quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Que venha a História, que venha logo, porque o jornalismo não tá dando conta - por Sérgio Mendes (Quem tem medo da democracia?)

Faz algum tempo vem ganhando contraste, as cores de nossos grandes do jornalismo em descompasso com a realidade das ruas. E antes que possam questionar o que vou escrever, ainda antes de escrever, gostaria de propor um teste muito simples:

Saia pela periferia da sua cidade, seja ela qual for, e procure pelos personagens e fatos de onde você vive em qualquer veículo de comunicação.

Se encontrar algum que seja mais que uma caricatura num grande jornal, aguardo o comentário no final desta página.

A explicação é simples:

Concentração, monopólio, manipulação.

Para constatar, conte quantos jornais tem circulação nacional e quantos existem na sua cidade. Quantos canais de tv tem alcance nacional e quantos cobrem a sua região desde onde você está. Quantas estações de rádio estão nas mãos de quem e quantos são esses felizes proprietários.

Nossos arautos nem sequer disfarçam a vontade que tem de voltar com os tapumes de antes da internet e tornar a ditar realidade ao invés de cumprirem seu papel, e dar voz aos mesmos personagens da rua que você e eu não encontramos mais, ou melhor dizendo, raramente vemos ou vimos nestes mesmos veículos.

Desgraçadamente, este comportamento não é novo, nem exclusivo de nosso jornalismo pátrio. É fenômeno do mundo e da História. Já aconteceu no passado, e até bem recentemente se tem notícia de redações fechadas por dispensarem a Ética e por terem sido achadas em falta com a utilidade pública a que em tese, se prestam.

Nossos arautos nem disfarçam a contradição de entortar com palavras, os números dos seus próprios institutos de pesquisas.

Estamos outra vez num ponto em que precisamos optar pelo que nos serve como sociedade e descartar o peso morto, ou morrer junto com ele. Morremos a Democracia?

Pode apostar!

Recentemente com o julgamento do chamado ‘Mensalão’, ficou ainda mais claro que não estão dispostos a cobrir a História de um país em busca de estancar o sangrar de alguma chaga, mas a derrocada de quem se oponha no seu caminho rumo ao poder. E poder sem responsabilidade.

Pouco ou nada se compromete este tipo de noticiário com a cidadania, senão reforça as raízes mais profundas da segregação social. A mesma segregação banida do primeiro mundo, lugar que no imaginário dessa gente, é onde vale a pena estar. Naquele mesmo primeiro mundo, observa-se exatamente o contrário, a cidadania conquistada vai se perdendo pela força do dinheiro. Aqui, pelo mesmo dinheiro e a concentração exagerada dele, tornam iguais em superiores e ou inferiores faz tempo demais.

A imprensa é a primeira memória de qualquer sociedade. É ela quem aponta o que as pessoas lembram, debatem e opinam todos os dias. Mas isso acontece pela credibilidade que constrói ou não, posto que não tem fé pública.

Vou repetir um comentário a respeito de recentes declarações de um condenado na mesma ação penal que citei e que não é meu:

“Nada mudou. Nada passou a ser verdade depois que o Valério falou, ou nada deixou de ser verdade depois que o Valério falou. Tudo ainda é embate político…”

Pra mim, é mais impressionante perceber o quanto do nosso achar e pensar é decidido pela mídia, do que o que ela publica. Neste caso específico, ela está editando isso há um mês. Por outro lado, o Cachoeira percebeu que, enquanto ele entregar apenas Demóstenes e tucanos, tá ferrado. Por isso saiu hoje dizendo que é o “garganta profunda” do PT. Ele sabe quem é o público dele…”

O pior que pode acontecer para um veículo de comunicação, é perder a credibilidade e ficar falando para as paredes.

É quando começam a aparecer nas pesquisas de opinião justamente o contrário de tudo que eles pregam.

Daí passam a desdenhar da capacidade que a sociedade tem de decidir seus próprios caminhos, e trocam a História por propaganda. Mas propaganda não subsiste a História. E a sociedade não escreve propaganda. A História é segunda memória, a mais importante e duradoura. Mas demora um pouco mais que a propaganda para se estabelecer, ainda que sempre venha.

Quem viver, verá não ser mais possível afirmar que uma mentira dita mil vezes, torna-se em verdade.

Nem nunca foi por que mentira sempre será mentira. Mesmo repetida mil vezes, basta que a verdade seja dita uma vez apenas e o engodo estará desfeito.

Opiniões todos temos. Podemos e devemos debatê-las a exaustão. Mas opiniões estão para notícias como suposição está para jornalismo bem feito.

Se não é possível que jornalistas sérios e comprometidos com sua gente possam trabalhar para noticiar e construir a memória em cada rincão, que não desçam os grandes a desqualificá-la e ao debate neste espaço democrático que se abre para nós.

Que venha a História, e que venha logo.

* Sérgio Mendes é professor de inglês e escritor. Colabora com o Quem tem medo da democracia?, onde mantém a coluna “De olho na História”. http://quemtemmedodademocracia.com/de-olho-na-historia-2/

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