quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Fotografia - por Ansel Adams (Mundo da fotografia)

Richard Duncan: O esquema Ponzi de U$ 50 trilhões vai desabar? - por Luiz Carlos Azenha (Vi o mundo)

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Na entrevista (em inglês aqui), defende um salário mínimo global, diz que o mundo paga no preço dos alimentos pela decisão do governo dos Estados Unidos de imprimir dinheiro e diz que a globalização gerou um investimento tão maciço em capacidade instalada que isso explica a falta de lucratividade e investimento, motores do sistema. Prevê: ou os governos investem maciçamente em tecnologias transformadoras ou o esquema Ponzi de crédito, de U$ 50 trilhões, vai implodir.

Alguns excertos:

NLR: Qual o efeito que o QE [Quantitative Easing, impressão de dinheiro] tem tido nos lucros e no investimento? O lucro dos negócios nos Estados Unidos atingiu 15% este ano, de acordo com a [revista britânica] Economist, mas as corporações parecem sentadas sobre uma montanha de dinheiro que não está sendo usado.
Richard Duncan: Sim, os lucros estão bem altos, primeiro porque a remuneração do trabalho tem ficado com uma porção cada vez menor. Além disso, relativamente ao PIB, a taxação corporativa nos Estados Unidos foi a mais baixa desde os anos 50. A arrecadação no país como um todo ficou em menos de 15% do PIB, o que é, de novo, o índice mais baixo desde os anos 50. Sim, os lucros das corporações tem sido excepcionalmente bons, embora neste trimestre, de repente, todos estejam preocupados com uma queda repentina.

Mas há um problema fundamental: não existem oportunidades de investimento viáveis. Tanto crédito foi dado e tanta capacidade de produção construída que já temos muito de tudo relativamente à renda como é hoje distribuída e absorvida. Se investir mais, você vai perder dinheiro; se você pegar seu dinheiro e comprar títulos do governo, pode preservar o dinheiro para usar num dia melhor — mas isso ajuda a empurrar as taxas de juros para baixas históricas. É por isso que, mesmo no Japão, depois de duas décadas de déficits fiscais maciços, a taxa de juros de um papel de 10 anos do governo é de 0,8%; na Alemanha, 1,2%; nos Estados Unidos, 1,5%; no Reino Unido, cerca de 1,6%. Nunca foram tão baixas e isso é parte da razão. Quando a bolha estoura, não há lugar para investir dinheiro com lucro, então é melhor colocar em papéis do governo.

NLR: Quais são as opções de longo prazo?
Richard Duncan: Acho que há três opções para o futuro da economia dos Estados Unidos — três caminhos que poderiam ser seguidos. Opção um é a dos libertários e do Tea Party: eliminar o déficit. Isso resultaria em imediata depressão e colapso, o pior cenário possível.

A segunda opção é a que eu chamo de modelo do Japão. Quando a grande bolha econômica do Japão estourou 22 anos atrás, o governo japonês começou a gerar grandes déficits de orçamento e tem feito isso por 22 anos. A relação dívida/PIB aumentou de 60% para 240%. Isso é o que os Estados Unidos e o Reino Unido estão fazendo agora: gerando déficits maciços para impedir o colapso da economia.

Eles podem continuar a fazer isso por outros cinco anos com pequena dificuldade e talvez até por dez anos. A dívida do governo dos Estados Unidos é apenas 100% do PIB, o país poderia prosseguir neste caminho por cinco anos sem atingir 150%. Embora não seja claro o quanto é desejável aumentar, sabemos que não pode aumentar para sempre. Mais cedo ou mais tarde — digamos, dez ou quinze anos — o governo dos Estados Unidos estará tão falido quanto o da Grécia e a economia norte-americana vai desabar numa Grande Depressão. Esta é a opção dois. Melhor que a um, já que é melhor morrer em dez anos do que morrer agora; mas não é o ideal.

Opção número três é o governo dos Estados Unidos continuar emprestando e gastando agressivamente, como faz agora, mas mudando a forma como gasta. Em vez de gastar em consumo e para a guerra, por exemplo — o governo dos Estados Unidos gastou até agora U$ 1,4 trilhão para invadir o Iraque e o Afeganistão — deveria investir; não apenas para reformar estradas e pontes, mas investir agressivamente em tecnologias transformadoras do século 21, como energia renovável, engenharia genética, biotecnologia e nanotecnologia, em grande escala. O governo dos Estados Unidos poderia colocar um trilhão de dólares em cada uma destas indústrias nos próximos dez anos — ter um plano para desenvolver estes novos setores da economia.

Um trilhão de dólares, digamos, em energia solar nos próximos dez anos: não estou falando em construir paineis solares para o mercado; estou falando em cobrir o deserto de Nevada com paineis solares, construir uma linha costa-a-costa para transmitir esta energia; converter a indústria automobilística para a eletricidade, substituir os postos de gasolina por postos para recarregar baterias e desenvolver nova tecnologia para fazer o carro elétrico andar a 110 km/hora. Então, em dez anos os Estados Unidos terão energia gratuita e sem limites.

O déficit comercial será equilibrado, já que não teremos de importar qualquer petróleo estrangeiro e os Estados Unidos poderão gastar 100 bilhões de dólares a menos com os militares, que não precisarão defender o petróleo do Golfo [Pérsico]. O governo dos Estados Unidos poderia taxar a eletricidade produzida domesticamente, ajudando a reduzir o déficit do orçamento; e o custo de energia para o setor privado provavelmente cairia 75% — isso, em si, poderia gerar uma onda de inovação no setor privado capaz de criar nova prosperidade.

Se o governo dos Estados Unidos investisse um trilhão de dólares em engenharia genética, é provável que poderia criar milagres médicos: cura do câncer ou formas de reduzir o processo de envelhecimento. Temos de pensar em Projetos Manhattan dos tempos de paz: juntar os melhores cérebros, a melhor tecnologia e definir alvos; usar o ‘creditismo’ para produzir resultados. Podemos todos ver os defeitos do creditismo — eles são óbvios. Mas, como sociedade, penso que os Estados Unidos estão desprezando as oportunidades que existem dentro do novo sistema econômico — a oportunidade para o governo emprestar quantidades maciças de dinheiro pagando juros de 1,5% e investir agressivamente em tecnologias transformativas que poderiam reestruturar a economia dos Estados Unidos, para que ela se livre da dependência debilitadora do setor financeiro — que se tornou um gigantesco esquema Ponzi — antes que ele entre em colapso. Caso contrário, a economia dos Estados Unidos vai, mais cedo que se pensa, entrar numa espiral letal de
dívida-deflação.

NLR: Presumivelmente essa estratégia do ‘creditismo’ se aplicaria apenas à economia dos Estados Unidos?
Richard Duncan: Não necessariamente. Por exemplo, o Banco da Inglaterra imprimiu tanto dinheiro para comprar papéis do governo que agora controla mais de um terço de toda a dívida do Reino Unido. Não custou um centavo para o banco comprar todos estes papéis — nem precisou comprar papel ou tinta para imprimir dinheiro, agora é tudo eletrônico. Por que não cancelar esta dívida? Não custaria nada a ninguém; mesmo que falisse o Banco da Inglaterra, ele poderia imprimir mais dinheiro para se recapitalizar. Da noite para o dia, o Reino Unido teria uma dívida um terço menor e a qualidade de seu crédito aumentaria enormemente.

O governo anunciaria sua pretensão de tirar proveito desta oportunidade histórica para aumentar os gastos e investir em novas indústrias, para que o país pudesse finalmente se livrar de sua dependência debilitadora do esquema Ponzi das finanças e desenvolver indústrias manufatureiras novamente. Por exemplo: jogar 100 bilhões em Cambridge para investir em engenharia genética nos próximos três anos, para se tornar a força dominante em tecnologia genética no mundo. Criaria com isso empregos e ao mesmo tempo poderia reformar a infraestrutura.

NLR: Mas estas novas indústrias não estariam sujeitas à mesma falta de demanda existente hoje?
Richard Duncan: Bem, não haveria falta de demanda para uma terapia molecular que retardasse o envelhecimento ou curasse uma doença fatal. O objetivo seria mirar em inovações tecnológicas que fossem completamente transformadoras, como foi a revolução tecnológica agrícola dos anos 60, que mudou a natureza da produção global de alimentos. De certa forma esta é uma oportunidade sem precedentes, por causa da quantidade de dinheiro que os governos investiriam agora, quando as taxas de juros estão tão baixas. Se houvesse direcionamento [do investimento] para tecnologias transformadoras, poderíamos criar mercados para produtos que nem existem ainda, onde haveria demanda. Se pudéssemos mudar a economia dos Estados Unidos, tirá-la da dependência do petróleo para a da energia solar, isso livraria imensa quantidade de dinheiro para gastar em outras coisas. De forma polêmica, quero enfatizar que não podemos apenas esperar por uma recuperação cíclica dos velhos tempos — não vai acontecer.

Temos um novo sistema econômico. Ou nos damos conta disso e tiramos proveito das oportunidades para emprestar e investir, ou o sistema vai desabar numa depressão severa, desfazendo uma expansão de crédito de U$ 50 trilhões. Vai ser pelo menos tão ruim quanto nos anos 30.

Escultura erótica milenar - por Yahoo! (Istock)

Ecos do governo Casagrande – por Antônio Medeiros (Século diário)

Governo foi (mineiramente) matreiro na movimentação e articulação política

Nesta metade do seu primeiro mandato, o governador Renato Casagrande (PSB) foi (mineiramente) matreiro na movimentação e articulação política. Foi prudente no manejo da política fiscal. Foi inicialmente tímido, mas depois corajoso no exercício da diplomacia federativa. Iniciou uma ainda tímida reformulação de prioridades na agenda econômica. E foi muito conservador na agenda social da segurança, da saúde e da educação.

Tudo somado, com nuances aqui e ali, trata-se de um governo ainda mais de reação do que de ação e proatividade e protagonismo. Reação ao seu contexto histórico de mudança de conjuntura econômica e de exacerbação de conflitos federativos. Reação, ainda, à “cultura da unanimidade política” gestada na Era Hartung e incorporada como prática às movimentações dos atores políticos regionais e locais. O governador fala em equilíbrio e unidade. Os políticos, em geral, aderem.

O fato é que esta “cultura de unanimidade” parece ter impregnado até o próprio autor do mantra da “unanimidade bonapartista”, Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) - que estaria agora em articulação para atuar em importante assessoria no BANDES-Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo, cedido pelo BNDES para se incorporar à equipe do governo Casagrande. Equilíbrio, unidade ou unanimidade. Não importa o rótulo. Tudo faz parte da recorrência de uma certa tradição oligárquica do tipo “política-de-todos-com-todos”, seduzidos pela caneta do governador e pelo charme do poder.

Pois bem. Depois desta fase reativa do governo e do governador, a indagação que se faz é se o tom do governador Renato Casagrande em suas entrevistas de balanço de final de ano, quando ele tem assumido pessoalmente o desgaste de admitir que a segurança pública não vai bem, será um novo tom, mais de ação e protagonismo e menos de reação à conjuntura econômica e à “herança” da cultura da unanimidade da Era Hartung. Disse ele: “não temos nada a comemorar no índice de homicídios” (A Gazeta, 19/12/2012).

Para mudar o tom, a narrativa e a agenda governamental e regional, Casagrande vai precisar de mais ousadia política para poder inverter prioridades principalmente no campo da agenda social. Inversão de prioridades. Este é o nome do jogo para criar a “marca Casagrande”. Será, ao fim e ao cabo, lá no final, o governo Casagrande um “governo de gente”? Ou teremos mais do mesmo da agenda de ajuste fiscal, de foco na gestão de meios e de agenda econômica e tecnocrática? Será preciso ousar para mudar. E a ousadia é possível: o governo criou bases política e fiscal para iniciar esta mudança de prioridades na segunda metade do seu primeiro mandato.

O fato é que a unanimidade política do governo Casagrande, tão bem apontada, com o seu contumaz descortínio, pelo professor Roberto Simões em entrevista à Século Diário, não é politicamente sustentável. Ela é uma unanimidade-pelo-alto, costurada no plano das elites políticas a partir da sedução da caneta e do charme do poder. Ela carece de base social, de enraizamento. E é aí que mora o problema.

Até quando a sociedade vai conviver com a insegurança, com a baixa resolutividade na saúde e com a baixa qualidade na educação? Lá na frente, em 2014, o que será dito na eventual campanha do governador pela re-eleição diante das filas nos hospitais e das mortes e tiroteios nas ruas? Imagens fortes... Propícias para uma candidatura alternativa que tenha o discurso da família, como é o caso de uma eventual candidatura do senador Magno Malta ao governo estadual.

Volto ao professor Roberto Simões: os indicadores sociais ruins do Espírito Santo estão em nítido contraste com os seus indicadores fiscais e econômicos. E agora, além de afetarem a própria população do estado (“governo de gente”?), afetam também a própria capacidade do estado atrair investimentos. Com efeito, no Ranking de Gestão dos Estados Brasileiros (feito pela Unidade de Inteligência da revista Economist) o Espírito Santo patina na oitava posição com a classificação de “moderado”. Tido por alguns analistas nacionais como “Tigre Asiático”, o estado estacionou em matéria de competitividade. Não vai bem, por exemplo, em termos de inovação e em termos de ambiente político. E o seu quadro de insegurança e sensação de insegurança certamente afeta o ambiente de negócios.

Aqui também, no plano econômico, é preciso inversão de prioridades. Ao lado da agenda da diplomacia federativa, que consumiu 2011 e 2012 e ainda vai perdurar, é importante uma agenda de diplomacia empresarial mais agressiva, tanto no plano nacional quanto no plano internacional. Trabalhar as ideias de plataforma logística, de adensamento das cadeias produtivas existentes e de continuidade no estímulo aos arranjos produtivos locais. Mas trabalhar com mais agressividade na diplomacia empresarial de atração de investimentos. Contando com a abertura de linhas de crédito de nada mais nada menos do que R$ 3,4 bilhões pelo governo federal, que permitiu o recém lançamento do PROEDES, o Espírito Santo tem uma oportunidade histórica para abrir novo ciclo de desenvolvimento, com inversão de prioridades.

Agenda social e diplomacia empresarial, ao lado da diplomacia federativa. Ações que podem criar marcas próprias para o governo Casagrande. Compreendendo que não há caldo de cultura para uma construção de unanimidade política. Esta unanimidade tem pernas curtas e prazo de validade. O momento histórico do governo Casagrande é diferente do momento histórico do governo Hartung. A força política do governo Casagrande precisa da costura política intra-elites. Mas precisa muito mais da costura de políticas públicas de qualidade. Isto o seu governo ainda está devendo.

Comentário
Análise bem sensata, tirante a parte que trata da natimorta candidatura de Magno Malta ao governo do estado. Creio que nem para senador este atrasado conseguiria se reeleger. 

De minha parte julgo o governo Casagrande bem similar ao de Hartung: sem repetir a baderna generalizada do governo anterior aos dois (José Ignácio - PSDB), ambos não chegaram nem perto de resolver os reais problemas da sociedade capixaba, como bem elencados no texto: qualidade da educação e da saúde, além, obviamente, da desastrosa política de segurança pública.

Fotografia - por Brian Sherry (National Geographic)

Um passo atrás - por Renata Oliveira (Século Diário)

Enquanto Assembleia capixaba protocola projeto de taxas de petróleo, Rio aguarda sanção da matéria

A cada nova movimentação da classe política capixaba na defesa dos recursos do petróleo para o Espírito Santo, mais nítido fica que se não fosse o Rio de Janeiro, capitaneando o movimento, estaríamos perdidos. O governador Renato Casagrande até que se movimenta bem, já os parlamentares...

Se no Congresso Nacional pouco se viu por parte dos parlamentares do Estado ações mais incisivas para tentar obstacular a insana apreciação do veto 38/2012, na Assembleia Legislativa a coisa é ainda mais complicada. Falta não só união entre as bancadas, como também conhecimento do caso para se antecipar às movimentações dos representantes dos estados não produtores.

Enquanto o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), já tem em mãos  o projeto de lei que taxa a exploração de petróleo no Rio – um trunfo para a negociação do produto e uma forma de trazer para o debate os exploradores do petróleo –, os deputados estaduais vão para o feriadão, curtir as festas de fim de ano.

Enquanto se concentravam em aprovar a toque de caixa as matérias vindas do governo do Estado, tiraram o olho do Deus-nos-acuda que estava acontecendo em Brasília. Agora, vão aguardar o ensejo da posse dos suplentes dos deputados que deixam a Casa para assumir as prefeituras, para protocolar o projeto, isso no dia 7 de janeiro.

Se a movimentação em Brasília tivesse dado certo, o Espírito Santo arcaria com a perda de 2013. O Rio, não, já que o projeto já foi aprovado este ano. Está na hora de a classe política capixaba abrir sua visão. Se tem bancada pequena,  aposte na união e na criatividade. Esperar que o Rio faça todo o trabalho e depois copiar, aí não dá.

Fragmentos:

1 – Como se não bastasse o atraso na medida tomada pela Assembleia Legislativa capixaba, a impressão de quem lê apenas os jornais corporativos é de que há um ineditismo brilhante no caso. 

2 – Esse apontamento do presidente da Câmara de Guarapari, José Raimundo Dantas (PRP), sobre o momento inadequado da eleição extemporânea no município é bastante sensato.

3 – Embora dificilmente se consiga reverter a definição do calendário eleitoral, realmente a mudança no perfil do eleitorado será grande. O balneário de Guarapari será invadido pelos turistas. Não há “clima” para uma eleição.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Memorial de guerra soviético - por Travel blog

Sobre o xadrez da política - por Luis Nassif (blog do Nassif)

Notas – 1

Leia “Para entender o xadrez da política – 1”  e

Para entender o xadrez da política – 2”  

Adicionalmente,

O Supremo abriu a Caixa de Pandora”.

Vou utilizar os dois posts iniciais como fio condutor do que considero cenário político básico, para amarrare filtrar as informações que considero relevantes para o caso.

As Notas são informações adicionais, que completam ou retificam o cenário maior. Quando houver necessidade de consolidar o novo cenário, utilizarei o título original, sem as Notas.

Sobre Lula

1.    Lula não pretende colocar multidões na rua enfrentando o MPF ou o STF, a não ser em situação extrema – que está longe de ocorrer.

2.    A estratégia de Dilma será se afastar de qualquer ligação com o julgamento do “mensalão”, inclusive evitando manifestações de solidariedade aos condenados. Com Lula, a postura será outra. Dilma e todos ministros assumirão sua defesa, sempre que se fizer necessária.

3.    Do ponto de visto jurídico, os casos Marcos Valério, Rosemary e Freud – nos quais a mídia aposta para atacar Lula – não inspiram o menor receio em Lula, a não ser criar marolas e marolas.

Sobre o grupo dos cinco do STF

A riqueza e a vitalidade da democracia consiste em sua fluidez, no fato da confluência de opiniões não ser rígida, moldar-se a cada circunstância e a cada episódio. Especialmente em uma sociedade rica e complexa, como a brasileira.

Não era inédito o modelo de cooptação política no qual incorreram os réus do mensalão. Praticamente todos os partidos no Poder se valem de práticas similares. Em algum momento ter-se-ia que dar um basta. Calhou de ser nesse julgamento. Podia-se ficar por aí para legitima-lo. Ou seja, esconder a ação claramente política do STF atras de um alibi legitimador.

O que assustou no comportamento do STF (Supremo Tribunal Federal) foi a facilidade com que os Ministros superaram a falta de provas, o rigor inédito das condenações, o discurso político irresponsável de alguns deles (puxados por Celso de Mello) e, mais do que isso, a aliança até então mais que improvável entre os “cinco do STF” – Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello, Celso de Mello e Luiz Fux.

Essa aliança não se restringiu ao julgamento do mérito. Prosseguiu na análise sobre quem teria o direito de cassar. E com discursos, como do irresponsável Celso de Mello, claramente destinados a produzir uma crise institucional.

Compare-se com o comportamento das Ministras. Votaram penas severas, em várias situações; em outras, não; no caso da prerrogativa de cassar, sua opinião divergiu dos “cinco do Supremo”. Ou seja, julgavam cada caso de acordo com seu entendimento, sem a preocupação de produzir efeitos políticos.

O discurso de Luiz Fux, na posse de Joaquim Barbosa, foi a comprovação da tentativa do STF de açambarcar competências dos demais poderes. Foi de um atrevimento ímpar, e devidamente combinado com Barbosa, não se tenha dúvidas.

Essa atitude criou em muitos setores a sensação da falta de limites do STF. Hoje pode servir para atingir nossos adversários; e amanhã?

O Supremo poderia ter desmanchado essa sensação de ação orquestrada caso o pedido de prisão dos réus pudesse ser analisado por todos os Ministros. Mas a pouca esperteza de Roberto Gurgel – de aguardar o fim das sessões para encaminhar o pedido de prisão, para a decisão solitária de Joaquim Barbosa – impediu a prova do pudim sobre a isenção do STF.

A reação do presidente da Câmara Marcos Maia mostrou que a corda tinha sido esticada ao máximo.

Agora tem-se os seguintes dados novos:

1.    A decisão de Joaquim Barbosa, ao não enviar os réus para a prisão, baixou a fervura.

O PGR foi amigo da onça de Barbosa. Se enviasse o pedido ao pleno do STF, arriscava-se a ser rejeitado. Ao enviar para a decisão solitária de Barbosa, jogou nas costas do presidente do STF um risco intolerável: o de ser responsável, sozinho, sem a retaguarda da decisão colegiada, por uma crise institucional. De qualquer modo, rompeu-se a ideia do alinhamento automático entre os “cinco” e Gurgel.

O próximo ano ainda está por ser roteirizado, mas pelo menos começa com a água num ponto mais baixo de fervura.

           2. Luiz Fux não teve coragem de abrir a Caixa de Pandora do MPF.

Releia o post “O Supremo abriu a Caixa de Pandora”, sobre os desdobramentos incontroláveis do mensalão, especialmente na atuação do Ministério Público. Esta semana mesmo, ao julgar o poder de investigar do MPF, o voto de Luiz Fux foi uma ducha de água fria nas pretensões do MPF. Acabou restringindo mais sua atuação do que anteriormente.

Interessa ao STF um PGR que atuasse como Gurgel; não um PGR entregue à iniciativa dos procuradores. Ao mesmo tempo, a politização desnecessária que o PGR imprimiu ao processo gerou resistências também no Congresso.

Pena! O MPF tem uma atuação excepcional de defesa dos direitos sociais e individuais. Ficou em segundo plano devido à politização imprudente imprimida por Gurgel.


Para entender o xadrez da política - 2


No dia 11 passado, publiquei o post "Para entender o xadrez da política".

Vamos ao próximo levantamento, à luz dos últimos episódios.

Como é o jogo de poder nas democracias

1.    Há três mundos distintos na opinião pública. Um, o mundo da chamada voz das ruas, que elege políticos, de vereadores a presidentes. O segundo, o mundo da opinião pública midiática, controlado por grandes grupos de comunicação. O terceiro, o mundo das instituições, onde se inserem os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e as demais instituições constitutivas do Estado: Forças Armadas, Ministério Público, órgãos de controle, diplomacia etc. Importante: esse mundo, seja no plano das funções ou familiar, é influenciado majoritariamente pelo mundo da mídia.

2.    O mundo das instituições é fundamentalmente legalista e formalista, no sentido de seguir normas, regulamentos e leis. Há maneiras de dar by-pass na legalidade que seguem sempre o mesmo padrão: denúncias de corrupção, quebra da ordem econômica e social e, no caso de republiquetas latino-americanas, o fantasma da subversão. O clima de caos aumenta a sensação de vácuo de poder e alguém acaba ocupando. Meses atrás publiquei aqui um extraordinário artigo de Afonso Arinos de Mello Franco, de 1963. Ele próprio integrante da UDN, mostrava como a oposição manipulava conceitos que, em 1963, ele já via defasados: como o fantasma da Guerra Fria. E diagnosticava: se não houver pulso da parte do governo, termina em golpe militar. Não houve pulso, a conspiração prosperou e, depois, foi alimentada por manifestações de rua e comícios que passaram aos militares a ideia de quebra da hierarquia. 1964 foi fruto do vácuo de poder.

3.    A mídia sempre tem papel central nesses movimentos. Durante meses criam-se fatos verdadeiros ou não, escandalizam-se meros problemas administrativos (já que não se consegue produzir escândalos verdadeiros todo dia), martela-se, martela-se até obnubilar a opinião pública e consolidar a ideia do caos. As movimentações de rua são consequência e o melhor álibi para golpes. Se a favor, legitima-os para atender aos pleitos da opinião pública. Se contra, legitima-os para impedir a baderna.

4.    Em muitos episódios latino-americanos – quedas de Fernando Collor, no Brasil, e Carlos Andres Perez, na Venezuela - o golpe ocorreu via aliança Legislativo-Mídia. Em outros casos – tentativa de derrubada de Chávez – na aliança entre Mídia e setores das Forças Armadas. Em casos recentes, na parceria Mídia-Supremo. Em todos os casos, há o clamor da opinião pública legitimando os golpes.

5.    O atual embate STF x Congresso visa definir quem é a lei. Não se trata de episódio trivial, briga de egos e quetais. É briga de poder MESMO. Na eventualidade de um episódio crítico qualquer no futuro, quem conseguir ser a LEI manobrará todo o universo das corporações públicas. Se não houver esse momento crítico, cada personagem se recolherá novamente a seu papel tradicional e a disputa não terá passado de uma briga de egos. Melhor: de imensos egos.

As peças do jogo no quadro atual

Os pontos levantados não significam que há uma organização conspiratória juntando todas essas peças. Deflagra-se um processo e são as circunstâncias específicas que determinam a dinâmica e conferem um papel a cada agente.

Entendidos esses aspectos genéricos do jogo de poder, vamos ao quadro atual:

1.    O PT é bom de rua, bom de voto e ruim de instituições. Quando Lula assumiu, tentou avançar através de dois operadores: José Dirceu e Antônio Palocci. A estratégia de Dirceu consistia em assumir todo o know-how de poder desenvolvido por FHC, o controle daquele grande rio subterrâneo do poder de fato, onde transitam os poderes constituídos, poderes econômicos, lobistas, parlamentares donos de bancada, técnicos e sistemas de influência em geral. No início do governo, ainda verde, essa estratégia levou o partido a “adotar” o esquema Marcos Valério, legítima criação do PSDB mineiro e que chegou ao Planalto através das mãos de Pimenta da Veiga, Ministro das Comunicações de FHC. Depois, aprendeu, mas o pecado original não pode ser exorcizado.

2.    O “mensalão” amarrou a ação de ambos os operadores, derrubou-os e, para afastar o fantasma do impeachment, Lula, inspirado por Márcio Thomas Bastos, apostou em um republicanismo ingênuo, no qual FHC jamais embarcou: não indicou o Procurador Geral da República, usou as indicações do STF (Supremo Tribunal Federal) para gestos simbólicos, descentralizou as ações da Polícia Federal. E deu todo o espaço político de que essas estruturas necessitavam para ambicionar mais espaço político. É movimento típico das burocracias. Quando não há nenhuma forma de resistência à sua expansão, a tendência é ocupar espaço. O quadro de quase confronto atual é resultado direto do vácuo de poder no sistema judiciário, muito mais do que de manobras conspiratórias.

3.    Com o vácuo, cada ator político – PGR, STF, setores internos da PF – pôde crescer livremente, sem resistências e sem risco. O PGR Roberto Gurgel acumulou seu poder empalmando em suas mãos (e no da sua esposa) todos os processos envolvendo personagens com foro privilegiado. A maneira como ministros do STF atuaram no “mensalão” – um comparando o partido do governo ao PCC, outro incluindo falas fora do contexto da própria presidência da República – é típica de quem, à falta de qualquer tipo de limites, deixa de supor e passa a acreditar piamente que é Deus

4.    Finalmente, a cobertura exaustiva do julgamento do “mensalão” calou fundo na classe média – e não apenas na midiática. Graças ao Jornal Nacional, entrou no imaginário das famílias, das crianças e dos velhos. Acredita-se em um mar de corrupção incontrolável embora nem se identifiquem bem quem são os atores.

5.    A lógica que vigorou até agora para Lula e o PT – a cada campanha midiática a resposta das urnas – vale para eleições, não para o jogo institucional que se arma.

Cenário da desestabilização

O que seria um cenário de desestabilização? Esses cenários não são planejados de antemão, mas frutos de circunstâncias que vão se somando até virar o rascunho do mapa do inferno. Mostra-se, aqui, uma situação limite hipotética.

1. Intensificação da campanha midiática em duas frentes: a denuncista e a econômica.

O “efeito-mensalão” será absorvido com as festas de fim de ano e um janeiro tradicionalmente morno. Haverá a necessidade de substituí-lo por outros temas candentes.

A “denuncista” em tese depende da disposição do PGR e de setores da PF de abrir inquéritos e vazá-los para a mídia amiga. Há um processo nítido de auto-alimentação entre mídia e o PGR. Vaza-se o inquérito, monta-se um estardalhaço; com base no estardalhaço tomam-se outras medidas que resultam em mais estardalhaço. Tem que se atuar sobre esse cordão umbilical.

A econômica dependerá fundamentalmente do desempenho da economia e, principalmente, dos dados do PIB no primeiro semestre. Como já alertei aqui, a crítica se concentrará na atuação da Petrobrás no pré-sal, nos financiamentos do BNDES e no PAC.

2. Reação intempestiva do PT e Lula levando a movimentos de rua, com possibilidade de conflitos.

Leve-se em conta que a cobertura do “mensalão” tirou do PT o monopólio da mobilização popular. Agora há espaço para marchas contra a corrupção e coisas do gênero.

3. Reações do governo que possam ser interpretadas como ameaça às instituições.

4. Supremo sob controle do grupo dos cinco dizendo que, agora, “eu sou a lei” e se impondo para conter o caos.

As estratégias de lado a lado

Entendidos os pontos centrais da disputa, vamos tentar avançar no que poderiam ser as táticas de lado a lado.

Da oposição, obviamente, é elevar a fervura da água. Para tanto, necessita manter acesa a parceria com o PGR e com setores serristas da Polícia Federal para garantir a alimentação de escândalos; e declarações bombásticas de Ministros do STF para dar solenidade às suposições. E investir tudo em escândalos permanentes, desses que permitem um vazamento por dia e duas declarações retóricas de Ministros do STF por semana.

Enquanto isto, tratar de alimentar o negativismo do noticiário econômico superdimensionando notícias negativas e minimizando as positivas.

Da parte do governo, o jogo é o oposto, é baixar a fervura. Significa o seguinte:

1.    Considerar finalizado o episódio “mensalão”. Para tanto, o PT terá que dar baixa no balanço das lideranças atingidas. Do mesmo modo, a Presidência se afastará cada vez mais do episódio e reforçará o legalismo. No início, a inação do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, era coisa dele. Agora, não: é coisa dela.

2.    O MPF é permanente; Roberto Gurgel, passageiro. Como organização burocrática, disciplinada e legalista, bastará que seja tratado com respeito e que o governo emita sinais discretos sobre a sucessão de Gurgel, sem nada que afronte a autonomia relativa do órgão e sem nada que alimente as fantasias continuístas do grupo de Gurgel. Automaticamente se formarão novos centros de poder e influência internos.

3.    Em relação ao STF, o problema não é o órgão, evidentemente, mas a coalizão circunstancial que permitiu aos “cinco do Supremo” votar em bloco, em um STF desfalcado, e, com a hegemonia provisória, tornarem-se celebridades. Havendo normalidade na política e na economia - e acerto na substituição de Ministros - termina a maioria circunstancial, já que as Ministras, severas nas suas sentenças, mostraram-se discretas e legalistas. Celso de Mello voltará a se comportar como lente, Gilmar como político, Marco Aurélio como outsider, Luiz Fux buscará outras lâmpadas em torno das quais esvoaçar – bom radar porque especialista em rodear as lâmpadas que irradiam maior calor.  E Joaquim Barbosa… continuará sendo Joaquim Barbosa.

4.    No plano econômico, torcer para que venha logo a colheita das medidas plantadas nos dois últimos anos. E melhorar substancialmente as ferramentas de divulgação dos atos positivos de política econômica. O reajuste dos combustíveis foi passo importante para devolver à Petrobras o fôlego financeiro, tirando-a da linha de fogo.

Fatores de atrito

Há dúvidas no ar, obviamente. A manutenção de um clima de tranquilidade, com a economia sob controle, será relevante para que a nova formação do Supremo retorne à discrição e à responsabilidade institucional que se exige do órgão.

Gurgel e Joaquim Barbosa continuarão ativos. Manterão a parceria? São incógnitas.

A grande tacada da mídia serão as investidas contra Lula. Essas, sim, poderão provocar as manifestações de rua que se pretende para ampliar a percepção de caos político. No MPF, há uma gana para pegar Lula que transcende a própria figura do PGR.

É por aí que o bicho pode pegar. E é por aí que deverá se concentrar a atuação política dos que não pretendem assistir o país pegar fogo.

Nem se ouse apostas sobre quem pode botar mais gente na rua. Entrar nesse jogo é tiro no pé na certa.

Arte digital - por Planet Photoshop

Também para a história – por Jânio de Freitas (Folha)

Outras peculiaridades, além das dimensões e da fartura de condenações, confirmam o peso histórico atribuído com antecedência ao chamado julgamento do mensalão, também referido com frequente ironia como ação penal 470.

É possível que já houvesse, entre os julgadores e entre os julgados, personagens mais cedo ou mais tarde destinados à história, e outros aos buracos de todas as memórias. O julgamento igualou-os, mas ficou a injusta recusa a três pessoas de passarem também à história.

Documentos comprovam as assinaturas e rubricas de quatro representantes do Banco do Brasil, dois diretores e dois gerentes executivos, nas transações com a DNA de Marcos Valério em torno da Visanet. Incluído na ação penal 470, porém, foi um só. Os três restantes foram deixados para processo comum, de primeira instância, com direito a todos os recursos às instâncias superiores, se condenados, e demandas de defesa. Ou seja, possibilidade de sucessivas defesas e múltiplos julgamentos. Direito não reconhecido aos julgados no Supremo Tribunal Federal, por ser instância única.

Os três barrados da história têm em comum o fato de que já estavam nos cargos de confiança durante o governo Fernando Henrique, neles sendo mantidos pelo governo Lula. E, em comum com o condenado pelo STF, terem os quatro sempre assinado em conjunto, por norma do BB, todas as decisões e medidas relativas ao fundo Visanet. Dado que uma das peculiaridades do julgamento foi o valor especial das ilações e deduções, para efeito condenatório, ficou liberada, para quem quiser, a inquietante dedução de tratamento discriminatório e político, com inclusão nas durezas do STF apenas do diretor definido como originário do PT.

O benefício desfrutado pelos três não foi criado pelo relator Joaquim Barbosa, que o encontrou já na peça de acusação apresentada pelo procurador-geral Roberto Gurgel, e o adotou. Um dentre numerosos problemas, sobretudo quanto a provas. Por exemplo, como registrado a certa altura do julgamento nas palavras bem dosadas de Marcelo Coelho:

"O ponto polêmico, na verdade, recai sobre a qualidade das provas para incriminar José Dirceu. Não houve nenhum e-mail, nenhuma transcrição de conversa telefônica, nenhuma filmagem, provando claramente que ele deu ordens a Delúbio Soares para corromper parlamentares".

A condenação de José Dirceu está apoiada por motivos políticos. E, à falta das provas cabais para condenação penal, forçosamente originada de motivações políticas. Bastará, no futuro histórico do julgamento, para caracterizá-lo como essencialmente político. Caracterização que se reforça, desde logo, pelo tratamento amigável concedido ao mensalão precursor, o do PSDB, de 1998 e há 14 anos acomodado no sono judicial.

E caracterização outra vez reforçada pela incontinência do procurador-geral Roberto Gurgel, com seu pedido de prisão imediata dos réus condenados sem que representem perigo e sem que o processo haja tramitado em julgado. A busca de "efetividade" da ação judicial, invocada pelo procurador-geral para o pedido negado por Joaquim Barbosa, ficaria muito bem no caso em que se omitiu, com explicação tardia e insuficiente.

Houvesse, então, o apego à efetividade, o Ministério Público estaria em condições de evitar a enrolação de negociatas que usa Carlos Cachoeira como eixo, inclusive no Congresso.

No primeiro dia do julgamento, o relator chamou o revisor de "desleal", por manter a opinião que o relator abandonou. No segundo, o revisor foi posto pelo relator sob a insinuação de ser advogado de defesa do principal acusado, Marcos Valério. E de destrato em destrato até o fim, o julgamento criou mais uma inovação inesperada para destacá-lo nos anais.

Comentário
"Ao chamado julgamento do mensalão, também referido com frequente ironia como ação penal 470". Muito boa ironia.

Grécia - por Daily Mail (Fotografia)

Que venha a História, que venha logo, porque o jornalismo não tá dando conta - por Sérgio Mendes (Quem tem medo da democracia?)

Faz algum tempo vem ganhando contraste, as cores de nossos grandes do jornalismo em descompasso com a realidade das ruas. E antes que possam questionar o que vou escrever, ainda antes de escrever, gostaria de propor um teste muito simples:

Saia pela periferia da sua cidade, seja ela qual for, e procure pelos personagens e fatos de onde você vive em qualquer veículo de comunicação.

Se encontrar algum que seja mais que uma caricatura num grande jornal, aguardo o comentário no final desta página.

A explicação é simples:

Concentração, monopólio, manipulação.

Para constatar, conte quantos jornais tem circulação nacional e quantos existem na sua cidade. Quantos canais de tv tem alcance nacional e quantos cobrem a sua região desde onde você está. Quantas estações de rádio estão nas mãos de quem e quantos são esses felizes proprietários.

Nossos arautos nem sequer disfarçam a vontade que tem de voltar com os tapumes de antes da internet e tornar a ditar realidade ao invés de cumprirem seu papel, e dar voz aos mesmos personagens da rua que você e eu não encontramos mais, ou melhor dizendo, raramente vemos ou vimos nestes mesmos veículos.

Desgraçadamente, este comportamento não é novo, nem exclusivo de nosso jornalismo pátrio. É fenômeno do mundo e da História. Já aconteceu no passado, e até bem recentemente se tem notícia de redações fechadas por dispensarem a Ética e por terem sido achadas em falta com a utilidade pública a que em tese, se prestam.

Nossos arautos nem disfarçam a contradição de entortar com palavras, os números dos seus próprios institutos de pesquisas.

Estamos outra vez num ponto em que precisamos optar pelo que nos serve como sociedade e descartar o peso morto, ou morrer junto com ele. Morremos a Democracia?

Pode apostar!

Recentemente com o julgamento do chamado ‘Mensalão’, ficou ainda mais claro que não estão dispostos a cobrir a História de um país em busca de estancar o sangrar de alguma chaga, mas a derrocada de quem se oponha no seu caminho rumo ao poder. E poder sem responsabilidade.

Pouco ou nada se compromete este tipo de noticiário com a cidadania, senão reforça as raízes mais profundas da segregação social. A mesma segregação banida do primeiro mundo, lugar que no imaginário dessa gente, é onde vale a pena estar. Naquele mesmo primeiro mundo, observa-se exatamente o contrário, a cidadania conquistada vai se perdendo pela força do dinheiro. Aqui, pelo mesmo dinheiro e a concentração exagerada dele, tornam iguais em superiores e ou inferiores faz tempo demais.

A imprensa é a primeira memória de qualquer sociedade. É ela quem aponta o que as pessoas lembram, debatem e opinam todos os dias. Mas isso acontece pela credibilidade que constrói ou não, posto que não tem fé pública.

Vou repetir um comentário a respeito de recentes declarações de um condenado na mesma ação penal que citei e que não é meu:

“Nada mudou. Nada passou a ser verdade depois que o Valério falou, ou nada deixou de ser verdade depois que o Valério falou. Tudo ainda é embate político…”

Pra mim, é mais impressionante perceber o quanto do nosso achar e pensar é decidido pela mídia, do que o que ela publica. Neste caso específico, ela está editando isso há um mês. Por outro lado, o Cachoeira percebeu que, enquanto ele entregar apenas Demóstenes e tucanos, tá ferrado. Por isso saiu hoje dizendo que é o “garganta profunda” do PT. Ele sabe quem é o público dele…”

O pior que pode acontecer para um veículo de comunicação, é perder a credibilidade e ficar falando para as paredes.

É quando começam a aparecer nas pesquisas de opinião justamente o contrário de tudo que eles pregam.

Daí passam a desdenhar da capacidade que a sociedade tem de decidir seus próprios caminhos, e trocam a História por propaganda. Mas propaganda não subsiste a História. E a sociedade não escreve propaganda. A História é segunda memória, a mais importante e duradoura. Mas demora um pouco mais que a propaganda para se estabelecer, ainda que sempre venha.

Quem viver, verá não ser mais possível afirmar que uma mentira dita mil vezes, torna-se em verdade.

Nem nunca foi por que mentira sempre será mentira. Mesmo repetida mil vezes, basta que a verdade seja dita uma vez apenas e o engodo estará desfeito.

Opiniões todos temos. Podemos e devemos debatê-las a exaustão. Mas opiniões estão para notícias como suposição está para jornalismo bem feito.

Se não é possível que jornalistas sérios e comprometidos com sua gente possam trabalhar para noticiar e construir a memória em cada rincão, que não desçam os grandes a desqualificá-la e ao debate neste espaço democrático que se abre para nós.

Que venha a História, e que venha logo.

* Sérgio Mendes é professor de inglês e escritor. Colabora com o Quem tem medo da democracia?, onde mantém a coluna “De olho na História”. http://quemtemmedodademocracia.com/de-olho-na-historia-2/

Peru - por Neyvan Peçanhuk (Fotografia - Trekearth)

Fux disse a Carvalho que mensalão não tinha prova - por Brasil 247

Em entrevista ao programa "É notícia!", do jornalista Kennedy Alencar, da Rede TV!, o ministro Gilberto Carvalho disse que Luiz Fux lhe procurou, antes de ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. "Sem que eu falasse nada, ele falou para mim o que tinha falado para os outros: que ele tinha estudado o processo, que não tinha prova nenhuma, que era sem fundamento e que ele tomaria uma posição muito clara"

24 DE DEZEMBRO DE 2012

247 - A nomeação do ministro Luiz Fux, para o Supremo Tribunal Federal, continua gerando polêmica. No início do mês, em entrevista à Folha, o próprio ministro revelou como fez lobby junto a diversas pessoas ligadas ao PT, incluindo os réus José Dirceu e João Paulo Cunha, para ser nomeado ministro. A alguns deles, sinalizou que "mataria no peito" o mensalão, porque não haveria provas no processo. Depois de nomeado, foi um dos mais duros ministros nos votos pró-condenação, porque, segundo ele, teria estudado mais a fundo o processo (leia aqui: Fux conta à Folha como iludiu José Dirceu -http://www.brasil247.com/pt/247/poder/86753/ ).

Na noite de ontem, no entanto, Fux foi contestado pela primeira vez por um integrante do primeiro escalão do governo federal. Em entrevista ao programa "É notícia!", da Rede TV!, o ministro Gilberto Carvalho disse que Fux o procurou e tomou a iniciativa de afirmar que não havia provas no processo. "Ele foi falar comigo também e, sem que eu perguntasse nada, ele falou para mim o que falou para os outros: que ele tinha estudado o processo, que o processo não tinha prova nenhuma, que era um processo sem fundamento e que ele tomaria uma posição muito clara", disse ele Carvalho (assista aqui ao vídeo do programa). "É uma questão que a consciência dele vai trabalhar."
Na entrevista, o ministro Gilberto Carvalho também reafirmou que o presidente Lula não tinha conhecimento das relações do PT com Marcos Valério. Ele relatou ainda que, no auge do escândalo, em 2005, o presidente o pediu que viajasse a São Paulo e conversasse com o tesoureiro Delúbio Soares para entender o que estava acontecendo. Delúbio teria feito um relato sobre dívidas de campanha de 2002 e compromissos assumidos com os partidos aliados para as eleições de 2004. E disse que havia uma solução que passava por alguns bancos, que não teria sido aceita pelo ministro Antonio Palocci, restando como alternativa a operação com os bancos mineiros.

Na entrevista, o ministro Gilberto Carvalho também acusou o preconceito de colunistas da grande imprensa contra o PT e o presidente Lula. "Imagino o desespero dessa gente quando vê o resultado das pesquisas e das eleições. Nossa insurgência não é contra a notícia. O problema é a carga ideológica que é reveladora de uma inconformidade total com o fato de um metalúrgico de nove dedos, que não passou pela universidade, ter compromisso não com as elites, mas com os mais pobres. É um novo Brasil que está surgindo".

Assista aqui o vídeo do programa:

http://www.redetv.com.br/jornalismo/enoticia/?310274,Gilberto-Carvalho-ministro-chefe-da-Secretaria-geral-da-Presidencia-da-Republica

http://www.brasil247.com/pt/247/brasilia247/88857/Fux-disse-a-Carvalho-que-mensal%C3%A3o-n%C3%A3o-tinha-prova.htm

Comentário
De fato, tendo isto tudo sido verdade (como tudo leva a crer, tendo em vista que diversas pessoas apontaram que o referido personagem tinha o mesmo discurso), Luiz Fux não passa de um canalha de marca maior. Canalha por ter prometido o que não poderia e, canalha de novo, quando não cumpriu o que prometera.
Ao menos que sirva de lição – ao PT e a Dilma.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Fotografia - por Big Picture

Para entender o xadrez da política - por Luis Nassif (Blog do Nassif)

Vamos entender o xadrez político atual.

Há um jogo em que o objetivo maior é capturar o rei – a Presidência da República. O ponto central da estratégia consiste em destruir a principal peça do xadrez adversário: o mito Lula.

Na fase inicial – quando explodiu o “mensalão” – havia um arco restrito e confuso, formado pela velha mídia e pelo PSDB e uma estratégia difusa, que consistia em “sangrar” o adversário e aguardar os resultados nas eleições presidenciais seguintes.

A tática falhou em 2006 e 2010, apesar da ficha falsa de Dilma, do consultor respeitado que havia acabado de sair da cadeia, dos 200 mil dólares em um envelope gigante entrando no Palácio do Planalto, das FARCs invadindo o Brasil  e todo aquele arsenal utilizado nas duas eleições.

A partir da saída de Lula da presidência, tentou-se uma segunda tática: a de construir um mito anti-Lula. À falta de candidatos, apostou-se em Dilma Rousseff, com seu perfil de classe média intelectualizada, preocupações de gestora, discrição etc. Imaginava-se que caísse no canto de sereia em que se jogaram tantas criaturas contra o criador.

Não colou. Dilma é dotada de uma lealdade pessoal acima de qualquer tentação.

O “republicanismo”

Mas as campanhas sistemáticas de denúncias acabaram sendo bem sucedidas por linhas tortas. Primeiro, ao moldar uma opinião pública midiática ferozmente anti-Lula.

Depois, por ter incutido no governo um senso de republicanismo que o fez abrir mão até de instrumentos legítimos de autodefesa. Descuidou-se na nomeação de Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), abriu-se mão da indicação do Procurador Geral da República (PGR) e descentralizaram-se as ações da Polícia Federal.

Qualquer ação contra o governo passou a ser interpretada como sinal de republicanismo; qualquer ação contra a oposição, sinal de aparelhamento do Estado.

Caindo nesse canto de sereia, o governo permitiu o desenvolvimento de três novos protagonistas no jogo de “captura o rei”.

STF

Gradativamente, formou-se uma bancada pró-crise institucional, composta por Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, e  Luiz Fux, à qual aderiram Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Há um Ministro que milita do lado do PT, José Antonio Toffolli. E três legalistas: Lewandowski, Carmen Lucia e Rosa Weber.

O capítulo mais importante, nesse trabalho pró-crise, é o da criação de um confronto com o Congresso, que não terá resultados imediatos mas ajudará a alimentar a escandalização e o processo reiterado de deslegitimação da política.

Para o lugar de César Peluso, apostou-se em um ministro legalista, Teori Zavascki. Na sabatina no Senado, Teori defendeu que a prerrogativa de cassar parlamentares era do Parlamento. Ontem, eximiu-se de votar. Não se tratava de matéria ligada ao “mensalão”, mas de um tema constitucional. Mesmo assim, não quis entrar na fogueira.

Procuradoria Geral da República (PGR)

Há claramente um movimento de alimentar a mídia com vazamentos de inquéritos. O último foi esse do Marcos Valério ao Ministério Público Federal.

Sem direito à delação premiada, não haveria nenhum interesse de vazamento da parte de Valério e seu advogado. Todos os sinais apontam para a PGR. Nem a PGR nem Ministros do STF haviam aceitado o depoimento, por não verem valor nele. No entanto, permitiu-se o vazamento para posterior escandalização pela mídia.

Gurgel é o mais político dos Procuradores Gerais da história recente do país. A maneira como conquistou o apoio de Demóstenes Torres à sua indicação, as manobras no Senado, para evitar a indicação de um crítico ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), revelam um político habilidosíssimo, conhecedor dos meandros do poder em Brasília. E que tem uma noção do exercício do poder muito mais elaborada que a do Ministro da Justiça e da própria Presidente da República. Um craque!

Polícia Federal em São Paulo

Movimento semelhante. Vazam-se os e-mails particulares da secretária Rosemary Noronha. Mas mantém-se a sete chaves o relatório da Operação Castelo de Areia.

O jogo político

De 2005 para cá, muita água rolou. Inicialmente havia uma aliança mídia-PSDB. Agora, como se observa, um arco  mais amplo, com Ministros do STF, PGR e setores da PF. E muito bem articulado agora porque, pela primeira vez, a mídia acertou na veia. A vantagem de quem tem muito poder, aliás, é essa: pode se dar ao luxo de errar muitas vezes, até acertar o caminho.

Daqui para frente, o jogo está dado: um processo interminável de auto-alimentação de denúncias. Vaza-se um inquérito aqui, monta-se o show midiático, que leva a desdobramentos, a novos vazamentos, em uma cadeia interminável.

Essa estratégia poderia ter uma saída constitucional: mais uma vez “sangrar” e esperar as próximas eleições.

Dificilmente será bem sucedida no campo eleitoral. Mas, com ela, tenta-se abortar dois movimentos positivos do governo para 2014:

É questão de tempo para as medidas econômicas adotadas nos últimos meses surtirem efeito. Hoje em dia, há certo mal-estar localizado por parte de grupos que tiveram suas margens afetadas pelas últimas medidas. Até 2014 haverá tempo de sobra para a economia se recuperar e esse mal-estar se diluir. Jogar contra a economia é uma faca de dois gumes: pode-se atrasar a recuperação mas pratica-se a política do “quanto pior melhor” que marcou pesadamente o PT do início dos anos 90. Em 2014, com um mínimo de recuperação da economia,  o governo Dilma estará montado em uma soma de realizações: os resultados do Brasil Sorridente, resultados palpáveis do PAC, os efeitos da nova política econômica, os avanços nas formas de gestão. Terá o que mostrar para os mais pobres e para os mais ricos.

No campo político, a ampliação do arco de alianças do governo Dilma.

Há pouca fé na viabilidade da candidatura Aécio, principalmente se a economia reagir aos estímulos da política econômica. Além disso, a base da pirâmide já se mostrou pouco influenciada pelas campanhas midiáticas.

À medida que essa estratégia de desgaste se mostrar pouco eficaz no campo eleitoral, se sairá desses movimentos de aquecimento para o da luta aberta.

Próximos passos

Aí se entra em um campo delicado, o do confronto.

Ao mesmo tempo em que se fragilizou no campo jurídico, o “republicanismo” de Lula e Dilma minimizou o principal discurso legitimador de golpes: a tese do “contragolpe”. Na Argentina, massas de classe média estão mobilizadas contra Cristina Kirchner devido à imagem de “autoritária” que se pegou nela.

No Brasil, apesar de todos os esforços da mídia, a tese não pegou. Principalmente devido ao fato de que, quando o STF achou que tinha capturado o PT, já havia um novo em campo – de Dilma Rousseff, Fernando Haddad, Padilha – sem o viés aparelhista do PT original. E Dilma tem se revelado uma legalista até a raiz dos cabelos e o limite da prudência.

Aparentemente, não irá abrir mão do “republicanismo”, mas, de agora em diante, devidamente mitigado. E ela tem um conjunto de instrumentos à mão.

Por exemplo, dificilmente será indicado para a PGR alguém ligado ao grupo de Roberto Gurgel.

Espera-se que, nas próximas substituições do STF, busquem-se juristas com compromissos firmados e história de vida em defesa da democracia – e com notório saber, peloamordeDeus. De qualquer modo, o núcleo duro do STF ainda tem muitos anos de mandato pela frente.

Muito provavelmente, baixada a poeira, se providenciará um Ministro da Justiça mais dinâmico, com mais ascendência sobre a PF.

Do outro lado do tabuleiro, se aproveitará os efeitos do pibinho para iniciar o processo de desconstrução de Dilma.

Mas o próximo capítulo será o do confronto, que  ocorrerá quando toda essa teia que está sendo tecida chegar em Lula. E Lula facilitou o trabalho com esse inacreditável episódio Rosemary Noronha.

Esse momento exigirá bons estrategistas do lado do governo: como reagir, sem alimentar a tese do contragolpe. E exigirá também um material escasso no jogo político-midiático atual: moderadores, mediadores, na mídia, no Judiciário, no Congresso e no Executivo, que impeçam que se jogue mais gasolina na fogueira.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Atenas, Grécia - por Specky Boy (Fotografia)

Castells vê “expansão do não-capitalismo”- por Paul Mason (Outras Palavras)

Culturas econômicas alternativas teriam sido reforçadas pela crise. Mas sociólogo adverte: sistema não entrará em colapso por si mesmo

O professor Manuel Castells é um dos sociólogos mais citados no mundo. Em 1990, quando os mais tecnologicamente integrados de nós ainda lutavam para conseguir conectar seus modens, o acadêmico espanhol já documentava o surgimento da Sociedade em Rede e estudava a interação entre o uso da internet, a contracultura, movimentos de protesto urbanos e a identidade pessoal.

Paul Mason, editor de notícias econômicas da rádio BBC, entrevistou o professor Castells na London School of Economics (Escola de Economia de Londres) sobre seu último livro, “Aftermath: The Cultures of Economic Crisis” (“Resultado: as Culturas da Crise Econômica”), ainda sem tradução para português.

Castells sugere que talvez estejamos prestes a ver o surgimento de um novo tipo de economia. Os novos estilos de viver dão sentido à existência, mas a mudança tem também um segundo motor: consumidores que não têm dinheiro para consumir.

São práticas econômicas não motivadas pelo lucro, tais como o escambo, as moedas sociais, as cooperativas, as redes de agricultura e de ajuda mútua, com serviços gratuitos – tudo isso já existe e está se expandindo ao redor do mundo, diz ele. Se as instituições políticas vão se abrir para as mudanças que acontecem na sociedade – é cedo para saber. Seguem trechos da conversa.

O que é surgimento de novas culturas econômicas?
Quando menciono essa Cultura Econômica Alternativa, é uma combinação de duas coisas. Várias pessoas têm feito isso já há algum tempo, porque não concordam com a falta de sentido em suas vidas. Agora, há algo mais — é a legião de consumidores que não podem consumir. Como não consomem — por não terem dinheiro, nem crédito, nem nada — tentam dar sentido a suas vidas fazendo alguma coisa diferente. Portanto, é por causa das necessidades e valores — as duas coisas juntas — que isso está se expandindo.

Você escreveu que as economias são culturais. Pode falar mais sobre isso?
Se queremos trabalhar para ganhar dinheiro, para consumir, é porque acreditamos que comprando um carro novo ou uma nova televisão, ou um apartamento melhor, seremos mais felizes. Isso é uma forma de cultura. As pessoas estão revertendo essa noção. Pelo contrário: o que é importante em suas vidas não pode ser comprado, na maioria dos casos. Mas elas não têm mais escolha porque já foram capturadas pelo sistema. O que acontece quando a máquina não funciona mais? As pessoas dizem “bem, eu sou mesmo burro. Estou o tempo todo correndo atrás de coisa nenhuma”.

Qual a importância dessa mudança cultural?

É fundamental, porque desencadeia uma crise de confiança nos dois maiores poderes do mundo: o sistema político e o financeiro. As pessoas não confiam mais no lugar onde depositam seu dinheiro, e não acreditam mais naqueles a quem delegam seu voto. É uma crise dramática de confiança – e se não há confiança, não há sociedade. O que nós não vamos ver é o colapso econômico per se, porque as sociedades não conseguem existir em um vácuo social. Se as instituições econômicas e financeiras não funcionam, as relações de poder produzem transformações favoráveis ao sistema financeiro, de forma que ele não entre em colapso. As pessoas é que entram em colapso em seu lugar.

A ideia é que os bancos vão ficar bem, nós não. Aí está a mudança cultural. E grande: uma completa descrença nas instituições políticas e financeiras. Algumas pessoas já começam a viver de modo diferente, conforme conseguem – ou porque desejam outras formas de vida, ou porque não têm escolha. Estou me referindo ao que observei em um dos meus últimos estudos sobre pessoas que decidiram não esperar pela revolução para começar a viver de outra maneira – o que resulta na expansão do que eu chamo de “práticas não-capitalistas”.

São práticas econômicas, mas que não são motivadas pelo lucro – redes de escambo, moedas sociais, cooperativas, autogestão, redes de agricultura, ajuda mútua, simplesmente pela vontade de estar junto, redes de serviços gratuitos para os outros, na expectativa de que outros também proverão você. Tudo isso existe e está se expandindo ao redor do mundo.

Na Catalunha, 97% das pessoas que você pesquisou estavam engajadas em atividades econômicas não-capitalistas.
Bem, estão entre 30-40 mil os que são engajados quase completamente em modos alternativos de vida. Eu distinguo pessoas que organizam a vida conscientemente através de valores alternativos de pessoas que têm vida normal, mas que têm costumes que podem ser vistos como diferentes, em muitos aspectos. Por exemplo, durante a crise, um terço das famílias de Barcelona emprestaram dinheiro, sem juros, para pessoas que não são de sua família.

O que é a Sociedade em Rede?
É uma sociedade em que as atividades principais nas quais as pessoas estão engajadas são organizadas fundamentalmente em rede, ao invés de em estruturas verticais. O que faz a diferença são as tecnologias de rede. Uma coisa é estar constantemente interagindo com pessoas na velocidade da luz, outra é simplesmente ter uma rede de amigos e pessoas. Existe todo tipo de rede, mas a conexão entre todas elas – sejam os mercados financeiros, a política, a cultura, a mídia, as comunicações etc –, é nova por causa das tecnologias digitais.

Então, nós vivemos numa Sociedade em Rede. Podemos deixar de viver nela?
Podemos regredir a uma sociedade pré-eletricidade? Seria a mesma coisa. Não, não podemos. Apesar de agora muitas pessoas estarem dizendo “por que não começamos de novo?” É um grande movimento, conhecido como “decrescimento”. Algumas pessoas querem tentar novas formas de organização comunitária etc.

No entanto, o interessante é que, para as pessoas se organizarem e debaterem e se mobilizarem pelo decrescimento e o comunitarismo, elas têm que usar a internet. Não vivemos numa cultura de realidade virtual, mas de real virtualidade, porque nossa virtualidade – significando as redes da internet – é parte fundamental da nossa realidade. Todos os estudos mostram que as pessoas que são mais sociáveis na internet são também mais sociáveis pessoalmente.

Existem diversos grupos que hoje protestam sobre o assunto A, amanhã sobre o assunto B, e à noite jogam World of Warcraft (jogo RPG online de aventura). Mas será que eles vão conseguir o que Castro e Guevara conquistaram?
O impacto nas instituições políticas é quase insignificante, porque elas são hoje impermeáveis a mudanças. Mas, se você olhar para o que está acontecendo em termos de consciência… há coisas que não existiam três anos, como o grande debate sobre a desigualdade social.

Em termos práticos, o sistema é muito mais forte do que os movimentos nascentes… você atinge a mente das pessoas por um processo de comunicação, e esse processo, hoje, acontece fundamentalmente pela internet e pelo debate. É um processo longo, que vai das mentes das pessoas às instituições da sociedade. Vamos usar um exemplo histórico: a partir do fim do século XIX, na Europa, existiam basicamente os Conservadores e os Liberais, direita e esquerda. Mas então alguma coisa aconteceu – a industrialização, os movimentos da classe trabalhadora, novas ideologias. Nada disso estava no sistema político. Depois de vinte ou trinta anos, vieram os socialistas e depois a divisão dos socialistas… e os liberais basicamente desapareceram. Isso mudará a política, mas não por meio de ações políticas organizadas da mesma maneira. Por quê? Porque as redes não necessitam de organizações hierárquicas.

Onde isso vai dar?
Tudo isso não vai virar uma grande coalizão eleitoral, não vai virar nenhum novo partido, nenhum novo coisa nenhuma. É simplesmente a sociedade contra o Estado e as instituições financeiras – mas não contra o capitalismo, aliás, contra insitituições financeiras, o que é diferente.

Com esse clima, acontece que nossas sociedades se tornarão cada vez mais ingovernáveis e, em consequência, poderá ocorrer todo tipo de fenômeno – alguns muito perigosos. Veremos muitas expressões de formas alternativas de política, que escaparão das correntes principais de instituições políticas tradicionais. E algumas, é claro, voltando ao passado e tentando construir uma comunidade primitiva e nacionalista para atacar todos os outros movimentos e, finalmente, conseguir ter uma sociedade excluída do mundo, que oprime seu próprio povo.

Mas acontece que, em qualquer processo de mudança social desorganizada e caótica, todos esses fenômenos coexistem. E o modo como atuam uns contra os outros vai depender, em última análise, de as instituições políticas abrirem suficientemente seus canais de participação para a energia de mudança que existe na sociedade. Então talvez elas possam superar a resistência das forças reacionárias que também estão presentes em todas as sociedades.

Fotografia - por Slide Share

O ódio (singular absoluto) a Lula - por Weden (blog do nassif)

Lula é um político brasileiro com defeitos e virtudes. Se você não conseguir ver uma coisa ou outra é porque, certamente, a cegueira da paixão ou do ódio está tomando o seu corpo como um câncer.

O que se percebe no caso de Lula é que o ódio intenso tenta, sobremaneira, vencer o amor intenso. É uma luta. A luta entre o amor e o ódio a esse personagem da história  brasileira.

Outros já experimentaram do mesmo fel. Mas não sei se há concorrentes para Lula. Talvez nem Getúlio.

Quantitativamente, Lula está em vantagem. Mas os odiadores acreditam que seu ódio seria de melhor qualidade, uma espécie de crème de la crème do ódio - um ódio insuperável por qualquer amor de multidões.

É um ódio cultivado com gotas de ira diárias nas páginas dos jornais. E de revistas. Cultivado com olhos de sangue, faca entre os dentes, espinhos nas pontas dos dedos.

Só nos últimos meses, Lula já "esteve" por trás do relatório do CPI da Cachoeira, teve caso com a mulher presa na última operação da PF, já tentou adiar o julgamento, já produziu provas para se vingar de Perillo (porque ele teria sido o primeiro a avisá-lo do mensalão), já tentou subornar Deus para que terminasse a obra no domingo.

A paixão amorosa conhecemos bem. Vem daqueles que se identificaram com ele e com ele conseguiram ser lembrados pela primeira vez na história da política brasileira: seja pelos programas sociais, seja pela ascensão econômica, ou até simplesmente pelas características pessoais, culturais e linguísticas. Vem também do louvor à camisa, ao vermelho da camisa do PT.

Mas encontrar representantes do ódio não é tão difícil também. E, como qualquer sentimento que desafie a racionalidade, eles encontrarão justificativas em qualquer coisa.

Mesmo que o ódio se disfarce de termos falsamente conceituais (lulo-petismo, lulo-comunismo, lulo-qualquercoisismo), o ódio a Lula não é um ódio-conceito. Não é abstrato. É material. Corpóreo. Figadal. Biliar. Visceral.

Também não é ódio consequência. Não é um "ódio, porque..." É um "ódio ódio", um ódio em si mesmo, um ódio singular absoluto, que se disfarça de motivos: linguísticos, culturais, morais, econômicos, etc, mas sempre ódio.

Lula já foi acusado de trair a mulher, de violentar o companheiro de cela, de roubar o Brasil, de pentecostalizar a África, de fortalecer "ditaduras" latino-americanas, africanas, asiáticas, de se curar do câncer em hospital particular (sim, uma acusação), de assassinar passageiros de avião, de dar o título à Vila Isabel, de provocar a fuga do vilão no final da novela das oito; já foi acusado de dançar festa junina, de beber vinho caro, de torcer para o Corinthians, de comer buchada de bode, de ter amputado o próprio dedo para receber pensão, de ter a voz rouca, de ser gente, de estar vivo, de ter nascido...

Só um conselho para os odiadores: o inverso do amor não é o ódio, mas a indiferença. No caso em questão, o ódio só acentua e inflama a paixão daqueles que, em maioria dos votos, acabarão levando vantagem.

Sejam indiferentes a Lula, e a história se encarregará de fazer o resto.

Fotografia - por Laoen

Juiz da Monte Carlo acusa desembargador de impor constrangimentos e favorecer Cachoeira – por Josias de Souza (UOL)

Alderico Rocha Santos, juiz da Operação Monte Carlo, fez duros ataques ao desembargador Tourinho Neto, que cuida do caso no TRF-1, o Tribunal Regional Federal sediado em Brasília. Acusou-o de “impor constrangimentos” a ele e a outros dois magistrados que atuaram no processo em que figuram como réus Carlinhos Cachoeira e outras 80 pessoas. Acusou-o também de favorecer o bicheiro “criando fases processuais” não previstas na lei.

O juiz Alderico disse tudo isso por escrito, num ofício endereçado a Tourinho, com cópia para o Ministério Público Federal. Sob o número 115/2012, o documento tem três folhas. É datado de 22 de novembro, esta quinta-feira. O blog obteve uma cópia. Trata-se de resposta da 11ª Vara da Justiça Federal de Goiás a uma reclamação protocolada no TRF pela empresa Vitaplan, um laboratório farmacêutico que tem como sócios a ex-mulher e o ex-cunhado de Cachoeira: Andréa Aprígio de Souza e Adriano Aprígio de Souza.

A Vitaplan insurgiu-se contra uma ordem de Alderico. O juiz determinara o bloqueio das contas bancárias e aplicações financeiras da empresa. Por meio de seus advogados, a ex-mulher de Cachoeira alegou no TRF que a medida desrespeitou uma decisão do tribunal. Há cinco meses, num recurso relatado por Tourinho, a 2ª Seção do TRF havia liberado as contas do laboratório, derrubando despacho do juiz Paulo Augusto Moreira Lima, antecessor de Alderico no processo da Monte Carlo.

Submetido à reclamação contra o novo bloqueio, Tourinho enviou a Alderico um pedido de explicações. No texto, o desembargador expressou-se em termos inusitados. Anotou que ‘o juiz está na iminência de pular o corguinho”. Ordenou que se explicasse , “sem tergiversação”. Deu razão à Vitaplan: “…Não poderia o juiz de primeira instância cassar a decisão da 2ª Seção deste tribunal.”

Alderico abespinhou-se com o teor do ofício. Insinuou que Tourinho não lera seu despacho: “Ao contrário do afirmado, […] este juiz não cassou ou sequer afrontou a decisão da 2ª Seção desse tribunal, pois basta que se faça a leitura da decisão recorrida”. Didático, recordou que o TRF desbloqueara as contas da Vitaplan sob a alegação de que a providência “estava carente de fundamentação”.

Explicou que a situação agora é diferente: “A decisão deste juiz […] fundou-se em novos elementos de prova colhidos no bojo de inquéritos policiais instaurados para apurar crimes de lavagem de dinheiro por parte dos sócios e ‘laranjas’ da empresa Vitapan.” Alderico acrescentou: “A propósito, causam estranheza os termos censórios utilizados por esse douto relator [Tourinho], tanto em relação a este juiz quanto aos demais colegas que aturaram no processo, os doutores Paulo Augusto Moreira Lima e Daniel Guerra Alves.”

Os termos utilizados por Tourinho, escreveu Alderico, “têm imposto constrangimentos e elevada carga de estresse aos juízes que atuaram no processo da Operação Monte Carlo, além de receios, nos juízes que figuram como substitutos automáticos para o processo, de serem publicamente ridicularizados.” Titular da 5ª Vara Federal Criminal de Goiás, Alderico atua na 11ª Vara Federal como juiz substituto. Assumiu o processo contra Cachoeira depois que o outro magistrado, Paulo Moreira Lima, pediu afastamento do caso.

No ofício a Tourinho, Alderico recordou que nenhum dos juízes da Monte Carlo se dirigiu a ele em “termos chulos ou desrespeitosos.” Cobrou reciprocidade: “…O mínimo que se exige de um magistrado é equilíbrio, coerência e uso de termos comedidos, mais ainda quando se reporta a colegas.”

Alderico deu a entender que lhe sobrariam razões para dispensar a Tourinho o mesmo tratamento que recebe dele. Injetou no ofício uma grave acusação. Escreveu que, em decisão “monocrática” (individual), o desembargador estabeleceu “procedimento diverso da lei” para beneficiar Carlinhos Cachoeira.

Segundo Alderico, Tourinho estipulou “prazo e forma para as alegações finais” da defesa de Cachoeira antes que a 11ª Vara de Goiás tomasse qualquer decisão sobre a matéria. Fez isso “suprimindo a atuação desta primeira instância” e “criando fases processuais não contidas no Código de Processo Penal”. O juiz informou ao desembargador que a decisão causa-lhe “constrangimento”. Por quê? “Nas audiências, os advogados [dos outros réus] têm exigido que lhes seja dispensado o rito processual do Carlos Cachoeira, não o contido na lei.”

O juiz insinuou que o desembargador não dispõe de autoridade para cobrar “coerência”. Sem descer a detalhes, Alderico disse que Tourinho “se negou a prestar informações” sobre o processo requeridas por outro desembargador, Souza Prudente. “Além de ter afrontado por duas vezes decisão do STJ.”

Tourinho converteu-se em pedra no sapato dos magistrados que passaram pelo processo aberto contra Cachoeira e sua quadrilha. Não fosse pelo desembargador, Cachoeira ainda estaria na penitenciária da Papuda, em Brasília. Preso em 29 de fevereiro, nas pegadas da deflagração da Operação Monte Carlo, o bicheiro protocolara no STJ um pedido de habeas corpus. Amargou resposta negativa.

Seus advogados foram bater às portas do TRF. Ali, obtiveram de Tourinho uma ordem de soltura. O STJ revogou. Tourinho voltaria a deferir um habeas corpus em favor de Cachoeira mais tarde. Dessa vez, o bicheiro só permaneceu em cana por que havia contra ele outra ordem de prisão, expedida pela Justiça de Brasília na Operação Saint Michel.

Nesta semana, Cachoeira foi condenado nesse processo de Brasília. Teve reconhecido o direito de recorrer em liberdade. Como a outra ordem de prisão já havia sido revogada por Tourinho, o réu foi ao meio-fio num instante em que o juiz Alderico redige a sentença de Goiás. Tourinho havia liberado Cachoeira sob o argumento de que o processo da Monte Carlo extrapolara os prazos. Abstivera-se de recordar que o caso arrastava-se além do necessário porque ele próprio determinara o trancamento da ação.

No texto que enviou a Tourinho, Alderico cuidou de refrescar-lhe a memória. Disse que os termos desrespeitosos do desembargor passam aos colegas dele no TRF “a ideia falsa de que os juízes de primeira instância estariam apaixonados pela causa” que envolve Cachoeira. Uma injustiça com juízes “profissionais e corajosos”, anotou. “Talvez não tanto quanto Vossa Excelência, por ter a coragem de ser o mesmo magistrado a suspender um processo e depois reconhecer o excesso de prazo”, acrescentou, irônico.

Nos dois derradeiros parágrafos do seu texto, Alderico caprichou na acidez. Primeiro, deu um conselho a Tourinho: se constatar “qualquer desvio de conduta deste magistrado, remeta os elementos probatórios pertinentes ao órgão competente para aplicação da pena de censura”, observados “o direito de defesa, o contraditório e o devido processo legal.”

No último parágrafo, o juiz informa ao desembargador que enviou cópia do ofício ao Ministério Público Federal. Para quê? A fim de que seja verificada “a prática de improbidade administrativa, quer seja deste magistrado ou do douto relator [Tourinho].” Mais explícito, impossível.

Tourinho deu de ombros para as explicações de Alderico. Deferiu o pedido de liminar formulado pelos advogados da Vitaplan, mandando desbloquear as contas bancárias do laboratório da ex-mulher de Cachoeira.

Comentário
De fato, o STJ tem um histórico bastante extenso de vendas de sentença. Seria uma bela pauta para a mídia – se o seu esforço contra a corrupção fosse verdadeiro.

Londres, Inglaterra - por Specky boy (Fotografia)

Ofensiva de Collor é retrato do atual Congresso – por Alfredo Machado (blog do Nassif)

Este é o triste retrato do atual Congresso Nacional.

No Senado, quem reclama não são os políticos de situação, a maioria destes preferindo a ilusória proteção do silêncio, pois esta postura comodista deverá ser questionada nas urnas.

Aqueles senadores que se dispõem a abrir a boca são, justamente, os que têm mais história nas costas, quando o mais correto seria a ocorrência de manifestação a partir de senadores com o currículo político ainda por ser ampliado, e não apenas Fernando Collor (naquilo que envolve a flagrante omissão deste dramaticamente ruim PGR) e/ou José Sarney, ambos ex-presidentes  e que, exatamente por este motivo, aprenderam exaustivamente como a banda toca – se os dois vão em determinada direção, sabem o que fazem ( por vezes não têm condição de fazer, sozinhos, tudo o que precisa ser feito), logo, porque os outros não acompanham?

Neste caso da CPMI de CCachoeira, não é compreensível a dificuldade de diversos senadores e deputados federais para ir em cima de tantas figuras carimbadas que estão evidentemente comprometidas com o abrangente esquema de corrupção montado pelo goiano inteligente, tão inteligente que acabou de conseguir a sua saída da prisão.

Em meu entendimento de leigo, aqueles quase 600 representantes (???) populares, ao invés de se esconderem, já deveriam estar prá lá de ansiosos para “pular na jugular” de Roberto Gurgel, de Roberto Civita e seu boneco Policarpo Jr., do governador goiano Marconi Perillo e alguns outros, todos eles com suas impressões digitais perfeitamente identificadas nas investigações e gravações desta gigantesca patranha. Só mesmo o medo pode explicar esta demonstração, mais uma, de covardia explícita.

Espero que o ex-presidente e agora senador de Alagoas tenha êxito neste seu empenho para colocar as coisas no devido lugar, e pouco me importa a razão maior desta sua enorme motivação, me importa apenas o enquadramento destes marginais travestidos de político ou empresário.

Se os diversos subservientes do bloco de situação fossem aguerridos e cientes do significado de um mandato parlamentar, já estariam usando a jurisprudência recentemente criada pelo STF em seu favor, ao invés de ficarem se esquivando dos fatos e rezando pelo minuto de fama no JN.

Fotografia - por Slideshare

Sobre o caso Rosemary e a lulofobia - por Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

Acima de tudo. ela é mais uma escada pela qual se tenta pegar novamente Lula

Lula é, certamente, o homem mais odiado pelo chamado 1%, para usar a já histórica expressão do Movimento Ocupe Wall St. (Para os 99%, o posto é de Serra, com o surgimento de uma concorrência potencial em Joaquim Barbosa, o Batman.)

É impressionante o júbilo com que é celebrada pelo 1% qualquer notícia que possa servir de munição contra Lula, o lulismo, o lulo-petismo e outras designações criadas pelos obsequiosos porta-vozes de um grupo pequeno mas barulhento que torce e trabalha para que o Brasil jamais se torne uma Dinamarca, ou uma Noruega, ou uma Finlândia.

São sociedades harmoniosas, não divididas entre 1% e 99%, como o Brasil. Apenas para registro, o Brasil campeão mundial da desigualdade – com todos os problemas decorrentes disso, a começar pela criminalidade – foi obra exatamente deste grupo.

O Estado brasileiro foi durante décadas uma babá do 1%. Calotes em bancos públicos eram sistematicamente aliviados em operações entre amigos – mas com o dinheiro do contribuinte. Cresci, como jornalista, nos anos 1980, com o Jornal do Brasil transformando dívidas com o Banco do Brasil em anúncios.

Este é apenas um caso.

O BNDES foi sequestrado, também, pelo 1%: a inépcia administrativa de tantas empresas familiares malacostumadas pela reserva de mercado era premiada com operações de socorro financeiro. Sempre com o dinheiro do contribuinte.

Apenas para registro também, lembremos que a reserva de mercado sobrevive ainda – não me pergunte por que – na mídia que tanto clama por competição, mas para os outros.

O 1% detesta Lula, não porque Lula tenha nove dedos, ou seja metalúrgico, ou fale errado, ou torça pelo Corinthians. Detesta Lula porque ele não representa o 1%. Se representasse, todos os seus defeitos seriam tratados como virtudes.

Não votei em Lula nem em 2002 e nem em 2006. Portanto, não tenho mérito nenhum na sua chegada à presidência e na consequente, e fundamental, mudança de foco do governo – ainda que cheia de erros — rumo aos 99%.

Mas não sou cego para não enxergar o avanço. O maior problema do Brasil – a abjeta desigualdade social – começou ao menos a ser enfrentado sob Lula.

Hoje, quando homens públicos em todo o mundo elegem a desigualdade social como o mal maior a debelar, parece óbvio que Lula tinha mesmo que prestigiar os 99% ao se tornar presidente.

Mas nenhum presidente na era moderna nacional viu o óbvio. Mesmo ao erudito poliglota Fernando Henrique Cardoso – de quem ninguém pode subtrair o mérito por derrubar a inflação – escapou o óbvio. Tente encontrar alguma fala de FHC, na presidência, sobre o drama da iniquidade social. Em qualquer uma das múltiplas línguas que ele domina. Zero.

É dentro desse quadro de colossal ódio a Lula que se deve entender a forma com quem está sendo tratado o caso de Rosemary Nóvoa de Noronha, indiciada por corrupção pela Polícia Federal em suas funções como chefe do escritório do gabinete da presidência em São Paulo.

Rosemary foi demitida imediatamente por Dilma, e agora vai responder pelas suas supostas delinquências, como um cruzeiro e uma plástica na faixa, pelo que foi noticiado.

Mas ela é personagem secundária na chamada Operação Porto Seguro. O protagonista é Lula. Nos artigos sobre a história, Lula ocupa o pedestal. “A mulher do Lula”, escreveu alguém, embora ela tenha sido secretária por muitos anos de José Dirceu. Foi para Dirceu, e não para Lula, que, segundo agentes policiais, ela ligou desesperada quando a PF chegou a seu apartamento na prosaica 13 de Maio, bairro das cantinas italianas em São Paulo. Nada existe de luxuoso no apartamento, ainda de acordo com a polícia.

Rosemary é uma escada pela qual, mais uma vez, se tenta pegar Lula. Estaria Lula envolvido na plástica suspeita de Rosemary? E no cruzeiro? O dinheiro terá vindo do valerioduto?

Chega a ser engraçado.

Tenho para mim o seguinte. Se os lulofóbicos dedicassem parte da energia que consomem em odiá-lo na procura honesta de formas de convencer os eleitores de que são mais capazes que Lula para combater a desigualdade social, eles já estariam no Planalto a esta altura, e do jeito certo, numa democracia: pelas urnas.

Grand Canyon (fotografia) - por Blog kiwi

Mídia & togas: a confraria do 'domínio do fato' - por Saul Leblon (Carta Maior)

A Suprema Corte do país acaba de se avocar mais uma prerrogativa: a de violar a lógica da história democrática brasileira.

Roberto Jefferson, que dispensa apresentações, pivô das denúncias que levaram à montagem daquilo recebeu o nome de fantasia de 'mensalão', foi objetivamente liberado pelas togas do STF nesta 4ª feira.

A pena que lhe foi atribuída, sete anos e 14 dias, tem a precisão do relojoeiro esperto; coisa feita para encher os olhos mas aliviar o ônus. Permitir-lhe-á ficar longe de qualquer instituição prisional para exercer livremente aquilo que sempre fez e sabe fazer.

A mesma condescendência já havia sido dispensada antes ao deputado do PR, Waldemar da Costa Neto, outro cuja folha de bons serviços à nação brasileira é conhecida, embora menos festejada.

A contrapelo desse indulto sugestivo, mas em tom de júbilo incontido,o Globo da 3ª feira espocou em manchete faiscante: "Tremembé, cidade do interior paulista, à espera de mensaleiros'.

Quais?

O texto é claro no alvo da mira: ' (...) Cidade pequena encravada na região do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, Tremembé já vive as expectativas de ser o provável destino dos mensaleiros, como está sendo chamada a turma liderada pelo ex-ministro José Dirceu (...) Enquanto José Dirceu e seus companheiros não chegam, Tremembé segue sua rotina", garante-se o jornal, como se iniciasse a cobrança regressiva do grande dia.

Devemos à Suprema Corte sob a batuta do agora presidente Joaquim Barbosa esse conjunto de uma harmonia desconcertante: Jefferson e Waldemar, livres; e José Dirceu, condenado sem provas, cuja vida foi posta na ponta da baioneta da ditadura militar por lutar pela democracia, vai para Tremembé - pelo menos assim o Globo prefixou. Em se tratando do Judiciário que aprendemos a conhecer em sua fina sensibilidade aos holofotes, significa um passo e tanto.

A reportagem do Globo pode ser encarada como um recado às togas: estamos aqui, ministros. Equipes e câmeras de prontidão no aquecimento para o grande dia. Um símbolo do PT será emoldurado pelas grades, em cena e horário naturalmente desfrutáveis pelo Jornal Nacional, como o foram todos os capítulos da Ação 470.

O empenho do dispositivo midiático é manter acesa a chama.

Cercá-la de cuidados para que contradições flagrantes, como a que foi reiterada hoje, na absolvição daquilo que avulta como o paradigma de um escroque, não empalideçam a demonização arduamente construída ao longo da novela.

Para tanto, o símbolo representado por José Dirceu deve ser regularmente aspergido de lama até que o desfecho se materialize na escalada do JN e no jogral das manchetes do dia seguinte.

É disso que cuida a cobertura jornalística nos dias que correm. Trata-se de
convencer a opinião pública de que repousa nas entranhas da Operação Porto Seguro a 'chave do porão'.Aquela capaz de escancarar o quarto escuro dentro do qual Lula, Dirceu e todos os corruptos do país, que naturalmente serão sempre do PT, debatem novos e velhos golpes.

Na busca sôfrega das pistas para confirmar as manchetes a lógica muitas vezes atrapalha. Demita-se a lógica.

Os supremos juízes da Suprema Corte não revogaram a história da luta democrática brasileira? Não redesenharam um país em que Roberto Jefferson merece condescendência e José Dirceu é bandido?

As togas da suprema instância não demitiram os fatos? Por que o jornalismo há de se ater a eles? O país e a mídia vivem agora sob o império das ilações.Eis aí uma contribuição inesperada, porém marcante da Corte ao aperfeiçoamento das instituições democráticas e do currículo das escolas de jornalismo.

Virtuoses no ramo, na verdade, já praticam com impressionante desembaraço o cânone da notícia inspirado na assertiva das togas que se dispensaram do elemento essencial de uma sentença: provas.

Na edição impressa da quarta- feira, 28-22, o jornal Folha de S. Paulo deu aula-magna de como aplicar a jurisprudência à estrutura de um texto, para dissimular um editorial em notícia.

O procedimento não é novo, mas o jornalismo à la 'domínio dos fatos' desfruta agora do exemplo inapelável que vem de cima. As togas fizeram escola.

Acompanhe como funciona o verdadeiro manual de redação nessa tentativa de afirmar, sem provar, os vínculos entre o ex-ministro José Dirceu e a 'Operação Porto Seguro'. Siga:

No título, antecipa-se a criminalização, assim: "Procuradora e denunciante citam Dirceu".

No destaque, abaixo do título, reforça-se a indução reiterativa:

"O nome do ex-ministro José Dirceu foi duplamente envolvido no caso apurado pela Operação Porto Seguro da Polícia Federal".

No corpo da matéria, as 'provas' que sustentam a manchete:

1) "A procuradora federal Suzana Fairbanks afirma que Dirceu era procurado para resolver questões como se ainda fosse ministro: "[Era] Uma pessoa que tinha poder de decisão lá dentro [do governo]";

2) Em seguida, o texto incorpora a entrevista ao "Jornal Nacional" do delator do esquema, o ex-auditor do TCU, Cyonil da Cunha Borge.

Trecho incorporado pela pela matéria da Folha: " Cyonil disse que Paulo Rodrigues Vieira, tido como um dos cabeças do esquema, o convidou para participar de um aniversário de Dirceu e citou o nome do petista ao oferecer a propina".

Por fim, escondidos no artigo, sem peso nem influencia na manchete, os fatos:

1) (...) "Fairbanks afirma que não há troca direta de mensagens entre a ex-assessora (Rosemary Noronha) e Dirceu";

2) Também não há o nome de Lula: "Conversa dela com o Lula não existe", diz. "Nem áudio, nem emails."

3) Sobre o delator, a promotora afirmou(...) "É um corrupto que sofreu um golpe. Levou um calote. Não recebeu o pagamento todo, como tinham combinado, e resolveu entregar o esquema todo' .

No arremate, seis linhas para o famoso 'o outro lado', em nome do qual avoca-se o direito de fazer qualquer coisa.