quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre o xadrez da política - por Luis Nassif (blog do Nassif)

Notas – 1

Leia “Para entender o xadrez da política – 1”  e

Para entender o xadrez da política – 2”  

Adicionalmente,

O Supremo abriu a Caixa de Pandora”.

Vou utilizar os dois posts iniciais como fio condutor do que considero cenário político básico, para amarrare filtrar as informações que considero relevantes para o caso.

As Notas são informações adicionais, que completam ou retificam o cenário maior. Quando houver necessidade de consolidar o novo cenário, utilizarei o título original, sem as Notas.

Sobre Lula

1.    Lula não pretende colocar multidões na rua enfrentando o MPF ou o STF, a não ser em situação extrema – que está longe de ocorrer.

2.    A estratégia de Dilma será se afastar de qualquer ligação com o julgamento do “mensalão”, inclusive evitando manifestações de solidariedade aos condenados. Com Lula, a postura será outra. Dilma e todos ministros assumirão sua defesa, sempre que se fizer necessária.

3.    Do ponto de visto jurídico, os casos Marcos Valério, Rosemary e Freud – nos quais a mídia aposta para atacar Lula – não inspiram o menor receio em Lula, a não ser criar marolas e marolas.

Sobre o grupo dos cinco do STF

A riqueza e a vitalidade da democracia consiste em sua fluidez, no fato da confluência de opiniões não ser rígida, moldar-se a cada circunstância e a cada episódio. Especialmente em uma sociedade rica e complexa, como a brasileira.

Não era inédito o modelo de cooptação política no qual incorreram os réus do mensalão. Praticamente todos os partidos no Poder se valem de práticas similares. Em algum momento ter-se-ia que dar um basta. Calhou de ser nesse julgamento. Podia-se ficar por aí para legitima-lo. Ou seja, esconder a ação claramente política do STF atras de um alibi legitimador.

O que assustou no comportamento do STF (Supremo Tribunal Federal) foi a facilidade com que os Ministros superaram a falta de provas, o rigor inédito das condenações, o discurso político irresponsável de alguns deles (puxados por Celso de Mello) e, mais do que isso, a aliança até então mais que improvável entre os “cinco do STF” – Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello, Celso de Mello e Luiz Fux.

Essa aliança não se restringiu ao julgamento do mérito. Prosseguiu na análise sobre quem teria o direito de cassar. E com discursos, como do irresponsável Celso de Mello, claramente destinados a produzir uma crise institucional.

Compare-se com o comportamento das Ministras. Votaram penas severas, em várias situações; em outras, não; no caso da prerrogativa de cassar, sua opinião divergiu dos “cinco do Supremo”. Ou seja, julgavam cada caso de acordo com seu entendimento, sem a preocupação de produzir efeitos políticos.

O discurso de Luiz Fux, na posse de Joaquim Barbosa, foi a comprovação da tentativa do STF de açambarcar competências dos demais poderes. Foi de um atrevimento ímpar, e devidamente combinado com Barbosa, não se tenha dúvidas.

Essa atitude criou em muitos setores a sensação da falta de limites do STF. Hoje pode servir para atingir nossos adversários; e amanhã?

O Supremo poderia ter desmanchado essa sensação de ação orquestrada caso o pedido de prisão dos réus pudesse ser analisado por todos os Ministros. Mas a pouca esperteza de Roberto Gurgel – de aguardar o fim das sessões para encaminhar o pedido de prisão, para a decisão solitária de Joaquim Barbosa – impediu a prova do pudim sobre a isenção do STF.

A reação do presidente da Câmara Marcos Maia mostrou que a corda tinha sido esticada ao máximo.

Agora tem-se os seguintes dados novos:

1.    A decisão de Joaquim Barbosa, ao não enviar os réus para a prisão, baixou a fervura.

O PGR foi amigo da onça de Barbosa. Se enviasse o pedido ao pleno do STF, arriscava-se a ser rejeitado. Ao enviar para a decisão solitária de Barbosa, jogou nas costas do presidente do STF um risco intolerável: o de ser responsável, sozinho, sem a retaguarda da decisão colegiada, por uma crise institucional. De qualquer modo, rompeu-se a ideia do alinhamento automático entre os “cinco” e Gurgel.

O próximo ano ainda está por ser roteirizado, mas pelo menos começa com a água num ponto mais baixo de fervura.

           2. Luiz Fux não teve coragem de abrir a Caixa de Pandora do MPF.

Releia o post “O Supremo abriu a Caixa de Pandora”, sobre os desdobramentos incontroláveis do mensalão, especialmente na atuação do Ministério Público. Esta semana mesmo, ao julgar o poder de investigar do MPF, o voto de Luiz Fux foi uma ducha de água fria nas pretensões do MPF. Acabou restringindo mais sua atuação do que anteriormente.

Interessa ao STF um PGR que atuasse como Gurgel; não um PGR entregue à iniciativa dos procuradores. Ao mesmo tempo, a politização desnecessária que o PGR imprimiu ao processo gerou resistências também no Congresso.

Pena! O MPF tem uma atuação excepcional de defesa dos direitos sociais e individuais. Ficou em segundo plano devido à politização imprudente imprimida por Gurgel.


Para entender o xadrez da política - 2


No dia 11 passado, publiquei o post "Para entender o xadrez da política".

Vamos ao próximo levantamento, à luz dos últimos episódios.

Como é o jogo de poder nas democracias

1.    Há três mundos distintos na opinião pública. Um, o mundo da chamada voz das ruas, que elege políticos, de vereadores a presidentes. O segundo, o mundo da opinião pública midiática, controlado por grandes grupos de comunicação. O terceiro, o mundo das instituições, onde se inserem os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e as demais instituições constitutivas do Estado: Forças Armadas, Ministério Público, órgãos de controle, diplomacia etc. Importante: esse mundo, seja no plano das funções ou familiar, é influenciado majoritariamente pelo mundo da mídia.

2.    O mundo das instituições é fundamentalmente legalista e formalista, no sentido de seguir normas, regulamentos e leis. Há maneiras de dar by-pass na legalidade que seguem sempre o mesmo padrão: denúncias de corrupção, quebra da ordem econômica e social e, no caso de republiquetas latino-americanas, o fantasma da subversão. O clima de caos aumenta a sensação de vácuo de poder e alguém acaba ocupando. Meses atrás publiquei aqui um extraordinário artigo de Afonso Arinos de Mello Franco, de 1963. Ele próprio integrante da UDN, mostrava como a oposição manipulava conceitos que, em 1963, ele já via defasados: como o fantasma da Guerra Fria. E diagnosticava: se não houver pulso da parte do governo, termina em golpe militar. Não houve pulso, a conspiração prosperou e, depois, foi alimentada por manifestações de rua e comícios que passaram aos militares a ideia de quebra da hierarquia. 1964 foi fruto do vácuo de poder.

3.    A mídia sempre tem papel central nesses movimentos. Durante meses criam-se fatos verdadeiros ou não, escandalizam-se meros problemas administrativos (já que não se consegue produzir escândalos verdadeiros todo dia), martela-se, martela-se até obnubilar a opinião pública e consolidar a ideia do caos. As movimentações de rua são consequência e o melhor álibi para golpes. Se a favor, legitima-os para atender aos pleitos da opinião pública. Se contra, legitima-os para impedir a baderna.

4.    Em muitos episódios latino-americanos – quedas de Fernando Collor, no Brasil, e Carlos Andres Perez, na Venezuela - o golpe ocorreu via aliança Legislativo-Mídia. Em outros casos – tentativa de derrubada de Chávez – na aliança entre Mídia e setores das Forças Armadas. Em casos recentes, na parceria Mídia-Supremo. Em todos os casos, há o clamor da opinião pública legitimando os golpes.

5.    O atual embate STF x Congresso visa definir quem é a lei. Não se trata de episódio trivial, briga de egos e quetais. É briga de poder MESMO. Na eventualidade de um episódio crítico qualquer no futuro, quem conseguir ser a LEI manobrará todo o universo das corporações públicas. Se não houver esse momento crítico, cada personagem se recolherá novamente a seu papel tradicional e a disputa não terá passado de uma briga de egos. Melhor: de imensos egos.

As peças do jogo no quadro atual

Os pontos levantados não significam que há uma organização conspiratória juntando todas essas peças. Deflagra-se um processo e são as circunstâncias específicas que determinam a dinâmica e conferem um papel a cada agente.

Entendidos esses aspectos genéricos do jogo de poder, vamos ao quadro atual:

1.    O PT é bom de rua, bom de voto e ruim de instituições. Quando Lula assumiu, tentou avançar através de dois operadores: José Dirceu e Antônio Palocci. A estratégia de Dirceu consistia em assumir todo o know-how de poder desenvolvido por FHC, o controle daquele grande rio subterrâneo do poder de fato, onde transitam os poderes constituídos, poderes econômicos, lobistas, parlamentares donos de bancada, técnicos e sistemas de influência em geral. No início do governo, ainda verde, essa estratégia levou o partido a “adotar” o esquema Marcos Valério, legítima criação do PSDB mineiro e que chegou ao Planalto através das mãos de Pimenta da Veiga, Ministro das Comunicações de FHC. Depois, aprendeu, mas o pecado original não pode ser exorcizado.

2.    O “mensalão” amarrou a ação de ambos os operadores, derrubou-os e, para afastar o fantasma do impeachment, Lula, inspirado por Márcio Thomas Bastos, apostou em um republicanismo ingênuo, no qual FHC jamais embarcou: não indicou o Procurador Geral da República, usou as indicações do STF (Supremo Tribunal Federal) para gestos simbólicos, descentralizou as ações da Polícia Federal. E deu todo o espaço político de que essas estruturas necessitavam para ambicionar mais espaço político. É movimento típico das burocracias. Quando não há nenhuma forma de resistência à sua expansão, a tendência é ocupar espaço. O quadro de quase confronto atual é resultado direto do vácuo de poder no sistema judiciário, muito mais do que de manobras conspiratórias.

3.    Com o vácuo, cada ator político – PGR, STF, setores internos da PF – pôde crescer livremente, sem resistências e sem risco. O PGR Roberto Gurgel acumulou seu poder empalmando em suas mãos (e no da sua esposa) todos os processos envolvendo personagens com foro privilegiado. A maneira como ministros do STF atuaram no “mensalão” – um comparando o partido do governo ao PCC, outro incluindo falas fora do contexto da própria presidência da República – é típica de quem, à falta de qualquer tipo de limites, deixa de supor e passa a acreditar piamente que é Deus

4.    Finalmente, a cobertura exaustiva do julgamento do “mensalão” calou fundo na classe média – e não apenas na midiática. Graças ao Jornal Nacional, entrou no imaginário das famílias, das crianças e dos velhos. Acredita-se em um mar de corrupção incontrolável embora nem se identifiquem bem quem são os atores.

5.    A lógica que vigorou até agora para Lula e o PT – a cada campanha midiática a resposta das urnas – vale para eleições, não para o jogo institucional que se arma.

Cenário da desestabilização

O que seria um cenário de desestabilização? Esses cenários não são planejados de antemão, mas frutos de circunstâncias que vão se somando até virar o rascunho do mapa do inferno. Mostra-se, aqui, uma situação limite hipotética.

1. Intensificação da campanha midiática em duas frentes: a denuncista e a econômica.

O “efeito-mensalão” será absorvido com as festas de fim de ano e um janeiro tradicionalmente morno. Haverá a necessidade de substituí-lo por outros temas candentes.

A “denuncista” em tese depende da disposição do PGR e de setores da PF de abrir inquéritos e vazá-los para a mídia amiga. Há um processo nítido de auto-alimentação entre mídia e o PGR. Vaza-se o inquérito, monta-se um estardalhaço; com base no estardalhaço tomam-se outras medidas que resultam em mais estardalhaço. Tem que se atuar sobre esse cordão umbilical.

A econômica dependerá fundamentalmente do desempenho da economia e, principalmente, dos dados do PIB no primeiro semestre. Como já alertei aqui, a crítica se concentrará na atuação da Petrobrás no pré-sal, nos financiamentos do BNDES e no PAC.

2. Reação intempestiva do PT e Lula levando a movimentos de rua, com possibilidade de conflitos.

Leve-se em conta que a cobertura do “mensalão” tirou do PT o monopólio da mobilização popular. Agora há espaço para marchas contra a corrupção e coisas do gênero.

3. Reações do governo que possam ser interpretadas como ameaça às instituições.

4. Supremo sob controle do grupo dos cinco dizendo que, agora, “eu sou a lei” e se impondo para conter o caos.

As estratégias de lado a lado

Entendidos os pontos centrais da disputa, vamos tentar avançar no que poderiam ser as táticas de lado a lado.

Da oposição, obviamente, é elevar a fervura da água. Para tanto, necessita manter acesa a parceria com o PGR e com setores serristas da Polícia Federal para garantir a alimentação de escândalos; e declarações bombásticas de Ministros do STF para dar solenidade às suposições. E investir tudo em escândalos permanentes, desses que permitem um vazamento por dia e duas declarações retóricas de Ministros do STF por semana.

Enquanto isto, tratar de alimentar o negativismo do noticiário econômico superdimensionando notícias negativas e minimizando as positivas.

Da parte do governo, o jogo é o oposto, é baixar a fervura. Significa o seguinte:

1.    Considerar finalizado o episódio “mensalão”. Para tanto, o PT terá que dar baixa no balanço das lideranças atingidas. Do mesmo modo, a Presidência se afastará cada vez mais do episódio e reforçará o legalismo. No início, a inação do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, era coisa dele. Agora, não: é coisa dela.

2.    O MPF é permanente; Roberto Gurgel, passageiro. Como organização burocrática, disciplinada e legalista, bastará que seja tratado com respeito e que o governo emita sinais discretos sobre a sucessão de Gurgel, sem nada que afronte a autonomia relativa do órgão e sem nada que alimente as fantasias continuístas do grupo de Gurgel. Automaticamente se formarão novos centros de poder e influência internos.

3.    Em relação ao STF, o problema não é o órgão, evidentemente, mas a coalizão circunstancial que permitiu aos “cinco do Supremo” votar em bloco, em um STF desfalcado, e, com a hegemonia provisória, tornarem-se celebridades. Havendo normalidade na política e na economia - e acerto na substituição de Ministros - termina a maioria circunstancial, já que as Ministras, severas nas suas sentenças, mostraram-se discretas e legalistas. Celso de Mello voltará a se comportar como lente, Gilmar como político, Marco Aurélio como outsider, Luiz Fux buscará outras lâmpadas em torno das quais esvoaçar – bom radar porque especialista em rodear as lâmpadas que irradiam maior calor.  E Joaquim Barbosa… continuará sendo Joaquim Barbosa.

4.    No plano econômico, torcer para que venha logo a colheita das medidas plantadas nos dois últimos anos. E melhorar substancialmente as ferramentas de divulgação dos atos positivos de política econômica. O reajuste dos combustíveis foi passo importante para devolver à Petrobras o fôlego financeiro, tirando-a da linha de fogo.

Fatores de atrito

Há dúvidas no ar, obviamente. A manutenção de um clima de tranquilidade, com a economia sob controle, será relevante para que a nova formação do Supremo retorne à discrição e à responsabilidade institucional que se exige do órgão.

Gurgel e Joaquim Barbosa continuarão ativos. Manterão a parceria? São incógnitas.

A grande tacada da mídia serão as investidas contra Lula. Essas, sim, poderão provocar as manifestações de rua que se pretende para ampliar a percepção de caos político. No MPF, há uma gana para pegar Lula que transcende a própria figura do PGR.

É por aí que o bicho pode pegar. E é por aí que deverá se concentrar a atuação política dos que não pretendem assistir o país pegar fogo.

Nem se ouse apostas sobre quem pode botar mais gente na rua. Entrar nesse jogo é tiro no pé na certa.

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