terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Os jornalistas mais reacionários de 2013: minha seleção - por Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

Bem, final de ano é tempo de retrospectiva.

O DCM acompanhou a mídia com atenção, e então vai montar sua seleção de jornalistas do ano, o Time dos Sonhos do atraso e do reacionarismo, o TS, o melhor do pior que existiu na manipulação das notícias.

A cartolagem é parte integrante e essencial do TS: Marinhos, Frias, Civitas, Mesquitas etc.

À escalação:

No gol, Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo. Devemos a ele coisas como a magnífica cobertura da meia tonelada de cocaína encontrada no famoso Helicóptero do Pó, pertencente à família Perrella.

Kamel é também notável pela sagaz tese de que não existe racismo no Brasil, algo facilmente comprovável pelo número de colegas negros de Kamel na diretoria da Globo.

Na ala direita, dois jogadores, porque pela esquerda ninguém atua. Reinaldo Azevedo e Augusto Nunes são os selecionados. Os blogueiros da Veja são entrosados, e pô-los juntos facilita o trabalho de treinamento do TS.

Azevedo se notabilizou, em 2013, por ser comparado por diferentes mulheres a diferentes animais, de pato a rottweiler.

Nunes brilhou por lances de genialidade e inteligência – e total ausência de preconceito — como chamar Evo Morales de “índio de franja” e classificar Lula de “presidente retirante”.

Uma disputa interessante entre Nunes e Azevedo é ver quem utilizou mais a palavra “mensaleiros”. Gênios.

Na zaga, uma inovação: duas mulheres. Temos a cota feminina no TS do DCM. Eliane Cantanhede, colunista da Folha, e Raquel Scherazade, a versão feminina de Jabor.

Ambas defenderam valentemente o país dos males do lulopetismo, e fizeram a merecida apologia de varões de Plutarco da estatura de Joaquim Barbosa, o magistrado do apartamento de Miami.

No meio de campo, três jogadores de visão: Jabor, Merval e Míriam Leitão. Sim, a cota feminina subiu durante a montagem do TS.

Jabor se celebrizou em 2013 pela rapidez com que passou da condenação absoluta à louvação incondicional das jornadas de junho quando seus superiores na Globo lhe deram ordem para mudar o tom.

Merval entrará para a história pelo abraço fraternal em Ayres de Britto, registrado pelas câmaras. Merval conseguiu desmontar a tese centenária e mundialmente reverenciada de Pulitzer de que jornalista não tem amigo.

E Míriam Leitão antecipou todas as calamidades econômicas que têm assaltado o país, a começar pela redução da desigualdade e pelo nível de emprego recorde.

Numa frase espetacular em 2013, Míriam disse que só escreve o que pensa. Aprendemos então que ela é tão igual aos patrões que poderia ser o quarto Marinho, a irmãzinha de Roberto Irineu, João Roberto e Zé Roberto.

No ataque, dois Ricardos, também para facilitar o entrosamento. Ricardo Setti e Ricardo Noblat. Setti foi uma revelação, em 2013, no combate ao dilmismo, ao lulismo, ao bolivarianismo, ao comunismo ateu e à varíola. Noblat já é um jogador provado, e dispensa apresentações. Foi o primeiro blogueiro a abraçar a honrosa causa do 1% no Brasil.

Para completar o trio ofensivo, Eurípides Alcântara, diretor da Veja. Aos que temiam que a Veja pudesse se modernizar mentalmente depois da morte de Roberto Civita, Eurípides provou que sempre se pode ir mais adiante.

Suas últimas contratações são discípulos de Olavo de Carvalho, o astrólogo que enxerga em Obama um perigoso socialista. Graças a Eurípides, em todas as plataformas da Veja, o leitor está lendo na verdade a cabeça privilegiada de Olavo.

Na reserva do TS, e abrindo espaço para colunistas que não sejam necessariamente jornalistas, dois selecionados.

O primeiro é Lobão, novo colunista da Veja e novo olavete também. No Roda Viva, Lobão defendeu sua reputação de rebelde ao fugir magistralmente de uma pergunta sobre o aborto.

O outro é o professor Marco Antônio Villa, que conseguiu passar o ano sem acertar nenhuma previsão e mesmo assim tem cadeira cativa em todas as mídias nacionais.

O patrono do TS é ele, e só poderia ser ele: José Serra.

Mas Joaquim Barbosa pode obrigar Serra a cedê-la a ele, JB, nosso Batman, nosso menino pobre que mudou o Brasil e, nas horas vagas, arrumou um emprego para o júnior na Globo.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Paladino - por Bio Vincent (Arte digital - Coolvibe)

Habemus Papam- por Mauro Santayana (blog do Mauro Santayana)

Acusado por um conservador norte-americano de ser marxista, Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, negou sê-lo, mas disse que não se sentia ofendido, por ter conhecido ao longo de sua vida, muitos marxistas que eram boas pessoas.

A declaração do Papa, evitando atacar ou demonizar os marxistas, e atribuindo-lhes a condição de comuns mortais, com direito a ter sua visão de mundo e a defendê-la, é extremamente importante, no momento que estamos vivendo agora. A ascensão irracional do anticomunismo mais obtuso e retrógrado, em todo o mundo - no Brasil, particularmente, está ficando “chic” ser de extrema direita – baseia-se em manipulação canalha, com que se tenta, por todos os meios, inverter e distorcer a história, a ponto de se estar criando uma absurda realidade paralela.

Estabelecem-se, financiados com dinheiro da direita fundamentalista, “Museus do Comunismo”; surgem por todo mundo, como nos piores tempos da Guerra Fria, redes de organizações anticomunistas, com a desculpa de se defender a democracia; atribuem-se, alucinadamente, de forma absolutamente fantasiosa, cem milhões de mortos ao comunismo.

Busca-se associar, até do ponto de vista iconográfico, o marxismo ao nacional-socialismo, quando, se não fossem a Batalha de Stalingrado, em que os Alemães e seus aliados perderam 850 mil homens e a Batalha de Berlim, vencidas pelas tropas do Exército Vermelho - que cercaram e ocuparam a capital alemã e obrigaram Hitler a se matar, como um rato, em seu covil - a Alemanha Nazista teria tido tempo de desenvolver sua própria bomba atômica e não teria sido derrotada.

Quem compara o socialismo ao nazismo, por uma questão de semântica, se esquece que, sem a heroica resistência, o complexo industrial-militar, e o sacrifício dos povos da União Soviética - que perdeu na Segunda Guerra Mundial 30 milhões de habitantes - boa parte dos anticomunistas de hoje, incluídos católicos não arianos e sionistas, teriam virado sabão nas câmaras de gás e nos fornos crematórios de Auschwitz, Birkenau e outros campos de extermínio.

Espalha-se, na internet – e um monte de beócios, uns por ingenuidade, outros por falta de caráter mesmo, ajudam a divulgar isso – que o Golpe Militar de 1964 - apoiado e financiado por uma nação estrangeira, os Estados Unidos – foi uma contrarrevolução preventiva. O país era governado por um rico proprietário rural, João Goulart, que nunca foi comunista. Vivia-se em plena democracia, com imprensa livre e todas as garantias do estado de direito, e o povo preparava-se para reeleger Juscelino Kubitscheck Presidente da República em 1965.

1964 foi uma aliança de oportunistas. Civis que há anos almejavam chegar à Presidência da República e não tinham votos para isso, segmentos conservadores que estavam alijados dos negócios do governo e oficiais – não todos, graças a Deus – golpistas que odiavam a democracia e não admitiam viver em um país livre.

Em um mundo em que há nações, como o Brasil, em que padres fascistas pregam abertamente, na internet e fora dela, o culto ao ódio, e a mentira da excomunhão automática de comunistas, as declarações do Papa Francisco, lembrando que os marxistas são pessoas normais, como quaisquer outras - e não são os monstros apresentados pela extrema-direita fundamentalista e revisionista sob a farsa do “marxismo cultural” - representam um apelo à razão e um alento. Depois de anos dominada pelo conservadorismo, podemos dizer, pelo menos até agora, que Habemus Papam, com a clareza da fumaça branca saindo, na Praça de São Pedro, em dia de conclave, das veneráveis chaminés do Vaticano. Um Papa maiúsculo, preparado para fortalecer a Igreja, com o equilíbrio e o exemplo do Evangelho, e a inteligência, o sorriso, a determinação e a energia de um Pastor que merece ser amado e admirado pelo seu rebanho.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Alma de rei - por Zhuangyue Xiao (Arte digital - cgsociety.org)

De Escobar aos Perrella - por Wálter Maierovitch (Carta Capital)

A polícia foi mais ligeira em negar a participação da família de políticos do que em achar o traficante

Em 2 de dezembro, uma romaria de colombianos visitou, em razão do 20º aniversário de sua morte, o túmulo de Pablo Emilio Escobar Gaviria no cemitério dos Jardines Monte Sacro. Nascido em 1949, Escobar era carinhosamente chamado pelos colombianos pobres de “El Patrón”, e isso por ter, com o tráfico de cocaína operado pelo seu Cartel de Medellín, aberto 3 milhões de postos de trabalho, diretos e indiretos.

Fora isso, Escobar, considerado o maior traficante de cocaína andina de todos os tempos, realizou intensa e interesseira atividade assistencial aos carentes. Inspirado na lógica do panem et circenses, ganhou fama de mecenas ao comprar passes de jogadores de futebol, como bem sabem os torcedores do Independiente de Medellín e do Atlético Nacional. Assim, provocava os traficantes rivais, Rodríguez Gacha, padrinho do Millonarios de Bogotá, e os irmãos Rodríguez Orejuela, donos do América de Cali. A propósito, todos eles inflacionavam o mercado da bola e dele se aproveitavam para lavar seus narcodólares.

Além de construir um presídio de luxo para uso próprio e fingir que cumpria pena reclusiva, quando sua meta era evitar a extradição para os EUA, o megatraficante Pablo Escobar montou um gigantesco e moderno centro de refino da pasta-base de coca peruana: refinava 5 mil quilos semanais da droga, como diz Luis Cañón na clássica obra: El Patrón, Vida y Muerte de Pablo Escobar.

Para os colombianos, a refinaria ficava em um lugar apelidado de Tranquilândia, pois a corrupta polícia não incomodava El Patrón. Quanto ao presídio luxuoso e de onde entrava e saía sem problemas, ganhou o significativo designativo de La Catedral, ou seja, o templo de Escobar. Com as atividades ilegais de Escobar, a Colômbia, que até então pouco contava no tráfico internacional, tomou em importância o lugar do Peru.

A marcante “jogada” de Escobar consistiu em comprar uma empresa de aviação civil, a ‘Servicios Aeroejecutivo de Aviación’, logo apelidada de “El Expreso de la Cocaína”. Sem nenhum helicóptero e com cerca de duas dezenas de pequenos aviões tipos Cessna e Turbo Commander, a empresa não só fazia o transporte da pasta-base do Peru, mas era eficaz, com reabastecimento nas Bahamas, no envio da cocaína em pó para os EUA, com desembarque da droga na Flórida.

Com os desmontes dos megacartéis de Medellín e Cali, a morte de Escobar, as prisões dos irmãos Orejuela e as delações premiadas nos EUA dos irmãos Ochoa, a indústria da cocaína andina sofreu mudanças. No mundo da droga, nenhum grande traficante internacional possui mais uma empresa aérea. Eles preferem terceirizar o transporte e fretar helicópteros, a exemplo do que fazem com as “mulas” humanas. No fundo, mudanças geoestratégicas, com uso maior do sistema bancário e financeiro internacional e a transformar Estados nacionais em narcodependentes, ou melhor, com o PIB a depender também do mercado das drogas proibidas.

Na Colômbia, os traficantes de cocaína andina trocaram os megacartéis pelos “cartelitos”, com estruturas enxutas, ágeis e atuação em rede planetária. Com a terceirização do transporte, as polícias encontram dificuldades na identificação dos mandantes e na prova de se ter agido com dolo no fretamento. Os donos dos helicópteros e aviões, por exemplo, repetem não saber de nada. Como regra, o piloto flagrado no transporte é poupado pelos patrões e, dessa maneira, abre-se espaço para declarar desconhecimento da mercadoria do fretamento.

O helicóptero da empresa familiar dos Perrella, pai senador e ex-presidente do Cruzeiro, e o rebento deputado ¬estadual em Minas Gerais, transportava quase meia tonelada de cocaína. Pelo noticiado, até verba pública já serviu para abastecer esse helicóptero. A carga ilegal de cocaína restou apreendida em 24 de novembro passado, após aterrissagem do helicóptero no Espírito Santo, proveniente do Paraguai. Nesta semana, vazou a informação de as investigações policiais, em inquérito, terem concluído pela não responsabilização criminal dos dois Perrella parlamentares. A propósito, ainda não se sabe qual será a reação do representante do Ministério Público sobre essa apuração a envolver Zezé e Gustavo Perrella.

No caso, está claro ter a polícia trabalhado com mais velocidade na apuração de eventual participação criminosa dos Perrella do que na identificação do traficante, ainda um desconhecido. Pelo que se imagina, a cocaína apreendida seria vendida no Brasil. Num pano rápido, pelo menos a “culpa in vigilando” prevalece. Além do odor de cocaína nos Perrella.


Comentário
A coisa toma pior aspecto quando se lembra que o deputado tucano dono do helicóptero primeiramente disse que não havia liberado o piloto pra fazer aquele voo, e ainda o acusou na polícia de roubo da aeronave.
Depois, desmentido por uma mensagem de telefone enviada por ele em que autorizava o uso da aeronave, mudou a versão, disse que havia liberado helicóptero, sim, mas para transporte de "insumos agrícolas".
Ho ho ho! Quem sabe o custo da utilização de um helicóptero e acredita que "insumos agrícolas" são transportados por este meio de transporte, fatalmente não terá dificuldade em acreditar em papai Noel, mula sem cabeça e afins.
Mas a polícia, claro, já os liberou, afinal de contas, possuem o álibi perfeito contra todos os crimes: são tucanos. 
Mesmo que sejam pegos com a boca na botija, como é o caso, não pega nada.
E, em último caso, se tudo der errado, há o STF para protegê-los.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Fotografia - por National Geographic

O novo herói da imprensa - por Luciano Martins Costa (Observatório das Imprensa)

A edição de sexta-feira (20/12) da Folha de S. Paulo oferece espaço generoso para o livro do delegado aposentado Romeu Tuma Jr. (Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado, Editora Topbooks), no qual, segundo a reportagem, constam denúncias de que agentes da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Informações eram encarregados de produzir dossiês contra adversários do governo a partir de 2007, bisbilhotando até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal.

Um dos trechos mais polêmicos do livro seria a afirmação de que o ex-presidente Lula da Silva teria sido informante do sistema de repressão na época em que dirigia o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

O jornal paulista não coloca em dúvida essa afirmação do ex-delegado. Apenas observa, num quadro, que Tuma Jr. teria acesso a essa indiscrição por ter sido investigador no Dops. Segundo sua versão, apenas ele, seu pai e o ex-ministro Golbery do Couto e Silva teriam conhecimento dessa suposta condição do então líder operário. Como os dois outros personagens já morreram, fica o dito a ser comprovado pelo denunciante e investigado pela imprensa.

Em outras circunstâncias, nas quais se poderia esperar algum compromisso da Folha de S.Paulo com a busca da verdade, algum repórter teria sido despachado em busca de outras fontes que pudessem trazer indícios sobre a verossimilhança das acusações contidas no livro.

Jornalistas veteranos que tiveram acesso ao Serviço Nacional de Informações no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980 considerariam essa denúncia no mínimo fantasiosa. Para qualquer jornalista que tenha tido conversas privadas com o general

Arnaldo de Carvalho Braga, então chefe do SNI em São Paulo, naquele período, a hipótese de Lula da Silva ter sido informante do Dops soaria no mínimo bizarra: Lula era considerado um dos mais perigosos inimigos do regime, por sua capacidade de mobilização, seu prestígio internacional e sua recusa ao uso da violência.

No mais, registre-se que a Folha, afinal, chama o regime de exceção por seu nome próprio: no primeiro parágrafo do texto, o jornal usa a expressão “ditadura militar”, abandonando aquela patética versão da “ditabranda”.

O outro livro

As acusações de Romeu Tuma Jr. devem ser tomadas em seu valor relativo, uma vez que o autor tem motivos de sobra para desaguar seu pote de mágoas e anda necessitado de mídia para se lançar candidato a deputado federal.

Após uma carreira à sombra do pai, conseguiu a melhor posição na vida pública, como titular da Secretaria Nacional de Justiça, quando o então senador se aproximou de Lula, já presidente, por conta da aliança de sustentação parlamentar do governo. Tuma Jr. foi afastado do cargo sob a acusação de nepotismo e suspeita de ligação com o chefe de uma quadrilha de contrabandistas, e afinal inocentado por falta de provas.

A reputação do ex-delegado junto à imprensa era muito baixa até o lançamento do livro, conforme se pode observar nos arquivos de notícias a seu respeito. O que o torna autor com credibilidade é o conteúdo das denúncias: não é preciso apelar para a imaginação para constatar o critério usado pela imprensa brasileira para definir o que é ou o que não é notícia.

Tuma Jr. representa o oposto do que ocorreu com o jornalista Amaury Ribeiro Jr. Ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo em duas ocasiões, quatro vezes vencedor do Prêmio Vladimir Herzog, Ribeiro Jr. entrou no index prohibitorum da mídia após publicar o livro intitulado A Privataria Tucana.

A obra de Ribeiro Jr. foi ignorada pelos jornais, pelas duas revistas semanais de maior circulação, pelos principais noticiosos da televisão e do rádio, mesmo tendo sido finalista do prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e de ter permanecido entre os livros mais vendidos nas semanas seguintes à sua publicação, em 2010.

Resultado de doze anos de investigações, com a compilação de 140 páginas de documentos sobre supostos casos de desvio de dinheiro em privatizações realizadas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, o trabalho do jornalista só teve repercussão em blogs e sites da internet não ligados aos grandes grupos de comunicação.

O livro de Romeu Tuma Jr., produzido em uma série de depoimentos para um jornalista, deveria merecer um trabalho investigativo por parte da imprensa, assim como o livro de Amaury Ribeiro Jr., que resultou de um longo trabalho de reportagem. Ao produzir a resenha engajada de um e ignorar o outro, a imprensa justifica a suspeita de que suas pautas são movidas por interesses partidários

Comentário
Ter apenas uma "suspeita" de que as pautas da imprensa marrom são movidas por interesses partidários chega a ser uma piada.

domingo, 22 de dezembro de 2013

NeoV - por Anthony Guebels (Arte digital - Coolvibe)

A Europa comete os mesmos erros que nós - por Rafael Correa* (Le Monde Diplomatique / Vermelho)

Nos anos 1970, os países latino-americanos entraram em uma situação de endividamento exterior intensivo. A história afirma que essa conjuntura foi provocada por políticas de governos “irresponsáveis” e por desequilíbrios em razão de um modelo de desenvolvimento adotado no pós-guerra: a criação de uma indústria que pudesse produzir localmente os produtos importados, ou “industrialização por substituição das importações”. 

Esse endividamento intensivo foi, na verdade, promovido – e até mesmo imposto – pelos órgãos financeiros internacionais. Sua lógica pregava que, graças ao financiamento de projetos de alta rentabilidade, que abundavam na época nos países do Terceiro Mundo, chegaríamos ao desenvolvimento, enquanto a renda desses investimentos permitiria o reembolso das dívidas contratadas.

Isso aconteceu até o dia 13 de agosto de 1982, quando o México se declarou incapaz de reembolsar a dívida. A partir daí, toda a América Latina sofreu a suspensão dos empréstimos internacionais e ao mesmo tempo o aumento brutal das taxas de juros de sua dívida. Empréstimos que tinham sido contratados a 4% ou 6%, mas com taxas variáveis, de repente atingiram os 20%. Mark Twain dizia: “Um banqueiro é alguém que lhe empresta um guarda-chuva quando o dia está ensolarado e o pega de volta assim que começa a chover...”.

Foi assim que a nossa “crise da dívida” começou. Durante a década de 1980, a América Latina operou para seus credores uma transferência líquida de recursos de US$ 195 bilhões (quase US$ 554 bilhões em valores atuais). Contudo, nesse período, a dívida externa da região passou de US$ 223 bilhões em 1980 para US$ 443 bilhões em 1991! Não por causa de novos créditos, mas da rolagem da dívida e do acúmulo de juros.

Assim, o subcontinente viu a década de 1980 acabar com os mesmos níveis de renda por habitante que o meio dos anos 1970. Fala-se de uma “década perdida” para o desenvolvimento. Na realidade, perdida foi toda uma geração.

Ainda que as responsabilidades tenham sido divididas, os países centrais, as burocracias internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), assim como os bancos privados internacionais, resumiram a dificuldade a um problema de superendividamento dos Estados (overborrowing). Eles nunca assumiram seu próprio papel na concessão de créditos acordados de maneira irresponsável (overlending), sua contrapartida.

As graves crises orçamentárias e de endividamento externo geradas pela transferência líquida de recursos da América Latina para seus credores levaram um grande número de países da região a redigir “cartas de intenção” ditadas pelo FMI. Esses acordos cheios de obrigações permitiam a obtenção de empréstimos junto ao órgão, assim como uma caução na renegociação das dívidas bilaterais com os países credores, reunidos no Clube de Paris.

Carência de dirigentes e de ideias

Esses programas de ajuste estrutural e de estabilização impuseram as receitas de sempre: austeridade orçamentária, aumento dos preços dos serviços públicos, privatizações etc. Tantas medidas com as quais não se procurava sair o mais rápido possível da crise nem aumentar o crescimento ou a criação de empregos, mas garantir o reembolso das dívidas para os bancos privados. No final das contas, os países em questão continuavam endividados não mais junto a esses estabelecimentos, mas perante os órgãos financeiros internacionais, que protegiam os interesses dos bancos.

No início dos anos 1980, um novo modelo de desenvolvimento começou a se impor na América Latina e no mundo: o neoliberalismo. Esse novo “consenso” sobre a estratégia de desenvolvimento foi apelidado “consenso de Washington”, já que seus principais criadores e promotores eram os órgãos financeiros multilaterais, cuja sede ficava em Washington, como o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, por exemplo. Segundo a lógica em voga, a crise na América Latina se devia a uma intervenção excessiva do Estado na economia, à ausência de um sistema adequado de preços livres e ao distanciamento dos mercados internacionais – ficando entendido que essas características eram decorrentes do modelo latino-americano de industrialização por substituição das importações.

Consequência de uma campanha de marketing ideológico sem precedentes maquiada de pesquisa científica, assim como de pressões diretas exercidas pelo FMI e pelo Banco Mundial, a região passou de um extremo ao outro: da desconfiança em relação ao mercado e da confiança excessiva no Estado à livre-troca, à desregulamentação e às privatizações.

A crise não foi apenas econômica; ela resultou de uma carência de dirigentes e de ideias. Tivemos medo de pensar por nós mesmos e aceitamos de maneira tão passiva quanto absurda os ditames estrangeiros.

A descrição da crise atravessou o Equador e será sem dúvida familiar a muitos europeus. A União Europeia sofre de um endividamento produzido e agravado pelo fundamentalismo neoliberal. Sempre respeitando a soberania e a independência de cada região do mundo, nos surpreendemos ao constatar que a Europa, tão esclarecida, está repetindo nos mínimos detalhes os erros cometidos ontem pela América Latina.

Os bancos europeus emprestaram à Grécia sem querer ver que o déficit orçamentário do país era quase três vezes superior ao declarado pelo Estado. Mais uma vez aparece o problema de um superendividamento sobre o qual se omite a evocação da contrapartida: o excesso de crédito. Como se o capital financeiro nunca tivesse a menor responsabilidade.

De 2010 a 2012, o desemprego atingiu níveis alarmantes na Europa. Entre 2009 e 2012, países como Portugal, Itália, Grécia, Irlanda e Espanha reduziram suas despesas orçamentárias em média em 6,4%, prejudicando gravemente os serviços de saúde e educação. Justifica-se essa política pela escassez de recursos; mas somas consideráveis foram liberadas para dar ânimo ao setor financeiro. Em Portugal, na Grécia e na Irlanda, os valores dessa “salvação bancária” ultrapassaram o total dos salários anuais.

Enquanto a crise se abate duramente sobre os povos europeus, continua-se a lhes impor as receitas que fracassaram em todo o mundo.

Tomemos o exemplo do Chipre. Como sempre, o problema começa com a desregulamentação do setor financeiro. Em 2012, sua má gestão se tornou insustentável. Os bancos cipriotas, o Banco de Chipre e o Banco Laiki em particular, tinham concedido à Grécia empréstimos privados por um valor superior ao PIB cipriota. Em abril de 2013, a Troika – FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia – propôs um “resgate” de 10 bilhões de euros. Ela condicionou este a um programa de ajuste que incluía a redução do setor público, a supressão do sistema de aposentadoria por repartição para os novos funcionários, a privatização das empresas públicas estratégicas, medidas de ajuste orçamentário até 2018, a limitação dos gastos sociais e a criação de um “fundo de resgate financeiro” cujo objetivo era apoiar os bancos e resolver seus problemas, além do congelamento dos depósitos superiores a 100 mil euros.

Ninguém duvida que reformas sejam necessárias nem que é preciso corrigir os erros graves, incluindo os originais: a União Europeia integrou países com diferenciais de produtividade muito importantes que os salários nacionais não refletiam. E finalmente, no essencial, as políticas praticadas não procuram acabar com a crise com menos custos para os cidadãos europeus, mas sim garantir o pagamento da dívida aos bancos privados.

Nós evocamos os países endividados. O que acontece com as pessoas incapazes de reembolsar suas dívidas? Tomemos o caso da Espanha. A falta de regulamentação e o acesso fácil demais ao dinheiro dos bancos espanhóis geraram uma imensa quantidade de créditos hipotecários, que galvanizaram a especulação imobiliária. Os próprios bancos procuravam os clientes, estimavam o preço de sua residência e lhes emprestavam sempre mais para a compra de um carro, móveis, eletrodomésticos etc.

Quando a bolha imobiliária estourou, o bem-intencionado devedor não podia mais pagar seu empréstimo: não tinha mais emprego. Tomaram sua casa, mas esta valia muito menos do que quando ele a havia comprado. Sua família se encontrou na rua e endividada até o fim da vida. Em 2012, recensearam a cada dia mais de duzentas expulsões, o que explicou grande parte dos suicídios na Espanha...

Uma questão se levanta: por que não recorremos a remédios que parecem evidentes e repetimos sempre a pior história? Porque o problema não é técnico, mas político. Ele é determinado por uma relação de força. Quem dirige nossas sociedades? Os humanos ou o capital?

O maior erro que se fez à economia foi tê-la subtraído de sua natureza original de economia política. Ainda querem nos fazer crer que tudo é técnico; disfarçaram a ideologia de ciência e, ao nos encorajarem a abstrair as relações de força no seio de uma sociedade, nos colocaram todos a serviço dos poderes dominantes, daquilo que eu chamo de “império do capital”.

A estratégia do endividamento intensivo que provocou a crise da dívida latino-americana não visava ajudar nossos países a se desenvolver. Ela obedecia à urgência de aplicar o excesso de dinheiro que inundava os mercados financeiros do “Primeiro Mundo”, os petrodólares que os países árabes produtores de petróleo tinham aplicado nos bancos dos países desenvolvidos. Essas somas provinham da alta do preço do petróleo consecutiva à guerra de outubro de 1973, tendo sido esses preços mantidos a níveis elevados pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Entre 1975 e 1980, os depósitos nos bancos internacionais passaram de US$ 82 bilhões para US$ 440 bilhões (US$ 1,226 trilhão atuais).

Diante da necessidade de aplicar quantias de dinheiro tão consideráveis, o “Terceiro Mundo” se tornou um merecedor de crédito. Assim, começaram a ver desfilar, a partir de 1975, banqueiros internacionais desejosos de propor qualquer tipo de crédito – inclusive para financiar despesas correntes e a aquisição de armas pelas ditaduras militares que governavam diversos Estados. Esses banqueiros zelosos, que nunca tinham vindo à região nem sequer como turistas, também trouxeram grandes malas com subornos destinados a funcionários públicos, a fim de fazê-los aceitar novos empréstimos qualquer que fosse o pretexto. Ao mesmo tempo, os órgãos financeiros internacionais e as agências de desenvolvimento continuaram a vender a ideia segundo a qual a solução era se endividar.

Ideologia disfarçada de ciência

Mesmo que a autonomia dos bancos centrais sirva para garantir a continuidade do sistema, independentemente do veredicto das urnas, ela foi imposta como uma necessidade “técnica” no início dos anos 1990, justificada por estudos ditos empíricos que demonstravam que tal dispositivo gerava melhores performances macroeconômicas. Segundo essas “pesquisas”, os bancos centrais independentes poderiam agir de forma “técnica”, distante das pressões políticas perniciosas. Com base em um argumento tão absurdo, seria preciso também tornar o ministério da Fazenda autônomo, já que a política orçamentária deveria ser puramente “técnica”. Como sugeriu Ronald Coase, ganhador do prêmio do Banco Real da Suécia em ciências econômicas em memória de Alfred Nobel, os resultados desses estudos se explicavam: os dados tinham sido torturados até dizerem o que queriam que eles dissessem.

No período que precedeu a crise, os bancos centrais autônomos se consagraram exclusivamente a manter a estabilidade monetária, quer dizer, controlar a inflação, a despeito do fato de que bancos centrais tinham tido um papel fundamental no desenvolvimento de países como o Japão e a Coreia do Sul. Até os anos 1970, o objetivo fundamental do Federal Reserve era favorecer a criação de empregos e o crescimento econômico; foi somente com as pressões inflacionárias do início dos anos 1970 que o objetivo de promover a estabilidade dos preços foi adicionado.

A prioridade dada à estabilização dos preços significou também, na prática, o abandono das políticas que visavam manter o pleno emprego dos recursos na economia. A ponto de, em vez de atenuar os episódios de recessão e desemprego, a política orçamentária, ao comprimir sem parar as despesas, veio a agravá-los.

Os bancos centrais ditos “independentes” que se preocupam unicamente com a estabilidade monetária fazem parte do problema, não da solução. Eles são um dos fatores que impedem a Europa de sair mais rapidamente da crise.

As capacidades europeias, no entanto, estão intactas. A Europa dispõe de tudo: talento humano, recursos produtivos, tecnologia. Eu acredito que é preciso tirar conclusões fortes: trata-se aqui de um problema de coordenação social. Por outro lado, as relações de poder no interior dos países europeus e no nível internacional são todas favoráveis ao capital, sobretudo financeiro, razão pela qual as políticas são aplicadas de modo contrário ao que seria socialmente desejável.

Espancados pela dita ciência econômica e pelas burocracias internacionais, muitos cidadãos estão convencidos de que não há “alternativa”. Estão enganados. 

Obs: Por ocasião de uma conferência na Sorbonne em 6 de novembro de 2013, o presidente equatoriano Rafael Correa interpelou os colegas europeus a respeito de sua gestão da crise da dívida. Esta seria caracterizada por uma só obsessão: garantir os interesses das finanças. O texto acima é um exposição do presidente equatoriano em um síntese de sua reflexão, conforme informa o lead da matéria no Le Monde Diplomatique.

*Rafael Correa é presidente da República do Equador, doutor em Economia e autor da obra De la République bananière à la non-Republique (Da República das Bananas à não República}, Utopia, Paris, 2013.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Fotografia - por AFP/Yahoo!

Istambul, Turquia – Policiais turcos se protegem durante confronto com curdos na região central de Istambul. Duas pessoas morreram em combates armadas entre policiais e manifestantes após cemitérios rebeldes curdos terem sido depredados.

Que Capeta é este? – por Alexandre Cumino (Facebook)

Estes dias ouvi numa rádio um programa religioso de um outro segmento em que um "pastor" conversava com um ex-praticante de Magia Negativa. E os dois iam falando do diabo, falando do capeta, falando do tinhoso e dizendo que o espiritismo, a umbanda e o candomblé servem ao capeta. O ex-mago negativo dizia que trabalhou com mãe menininha, que trabalhou com Chico Xavier, que foi Maçom, foi tudo e que tudo era magia negra. Que todos serviam ao dito cujo.

Eu poderia ficar com raiva, poderia querer processar, poderia querer briga com o tamanho dos absurdos que ouvi.

Mas é tamanha a ignorância, é tamanho o desconhecimento do que está falando, é tão ridículo fazer estas afirmações, que a gente deveria apenas ter dó e ter pena de gente que usa de tais palavras para denegrir as praticas religiosas alheias.

Então não quero mais briga, não quero mais passar raiva, não quero mais confronto quero apenas estar junto de meus irmãos trabalhando o conhecimento, a cultura e a informação que tornam tão ridículas estas afirmações.

Religião do capeta é aquela que precisa do capeta para sobreviver. O "capeta" é alguém contratado para manter vivas as religiões que vivem do exercício de combatê-lo. Elas pagam para o capeta assombrar seus fiéis e terem o status de mandá-lo embora.

Religiões que criam o medo em seus fiéis só para poder vender a cura do que eles mesmas criaram.

Discursos teológicos infernais que alimentam o preconceito, a ignorância, o separativíssimo, o sectarismo, e principalmente o medo. Da mesma forma, pela mesma fórmula, alguns se sentem os heróis os destruidores do mal, os caça capeta por estarem dentro de um contexto em que o capeta é quem arregimenta seus fiéis. Se todos chegam com medo do capeta, então é o capeta que está a seu serviço lhe encaminhando fiéis.

Na Umbanda não temos o capeta, não lutamos contra o capeta e não usamos o capeta para arregimentar fiéis.

Como diria o saudoso Pai Francelino de Xapanã, que negócio é este? Que capeta é este que toda semana é expulso da Igreja e toda semana ele está de volta para ser expulso outra vez?

Que capeta é este?

Eu não sei!!!

Mas se ele existe seu nome deveria ser ignorância, ego, vaidade, cobiça, desamor e etc. Combater isso como um agente externo, pode funcionar de forma temporária.

Todos que estudam um pouquinho mais sobre o ser humano e sua psique sabem que lutar contra a sua sombra só faz ela crescer mais e mais.

Estão surgindo líderes religiosos com sombras gigantes, com sombras cada vez maiores, que exigem deles uma luta constante e ininterrupta. O que é muito desgastante, cansativo e que mais hora, menos hora acaba fugindo ao controle.

Lutar contra a sombra, cria uma dissociação do ser, tudo isso faz parte de nós e deve ser conhecido, assumindo a reponsabilidade por nossos atos movidos por nosso amor ou por nosso desamor, por nosso saber ou por nossa ignorância, por nossa fé ou por nossa ilusão. Devemos conhecer nossa sombra e colocar luz acima de nossas trevas. Devemos nos conhecer e curar nossos desequilíbrios, medos e frustrações.

Colocar a culpa no capeta é fácil, no entanto trará muitos problemas para o futuro, pois todos que colocam a “culpa” de seus atos num agente externo estão perdendo a oportunidade de se conhecer e assumir as rédeas de sua vida.

Colocar a culpa em alguém tira de si mesmo a oportunidade única de assumir a responsabilidade por seus atos e distancia a oportunidade de perdoar a si mesmo e perdoar o outro. Por isso ilusão e fanatismo estão sempre de mãos dadas.

Todos que dão à um agente externo o poder de suas vidas estão combatendo a si mesmos eximindo-se da responsabilidade das escolhas que fez e faz na vida. Então tudo que é negativo se torna uma tentação e a única maneira de sobreviver é estar 24 horas em guerra consigo mesmo, a única saída é o fanatismo total. E quem está constantemente em guerra consigo mesmo não consegue perdoar de jeito nenhum que vive em PAZ. Quem vive em guerra, quem está no inferno quer infernizar a vida de quem vive em PAZ. Então a forma de infernizar é tentar condenar ao inferno todos que não estão no mesmo inferno que eles.

Certa vez li um conto de duas crianças que se embriagaram na adega da família e uma criança embriagada gritava para a outra fazer silêncio e assim era a forma delas terem silêncio, na sua embriaguez, uma gritando com a outra, este era o seu silêncio. Assim é a paz e o reino dos ignorantes que passam os dias gritando o nome do senhor, expulsando o capeta e mandando em bora uma patê de si mesmo que deveria ser conhecida. Estas religiões que vivem de expulsar o capeta devem sobreviver mais uma ou duas gerações. Pois você expulsa o capeta na igreja e ele pega você em casa, pode-se disfarçar e mentir para um pastor. Pode-se enganar uma comunidade, pode-se fingir ser santo para pessoas desconhecidas, mas é impossível fazer isso com seus filhos. A criança sabe se esta religião faz de seus pais pessoas melhores, mais amorosas ou não. E para a criança a única coisa que importa é se seus pais são ou não amorosos.

Haverá uma nova geração, dos filhos de pais que passaram seus dias expulsando o capeta e colocando a culpa de seus atos no diabo, vamos ver como vão crescer estas crianças e quais serão suas escolhas espirituais. Daqui uns trinta anos veremos o futuro daqueles que lutam contra a própria sombra e tentam assombrar todos que não compartilham da mesma dissociação de identidade.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Fotografia - por AFP-Yahoo!

Golfinhos adestrados saltam no Parque Marineland, na cidade de Antibes, Riviera Francesa.

Sobre a tentativa de virada de mesa do Fluminense

Se o STJD condenar a Portuguesa, tem que tirar o título de 2010 do fluminense – por Fábio Sormani (Terra)

O STJD está numa sinuca de bico. Se condenar a Portuguesa e tirar da equipe paulista quatro pontos, o tribunal terá que retirar o título conquistado pelo Fluminense em 2010.

Sabem por quê? Vamos aos fatos…

O Duque de Caxias, time do Rio de Janeiro, escalou Leandro Chaves de maneira irregular na partida contra o Icasa. Isso porque o atacante, que começou a Série B pelo Ipatinga, havia recebido um cartão amarelo pelo clube mineiro. Com a camisa do Duque de Caxias, ele tomou mais dois cartões, contra Guaratinguetá e Paraná. E o jogo seguinte era contra o Icasa. O Duque de Caxias colocou Leandro Chaves em campo. Alegou que não sabia do cartão recebido pelo jogador quando ele estava no Ipatinga.

O Duque de Caxias foi enquadrado no Artigo 214 do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), que fala sobre “incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente”. Pena: “perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição (três pontos), independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais)”.

O Duque de Caxias foi absolvido pelo STJD, que aceitou a argumentação do clube, que deixou Leandro Chaves de fora quando ele recebeu o terceiro cartão amarelo com a camisa do Duque de Caxias. Com a decisão, não foi rebaixado para a Série C, mas sim o Brasiliense, que permaneceria na B se o time do Rio de Janeiro tivesse sido condenado.

Esse fato ocorreu em 2010.

Pois bem, neste mesmo ano de 2010, o Fluminense foi campeão brasileiro. Terminou a competição com 71 pontos e o Cruzeiro com 69.

No empate em 1-1 diante do Goiás, pela 35ª rodada do segundo turno, o time carioca escalou o meia Tartá de maneira irregular no parecer do STJD. Isso porque o jogador, que iniciou a competição pelo Atlético-PR, levou dois cartões amarelos, na segunda rodada (empate em 2-2 contra o Guarani) e sétima (derrota 0-1 para o Vitória).

Já com a camisa do Fluminense, para onde foi transferido, Tartá tomou cartão amarelo na rodada 31, diante de seu ex-time, no empate em 2-2  na Arena da Baixada.

No jogo seguinte, triunfo de 2-0 contra o Grêmio, no Engenhão, Tartá ficou de fora.

Mas nos dois jogos seguintes, empate 0-0 contra o Inter, em Porto Alegre, e vitória 1-0 sobre o Vasco (gol de Tartá), o jogador recebeu cartões amarelos.

Ou seja: se o STJD desconsiderou o cartão amarelo que Leandro Chaves recebeu com a camisa do Ipatinga, deveria fazer o mesmo com os dois que Tartá levou com a camisa do Atlético-PR.

Portanto, segundo entendimento do STJD, na partida contra o Goiás Tartá não tinha condições de jogo.

O caso foi levantado depois de encerrada a competição, exatamente como acontece agora neste episódio envolvendo Héverton, meia da Portuguesa. Mas o Fluminense nem sequer foi a julgamento no STJD. Deveria, mas não foi; deveria ter sido enquadrado no mesmo artigo 214 do CBJD, mas não foi.

Se fosse, perderia quatro pontos. E se perdesse quatro pontos, acabaria o Brasileiro de 2010 com 67 e o Cruzeiro, que terminou com 69, seria o campeão nacional.

E sabem o que Paulo Schmidt, o procurador geral do tribunal, disse à época em entrevista ao SporTV (veja vídeo abaixo) quando questionado sobre a irregularidade de Tartá? Disse Schmidt: “Rediscutir o título que foi conquistado no campo de jogo, da forma que foi, abrir precedente não só para o Cruzeiro, mas vários clubes discutir tudo isso…”

Então, STJD, como é que fica agora? A situação é a mesma. A Portuguesa, usando as mesmas palavras de Paulo Schmidt, conquistou o direito de permanecer na Série A no campo de jogo, de forma heroica.

Se valeu para o Fluminense, tem que valer para a Portuguesa também.



Até quem mata pode ser absolvido. A Portuguesa deve ser absolvida. Até porque não "matou" ninguém – por Mauro Cezar Pereira (ESPN)

Quando uma pessoa mata outra, ela deve ser presa. E em geral condenada. Mas pode ser absolvida. Tirar a vida de um ser humano não é garantia de cadeia para o autor do crime. Um caso recente? O do cabeleireiro inocentado após matar o próprio pai no Guarujá, em São Paulo. O advogado do réu alegou que o cidadão agiu em legítima defesa. Submetido a julgamento popular em 2012, foi absolvido. Clique aqui e leia mais a respeito. Já em 2013, a mesma tese de defesa livrou da condenaçao por assassinato um homem em Florianópolis. Ele atirou em um garoto de 13 anos em 2011. Acabou penalizado apenas por porte ilegal de arma. Leia mais clicando aqui.

Não estou afirmando que os dois julgamentos foram corretos, sequer tenho condições para tal. Apenas mostro que mesmo quando uma pessoa tira a vida de outra, o homem tenta fazer justiça analisando o contexto, as circunstâncias, as razões pelas quais aquilo aconteceu. Se fosse pura e simplesmente aplicada a lei, sem tais considerações, sem provas, sem análises do que se passou, ambos estariam presos por até 30 anos, pena máxima da legislação brasileira. Vale ressaltar que o dicionário Houaiss define o ato de julgar como "decidir, após reflexão; considerar".

O erro da Lusa será julgado. Heverton participou pouco do Campeonato. Sempre vindo do banco, atuou em seis partidas, na última, quando não poderia jogar, entrou aos 32 minutos do segundo tempo. Ao todo, ficou com a bola por 1 minuto e 37 segundos nessa meia dúzia de aparições. Até seu único gol no Brasileirão foi inútil e nada mudou na derrota por 2 a 1 para o Goiás. A entrada do meia diante do Grêmio não alterou o rumo do campeonato. Mesmo que o time gaúcho vencesse, pelo que se passou em campo nas 38 rodadas a equipe paulista não seria rebaixada. Foram 13 minutos de irrelevante presença de Heverton no gramado. O julgamento não pode ignorar isso.

Mas e se a Portuguesa escalasse, digamos, seu artilheiro, Gilberto (14 gols no certame) e ele estivesse suspenso? E se ele balançassse as redes, levando o time a uma vitória fundamental para o time não voltar à Série B? Claro que o julgamento teria de ser diferente. É óbvio que a análise seria outra. A minha opinião, pelo menos, seria. Pensaria assim até se Heverton, mesmo com sua pequena participação na temporada, fizesse um gol salvador para o time do Canindé ante os gremistas.

Uma coisa é escalar um atleta e se beneficiar nitidamente disso. Outra é cometer um deslize, por mais ridículo que possa ser, mas tal erro em nada alterar o andamento do jogo e da competição. A simples argumentação de que essa é a regra e ponto final soa pobre, rasa e conveniente. Seu defensores, em muitos casos, advogam em causa própria.

Que os julgadores sejam razoáveis. Como procuraram ser com o Duque de Caxias, que escalou jogador suspenso pelo terceiro cartão amarelo em 2010 — clique aqui e leia sobre o caso. E naquela competição, mesmo que fosse punido em quatro pontos o time da Baixada Fluminense nada perderia, apenas sairia da nona para a 14ª posição. E seguiria na Série B.

O STJD tem a chance de ser justo, e não se limitar à fria aplicação de uma regra sem pesar todo o contexto, ignorando o cenário. Para fazer valer o que foi "conquistado no campo de jogo", frase que faz parte de uma declaração do promotor, dada em 2010. A Portuguesa merece ser absolvida, até porque não "matou" ninguém. Mas o Campeonato de 2013 corre o risco de ser assassinado.


Cães, ursos e a burocratização do futebol brasileiro – por André Castro Carvalho (Blog do Nassif)

Os acontecimentos desta semana trouxeram recordações das minhas primeiras aulas de Direito e o clássico exemplo do jurista Gustav Radbruch com relação à razoabilidade na interpretação das normas jurídicas. O caso é pertinente a um aviso em uma estação ferroviária na Polônia, no qual se proibia a entrada de pessoas acompanhadas de cães. Só que, em um determinado dia, surgiu uma pessoa acompanhada de um urso, que teve a sua entrada barrada pela autoridade com base na sua interpretação do aviso. A argumentação utilizada pelo “infrator” é que a regra jurídica proibia a entrada de cães, e não de outros animais, o que não legitimaria o obstáculo à sua entrada. Narrada a história aos alunos, há sempre um que ergue a mão e pergunta: “- E se a pessoa fosse um deficiente visual e estivesse com um cão guia?”.

Pois são justamente esses debates que motivam os alunos de Direito a frequentarem os cinco anos de curso e a discutirem fervorosamente, o resto de suas vidas, casos semelhantes ao que ora se observa no futebol brasileiro. Se o mundo jurídico se resumisse exclusivamente a aplicar o texto da norma tal como escrito, não seria necessário perder tempo com esses assuntos – aliás, alguém já teria inventado um “app” para Android ou iOS para resolver qualquer problema jurídico. E, com certeza, ficaria milionário, deixando muitos profissionais do Direito desempregados!

É óbvio que nenhuma discussão jurídica que envolva esse tipo de interpretação mais “livre” das normas é pacífica: entre aqueles que defendem a literalidade da regra, por conta da segurança jurídica que ela representa à sociedade, e aqueles que defendem a sua racionalidade e interpretação conforme o objetivo para o qual foi criada, saem “mortos e feridos” de qualquer debate nos meios acadêmicos. Mas, fora dessa zona cinzenta, há sempre casos que produzem uma unanimidade: no exemplo do mundo canino mencionado, se a norma não for cuidadosamente interpretada, não haverá, por consequência, a sua razoável aplicação – por oportuno, não faz muito tempo que o Shopping Iguatemi de Caxias do Sul foi condenado judicialmente, justamente por barrar a entrada de um deficiente visual com seu cão-guia.

A literalidade é uma característica bem típica de sociedades extremamente burocratizadas, tal como a brasileira. É muito mais seguro e confortável para o aplicador da norma (em geral, um servidor público) fazer um juízo quase que “matemático” do que está escrito a avaliar a finalidade da norma ou se a sua “violação” não representa, na verdade, o seu próprio cumprimento e efetivação da justiça.

Não me impressiona que esse processo de “burocratização”, que sempre permeou a vida do brasileiro, agora atinja o setor desportivo. Afinal, nunca observamos nos noticiários, com tanta frequência, o nome de autoridades ligadas à justiça desportiva como nesses últimos anos. Na época em que ingressei na Universidade, poucos estudantes de Direito sabiam o nome de cor dos ministros do STF; hoje, basta perguntar a um adolescente que ele vai recitar o nome de pelo menos uns dois. E já chegamos ao ponto de saber “na ponta da língua” o nome do procurador geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, tamanha a intensidade com a qual o tema “futebol” vem sendo burocratizado.

Hoje, no exame final, meu ex-professor talvez fizesse a seguinte pergunta: “Descumprir o art. 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva e escalar um jogador irregular, ao final do segundo tempo, de uma partida que tem pouca importância para o Campeonato Brasileiro, foi suficiente para produzir o efeito nocivo que a norma vislumbra evitar?”

Não quero aqui esmiuçar mais a discussão do caso – até porque há inúmeras variáveis em debate que não estão ao meu alcance para analisar –, mas me parece evidente que é mais do que imprescindível analisar a finalidade da norma que impõe a penalidade pela escalação de jogadores irregulares em uma partida: é para evitar que um artilheiro seja escalado irregularmente e decida o campeonato, ou para não deixar que um jogador entre no final do segundo tempo em um jogo com pouca relevância para o Campeonato? Deixamos a pessoa com o urso ou o deficiente visual com o cão-guia entrar na estação de trem?

André Castro Carvalho é bacharel, mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo


Comentário
Esta aí o vídeo que desmascara completamente o procurador Paulo Schimitt. A questão que resta a ser debatida é a seguinte: ¿Ele é só torcedor do fluminense ou esta ganhando algum $$$ pra defender o indefensável?

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Fotografia - por Joel Sartore (National Geographic)

Sobre meninos e cavalos - por Matheus Pichonelli (CartaCapital)

     Ao ser criticado por internauta, Danilo Gentili distribui coices, pedras e lições de física sobre ação e reação 


     O humorista-geral da República Danilo Gentili é tão bom em piada como em ciência política. Isso qualquer mortal disposto a encarar suas sentenças definitivas sobre mulheres, minorias e condenados pode conferir em seus acessos de sacadas lógicas na tevê ou redes sociais. O que pouca gente sabe é que o comediante, antes de tudo, é também um mestre da física.


     Durante a semana, Gentili exibiu sua intimidade com as leis consagradas de ação e reação ao bater-boca com uma internauta pelo Twitter. Porque no mundo, ensinou o comediante, somos todos pedras. Ensinam-nos nas escolas que para toda interação, na forma de força, que um corpo A aplica sobre um corpo B, dele A recebe uma força de mesma direção, intensidade e sentido oposto. A lei da física é, portanto, justa: o movimento é proporcional à ação anterior. Na lei gentílica, não importa que entre uma pedra e outra exista uma claque composta por milhares de pedras com milhares de outras pedras nas mãos: as respostas serão todas equivalentes. Assim, em uma luta entre covardes, estamos todos autorizados a responder um peteleco com um tiro de fuzil.



     Em 2012, o escritor Paulo Coelho declarou que Ulysses, clássico do irlandês James Joyce, não renderia um tuíte. A declaração também renderia um tuíte, mas serviu como resgate a uma analogia memorável. Em resposta ao escritor brasileiro, Stuart Kelly, crítico de literatura do britânico Guardian, recorreu a uma frase do escritor e pensador inglês Samuel Johnson para responder a outro crítico no século XVIII: “Uma mosca pode picar um cavalo, mas o cavalo continua a ser um cavalo, e a mosca não mais que uma mosca”.



     Como o humorista brasileiro é especialista em física, e não em cavalos ou moscas, as pedras ancoradas na lei da ação e reação couberam-lhe melhor. Foi um massacre. Para quem não acompanhou, tudo começou quando uma internauta escreveu, em seu perfil no Twitter, que faltava embasamento para as posições políticas do apresentador, algo que até as pedras nas mãos de sua plateia teriam dificuldade em refutar. A crítica aconteceu após a entrevista, na terça-feira 10, com um colunista e escritor autodenominado especialista em caviar e movimentos sociais. Eis o peteleco: “O Jô Soares é de direita, mas é respeitado, pois tem conhecimento (leitura). Agora, esse Danilo Gentili cita a Forbes. Ridículo”.



     Até ali, as pedras estavam na posição de origem: uma figura pública, exposta até a alma em ambientes públicos, era alvo de uma crítica (ou peteleco, se preferir). Injusta? Talvez. O silêncio deixaria as coisas como estavam: um peteleco é um peteleco, uma mosca, uma mosca, um cavalo, um cavalo, concluiria Johnson. Faltou combinar com a lei da física, que transforma seres animados (piadistas, inclusive) em fragmentos monolíticos fadados a ação e reação. Pedras e coices voaram. Como reação à ousadia de comparar Gentili a Jô Soares, a internauta foi chamada de “puta” e “chupadora de rola”. Conheceu assim outra lei da física: a que devolve provocação com misoginia.



     “Chupadora de rola de genocida e corrupto detected. Quem quiser deixá-la molhadinha, basta assassinar alguém. Ela pira!”, escreveu o humorista para seus mais de 5,3 milhões de seguidores.



     A plateia, sem saber se era para rir ou latir, seguiu em coro os ataques contra a internauta conclamados pelo chefe. A palavra de ordem foi: "Fanzocas a xingue (SIC) de puta". Muitos (mulheres, inclusive) obedeceram.



     Como comparou o autor de um texto certeiro divulgado no dia seguinte, foi como conclamar uma multidão acéfala – que, como pedras, obedecem acriticamente aos chamados do líder – a invadir a sala da provocadora, que não tem uma multidão em seu favor, e praticar o morticínio. Ao criticar o piadista, a internauta o expôs o humorista ao seu grupo de seguidores (1.246 até o fechamento deste post), um grupo menor do que o dos espectadores ligados na tevê – que tinham, diante da exposição, tanto direito de considerar o piadista um gênio como um “boboca” (estes últimos, como precede a lógica, só não aplaudem as piadas porque são condescendentes com os crimes contra a República cometidos por político corruptos).



     “Ela apareceu do nada na minha TL xingando gratuitamente eu e o Roger (SIC). Por quê? Porque não satisfizemos o ego dela falando na TV o que ela queria ouvir. Acredita que cometemos o crime de dizer algo que ela não concorda?", disse Gentili, segundo reproduziu o portal Terra. A essa altura o piadista já se abraçava a tudo o que aprendeu na escola sobre gratuidade, justiça e, claro, física. Ao responder a ela, com coices, pedras e dinamites, o apresentador a jogou na jaula dos leões imaginando estar ancorado na equidade proporcional de forças.



     “A dondoquinha só pode xingar os outros, mas receber um xingamento como resposta não pode! Judiação não é mesmo? Ela só quer a metade da lei natural - a da ação. A da reação ela considera 'desrepeito' (SIC). É a ditadura do coitadinho que só pode ofender mas não pode ser ofendido. Qual é a conclusão? A conclusão é que o que falta mesmo é um pau bem grande no cu de todo mundo. Reflitam sobre isso. Esse é o desafio pra 2014: mais pau no cu de todo mundo.”



     Refletiremos, Gentili. Estamos todos refletindo.

Fotografia - por Loic Le Quere (Site homônimo)

Como o pacto do Congresso Nacional Africano com o diabo vendeu os pobres da África do Sul - por Ronnie Kasrils (The Guardian – Vi o Mundo)

No campo, os negros continuam serviçais dos brancos
(Foto reprodução do Nova África)
Como o pacto do Congresso Nacional Africano com o diabo vendeu os pobres da África do Sul - por Ronnie Kasrils*

No começo dos anos 90, nós da liderança do CNA cometemos um sério erro. E nosso povo ainda está pagando o preço.

Os jovens da África do Sul hoje são conhecidos com a geração dos Nascidos Livres.

Eles desfrutam da dignidade de terem nascido em uma sociedade democrática com direito ao voto e a escolher quem vai governa. Mas a África do Sul moderna não é uma sociedade perfeita. Igualdade total – social e econômica – não existe e o controle das riquezas do país continua nas mãos de poucos, por isso nosso desafios e frustrações crescem.

Veteranos da luta contra o apartheid como eu frequentemente se perguntam, diante dessas decepções, se o sacrifício valeu a pena. Apesar de minha resposta ser sim, deve confessar com grande apreensão: acredito que deveríamos estar bem melhor.

Houve grandes avanços desde a conquista da liberdade em 1994: na construção de casas, creches, escolas, estradas e infraestrutura, fornecimento de água e eletricidade para milhões, educação e saúde gratuitas, aumento das aposentadorias e verbas sociais, estabilidade financeira e bancária, crescimento econômico modesto mas constante (ao menos até a crise de 2008).

Esses ganhos, no entanto, perdem a força diante da precariedade da oferta de serviços que resultou em protestos violentos das comunidades pobres e marginalizadas, graves desigualdades nos setores de saúde e educação, um violento aumento do desemprego, brutalidade e tortura endêmicas por parte da polícia, disputas de poder nos bastidores do partido no poder — que se tornaram ainda piores desde o afastamento de Mbeki em 2008 — uma tendência alarmante ao segredo e ao autoritarismo do goveno, a interferência no judiciário e as ameaças à mídia e à liberdade de expressão.

Até mesmo a privacidade e a dignidade de Nelson Mandela foram violadas por pessoas do alto escalão do CNA em nome da oportunidade barata de fotografá-lo.

Mais embaraçoso e chocante foram os eventos do Bloody Thursday – 16 de agosto de 2012 –, quando a polícia massacrou 34 mineiros em greve na mina de Marikana, da Lonmin, empresa baseada em Londres.

O massacre de Shaperville, em 1960, me levou a ingressar no CNA. Para mim, Marikana foi ainda mais perturbador: uma África do Sul democrática não deveria ter este tipo de barbaridade. Ainda assim, o presidente e seus ministros se trancaram em uma cultura de esconder a verdade. Inacreditavelmente, o Partido Comunista da África do Sul, meu partido por mais de 50 anos, não condenou a ação da polícia.

A luta pela libertação da África do Sul chegou a um ponto elevado mas não atingiu seu zênite quando derrubamos o apartheid. Naquela época, tínhamos muitas esperanças para o nosso país dada sua economia industrial moderna, suas riquezas minerais estratégicas (não somente ouro e diamantes), e uma classe trabalhadora e um movimento sindical organizados com uma rica tradição de luta. Mas esse otimismo não considerou a tenacidade do sistema capitalista internacional.

De 1991 a 1996 foi travada a batalha pela alma do CNA e ela eventualmente foi perdida para o poder das corporações: caímos na armadilha da economia neoliberal – ou, como alguns reclamam hoje, “vendemos nosso povo rio abaixo”.

O que chamo de acordo com o diabo aconteceu quando tomamos um empréstimo do FMI às vésperas de nossa primeira eleição democrática. Esse empréstimo, com exigências que impediram a adoção de uma agenda econômica radical, foi considerado um mal necessário, como também o foram as concessões para manter as negociações nos trilhos e conquistar a terra prometida ao nosso povo.

A dúvida passou a reinar suprema: nós acreditávamos, erroneamente, que não havia outra opção; que tínhamos que ser cuidadosos, já que a partir de 1991 nosso poderoso aliado, a União Soviética, falida por conta da corrida armamentista, havia desmoronado.

Indesculpavelmente, tínhamos perdido fé na habilidade de nossas massas revolucionárias de vencer todos os obstáculos. Não importa quais eram as ameaças de isolar uma África do Sul radical, o mundo não teria ficado sem nossas vastas reservas minerais. Perder a calma não era necessário ou inevitável. A liderança do CNA deveria ter se mantido determinada, unida e livre da corrupção – e acima de tudo, ter mantido sua disposição revolucionária.

Ao invés disso, fraquejamos.

A liderança do CNA deveria ter se mantido fiel ao compromisso de servir o povo. Isso teria lhe dado a hegemonia necessária não somente frente a classe capitalista estabelecida mas sobre os elitistas emergentes, muitos dos quais buscariam riqueza através do fortalecimento da economia negra, de práticas corruptas e da venda de influência política.

Quebrar o regime do apartheid através da negociação, e não de uma guerra civil sangrenta, pareceu na época uma opção boa demais para ser ignorada. Entretanto, naquele momento, o poder estava com o CNA e as condições eram favoráveis para uma mudança mais radical na mesa de negociações do que aquela que acabamos aceitando.

Não é certo que a velha ordem, a não ser os extremistas radicais isolados, tivesse capacidade de recorrer à repressão sangrenta que a liderança de Mandela temia. Se tivéssemos mantido a calma, poderíamos ter ido mais adiante sem fazer as concessões que fizemos.

Foi um erro calamitoso da minha parte focar em minhas próprias responsabilidades e deixar os assuntos econômicos por conta dos especialistas do CNA. Entretanto, naquele momento, muitos de nós não sabíamos muito bem o que estava acontecendo nas discussões econômicas de alto nível.

Como Sampie Terreblanche revelou em sua crítica “Lost in Transformation”, no fim de 1993 grandes estratégias de negócios – costuradas em 1991 na residência do magnata da mineração Harry Oppenheimer em Johannesburgo – estavam se cristalizando em discussões secretas, durante a madrugada, no Banco de Desenvolvimento da África do Sul.

Estavam presentes às discussões líderes de mineração e energia da África do Sul, os chefes das empresas norte-americanas e britânicas com presença na África do Sul – e jovens economistas do CNA, alunos de economia das escolas do Ocidente. Eles se reportavam a Mandela e foram forçados a se submeter, por medo ou por terem sido enganados, diante das opiniões de que haveria consequências desastrosas para a África do Sul se o governo do CNA levasse adiante políticas econômicas que os empresários consideravam desastrosas.

Todos os meios de erradicar a pobreza, que era a promessa de Mandela e do CNA aos “mais pobres dos pobres”, se perderam no processo. A nacionalização das minas, como foi previsto pelo Freedom Charter, foi abandonada.

O CNA aceitou assumir a responsabilidade por uma vasta dívida da era do apartheid, que deveria ter sido cancelada.

O imposto sobre a riqueza dos super ricos, para financiar projetos de desenvolvimento, foi deixado de lado e as corporações domésticas e internacionais, que enriqueceram com o apartheid, foram isentadas de qualquer indenização financeira.

Foram instituídas obrigações orçamentárias extremamente rígidas que atariam as mãos de qualquer governo futuro; a obrigação de implementar uma política de livre comércio e abolir todas as tarifas protecionistas e todas as normas do livre comércio neoliberal foram aceitas.

As grandes corporações puderam transferir sua listagem na bolsa para o exterior. Na opinião de Terreblanche, essas concessões do CNA constituem “decisões traiçoeiras que vão perseguir gerações futuras da África do Sul”.

A liderança do Partido Comunista-CNA, ávida por ocupar os cargos políticos (eu, assim como os outros) prontamente aceitou um pacto com o diabo para ser amaldiçoada no processo. Ela deixou uma economia tão amarrada na fórmula global neoliberal e no fundamentalismo do mercado que existe muito pouco espaço para aliviar os problemas da maior parte do nosso povo.

Não é de estranhar que a paciência do povo esteja se esgotando; que seus protestos angustiados aumentam enquanto cresce a deterioração das condições de vida; que os que estão no poder não encontrem soluções.

As migalhas que sobram vão para a elite negra emergente; a corrupção deitou raízes e os gananciosos e ambiciosos brigam como cães por um osso.

Na África do Sul, em 2008, os 50% mais pobres recebiam apenas 7,8% da renda total. Enquanto 83% dos brancos da África do Sul estão entre os 20% que têm as maiores rendas, em 2008 apenas 11% da nossa população negra faziam parte deste grupo. Essas estatísticas escondem o sofrimento humano consumado. Não é de espantar que o país tenha testemunhado um grande aumento nos protestos civis.

O mergulho no escuro deve ser evitado. Eu não acredito que não haja esperança para a coalizão em torno do CNA. Existem ótimas pessoas nas fileiras. Mas uma revitalização e uma renovação de alto a baixo é urgentemente necessária. A alma do CNA precisa ser restaurada; seus valores tradicionais e sua cultura precisam ser restabelecidos. É preciso romper o pacto com o diabo.

No momento, a maioria empobrecida não vê saída a não ser com o partido que está no poder, apesar de a habilidade do CNA de manter estas alianças esteja se deteriorando. A oposição parlamentar efetiva reflete os interesses dos grandes negócios de várias estirpes e, enquanto uma oposição parlamentar forte é vital para manter o CNA na linha, muitos eleitores querem políticas socialistas e não medidas inclinadas a servir aos interesses dos grandes negócios, mais privatizações e medidas econômicas neoliberais.

Isso não significa que resgatar o país da crise dependa apenas do CNA, do SACP [Partido Comunista da África do Sul] e do Cosatu [Congresso dos Sindicatos Sul Africanos]. Existe um número incontável de patriotas e camaradas em organizações que já existem e em outras que estão sendo formadas que são vitais para o processo.

Também existem os caminhos legais e institucionais, como a promotoria pública e a comissão de direitos humanos que – incluindo o direito de apelar ao tribunal constitucional – podem testar, expor e desafiar as injustiças e as violações de direitos.

As táticas e estratégias dos movimentos de base – sindicatos, organizações civis e comunitárias, grupos de mulheres e de jovens – mostram o caminho a seguir com sua ação não violenta, digna, mas militante.

*Esse é um trecho editado da nova introdução da autobiografia de Ronnie Kasrils, “Armed and Dangerous”.