nos três casos eles foram inocentados, pois as provas foram anuladas – ou seja, não interessa se os delitos foram cometidos, ou não, mas sim a suposta validade das provas.
No mensalão não há prova nenhuma do pagamento mensal de parlamentares para que votassem a favor do governo. Nenhuma. Mas isto não interessa. Se os fatos não coadunam com o que alguns pensam, danem-se os fatos.
Tudo leva a crer que os acusados serão condenados não pelo que supostamente cometeram, mas sim porque os donos do poder assim querem que sejam.
Isto é Brasil.

Fotografia - por Chris Gin

O Triste fim de Policarpo - por Leandro Fortes (Brasília, eu vi)

Capa da edição de nº 710 de Carta Capital

Na CartaCapital dessa semana há uma história dentro de uma história. A história da capa é o desfecho de uma tragédia jornalística anunciada desde que a Editora Abril decidiu, após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, que a revista Veja seria transformada num panfleto ideológico da extrema-direita brasileira. Abandonado o jornalismo, sobreveio a dedicação quase que exclusiva ao banditismo e ao exercício semanal de desonestidade intelectual. O resultado é o que se lê, agora, em CartaCapital: Veja era um dos pilares do esquema criminoso de Carlinhos Cachoeira. O outro era o ex-senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Sem a semanal da Abril, não haveria Cachoeira. Sem Cachoeira, não haveria essa formidável máquina de assassinar reputações recheada de publicidade, inclusive oficial.

A outra história é a de um jornalista, Policarpo Jr., que abandonou uma carreira de bom repórter para se subordinar ao que talvez tenha imaginado ser uma carreira brilhante na empresa onde foi praticamente criado. Ao se subordinar a Carlinhos Cachoeira, muitas vezes de forma incompreensível para um profissional de larga experiência, Policarpo criou na sucursal da Veja, em Brasília, um núcleo experimental do que pior se pode fazer no jornalismo. Em certo momento, instigou um jovem repórter, um garoto de apenas 23 anos, a invadir o quarto do ex-ministro José Dirceu, no Hotel Nahoum, na capital federal. Esse ato de irresponsabilidade e vandalismo, ainda obscuro no campo das intenções, foi a primeira exalação de mau cheiro desse esgoto transformado em rotina, perceptível até mesmo para quem, em nome das próprias convicções políticas, mantém-se fiel à Veja, como quem se agarra a um tronco podre na esperança de não naufragar.

A compilação e análise dos dados produzidos pela Polícia Federal em duas operações – Vegas, em 2009, e Monte Carlos, em 2012 – demonstram, agora, a seriedade dessa autodesconstrução midiática centrada na Veja, mas seguida em muitos níveis pelo resto da chamada “grande” imprensa brasileira, notadamente as Organizações Globo, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e alguns substratos regionais de menor monta. Ao se colocar, veladamente, como grupo de ação partidária de oposição, esse setor da mídia contaminou a própria estrutura de produção de notícias, gerou uma miríade de colunistas-papagaios, a repetir as frases que lhes são sopradas dos aquários das redações, e talvez tenha provocado um dano geracional de longo prazo, a consequência mais triste: o péssimo exemplo aos novos repórteres de que jornalismo é um vale tudo, a arte da bajulação calculada, um ofício servil e de remuneração vinculada aos interesses do patrão.

A Operação Vegas, vale lembrar, foi escondida pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel, este mesmo que por ora acusa mensaleiros no STF com base em uma denúncia basicamente moldada sobre os clichês da mídia, em especial, desta Veja sobre a qual sabemos, agora, que tipo de fontes frequentava. Na Vegas, a PF havia detecdado não somente a participação de Demóstenes Torres na quadrilha, mas também de Policarpo Jr. e da Veja. Essa informação abre uma nova perspectiva a ser explorada pela CPI do Cachoeira, resta saber se vai haver coragem para tal.

Há três meses, representantes das Organizações Globo e da Editora Abril fecharam um sórdido armistício com Michel Temer, vice-presidente da República e cacique-mor do PMDB. Pelo acordo, o noticiário daria um descanso para Dilma Rousseff em troca de jamais, em hipótese alguma, a CPI do Cachoeira convocar Policarpo Jr., ou gente maior, como Roberto Civita, dono da Abril. A fachada para essa negociata foi, como de costume, as bandeiras das liberdades de imprensa e de expressão, dois conceitos deliberadamente manipulados pela mídia para que não se compreenda nem um nem outro.

No dia 14 de agosto, terça-feira que vem, o deputado Dr. Rosinha irá ao plenário da CPI apresentar um requerimento de convocação do jornalista Policarpo Jr.. É possível, no mundo irrreal criado pela mídia e onde vivem nossos piores parlamentares, que o requerimento caia, justamente por conta do bloqueio do PMDB e dos votos dessa oposição udenista sem qualquer compromisso com a moral nem o interesse público.

Será uma chance de ouro de todos nós percebermos, enfim, quem é quem naquela comissão.

Fotografia - por Samuel Aranda (World Press Photo)


Fátima al-Qaws embala o seu filho Zayed (18), que está sofrendo os efeitos do gás lacrimogêneo depois de participar de uma manifestação de rua, em Sanaa, Iêmen, em 15 de Outubro.

Kajuru faz grave denúncia de esquema da CBF contra o Galo

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Andrea Mariconti (pintura - por Blog do Nassif)


Mariconti faz seus quadros utilizando como materiais cinzas, petróleo, terra ou cera.

Mensalão - verdades e mentiras - por CUT/RJ

Em junho de 2005, o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) acusou o PT de “pagar mesada” a mais de 100 deputados da base aliada para que estes votassem a favor do governo no Congresso Nacional. Segundo ele, a “compra de votos” era feita com dinheiro público. Jefferson batizou o suposto esquema de “mensalão” e disse que o “cabeça” era o então ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu.

Sete anos se passaram.

As denúncias de Jefferson jamais foram comprovadas. Nem ele, nem as três CPIs que trataram do assunto, nem o Ministério Público, nem a Polícia Federal, nem as dezenas de investigações paralelas da imprensa e dos órgãos de fiscalização conseguiram reunir elementos que sustentassem as acusações.

O chamado processo do “mensalão”, ação penal que corre no STF sob o nº 470, tem quase 50 mil páginas e mais de 600 depoimentos. Nessa extensa peça processual, só uma pessoa sustenta que o esquema teria existido: o próprio Roberto Jefferson. E mesmo Jefferson, em suas alegações ao STF,
lança dúvidas a respeito, ao afirmar que seu partido (PTB), que também era da base aliada, recebeu recursos oriundos de acordos eleitorais.

A ficção político-midiática de Jefferson, por outro lado, tem fortes aliados na imprensa. A grande maioria dos articulistas da mídia tradicional está cegamente convencida de que o PT comprou votos de deputados com dinheiro público, sob o comando de José Dirceu. Co-autora da tese acusatória, a mídia montou um tribunal paralelo. Denunciou, julgou e condenou. Ao STF, na opinião dessa mídia, cabe apenas o papel secundário de decidir o tamanho das penas – e agir rapidamente para que elas não prescrevam!

Repetem o mantra todos os dias. Com isso, exercem forte pressão sobre a opinião pública. Pressão que agora se volta também contra os magistrados do Supremo, às vésperas do julgamento.Recentes acontecimentos da política nacional, que levaram à criação da CPI do Cahoeira, talvez joguem um pouco de luz sobre essa obsessiva fixação – que começa a assumir ares de desespero.
Este documento tem o objetivo de desmontar ponto-a-ponto, com base nos fatos e nos autos, as principais acusações contra o PT, o governo Lula e o ex ministro José Dirceu no chamado “caso mensalão”.

1. O PT pagou mesadas a deputados para que votassem a favor deprojetos do governo no Congresso.

Os fatos
O PT ajudou partidos aliados a financiar suas campanhas nos estados, relativas às eleições de 2002 e 2004. Em alguns casos, conforme asumido publicamente em entrevistas e depoimentos, a ajuda não foi declarada à Justiça Eleitoral. Nunca houve pagamentos mensais. Não ficou demonstrada ligação entre as datas dos depósitos bancários e as votações na Câmara. Pelo contrário: existem datas em que os saques coincidem com derrrotas do governo em votações importantes. Dados da Câmara mostram, por exemplo, que em 2004, após elevados repasses, caiu o apoio ao governo nas votações.

O Ministério Público, nas alegações finais enviadas ao STF, sustenta que houve “compra de votos”. Porém, diante da fragilidade da própria denúncia, não consegue ir além de afirmações vagas e imprecisas. Diz que “alguns” parlamentares, em “algumas votações”, votaram com o governo em datas próximas de “alguns” saques. O que de fato existe no processo são testemunhas que provam que nunca houve compra de votos.

2. O “esquema” envolveu dinheiro público

Os fatos
As transferências para que aliados quitassem dívidas de campanha, que a mídia chama de “mensalão”, não envolveram dinheiro público. O dinheiro veio de empréstimos feitos junto aos bancos privados Rural e BMG. Por absoluta inconsistência, a acusação de desvio de dinheiro público contra os principais nomes do processo, entre eles José Dirceu, já foi rejeitada por unanimidade dos 11 juízes do STF, em agosto de 2007.

3. José Dirceu, o “Todo-Poderoso”, era o “chefe da quadrilha do mensalão”.

Os fatos
José Dirceu é um importante quadro político do PT e teve papel de destaque no governo federal. Ele era presidente do partido em 2002, quando coordenou a campanha vitoriosa de Lula. Depois, afastou-se da direção do PT e assumiu a Casa Civil.

José Dirceu não “mandava” no PT ou no governo. Dizer isso é desconhecer funcionamento do PT e as características do sistema político brasileiro – submetidos, nos dois casos, às regras da democracia, aos limites institucionais, às construções políticas e à vontade soberana do povo brasileiro, tudo sob vigilância de uma imprensa livre.

Não existe no processo uma única prova que dê suporte à acusação de que José Dirceu integrava e comandava uma quadrilha. Dirceu teve todos os seus sigilos quebrados (fiscal, telefônico e bancário), foi investigado como poucas pessoas no Brasil, e não se descobriu qualquer fato que pudesse lançar suspeita sobre sua conduta pessoal e política nesse caso.

6. A cassação de José Dirceu, na Câmara dos Deputados, é a prova de que o mensalão existiu e de que ele, Dirceu, estava envolvido

Os fatos
O relatório produzido contra José Dirceu no Conselho de Ética da Câmara, que serviu de base para a cassação de seu mandato parlamentar, é na verdade uma mera peça de retórica, vazia do ponto de vista do processo legal e repleta de falhas e lacunas. A fragilidade é tanta que seu autor, o deputado Júlio Delgado, sequer foi incluído entre as testemunhas de acusação no processo que corre no STF.
A cassação de José Dirceu foi política e se deu em meio ao clima de caça às bruxas instalado pela mídia contra todos os que se opunham às suas teses e aos seus desejos – sendo o principal deles atingir Dirceu na expectativa de que isso desestabilizaria o governo Lula.

O mais absurdo é que, antes de ter cassado Dirceu por supostamente “chefiar o mensalão”, a mesma Câmara cassou Roberto Jefferson por este não ter conseguido provar a existência do “mensalão”…

7. No governo, José Dirceu beneficiou o BMG na implantação do programa de crédito consignado. Também atuou para livrar o banco dos órgãos de controle e fiscalização.

Os fatos
Essa acusação é uma das âncoras do processo de formação de quadrilha. Para a oposição, a mídia e o Ministério Público, essa trata-se da principal “evidência” de que houve “desvio de dinheiro público” e de que José Dirceu estava no comando “do esquema”. Ocorre que nada disso foi comprovado. O TCU, instituição independe, investigou a denúncia e concluiu que não houve qualquer benefício ao BMG. Da mesma maneira, ficou provado que o banco jamais deixou de ser fiscalizado pelos órgãos de controle do sistema financeiro – que também são independentes. De tão absurdas e infundadas, o próprio Ministério Público abandonou estas imputações em suas alegações finais.

8. José Dirceu manteve vários contatos com Marcos Valério, apontado como “operador do mensalão”

Os fatos
Zero é o número de testemunhas, documentos, dados bancários ou telefônicos que a acusação produziu para sustentar o imaginado vínculo entre Marcos Valério e José Dirceu. Todos os episódios apontados como suspeitos pelo Ministério Público foram profundamente debatidos na ação penal, e todas as testemunhas ouvidas em Juízo provaram a inexistência de qualquer espécie de relação entre ambos.

9. O “mensalão” foi o “maior esquema de corrupção da História do Brasil”.

Os fatos
Diante dos fatos e das investigações, essa tese desmorona. Mas ela sobrevive nas manchetes e no discurso oposicionista, com o objetivo de criminalizar o PT e o governo Lula – ou de desviar a atenção da opinião pública quando eles próprios são pegos em transações obscuras. Os que usam essa estratégia são os mesmos que silenciaram diante das revelações do livro “A Privataria Tucana”, lançado no final do ano passado, e que agora omitem ou minimizam as relações criminosas de setores da imprensa com o contraventor Carlos Cachoeira.

10. O governo Lula foi “leniente” com a corrupção

Os fatos
Nunca se combateu tanto a corrupção quanto nos governos do PT (Lula e Dilma). Somente no governo Lula, a Polícia Federal fez mais de mil operações, com 14 mil presos, sendo 1.700 servidores públicos – além de empresários, juízes, policiais e políticos, inclusive do PT. O governo Lula também fortaleceu os órgãos de controle e de fiscalização, além de dar total independência ao Ministério Público Federal. A título de comparação, no governo tucano a PF fez apenas 28 operações e o Procrador-Geral da República era mais conhecido por “Engavetador-Geral”.

11. Se o STF aceitou a denúncia contra os “mensaleiros”, é porque as acusações são consistentes.

Os fatos
Com forte pressão da mídia sobre a opinião pública, o STF decidiu receber a denúncia e abrir o processso. No dizer de um dos seus ministros, os juízes votaram “com a faca no pescoço”. Mas recebimento não é sinônimo de condenação ou pré-condenação. Pelo contrário. A abertura do processo serve para que as investigações sejam aprofundadas e para que os acusados possam se defender. A Constituição Brasileira garante que nenhum cidadão será condenado sem provas e que todos terão um processo justo e com efetivo direito de defesa.

A partir do momento em que o STF aceitou a denúncia, caberia ao Ministério Público apresentar os elementos que comprovassem suas acuações iniciais. Mas isso não aconteceu. O que se vê nas alegações finais do Ministério Público é um verdadeiro conjunto vazio. Nenhuma prova foi produzida contra Dirceu. Ao contrário, foi construído um acervo probatório que atesta a sua inocência.

12. O PT quer usar a CPI do Cachoeira para “abafar” ou “adiar” o julgamento.

Os fatos
Investigações recentes da Polícia Federal evidenciam, entre outros fatos graves, que a quadrilha de Carlos Cachoeira aliou-se a veículos de imprensa – principalmente a Revista Veja – para produzir denúncias contra o governo do PT e favorecer os interesses do bicheiro. Isso pode vir à tona na CPI. É disso que parte da mídia tem medo. É esse medo que a faz produzir teorias como essa.

O PT não quer nem tem poder para abafar ou adiar o julgamento. Ao contrário, esta será a oportunidade decisiva para que se restaure a verdade. No que se refere a José Dirceu, ele já deixou claro – em entrevistas, declarações e textos – que confia na Justiça brasileira e quer ser julgado o
mais rápido possível. A data do julgamento depende somente dos ministros do Supremo, que
precisam cumprir os procedimentos e prazos legais, bem como cuidar das demais demandas do Tribunal. Atualmente, o processo está na fase de revisão. Concluída esta etapa, estará
pronto para ser colocado em pauta.

13: A imprensa não faz nada além de noticiar, investigar e zelar pela ética na política.

Os fatos
A grande imprensa no Brasil tomou partido. Quando se trata do PT e seus aliados, ela não só investiga e noticia, como julga e também condena – independentemente dos fatos. Hoje, sabe-se que parte importante dessa imprensa aliou-se ao esquema criminoso do bicheiro Carlinhos Cachoeira para produzir várias denúncias contra os governos Lula e Dilma, entra elas a que deu origem ao chamado “mensalão”.

Nas duas últimas eleições presidenciais, essa imprensa trabalhou ativamente para eleger o candidato da oposição – produzindo farsas como o famoso ataque da bolinha de papel. Agora tenta manipular a opinião pública e pressionar o STF para ver “comprovada” a tese do mensalão, da qual ela se tornou a principal porta-voz. Mas os fatos a desmentem. E a verdade prevalecerá.