domingo, 30 de junho de 2013

Passiflore marri-troll - por Alena Klementeva (Arte digital - Coolvibe)

A esquerda não pode piscar - por Saul Leblon (Blog das frases - Carta maior)

O Brasil ingressa num ciclo de turbulência do qual a democracia participativa poderá emergir como parteira de uma sociedade mais equilibrada e justa.

Mas a esquerda não pode piscar.

A disputa fratricida, hoje, é o coveiro das esperanças nacionais.

Nos anos 50, um pedaço das forças progressistas só foi perceber o seu lado no jogo quando o povo já incendiava os carros do jornal 'O Globo', em resposta ao tiro com o qual Getúlio encerrou a sua resistência e convocou a das massas.

Ontem, como agora, o enclausuramento ideológico, o acanhamento organizativo e a dispersão programática pavimentam o caminho da ameaça regressiva.

É a hora da verdade de toda uma geração.

Cabe-lhe sustentar um novo desenho progressista para o desenvolvimento do país.

Um notável volume de investimentos é requerido para adequar a logística social e a infraestrutura às dimensões de uma nação que incorporou milhões de pobres ao mercado de consumo nos últimos anos.

Agora lhes deve a cidadania.

O novo giro da engrenagem terá que ocorrer num momento paradoxal.

A recuperação norte-americana encoraja as apostas no fim da crise, mas complica a mecânica do crescimento na periferia do mundo, encarecendo o custo do capital.

Asfixiada antes pela valorização do Real, a indústria brasileira agora é o canal de transmissão da alta do dólar nos índices de preços, por conta das importações.

Dotado de uma base fabril atrofiada pelo irrealismo cambial, o país importa quase 25% das manufaturas que consome.

A sangria transfere empregos ao exterior e corrói o principal irradiador de inovação em um sistema produtivo, ademais de fragilizar as contas externas.

O déficit comercial da indústria este ano alcançará o equivalente a 20% das reservas cambiais.

É só um vagalhão da tempestade perfeita que cobra respostas em várias frentes: prover a infraestrutura, combater a inflação, resgatar a industrialização, dar progressividade ao sistema tributário, ajustar o câmbio, modular o consumo.

Tudo junto e com a mesma prioridade.

A urgência das ruas sacudiu essa equação que há menos de um mês tornava a economia cada vez mais permeável a uma transição de ciclo preconizada pelo conservadorismo.

Com um título sugestivo, ‘Um Plano para Dilma’, coube ao editorial da Folha de 02/06, como já comentou Carta Maior, enunciá-la em detalhes.

O ‘plano’ consistia em impor ao país o projeto derrotado em 2002, 2006 e 2010.

A saber: arrocho fiscal e monetário; entrega do pré-sal às petroleiras internacionais; redução dos gastos sociais e dos ganhos reais de salários; renúncia ao Mercosul e adesão aos tratados de livre comércio.

Essa plataforma envelheceu miseravelmente nas últimas horas.

Mas não foi arquivada.

O interesse conservador que antes pretendia usar o governo para escalpelar as ruas, subtraindo-lhe conquistas e recursos na ordenação de um novo ciclo, agora quer usar as ruas para desidratar o governo.

A bipolaridade reflete a ansiedade típica de quem sabe que joga a carta do tudo ou nada.

Não por acaso, o jornalismo a serviço do dinheiro já constata receoso: ‘o que a rua pede colide com o que o mercado pretende'.(Valor Econômico)

Curto e grosso: o espaço para um ajuste convencional se estreita na rota de colisão entre a agenda do Estado mínimo e a da Democracia Social.

Quem dará coerência ao desenvolvimento brasileiro a partir de agora? -- perguntava Carta Maior há menos de um mês.

Antes turva, a resposta desta vez emerge mais limpa.

A nova coerência macroeconômica terá que ser buscada na correlação de forças redesenhada pelas grandes multidões que invadiram as ruas nas últimas semanas.

Emparedado pela lógica conservadora o governo Dilma passou a ter escolhas.

E o PT ganhou a chance de se reinventar, explicitando uma agenda clara para o passo seguinte da história.

Sua e a do país.

O bônus não autoriza o conjunto das forças progressistas a adotar a agenda da fragmentação suicida.

O focalismo cego às interações estruturais é confortável como um conto de fadas, em que a varinha de condão substitui as prioridades orçamentárias.

O descompromisso com partidos e organização dá leveza e audiência na mídia conservadora.

Mas levam ao impasse autodestrutivo e à inconsequência histórica.

Em entrevista ao correspondente de Carta Maior em Londres, Marcelo Justo, o pesquisador Paolo Gerbaldo, do Kings College, lembra que os indignados do Cairo rechaçaram os partidos na praça Tahrir. E abriram caminho a um governo desastroso da Irmandade Muçulmana no Egito.

Não se faz política sem poder; não se conquista poder sem disputar o Estado.

A responsabilidade de interferir num processo histórico pressupõe a adoção de balizas e estruturas que impeçam o retrocesso e assegurem coerência às mudanças.

Sem alianças aglutinadoras, nada feito.Sem construir linhas de passagem entre o real e o ideal, semeia-se angústia e decepção.

O jogo é pesado.

Limites estritos à ação convergente do Estado (mínimo) foram erguidos em todo o mundo nos últimos 30 anos.

A liberdade dos capitais manteve nações, projetos, partidos e governos sob chantagem impiedosa.

Domínios insulares foram instalados no interior do aparato público.

O conjunto elevou a tensão política que explode periodicamente, como agora -- como em 2002, em 2006 e em 2010 -- quando os mercados blindados se preparam para enfrentar a democracia insatisfeita nas urnas.

Teoricamente, essa é a hora em que o bancário e o banqueiro tem o mesmo peso no escrutínio do futuro.

Na prática, a locomotiva dos grandes levantes populares é que delimita a fronteira da democracia social em cada época. A urna, em geral, dá o acabamento do processo.

A alavanca brasileira, no caso, foram os levantes operários do ABC paulista dos anos 70/80 e a luta cívica contra a ditadura militar.

Nasceria daí o PT.

E o subsequente ciclo de governos do partido, caracterizado pela negociação permanente do divisor entre os dois domínios, o do dinheiro e o dos interesses gerais da sociedade.

Negociou-se ‘sem romper contratos’ durante os últimos 12 anos.

Com acertos, equívocos e hesitações fartamente listados.

Ainda assim, o saldo configura ‘um custo Brasil’ intolerável aos interesses acantonados no polo oposto do braço de ferro.

Um dado recente do Ipea explica essa rejeição: a renda dos 10% mais pobres cresceu 550% mais rápido do que a dos 10% mais ricos, no Brasil dos últimos 12 anos.

Avançar à bordo da composição de forças que delimitou a ação progressista até aqui tornou-se cada dia mais penoso.

Não apenas por conta do esgotamento real de um ciclo econômico.

Mas também porque se descuidou de prover a sociedade de canais democráticos para comandar o passo seguinte do processo.

A ausência de regulação que assegurasse um sistema audiovisual pluralista entregou a opinião pública à Globo.

A negligência com a organização democrática dos segmentos mais beneficiados pelas políticas públicas estreitou o seu foco nas gôndolas dos supermercados.

Faltava a locomotiva da história apitar outra vez para esticar os limites do possível na discussão do novo ciclo de crescimento que o país requer.

Foi o que as ruas fizeram.

A presidenta Dilma viu o bonde passar e não hesitou. Reagiu na direção certa.

Ao propor uma reforma plebiscitária para redesenhar os perímetros da democracia, deixou implícito --queira ou não-- que a soberania popular é também o único impulso capaz de harmonizar as balizas do novo ciclo de desenvolvimento.

Não é pouco o que se tem sobre a mesa.

Vive-se um meio fio histórico.

De um lado, há a chance de uma ruptura efetiva do desenvolvimento brasileiro com a camisa de força do neoliberalismo.

De outro, a espiral descendente dos impasses pode jogar o país no abismo de uma recaída ortodoxa devastadora.

O tempo urge.

Terão as lideranças progressistas discernimento e prontidão suficiente para negociar uma agenda comum feita de bandeiras, fóruns e ações que ordenem essa travessia?

A ver.

sábado, 29 de junho de 2013

Fotografia - por Go Wild Images

Por um projeto reformador – por Aldo Fornazieri (Blog do Nassif)

Em apenas duas semanas de protestos, as manifestantes conseguiram vitórias políticas extraordinárias: redução das passagens; derrota da PEC 37; passe livre estudantil e Goiânia, agravamento das penas aos corruptos etc. Os governos, o Senado e a Câmara desengavetaram projetos importantes de interesse público e de direitos dos cidadãos, que dormitavam há anos. Os políticos e os governantes em geral, assustados, acordaram de sua cômoda zona de conforto e acenaram com o atendimento de reivindicações. O tumulto das ruas fez tremer os políticos, encastelados em sua arrogância costumeira, que esconde sua incompetência, sua omissão e seu descaso para com as necessidades sociais.

Mas é preciso ficar atento. Quantas tragédias já não aconteceram nesse país, que fizeram os políticos vir a público prometer mundos e fundos e depois nada aconteceu? Basta lembrar as enchentes, as tragédias da zona serrana do Rio de Janeiro, a morte dos jovens em Santa Maria, surtos recorrentes de violência, a calamidade dos hospitais públicos e uma infindável lista de outros casos de omissão e corrupção, que vêm causando sofrimentos inauditos. Os governantes governam mal e o Estado não funciona. É contra essa trágica normalidade do Brasil que se mobilizaram milhares de pessoas.

Trapalhadas do Governo


O governo Dilma, tal como a esquerda em geral, reagiu de forma confusa e desorientada às manifestações. Num dia anunciou a proposta de uma Constituinte exclusiva e no dia seguinte a retirou. Esse é o retrato mais acabado da incompetência política do governo. A rigor, Dilma, encastelada na sua arrogância tecnocrática, não tem articulação política. No mínimo, é uma articulação política desastrosa.

Ao contrário do que muitos pensam, governar não é gerir e administrar burocraticamente as coisas do Estado. A essência do governar é a ação política. Um bom governo precisa ter bons projetos e um bom discurso, capaz de agregar o povo e aliados. Um bom governo precisa renovar permanentemente as esperanças dos governados com palavras e gestos, elevar sua moral, sua orientação e sentido em direção aos objetivos do bem público, do crescimento e do bem estar.

Nem Dilma, nem seus ministros mostram apetência para o bom conduzir discursivo e moral, combinado com um governo ativo. As dificuldades políticas do governo com o Congresso e com os partidos e o baixo diálogo com os grupos econômicos e com os movimentos sociais são uma evidência do pouco apetite do bem comandar, do bem conduzir. E quando o comando não é bom, terá que ser feito com o alto custo do toma lá da cá.

Limite do Projeto do PT

Independentemente das promessas que o PT possa ter feito nas várias candidaturas presidenciais – as três últimas vitoriosas – o programa efetivamente realizado pelos governos petistas se reduziu, no fundamental, a dois pontos: 1) um programa de crescimento da renda e, 2) um programa de inclusão social. Foram realizações importantíssimas, sem dúvida, mas completamente insuficientes para transformar o Brasil num país mais desenvolvido e justo. O primeiro ponto se efetuou pela recuperação do salário mínimo, dos níveis de renda e pela expansão do emprego. O segundo, pelo programa Bolsa Família, ProUni e outros programas sociais. Neste momento em que a economia deu um breque, revela-se toda a limitação desse projeto. Os ganhos cessaram e o consumo das famílias parou de subir.

O PT caiu na ilusão da nova classe média, a chamada "classe C". Tivesse o PT prestado atenção aos estudos de um de seus quadros, Márcio Pochmann (Nova Classe Média?), talvez não tivesse se iludido tanto. Pochamann diz que "O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais".

Os que ascenderam socialmente ficaram com ganhos próximos do salário-mínimo. Em contrapartida, houve uma intensa mercadorização da seguridade social e baixo investimento nos serviços públicos essenciais como transporte público, saúde, segurança e educação. Esta é a crise: melhorou a renda e a inclusão social, mas o Estado permaneceu o mesmo – velho, enferrujado, ineficiente e corrupto. O PT não tinha um projeto de reforma do Estado e de transformação e modernização da economia. Se quiser continuar sendo relevante no futuro próximo, o PT precisa rever seu projeto e reposicionar-se na sociedade para que possa cumprir um papel estratégico mais efetivo. Isto vale também para os demais partidos. A situação é grave, pois se o projeto do PT se esgotou, a oposição e os demais partidos não construíram alternativas.

Por um Projeto Reformador

O papel de construir um projeto reformador para o Brasil não pode ser remetido apenas aos partidos, dada a sua baixa relevância estratégica. A sociedade civil organizada e as novas lideranças que emergirão dos movimentos de rua devem participar e, na medida do possível, liderar esse processo.

O projeto reformador não pode reduzir-se à reforma política, como querem os políticos governistas. A primeira coisa que precisa ser feita consiste em desprivatizar a democracia, hoje sequestrada pelos partidos, por governos arrogantes, pelos banqueiros, pelos empreiteiros e pelo alto capital. É preciso republicanizar a democracia e fazer com que seja mais próxima dos cidadãos e por eles controlada. Convocar um plebiscito para fazer uma reforma política é um tiro que poderá sair pela culatra. Mas se for convocado, é preciso aproveitá-lo para ampliar a pauta, disputando-a politicamente na sociedade.

A pauta de um projeto reformador é complexa e ampla. Mas é preciso que inclua uma reforma tributária capaz de estabelecer a justiça tributária no país. O Brasil, hoje, tira dos pobres para dar aos ricos. É preciso uma inversão nessa lógica. É preciso taxar as grandes fortunas, os bancos e os altos ganhos de renda, criando novas alíquotas para os altos salários.

Um projeto reformador precisa encaminhar uma ampla reforma urbana que facilite o acesso à moradia e que enfrente com coragem a qualidade dos serviços públicos, os passivos ambientais, o problema das favelas e do saneamento. É preciso modernizar a infraestrutura que, como está, inabilita a competitividade do Brasil no século XXI. O pacto federativo com sua lógica centralista não pode continuar como está. É preciso redistribuir os tributos, conferindo mais autonomia aos municípios, promovendo a integração nacional e o desenvolvimento regional. A integração sul-americana precisa ser revista, cortando as amarras do combalido Mercosul. O Brasil precisa ser líder de fato e não líder autodeclaratório da integração regional e deve buscar um papel mais assertivo no mundo com uma maior presença política e econômica global. Enfim, o Brasil precisa enfrentar os desafios da sociedade do conhecimento e da inovação, da energia verde, e da corrida tecnológica, temas que determinarão quem, efetivamente, se habilitará como potência significativa neste novo século.

Aldo Fornazieri – Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

Fotografia editada - por Camille Sanson (Site homônimo)

O caráter conciliador do PT impede as verdadeiras mudanças – por Arthur Taguti (Blog do Nassif)

A crítica que sempre surge à esquerda do PT, desde os tempos de Lula, é a falta de combatividade. Quando vejo o panorama atual do nosso país, lembro de um filme chileno extraordinário, chamado "Machuca", que retrata o ambiente pré-golpe de 1973.

O filme conta a história de dois amigos de classes sociais completamente distintas. Sob a visão teoricamente imparcial dos protagonistas, diversos eventos históricos são retratados: as grandes passeatas de apoiadores e detratores de Allende, os caças do exército chegando em Santiago no dia 11 de setembro, o abismo social existente na sociedade chilena e a violência que o Estado autoritário devotou à classe pobre e aos apoiadores de Allende após o golpe.

Os dois protagonistas ainda eram jovens demais para tomar partido ou fazer uma análise arguta da política chilena, mas, ao se tornarem testemunha ocular dos conflitos sociais que grassavam pelas ruas de Santiago, se deixou claro o conflito de classes existente entre as turmas pró e contra Allende.

Este, Allende, uma figura extraordinária, pretendia estabelecer o socialismo por vias democráticas, estatizando diversas empresas e colocando o Estado chileno a serviço da população amplamente marginalizada. Não demorou muito para conquistar verdadeira adoração desta população, que saía em peso às ruas para defender este modelo.

De outro lado, a elite velha de guerra e uma classe média adormentada e receosa de perder status social, nada muito diferente do que vemos no Brasil. Madames a la Cansei, nacionalistas que beiravam o fascismo, e o boicote em massa vindo dos empresários ao projeto de esquerda, uma concretização muito fiel dos "800 mil empresários deixando o Brasil" caso Lula vencesse em 1989.

O que torna o PT insuficiente para promover as verdadeiras mudanças que o nosso país precisa é o seu caráter conciliador imprimido por Lula e levado às últimas consequências por Dilma. Só aqui é motivo de orgulho um governante afirmar que nunca na história os bancos ganharam tanto.

Isto porque o conflito existente entre esquerda e direita não é só ideológico, mas de classe. Sempre foi, sempre será. A direita que derrubou Jango é a mesma que hoje trava todo e qualquer tipo de reforma.

E quem pensar que esta luta é só da elite, corre o risco de estar redondamente enganado. A nossa classe média também não deseja mudanças. Isto porque mesmo a classe média consegue usufruir um pouco da nossa estrutura de sociedade escravocrata.

Ou é comum numa sociedade igualitária, como se observa na Holanda, ou Suécia, um indivíduo classe média ter empregada doméstica, babá, cozinheira e jardineiro? Não é, por isso a ojeriza quanto às políticas redistributivas praticadas sob Lula e mais recentemente a ampliação dos direitos trabalhistas de empregados domésticos.

Não só a elite, mas a classe média também nunca vai aceitar que um médico, ou engenheiro, ou juiz, ganhe só duas, ou 3 vezes mais que um porteiro ou garçom, e no final de semana frequente os mesmos lugares que eles, como ocorre nas nações menos desiguais do planeta.

Por isso que dá calafrios quando leio que o PT quer transformar tanto o partido quanto o país em classe média. Que classe média, cara-pálida? A classe média que ganha menos de dois salários mínimos, e que o Ipea arbitrariamente estabelece como "nova", ou a que em conjunto com a elite tem um rancor intestino ao PT e não quer nem ouvir falar em distribuição de renda?

Pra pegar todos os desvalidos e marginalizados deste país, do Oiapoque a Chuí, e colocá-los em pé de igualdade com a classe média "cheirosa" de Castanhede, é preciso muito mais do que este discurso carcomido da gestão eficiente.

Certas nações tornaram-se mais igualitárias na base da pancadaria, da luta intestina entre classes, das revoluções... por que então nossa esquerda pensa que o progresso estará na conciliação entre pobres e risco? Isto não existe... Ainda mais tendo uma elite de DNA escravocrata como a nossa.

Só verificar o que Chavez fez para distribuir mais renda do que aqui. Se dirigiu diretamente pro povão, chamou todos para ocupar as ruas, politizou o debate, deixou complemente nus os meios de comunicação hegemônicos, e foi aos trancos e barrancos aprofundando o seu modelo.

Faltou em Lula coragem e postura de estadista para colocar as reformas que o Brasil precisa debaixo do braço, viajar o Brasil inteiro se comunicando com a população mais pobre, ensinando a população a se armar (não com armas de fogo, mas politicamente), a se politizar e sair às ruas, a exemplo do que vemos hoje na Venezuela pós-Chavez.


Pelo contrário, Lula hoje viaja sim, pelo mundo, mas patrocinado pelas grandes construtoras, que por sua vez são grandes financiadores de campanhas eleitorais..

Então, ao mesmo tempo em que o cenário é de terra arrasada, essa rapaziada do MPL deu novo fôlego aos que resistem em enxergar além desta hipócrita 'política do possível' praticada por partidos de todas as matrizes ideológicas, que no fundo esconde o perverso caráter conservador das estruturas seculares de nossa sociedade.

Pra finalizar o texto, meio cedo pra fazer um prognóstico, mas é preciso lançar um olhar mais otimista sobre o novo cenário. É preciso manter a efervescência deste processo, fomentar a discussão, para que ele espraie para todos os cantos da sociedade, chegando a quem mais precisa, qual seja, a imensa população pobre e marginalizada do nosso país.

Apesar de grande parte da esquerda idealista pertencer à classe média, é improdutivo contar com o apoio dela, como classe organizada, para pressionar os governantes a realizar as reformas que este país precisa. Nesse contexto, parece que só a imensa população mais pobre deste país tem o poder de mudar alguma coisa.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Fotografia - por National Geographic

Investimentos como motor do PIB: uma falsa saída - por Amir Khair (Carta Maior)

Não faltam economistas e jornalistas para afirmar que, se o país quiser crescer 4% ao ano, precisa superar os 20% de investimentos em relação ao PIB. Mas não é isso que diz nossa história econômica: na década de 60, investíamos 18% e crescemos 6%; na de 80, investimos 21% e avançamos só 1,7%

Virou lugar comum entre analistas econômicos a afirmação de que o país para crescer 4% ao ano precisa investir 22% do PIB e fora disso não há saída.

Os fatos, no entanto, derrubam essa falsa saída. Em valores médios por ano, na década de 50 o investimento foi de 16,4% do PIB e o crescimento 7,4%. Na década de 60 o índice foi de 18,2% e o crescimento de 6,2%. Na década de 80 o índice chegou a 21,8% (!) e o crescimento apenas 1,7% (!). A história econômica do país parece não ter importância para os defensores dessa falsa saída.

Argumentam ainda que despesa com investimento é de qualidade maior do que para custeio. Não esclarecem, no entanto, a tal da "qualidade".

O que está por traz dessa corrente não me parece ser uma questão meramente técnica ou de política econômica, mas sim se contrapor ao governo federal visando ampliar recursos a serem transferidos, geridos e apropriados pelo capital, uma vez que as despesas de custeio se destinam majoritariamente para a área social, especialmente educação e saúde. Além disso, cerca de 80% do custeio se destina a salários de servidores públicos e trabalhadores de empresas terceirizadas. Daí não sai caixa 2 ou propinas para campanhas eleitorais da poderosa fonte das empreiteiras.

É interessante observar, também, o componente político envolvido na proposta. Ela argumenta que o aumento de investimento deveria ser feito pelo governo federal. E, como isso anda devagar quase parando, a priori se sabe que não irá resolver tão cedo o desafio do crescimento, mas vai servir para reduzir o componente estratégico da política de inclusão social a partir do governo Lula e ampliada no governo Dilma.

É para a oposição uma espinha cravada na garganta o sucesso econômico, social e político, por exemplo, do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida. Se o governo federal continuar ampliando o alcance dessa política de inclusão social, que ainda conta com modestos recursos, adeus qualquer esperança da oposição real ou disfarçada voltar ao poder.

Porque falsa saída?

Deixando de lado essas questões de maior apropriação do capital, da corrupção e de estratégia política, vale discutir porque essa saída é falsa sob o aspecto econômico.

Vamos aos argumentos.

Em primeiro lugar a parcela de investimento do governo federal não chega a 5% do investimento total do País. 80% dele é feito pelas empresas e os restantes 20% são divididos entre estados e municípios com 15% e governo federal com 5%. Os estados e municípios aplicam o investimento especialmente para expansão na reforma e construção de equipamentos como escolas, creches, postos de saúde e hospitais.

Em segundo lugar o governo federal fica enrolado na teia do cipoal burocrático que paralisa o processo de deflagração do investimento. Há um exagero de regras para o controle do gasto público. No processo licitatório para a escolha da empreiteira que fará a obra, muitas vezes pode ocorrer o embargo judicial por liminar caso um perdedor se julgue prejudicado. E aí vão meses de atraso senão a própria inviabilização do empreendimento.

Em terceiro lugar o governo federal, independentemente do partido no poder, é mau gestor, da mesma forma que estados e municípios para tocar e controlar a realização do investimento. Em quarto lugar faltam quadros técnicos em qualidade e quantidade para elaborar o projeto executivo da obra. Esse projeto é o que detalha a quantidade e preço dos materiais e mão de obra envolvidos e a licitação é feita mediante o projeto básico, que contém apenas estimativas grosseiras de usos de materiais e mão de obra. Isso leva a imprevistos de toda ordem que atrasam e encarecem as obras. É comum estouros orçamentários para mais do dobro da previsão inicial.

O investimento a que se referem esses analistas é para grandes obras em infraestrutura a ser feito pelo restrito clube de meia dúzia de grandes empreiteiras que o torna extremamente elevado. A mídia é farta de casos de super faturamento dessas empreiteiras ou por corrupção ou por falta de controle nas obras e na exploração do empreendimento.

Resta considerar a parcela do investimento feito pela política de concessões do governo federal nos modais de transporte rodoviário, ferroviário, aeroviário e portuário. Poderá resultar de valores mais expressivos, mas que é contabilmente classificado nas contas nacionais como do setor privado. Em nada altera o 5% do investimento do governo federal.

Aí a crítica contra o governo sai do argumento do percentual de 22% do PIB como o necessário para crescimentos maiores e se desloca para acusar governo federal de tratar como inimigo o setor privado por colocar cláusulas em contrato de concessão que permitam o controle do empreendimento que é executado e explorado por esse setor, mas tem destinação de interesse público. Esses críticos vão além, ao declarar que o governo quer voltar à estatização e está assustando os empresários. É mais uma confirmação da falsa saída.

Se o investimento não é a saída como motor de arranque para o crescimento, o que pode romper o fraco desempenho econômico pós 2010, será o objeto do artigo na próxima semana. Até lá.

Vega - por Bosslogic (Arte digital - Coolvibe)

O fim de um ciclo? – por Wagner Iglecias (Blog do Nassif)

Os líderes da oposição têm argumentado que o momento que o país vive simboliza o fim de um ciclo. Referem-se ao ciclo do lulismo, baseado na incorporação de milhões de pessoas ao consumo, via geração de empregos, programas de transferência de renda e ampliação do acesso ao crédito. Um ciclo que garantiu a reeleição de Lula em 2006 e a eleição da então quase desconhecida Dilma Rousseff em 2010. Sustentar que esse ciclo se encerrou, obviamente, faz parte da guerra de versões sobre o que está se passando no país atualmente. A oposição fala mirando 2014, tentando desgastar ao máximo o governo, o que é legítimo num regime democrático. Por outro lado intelectuais, como André Singer, criador do próprio termo lulismo, lêem a conjuntura de modo mais imparcial, mas também apontam para os limites de um modelo reformista que, se por um lado incluiu milhões de pessoas ao consumo, por outro mostra que não está imune à desaceleração da economia, gerando as tensões a que todos temos assistido.

De fato esse junho de 2013 mostra que talvez estejamos diante do fim de um ciclo, sim. Mas não me arriscaria a dizer que é o fim do ciclo do lulismo, seja em seus aspectos econômicos ou no que diz respeito ao apoio das massas populares a Lula, a Dilma e ao petismo. Se milhares de pessoas saíram às ruas de todo o país nas últimas semanas, há que se notar que num primeiro momento foi gente de classe média, dos grandes centros urbanos, e mais recentemente gente mais pobre, das periferias das grandes cidades e dos municípios do interior. Estes últimos, como estamos vendo, têm ido às ruas por questões que há muito tempo afligem o cotidiano dos que têm pouco dinheiro no Brasil: a falta de escola, de hospitais, de transporte, de moradia, de saneamento básico e o fim da violência por parte do Estado. É uma pauta bem diferente daquela da classe média tradicional, que marchou nas praças e avenidas das grandes cidades com seus temas como o combate à corrupção, o arquivamento da PEC 37 ou as reiteradas críticas ao governo federal.

No entanto, entre as muitas novidades trazidas por este junho de 2013 está o fato de que boa parte desta classe média tradicional, que jamais havia posto o pé na rua para reclamar ou reivindicar nada, também protestou por temas como saúde, educação, mais transparência e melhor gasto do dinheiro público. Num certo sentido não deixa de ser uma pauta conservadora, calcada na idéia de que o governo tem de gastar melhor e de forma mais clara os recursos obtidos com os tributos pagos pelo cidadão. Por outro lado, parece ser a primeira vez em muito tempo que esta mesma classe média tradicional sai da lógica do privado e volta a pensar o Estado. A turma que sempre apostou no automóvel, na escola particular e no plano de saúde pode estar mudando de postura.

Explico-me. O Brasil, saído da ditadura militar em 1985, mal havia conseguido desenhar a Constituição de 1988, que nos prometia um Estado de Bem Estar que jamais tivemos, e já foi atingido pela onda neoliberal, a partir da eleição de Collor de Mello, um ano depois. O discurso de Collor, que prometia levar o Brasil ao Primeiro Mundo, tinha como principal alvo o Estado, tido e havido como quase um inimigo da sociedade. Durante o governo FHC as coisas não foram tão diferentes, e se não foi consenso, foi amplamente apoiada em vários setores da sociedade a idéia de que o desenvolvimento viria através de um Estado enxuto, quase que reduzido a funções meramente regulatórias. Com Lula o cenário mudou um pouco, com a retomada, não pouco polêmica, do papel indutor do Estado, tanto do desenvolvimento social, ajudando os mais pobres, quanto do desenvolvimento econômico, fomentando setores empresariais. Lula mesmo parece ter apostado que a inclusão dos mais pobres no mercado seria a fórmula mágica pela qual todos se beneficiariam, inclusive empresários e classe média tradicional, por conta do maior giro da economia. Num certo sentido, embora nunca tenha sido este o discurso lulista, conduziu o país, na prática, à parte da imagem que temos do tal Primeiro Mundo, pautada pela universalização do consumo entre todos os extratos sociais.

As ruas, no entanto, talvez estejam a nos mostrar que se o ciclo lulista não acabou, mas certamente se desacelerou, algo novo pode ter sido gestado. E esse novo talvez seja a concepção de que só o mercado, ou de que só pelo consumo, o país não vai superar seus problemas. Os mais pobres, como sabemos, do mercado nunca puderam esperar muita coisa, e sempre tiveram no Estado a sua esperança de melhoria de vida. O fato novo parece ser uma mudança de concepção da classe média tradicional, que durante anos virou de costas para o Estado e agora parece estar se dando conta de que só com o mercado não consegue resolver seus problemas. Se essa hipótese faz sentido, podemos estar diante do fim de um ciclo e o início de outro, novo. Mas um ciclo novo que diz mais respeito a uma progressiva mudança de mentalidade dos setores médios da sociedade do que propriamente ao fim de um período de dinamização econômica e melhoria social pautado na inclusão, por baixo, dos mais pobres. A ver.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Fotografia - por Joseph D. Conway (Site homônimo)

Investimento do Brasil em educação sobe e alcança média da OCDE - por Márcia Bizzotto (BBC Brasil)

Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado nesta terça-feira indica que o investimento do Brasil em educação aumentou de 3,5% para 5,6% do produto interno bruto (PIB) entre os anos 2000 e 2010, alcançando assim a média de investimento dos países da organização, que é de 5,4%.

Pertencem à OCDE 34 países, a maioria deles desenvolvidos, como França, Alemanha, Estados Unidos e Grã-Bretanha, e também nações emergentes, como México e Chile.

Divulgado nesta terça-feira em Bruxelas, o relatórioEducation at a Glance ("Educação em Revista", em tradução livre) afirma, no entanto, que o governo brasileiro investiu em média US$ 2.964 (aproximadamente R$ 6,6 mil) por estudante em 2010, contra US$ 8.382 (cerca de R$ 18,8 mil) nos países da OCDE.

O nível de investimento público do Brasil na educação em 2010 foi igual ao da Áustria, superior ao dos EUA (5,1% do PIB) e comparável com o da França (5,8%) e o da Grã-Bretanha (5,9%), mas ficou longe dos primeiros países da lista da OCDE. A Dinamarca dedicou 7,6% de seu PIB ao setor, a Noruega, 7,5% e a Islândia, 7%.

Entre os países da América Latina analisados no estudo, o Brasil tem o segundo maior nível de investimentos no setor, atrás da Argentina, que em 2010 destinou 5,8% do PIB à educação, mas à frente de México e Chile, com 5,1% e 3,9%, respectivamente.

A educação superior recebeu a maior parcela de gastos no Brasil ─ US$ 13.137 por estudante, mais que a média dos países da OCDE, de US$ 11.383, e mais que os US$ 12.112 dos Estados Unidos, onde 31% dos investimentos em educação são de fonte privada.

Por outro lado, os investimentos brasileiros em educação primária e secundária foram muito inferiores aos dos países ricos ─ US$ 2.653 por estudante, comparado com US$ 8.412 nos países da OCDE e US$ 11.859 nos EUA.

'Bons investimentos'

"Não há ligação direta entre o nível de investimento e a qualidade da educação. O que faz a diferença é a qualidade do investimento, não a quantidade. E o Brasil, nesses últimos anos, soube utilizar bem seus investimentos na educação", disse Eric Charbonnier, analista da OCDE, à BBC Brasil.

A organização considera que "durante a última década o Brasil provou que era capaz de melhorar sensivelmente o desempenho de seus alunos" combinando o aumento em investimentos com uma "divisão de gastos mais equilibrada que no passado".

"Os fundos federais são agora consagrados aos estados mais pobres, garantindo a seus estabelecimentos (de ensino) recursos similares aos dos estabelecimentos de estados mais ricos", diz o relatório.

O documento também destaca programas de formação para professores de todos os níveis, entre eles o "Universidade Aberta", programas de cooperação entre universidades federais e estabelecimentos municipais para intercâmbio de melhores práticas e a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007.

Como resultado, a classificação do país no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) entre 2000 e 2009 melhorou 16 pontos no quesito compreensão escrita, 15 em ciências e 30 em matemática, apesar de que sua pontuação "continua muito inferior à média da OCDE".

Por outro lado, um ranking divulgado no ano passado pela consultoria Economist Intelligence Unit (EIU) colocou o Brail em penúltimo lugar entre 40 países no tocante à qualidade da educação.

O ranking foi compilado com base em testes de alunos realizados entre 2006 e 2010 e em outros critérios, como a quantidade de alunos que ingressam em universidades.

Aquaman - por Hunter Schulz (Ilustração - El-cazador)

A vítima do moralismo seletivo da mídia é o leitor – por Paulo Nogueira

As corporações jornalísticas ignoraram o escândalo do Supremo e prestaram um desserviço a seus leitores

A filósofa fala a verdade e leva pancadas da velha e viciada mídia
As mordomias do STF são um assunto de grande interesse público. Elas revelam como a mais alta corte do país trata o dinheiro do contribuinte.

Não existe pudor, não existe parcimônia: os juízes viajam de primeira classe, e podem levar acompanhante desde que julguem “necessário”.

Como eles fazem as regras, é tudo legal – mas imoral e abjeto.

Essas mordomias são notícia de alta importância, naturalmente.

Mas não para a mídia, excetuado o Estadão, que revelou as mamatas. E isso conta tudo sobre o farisaísmo da mídia.

Notícia é o que serve a seus interesses particulares. O resto não é notícia.

Colunistas sempre rápidos em despejar sentenças moralistas vulgares sobre seus leitores simplesmente não tiveram uma palavra para o escândalo.

Fui verificar o que tinha a dizer, por exemplo, Ricardo Noblat, em seu blog. Nada.

Fui verificar o que tinham a dizer os colunistas do site da Veja, Augusto Nunes, Ricardo Setti e Reinaldo Azevedo. Nada, nada a nada, respectivamente.

Um tratamento bem diferente mereceu Marilena Chauí por dizer verdades que cabem a eles todos, campeões do pensamento rasteiro da classe média.

Reinaldo Azevedo, ao tratar do discurso em que Chauí criticou a classe média, fez questão de levianamente, sem dados e sem nada, invocar o dinheiro que ela ganharia por conta dos livros do MEC.

Havia apenas insinuação, havia apenas maldade, havia apenas a confiança de que seu leitor é tão tapado que vai aceitar o conto do MEC sem recibo e sem comprovação.

Tratamento bem diverso teve, do mesmo Azevedo, Maggie Thatcher. Numa eulogia disparatada, Azevedo afirmou, no grande final, que Thatcher morreu pobre.

Na pobreza de Thatcher estaria a prova suprema de suas virtudes de estadista.

Apenas a casa de Thatcher é avaliada em mais de 10 milhões de dólares, mas segundo Azevedo ela “morreu pobre”

Apenas a casa de Thatcher é avaliada
em mais de 10 milhões de dólares, mas segundo Azevedo ela “morreu pobre”
Mais uma vez, Azevedo acreditou que é fácil engambelar seus leitores.

Porque apenas a casa de Thatcher na região mais nobre de Londres é avaliada em mais de 10 milhões de dólares.

Não é informação nova, e sim antiga.

Thatcher só não fez uma fortuna maior porque os problemas mentais logo a impediram, saída do cargo, de realizar palestras e dar consultoria a empresas como a Philip Morris.

O filho de Thatcher, Mark, amealhou uma considerável fortuna com comissões de grandes negócios feitos pelo governo da mãe com outros países.

Mas Thatcher morreu pobre no Planeta Azevedo, e Marilena, ela sim, é rica.

Moralismo, quando é seletivo, é hipocrisia misturada a cinismo. Destina-se não a corrigir desvios éticos, mas a tirar proveito da boa fé dos chamados inocentes úteis.

O escândalo do STF, ignorado pela mídia, é apenas mais uma página de um conjunto de atitudes em que a vítima é a sociedade.

Ilustração - por Zhang Weber (Coroflot)

Procurador Geral que livrou Dantas do mensalão ganhou contrato da Brasil Telecom - por Jornal GGN

Em sua sabatina no Senado, o jurista Luiz Roberto Barroso considerou o julgamento do chamado mensalão “ponto fora da curva”.  Barroso é considerado o maior constitucionalista brasileira, unanimidade, saudado tanto pela direita quanto pela esquerda. Sua opinião foi corroborada pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, um dos julgadores mais implacáveis.

Externou o que todo o meio jurídico comenta à boca pequena desde aquela época: foi um julgamento de exceção. E não apenas pelo rigor inédito (para crimes de colarinho branco) das condenações, mas pela excepcional seletividade na escolha das provas, sonegando informações essenciais para a apuração completa do episódio.

Houve o pagamento de despesas de campanha dos novos aliados do PT. Utilizaram-se recursos de caixa dois para tal. Havia o intermediário das transações – o publicitário Marcos Valério e a agência DNA. Na outra ponta, os beneficiários. E, no começo do circuito, os financiadores.

Se poderia ter se obtido a condenação fazendo o certo, qual a razão para tantas irregularidades processuais anotadas? Não se tratou apenas dos atropelos à presunção da inocência e outros princípios clássicos do ordenamento jurídico brasileiro. Há também a suspeita de ocultação deliberada de provas.

1. Ignorou-se laudo comprovando a aplicação dos recursos da Visanet.

2. Esconderam-se evidências de que o contrato da DNA com a Visanet era anterior a 2003.

3. Desmembrou-se o processo para que outros diretores do Banco do Brasil - que compartilharam decisões com o diretor de marketing Antonio Pizolato e assumiram responsabilidades maiores - não entrassem na AP 470.

4. Ignoraram-se evidências nítidas de que a parte mais substancial dos fundos do DNA foi garantida pelas empresas de telefonia de Daniel Dantas.

O contrato de Antonio Fernando

Aparentemente, desde o começo, a prioridade dos Procuradores Gerais da República Antônio Fernando (que iniciou as investigações), de Roberto Gurgel (que deu prosseguimento) e do Ministro do STF Joaquim Barbosa (que relatou a ação) parece ter sido a de apagar os rastros do principal financiador do mensalão: o banqueiro Daniel Dantas. Inexplicavelmente, ele foi excluído do processo e seu caso remetido para um tribunal de primeira instância.

Excluindo Dantas, não haveria como justificar o fluxo de pagamentos aos mensaleiros. Todos os absurdos posteriores decorrem dessa falha inicial, de tapar o buraco do financiamento, depois que Dantas foi excluído do inquérito.

Responsável pelas investigações, o procurador geral Antônio Fernando de Souza tomou duas decisões que beneficiaram diretamente  Dantas. A primeira, a de ignorar um enorme conjunto de evidências e  excluir Dantas do inquérito - posição mantida por seu sucessor, Roberto Gurgel e pelo relator Ministro Joaquim Barbosa. A segunda, a de incluir no inquérito o principal adversário de Dantas no governo: Luiz Gushiken. Aliás, com o concurso de Antonio Pizolatto - que acabou tornando-se vítima, depois de diversas decisões atrabiliárias dos PGRs.

Foi tal a falta de provas para incriminar Gushiken, que o PGR seguinte, Roberto Gurgel, acabou excluindo-o do inquérito.

Pouco depois de se aposentar, Antônio Fernando tornou-se sócio de um escritório de advocacia de Brasília - Antônio Fernando de Souza e Garcia de Souza Advogados -, que tem como principal contrato a administração da carteira de processos da Brasil Telecom, hoje Oi, um dos braços de Dantas no financiamento do mensalão. O contrato é o sonho de todo escritório de advocacia: recebimento de soma mensal vultosa para acompanhar os milhares de processos de acionistas e consumidores contra a companhia, que correm nos tribunais estaduais e federais.

Os sinais de Dantas

Qualquer jornalista que acompanhou os episódios, na época, sabia que a grande fonte de financiamento do chamado “valerioduto” eram as empresas de telefonia controladas por Dantas, a Brasil Telecom e a Telemig Celular. Reportagens da época comprovavam – com riqueza de detalhes – que a ida de Marcos Valério a Portugal, para negociar a Telemig com a Portugal Telecom, foi a mando de Dantas.

Dantas possuía parcela ínfima do capital das empresas Telemig, Amazônia Celular e Brasil Telecom. O valor de suas ações residia em um acordo “guarda-chuva”, firmado com fundos de pensão no governo FHC, que lhe assegurava o controle das companhias. Tentou manter o acordo fechando aliança com setores do PT – que foram cooptados, sim. Quando o acordo começou a ser derrubado na Justiça, ele se apressou em tentar vender o controle da Telemig, antes que sua participação virasse pó.

No livro “A Outra Historia do Mensalão”, Paulo Moreira Leite conta que a Polícia Federal apurou um conjunto de operações entre a Brasil Telecom e a DNA. A executiva Carla Cicco, presidente da BT, encomendou à DNA uma pesquisa de opinião no valor de R$ 3,7 milhões. Houve outro contrato, de R$ 50 milhões, a ser pago em três vezes. Era dinheiro direto no caixa da DNA - e nao apenas uma comissão de agenciamento convencional, como foi no caso da Visanet.. Pagaram-se as duas primeiras. A terceira não foi paga devido às denúncias de Roberto Jefferson que deflagraram o mensalão.

Apesar de constar em inquérito da Polícia Federal – fato confirmado por policiais a Paulo Moreira Leite – jamais esse contrato de R$ 50 milhões fez parte da peça de acusação. Foi ignorado por Antônio Fernando, por seu sucessor Roberto Gurgel e pelo relator Ministro Joaquim Barbosa. Ignorando-o, livrou Dantas do inquérito. Livrando-o, permitiu-lhe negociar sua saída da Brasil Telecom, ao preço de alguns bilhões de reais.

As gambiarras do inquérito

Sem Dantas, como justificar os recursos que financiaram o mensalão? Apelou-se para essa nonsense de considerar que a totalidade da verba publicitária da Visanet (R$ 75 milhões) foi desviada. Havia comprovação de pagamento de mídia, especialmente a grandes veículos de comunicação, de eventos, mas tudo foi deixado de lado pelos PGRs e pelo relator Barbosa.

Em todos os sentidos, Gurgel foi um continuador da obra de Antonio Fernando. Pertencem ao mesmo grupo político - os "tuiuius" - que passou a controla o Ministério Público Federal. Ambos mantiveram sob estrito controle todos os inquéritos envolvendo autoridades com foro privilegiado. Nas duas gestões, compartilhavam as decisões com uma única subprocuradora  - Cláudia Sampaio Marques, esposa de Gurgel. Dentre as acusações de engavetamento de inquéritos, há pelos menos dois episódios controvertidos, que jamais mereceram a atenção nem do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) nem da Associação Nacional dos Procuradores da República  (ANPR) - esta, também, dominada pelos "tuiuius": os casos do ex-senador Demóstenes Torres e do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

Tanto na parte conduzida por Antonio Fernando, quanto na de Gurgel, todas as decisões pareceram ter como objetivo esconder o banqueiro.

É o caso da  “delação premiada” oferecida a Marcos Valério. O ponto central – proposto na negociação – seria imputar a Lula a iniciativa das negociações com a Portugal Telecom. Sendo bem sucedido, livraria Dantas das suspeitas de ter sido o verdadeiro articulador das negociações. A "delação premiada" não  foi adiante porque, mesmo com toda sua discricionariedade, Gurgel não tinha condições de oferecer o que Valério queria: redução das penas em todas as condenações.

Quando se iniciaram as investigações que culminaram na ação, Antônio Fernando foi criticado por colegas por não ter proposto a delação premiada a Marcos Valério. Acusaram-no de pretender blindar Lula. A explicação dada na época é que não se iria avançar a ponto de derrubar o presidente da República, pelas inevitáveis manifestações populares que a decisão acarretaria. Pode ser. Mas, na verdade, na época, sua decisão  blindou Daniel Dantas, a quem Valério servia. Agora, na proposta de "delação" aceita por Gurgel não entrava Dantas - a salvo dos processos - mas apenas Lula.

O inquérito dá margem a muitas interpretações, decisões, linhas de investigação. Mas como explicar que TODAS as decisões, todas as análises de provas tenham sido a favor do banqueiro?

Os motivos ainda não explicados

Com o tempo aparecerão os motivos efetivos que levaram o Procurador Geral Roberto Gurgel e o relator Joaquim Barbosa a endossar a posição de Antonio Fernando e se tornarem também avalistas desse jogo.

Pode ter sido motivação política. Quando explodiu a Operação Satiagraha – que acusou Daniel Dantas de corrupção -, Fernando Henrique Cardoso comentou que tratava-se de uma “disputa pelo controle do Estado”.

De fato, Dantas não é apenas o banqueiro ambicioso, mas representa uma longa teia de interesses que passava pelo PT, sim, mas cujas ligações mais fortes são com o PSDB de Fernando Henrique e principalmente de José Serra.

Uma disputa pelo poder não poderia expor Dantas, porque aí se revelaria a extensão de seus métodos e deixaria claro que práticas como as do mensalão fazem parte dos (péssimos) usos e costumes da política brasileira. E, se comprometesse também o principal partido da oposição, como vencer a guerra pelo controle do Estado? Ou como justificar um julgamento de exceção.

Vem daí a impressionante blindagem proposta pela mídia e pela Justiça. É, também, o que pode explicar a postura de alguns Ministros do STF, endossando amplamente a mudança de conduta do órgão no julgamento. Outros se deixaram conduzir pelo espírito de manada. Nenhum deles engrandece o Supremo.

Poderia haver outros motivos? Talvez. Climas de guerra santa, como o que cercaram o episódio, abrem espaço para toda sorte de aventureirismo, porque geram a solidariedade na guerra, garantindo a blindagem dos principais personagens. No caso de temas complexos – como os jurídicos – o formalismo e a complexidade dos temas facilitam o uso da discricionariedade. Qualquer suspeita a respeito do comportamento dos agentes pode ser debitada a uma suposta campanha difamatória dos “inimigos”. E com a mídia majoritariamente a favor, reduz a possibilidade de denúncias ou escândalos sobre as posições pró-Dantas.

É o que explica os contratos de Antonio Fernando com a Brasil Telecom jamais terem recebido a devida cobertura da mídia. Não foi denunciado pelo PT, para não expor ainda mais suas ligações com o banqueiro. Foi poupado pela mídia - que se alinhou pesadamente a Dantas. E foi blindado amplamente pela ala Serra dentro do PSDB.

Com a anulação completa dos freios e contrapesos, Antonio Fernando viu-se à vontade para negociar com a Brasil Telecom.

De seu lado, todas as últimas atitudes de Gurgel de alguma forma vão ao encontro dos interesses do banqueiro. Foi assim na tentativa de convencer Valério a envolver Lula nos negócios com a Portugal Telecom. E também na decisão recente de solicitar a quebra de sigilo do delegado Protógenes Queiroz – que conduziu a Satiagraha – e do empresário Luiz Roberto Demarco – bancado pela Telecom Itália para combater Dantas, mudando completamente em relação à sua posição anterior.

A quebra do sigilo será relevante para colocar os pingos nos iis, comprovar se houve de fato a compra de jornalistas e de policiais e, caso tenha ocorrido, revelar os nomes ou interromper de vez esse jogo de ameaças. Mas é evidente que o resultado maior foi fortalecer as teses de Dantas junto ao STF, de que a Satiagraha não passou de um instrumento dos adversários comerciais. Foi um advogado de Dantas – o ex-Procurador Geral Aristisdes Junqueira – quem convenceu Gurgel a mudar de posição.

Com seu gesto, Gurgel coloca sob suspeitas os próprios procuradores que atuaram não apenas na Satiagraha como na Operação Chacal, que apurava envolvimento de Dantas com grampos ilegais.

Em seu parecer pela quebra do sigilo, Gurgel mencionou insistentemente um inquérito italiano que teria apurado irregularidades da Telecom Itália no Brasil. Na época da Satiagraha, dois procuradores da República – Anamara Osório (que tocava a ação da Operação Chacal na qual Dantas era acusado de espionagem) e Rodrigo De Grandis – diziam claramente que a tentativa de inserir o relatório italiano nos processos visava sua anulação. Referiam-se expressamente à tentativa do colunista de Veja, Diogo Mainardi, de levar o inquérito ao juiz do processo. Anamara acusou a defesa de Dantas de tentar ilegalmente incluir o CD do relatório no processo.

Dizia a nota do MPF de São Paulo:

"Para as procuradoras brasileiras, a denúncia na Itália é normal e só confirma o que já havia sido dito nos autos inúmeras vezes pelo MPF que, a despeito dos crimes cometidos no Brasil por Dantas e seus aliados e pela TIM, na Itália, "a investigação privada parecia ser comum entre todos, acusados e seus adversários comerciais". Além disso, o MPF não pode se manifestar sobre uma investigação em outro país, por não poder investigar no exterior, e vice-versa.

Para o MPF, as alusões da defesa de que a prova estaria "contaminada" não passam de "meras insinuações", pois a prova dos autos brasileiros foi colhida com autorização judicial para interceptações telefônicas e telemáticas, bem como, busca e apreensão. Tanto é assim que outro CD entregue à PF, em julho de 2004, por Angelo Jannone, ex-diretor da TIM, também foi excluído dos autos como prova após manifestação do MPF, atendendo pedido da defesa de Dantas".

Agora, é o próprio PGR quem tenta colocar o inquérito no processo que corre no Supremo e, automaticamente, colocando sob suspeição seus próprios procuradores. E não se vê um movimento em defesa de seus membros por parte da ANPR.

Quando a Satiagraha foi anulada no STJ (Superior Tribunal de Justiça), o Ministério Público Federal recorreu, tanto em Brasília quanto em São Paulo.  Na cúpula, porém, Dantas conseguiu o feito inédito de sensibilizar quatro dos mais expressivos nomes do Ministério Público Federal pós-constituinte: os ex-procuradores gerais Antonio Fernando e Aristides Junqueira (que ele contratou para atuar junto a Roberto Gurgel), o atual PGR e o ex-procurador e atual presidente do STF Joaquim Barbosa.

Levará algum tempo para que a poeira abaixe, a penumbra ceda e se conheçam, em toda sua extensão, as razões objetivas que levaram a esse alinhamento inédito em favor de Dantas.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Fotografia - por David Alan Harvey (National Geographic)

Um adeus à Polícia Federal – por Rafael Guedes (FENAPEF)

Desde muito se discute se esse modelo de segurança pública, especificamente na esfera federal, é o “correto” ou “mais eficiente”. As disputas entre os cargos da Polícia Federal chega a ter uma face medonha, que ultrapassa os temas de atribuições e salariais, chegando até o nível pessoal.

Os delegados argumentam que um cargo só deva conduzir as investigações, e que todos os outros devem auxiliá-lo nessa empreitada. Quando confrontados com o argumento de que o legislador constitucional deu tratamento especial e diferenciado ao remeter à estrutura da Polícia Federal (ver atr. 144 da CF que diz que a Polícia Federal é estruturada em Carreira, no singular), tentando aproximá-la do modelo norte-americano do FBI, os delegados desconversam ou dizem que no FBI também uma carreira só investiga e as outras a auxiliam.

Quando confrontados com os números da ineficiência do Inquérito Policial e sua dispensabilidade, dizem que a legislação e normas (ou as “regras”) do Brasil são assim e que em muitos países é até elogiado esse modelo brasileiro (embora eu particularmente nunca tenha visto tal tipo de elogio).

Quando confrontados com a ideia de carreira única, dizem que nem todos podem ser “caciques”, que tem que ter quem manda e quem é mandado.

O problema central é exatamente esse. O responsável pela investigação NUNCA deveria repassar sua responsabilidade para um terceiro.

Explico.

No modelo americano do FBI, realmente são os Special Agents (não vou nem debater nomenclatura dos cargos entre português e inglês) os maiores responsáveis pela investigação federal e existem outros cargos que os auxiliam. Só que são cargos de outras carreiras, e auxiliam no sentido técnico do termo. São, entre outras, perícias, exames laboratoriais e operações táticas ostensivas, trabalhos pontuais que permeiam a investigação e a complementam. É só entrar no próprio site do FBI (http://www.fbi.gov/) que se vê claramente as diferentes carreiras do órgão e como as atribuições diferem.

Nenhum Special Agent determina, ordena ou requisita que outro cargo faça a investigação para ele. É ele mesmo que vai para as ruas e realiza a diligência. A requisição que faz a outros cargos é referente a questões técnicas que ele não tem atribuição ou conhecimento para realizar.

E é por isso que o modelo brasileiro é tão falho e ineficiente. O policial que realmente tem contato com a investigação de rua não é o responsável pela mesma. Pior, o responsável pela investigação não vai às ruas investigar. Ele elabora o relatório baseado no que ouve e lê de terceiros. Seu contato com a investigação chega a ser mais superficial que do agente que realmente a realiza. Salvo raras exceções, o responsável não vai fazer vigilância, não faz a interceptação telefônica, não vai até a casa e conhece os arredores da vizinhança do alvo, não observa os trejeitos e hábitos do alvo, não conhece o tipo de relação que ele tem com outras pessoas, nem detalhes de sua vida pessoal.

Ele recebe esses dados prontos e faz o esforço de estabelecer o nexo entre eles, porém não tem o contato necessário para perceber todos os detalhes. Daí sua superficialidade. No momento de realizar o relatório do inquérito, muitos detalhes importantes são perdidos ou passados despercebidos porque o responsável não esteve presente para notar essas nuanças e avaliar sua importância na apuração. Seu conhecimento da investigação nunca será pleno e, logo, nunca superará d e forma relevante o índice de cerca de 5% de solução (sim, apenas 5% dos inquéritos levam a processos penais).

E por quê? Qual o motivo da falta de interesse em ir atrás pessoalmente dessas informações, como os Special Agents fazem?

Talvez a explicação esteja no fato de que a maioria dos delegados estão tão sedentos em poder mandar que se contentam apenas com isso. Mandam outros realizarem a investigação. Numa ânsia de serem como Juízes, procuram insistentemente uma carreira jurídica exatamente para poderem se desprender do trabalho policial sem perder o status de “ser polícia”; um tipo de polícia exótica em que o trabalho policial em si é realizado por outro. Muito diferente dos Special Agents que estão sempre em campo realizando as diligências.

Isso pode ser observado no fato de que diversos delegados constantemente realizam concursos para Juízes e Procuradores. Logicamente não se pode dizer que o trabalho desses cargos se reduz a isso, ou que essa é a intenção de todos os delegados; e evidentemente o subsídio mais alto é um atrativo. Inclusive esse é um fato observado em muitos colegas ex-Agentes que realizam o concurso de delegado: querem ser polícia recebendo mais. Claro, quem não quer? Porém é também fato que vários assimilam essa ideologia de almejarem trajetórias nos moldes dos citados Juízes e Procuradores e “mandarem” mais.

Vale lembrar que esses citados cargos exigem em seu processo seletivo experiência na área de atuação, coisa que inexiste no concurso de delegado. E realmente não precisa existir, desde que o investigador aprenda a fazer o seu trabalho nas ruas e não apenas no gabinete.

Em qualquer modelo eficiente de polícia, o policial aprende a ser policial nas ruas e sua experiência é o principal recurso humano que ele tem. Quer ser o responsável pela investigação? Louvável, eu aplaudo, mas seja inteiramente responsável e faça o “trabalho braçal” também, pois é ele que o qualifica como policial. Se o policial investiga e o Ministério Público denuncia, então é hora de assumir a responsabilidade e dar cabo da investigação em todos os seus aspectos.

Mas também já ouvi delegados dizerem: “são muitos IPLs, não dá pra aprofundar em todos”. Realmente não dá se cada vez mais existir essa intermediação. Se todo policial de todos os cargos fosse responsável por um número determinado de investigações, isso seria possível. É assim que funciona em outros modelos mais eficientes: o policial recebe a denúncia do superior e realiza a investigação. É matemática simples: é muito mais eficiente 20.000 policiais dividirem 100.000 investigações que 2.000 pegarem as mesmas 100.000 e colocarem os outros 18.000 para auxiliá-los. A resposta não é aumentar quem manda os outros fazerem, é colocar todos para fazer.

Isso leva a outra questão: com certeza nenhum Special Agent novato entra mandando em nenhum outro cargo de investigação. O modelo correto, e lógico até, é o novato entrar e aprender o trabalho com o mais antigo, que servirá de tutor do novato.

E novamente, no exemplo do FBI, não é um Intelligence Analyst que vai ensinar o Special Agent, mas sim um Special Agent mais antigo. Se dois cargos fazem o mesmo trabalho, ou o “auxiliar” tem que ensinar os detalhes importantes esse trabalho, então há algo errado com a estrutura.

No DPF, infelizmente, isso acontece com muita freqüência, especialmente em lugares onde a rotatividade dos servidores é alta. Quantas vezes o Delegado novato tem que perguntar ao Agente antigo, com experiência na área, qual sua sugestão, o que ele acha que deveria ser feito. Quantas vezes chega a perguntar “onde que eu assino”, ou “o que eu escrevo aqui” em procedimentos de Polícia Administrativa. É incabível pensar que o Delegado novato tem qualquer tipo de capacitação (excluindo-se, claro, conhecimentos prévios específicos) que o qualifique para conhecer mais sobre determinado crime que um Agente experiente, que está há anos trabalhando nessa linha de investigação. E ainda assim, esses novatos se consideram superiores hierárquicos e insistem em chamar os outros de auxiliares a ponto de acharem inadmissível que um Agente experiente seja mais bem remunerado que um Delegado novato, embora os dois cargos sejam de nível superior e tenham o mesmo tempo de academia.

Claro, os delegados dirão que o Agente nunca faz tudo que o Delegado faz, mas o contrário sim, afinal o IPL é cheio de detalhes burocráticos e formalidades legais que apenas os Delegados podem cumprir. Mas para que? Se podem fazer tudo que o Agente faz, então por que não o fazem? Por que tem que ordenar que outro faça o trabalho de fato para ele e apenas reúne as informações e as compila? Por que não seguir a tendência mundial que se mostra mais eficaz? Que tipo de policial é esse que prefere não fazer o trabalho realmente policial?


Outro tópico correlato que é bizarro na estrutura da Polícia Federal: qual a explicação para um servidor formado em Direito ser mais indicado para assumir uma chefia de uma Diretoria de Logística ou de Gestão de Pessoal que um formado em Administração? Que um formado em Comunicação Social para ser chefe da Divisão de Comunicação Social? Que um formado em Psicologia para ser chefe de Recursos Humanos? Que um formado em Relações Internacionais para ser chefe da Coordenação de Cooperação Internacional?! Que um formado em Sistemas de Informação para ser chefe da Coordenação de Tecnologia da Informação????!!!! Todas essas chefias são ocupadas por Delegados, os quais nitidamente não possuem as mesmas qualificações citadas acima (novamente salvo raras exceções). Defendem com unhas e dentes a manutenção do sistema inquisitório do IPL e vários estão desviados dessa função.

Infelizmente só consigo enxergar o motivo explicitado acima para justificar tudo isso: a sede de poder mandar. Enquanto os responsáveis pela investigação criminal pensarem assim, o modelo brasileiro e a estrutura da Polícia Federal continuarão a ser ineficientes.

Sei que existem Delegados que discordam do modelo atual e também gostariam que as coisas fossem diferentes ou que ao menos dão o melhor de si para serem os mais eficientes possíveis dados a estrutura e o sistema. Porém, tristemente, são a minúscula minoria.

Sempre busquei o DPF com uma visão muito diferente da que tenho hoje, uma primeira visão bem mais otimista e até ingênua. E em pouco tempo, meu ímpeto e esperanças referente ao órgão, ao trabalho e ao sistema forem esmorecendo a ponto de quase serem obliterados. E isso me deixa com muito pesar, pois sempre sonhei em ser Policial Federal e contribuir para a segurança pública do país.

Porém, sinto que chega próxima a hora de procurar outra carreira; uma em que as coisas façam um pouco mais de sentido.



Comentário

É um debate interessantíssimo que tem que ser posto na mesa urgentemente. A forma como as polícias se estruturam no Brasil é uma piada.

A PEC 37, já rejeitada pelo congresso, não interferia no que de fato seria essencial (nem pro bem, nem pro mal), pois é na estruturação das polícias que esta o nó górdio da grave crise de segurança pública que o Brasil enfrenta. (Aliás, faço uma digressão no sentido de propor uma reflexão: será mesmo que vivemos uma crise na segurança pública? Crise pressupõe transitoriedade - o que não é, definitivamente, o caso).


Outro ponto, os delegados querem receber como promotores. Assim como os professores de universidades federais querem receber como pesquisadores, é natural, a luta por melhoria salarial é de praxe dentre os trabalhadores.
Porém, duas coisas devem ser consideradas a este respeito.
A primeira é a total discrepância entre os salários dos membros do poder judiciário com os do restante do funcionalismo público brasileiro.
O que é de lastimar, pois, o judiciário é justamente o poder mais fechado, mais conservador, não prestam contas a ninguém (como o próprio atual presidente do STF disse literalmente) – e tem uma eficiência péssima. Como recebem bem mais que os outros poderes, era de se esperar que dessem um retorno adequado a sociedade. Não o fazem, muito ao contrário.

A segunda é a discrepância entre a remuneração do funcionalismo público em geral, com aquilo que o próprio estado considera como o salário necessário para a subsistência (salário mínimo).
Esta diferença, convenhamos, é um (outro tipo de) escândalo.

Angel Diaz - Robô pirata (Arte digital - Coolvibe)

O erro da gestão como alternativa à política - por Assis Ribeiro (Blog do Nassif)

Volto para afirmar que o problema é político, e deve ser analisado por este prisma. A "gestão", como prioridade de governo vem ocorrendo desde a implementação do neoliberalismo com Reagan e Thatcher, e os resultados pelo mundo estão aí para todo mundo ver.

O seu objetivo é reduzir os governos centrais e transferir para o particular funções de Estado, e neste sentido a própria "gestão" dentro dos governos deixa de priorizar serviços essenciais de natureza pública, e com o lema crescer, crescer, crescer passa a cuidar com exclusividade das condições que possam favorecer o desempenho das indústrias e do agronegócio, o dinheiro público deixa de ser utilizado para investimentos dos chamados serviços públicos essenciais e é direcionado para o setor privado.

Esse é o crescimento neoliberal aprofunda desigualdades, traz dificuldades no acesso à educação e saúde e cria precárias condições de vida para a  população, exceto para aqueles que podem pagar pelos caríssimos serviços particulares médico-hospitalar e escolas particulares.

Em nome da "gestão" outros conceitos e eufemismos são utilizados como armas para reduzir o Estado, por exemplo:

"Reforma". Termo sempre utilizado para a eliminação de direitos do trabalho, para o fim da regulamentação pública do capital e à redução de subsídios públicos que tornavam a vida do pobre mais acessível, e nunca no sentido de possibilitar mudanças que diminuíam desigualdades e aumentavam a representação popular, promoviam o bem-estar público e a restrição do abuso de poder por regimes oligárquicos ou plutocráticos.

"Austeridade". Utilizado para encobrir os cortes em salários, pensões e bem-estar público. Com a "gestão", medidas de "austeridade" passam a significar políticas para proteger e mesmo aumentar subsídios do Estado a negócios e negociatas, criar lucros mais altos para o capital e maiores desigualdades.

"Recuperação econômica".  Significando a recuperação de lucros pelas grandes corporações. Ela disfarça a ausência total de recuperação de padrões de vida para as classes trabalhadora e média, a reversão de benefícios sociais e as perdas econômicas.

"Eficiência". Com esta máxima a "gestão" dos governos maquiaram as privatizações, e os serviços públicos essenciais e os estratégicos foram transferidos para o setor privado.

Fiquemos apenas nestes exemplos, e passemos a analisar as causas dos movimentos de ruas.

Esses movimentos que passam a ocorrer, com constância, pelo mundo é fruto desta despolitização. A política se reduz a atender interesses privados.

Enquanto na UE a luta da população é para não perder as condições trazidas pela política do "bem estar social", bons serviços públicos e que atendeu à todos, no Brasil a luta será ainda mais acirrada pois por aqui nunca tivemos essa mínimas condições de vida dignas.

Quando se tenta minimizar o movimento que surge com o MPL, qualificando-o como se fosse de um bando de baderneiros, de filhinhos de papai, sem objetividade, de um movimento difuso, tenta-se apenas enterrar a cabeça no buraco para não enxergar o óbvio.

Esse óbvio é que com a democratização, com o acesso maior às informações e o avanço do neoliberalismo no nosso país as frágeis condições mínimas de serviços públicos essenciais  se tornam mais evidentes.

Nada de difuso é o movimento. Ele é bastante claro e específico, e suas bandeiras estão completamente dentro do que é o "bem estar social"; é isso que o movimento quer. Toda a insatisfação manifestada está dentro dos precários serviços de transportes, educação e saúde, que são básicos e essenciais para a vida da população.

Mesmo as bandeiras de não à corrupção e as críticas às construções dos estádios, passam pelo prisma de que o governo deu prioridade à serviços não essenciais e que a corrupção é ralo de altos desvios de dinheiro que deixam de ser investidos na melhoria da qualidade de vida, e na própria condição de manutenção do "status quo" de privilégios aos mais ricos.

Promover o crescimento do país com base na ideologia neoliberal, acima mencionada, ou promover o desenvolvimento com as ações de algo próximo ao "Estado de bem estar social" é decisão exclusivamente política e não tem, em sua origem, nada de gestão.

Comentário
Para o neoliberalismo, não há cidadãos, só há consumidores. Você só tem algum direito quando tem dinheiro para comprá-lo – e não pelo fato de ser um ser humano.
De acordo com a teoria neoliberal o estado deve ser mínimo – neste mínimo praticamente só passam duas coisas. A primeira, um judiciário conservador, obtuso e mantenedor do status quo. A segunda, que o aparato do Estado seja intenso na utilização de forças repressivas, a cada vez que o trabalhador requerer do próprio Estado condições dignas de existência. 
Em resumo, para os neoliberais o Estado só serve para uma coisa: oprimir e massacrar os trabalhadores quando eles se insurgem contra as precárias condições que o próprio neoliberalismo acarreta contra eles.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Fotografia editada - por Camille Sanson (Site homônimo)

Verdadeiro embate começou e será longo - por Vladimir Safatle (Folha)

Não haverá mais política como conhecemos até agora. Daqui para a frente ela irá em direção aos extremos.

Uma sociedade, quando passa por mobilizações populares como as que vimos nas últimas semanas, fica para sempre marcada.

Nesse sentido, devemos nos preparar para um embate de outra natureza. Quando a política popular ganha as ruas em uma reação em cadeia, todo o espectro de demandas sobe à cena.

Uma contradição de exigências que pode dar a impressão de estarmos em um buraco negro da política. No entanto, não há que temê-la, pois tal contradição é a primeira manifestação de um novo conflito de ideias que servirá de eixo de combate.

Por isso, a política brasileira não se dará mais no interior de partidos que há muito perderam sua função de caixa de ressonância dos embates sociais. Ela será decidida nas ruas.

Foi assim em países como Tunísia e Egito. As manifestações foram engendradas por estudantes esquerdistas e sindicatos com demandas parecidas com as nossas: democracia direta, reconstrução de serviços públicos gratuitos e de qualidade, Estado de bem-estar social, luta contra corrupção e corruptores.

No entanto, rapidamente o descontentamento mobilizou também salafistas e setores muçulmanos nacionalista-conservadores.

De fato, há uma luta em torno do rumo da maior mobilização popular recente do país. Por exemplo, setores conservadores da imprensa nacional, amigos até a hora da morte do imaculado são Demóstenes Torres, tentam impor sua velha pauta de sempre, a saber, indignação seletiva contra corruptos, mas silêncio tumular contra os corruptores (empreiteiras, bancos e empresários).

Mas que os que lutaram durante todos esses anos por universidades mais democráticas, mais impostos para os ricos e mais serviços sociais para os pobres, direitos iguais aos homossexuais e causas ecológicas radicais recolham suas bandeiras, eis algo que a história nunca perdoará.

Agora é hora de compreender que o verdadeiro embate começou e será longo.

Um dia teríamos que nos confrontar duramente com aqueles que têm o despudor de se chamarem “nacionalistas” em uma época em que “nação” só significa fronteira, limite, expulsão da diferença e defesa dos bons valores preconceituosos da “nossa terra”.

Não temos problemas em nos declararmos sem nação, sem pátria, sem identidade, porque nos apegamos a um desejo de igualdade que desconhece fronteiras.

Mas, e isso eles verão, nosso desejo é mais forte. Agora não é hora de medo. Agora é hora de luta.

Fotografia - por Walter Meayers Edwards (National Geographic)

Cansei do Leblon: “here is not Venezuela” - por Rodrigo Vianna (Escrevinhador)

Cansei do Leblon: "the book is on the table"
Quem viu de perto os ataques da ultra-direita na avenida Paulista, quinta-feira passada, e quem acompanha a forma como grupos conservadores avançam na internet (de forma organizada) tinha mesmo motivos pra ficar preocupado. Entre sexta-feira e sábado, recebi dezenas de mensagens de pessoas amigas ou leitores do blog, perguntando: o que vai acontecer? Há um golpe em andamento? Vamos com calma.

As manifestações de rua de junho começaram com uma pauta popular: reduzir tarifas. E ela foi vitoriosa. PT e Haddad, PSDB e Alckmin, PMDB e Cabral: as lideranças políticas do país ficaram desnorteadas. Num segundo momento, sim, os conservadores tentaram capturar as manifestações, pautando outros temas. Esses setores – de classe média – são os mesmos que em 2006 empunhavam cartazes com a mão de 4 dedos (brincavam, de forma ofensiva, com o defeito físico de Lula) dizendo que o operário não teria mais quatro anos na reeleição, e que era hora de “acabar com essa raça”. Em 2007, essa mesma turma tentou colar em Lula a culpa pela queda do avião da TAM… Em 2009/2010, vieram  mensagens sobre a “Dilma terrorista”, a ficha falsa na Folha, a “Dilma aborteira”, o terrorismo psicológico às vésperas da eleição.

E os ataques não eram só aos líderes petistas. O conservadorismo atacou durante anos: o “bolsa-vagabundo”, as “quotas pra incompetentes”, os “nordestinos que estragam o Brasil”… E mais recentemente, encampou o ataque aos direitos LGBT.

Portanto, o conservadorismo não surgiu agora. Ele estava, desde 2010, dormindo no fundo da lagoa. O monstro, que já emergira com Feliciano, botou todo o corpo pra fora dágua e arreganhou os dentes.

O DataFolha mostrou que o perfil dos manifestantes em São Paulo é de 80% de pessoas com ensino superior. Ou seja, o povão não foi às ruas. Há, no entanto, algo a se registrar: primeiro que a imensa maioria não era de fascistas, ainda que muitos parecessem propensos a aceitar palavras de ordem conservadoras; segundo, havia nas ruas muitos jovens da tal “Classe C”. Não eram maioria, mas estavam lá. E aderiram em massa às palavras de ordem puxadas pela classe média conservadora: “povo unido não precisa de partido”. Essa palavra de ordem parece fascista. Mas não eram só os brucutus fascistas que a entoavam. Há muita insatisfação com os partidos. E quem tentar fechar os olhos a isso cometerá grave erro.

Em resumo, poderíamos dizer: o trabalhador que melhorou um pouco de vida nos anos Lula/Dilma não foi às ruas até agora. Mas o filho dele foi.

A impressão (é só isso mesmo, uma impressão) é de que esse movimento não incendiou (todo) o país, nem ganhou (ainda) os setores populares. A disputa está por ser travada.

Passeei o fim-de-semana no Rio. No sábado, andei pela região da Barra da Tijuca. Imaginei que poderia haver muitas faixas nas janelas dos prédios daquela região – que reúne classe média conservadora e também setores ascendentes vindos da zona oeste. Nada disso. As ruas estavam em silêncio. Nos restaurantes e padarias, a turma queria era ver o jogo do Brasil. Domingo, participei de uma corrida de rua, no Recreio dos Bandeirantes. O público era de classe média.  Havia uma multidão de corredores. Na largada, nenhuma faixa, nenhum cartaz. E as conversas eram sobre os gols de Fred ou a falha do Buffon na cobrança de falta pelo Neymar. Um ou outro comentava os ataques da “bandidagem” a lojas na Barra, na sexta-feira. E só.

Na tarde de domingo, passei rapidamente pelo Leblon. Aí, sim, havia manifestação. E o perfil era o das velhas passeatas do Cansei. Classe média, branca, e cartazes curiosos. Um deles: “país rico é país liberal”. Outro: “Petrobras belongs to the people. Here, it is not Venezuela” (assim mesmo, em inglês). Havia também mensagens em alemão… O que me deu certo arrepio. Mas talvez seja preconceito antigermânico de minha parte…

No Rio, percebo que o “medo” geral não é de um avanço da direita… Mas dos traficantes que estariam baixando dos morros pra “tocar o terror” no asfalto.

Ao mesmo tempo, movimentos sociais populares começam a ser organizar, para disputar a pauta, pela esquerda. Houve várias reuniões na periferia de São Paulo. O Movimento Passe Livre deve concentrar seus atos na periferia.

Acredito que nos próximos dias a tendência seja a seguinte:

- certo refluxo nas manifestações puxadas pela classe média, que ainda assim contará com a velha mídia para pautar PEC 37 e combate à corrupção como temas centrais (essa agenda interessa àqueles que pretendem lançar Joaquim Barbosa à presidência);

- movimentos sociais e organizações populares vão aprofundar a mobilização pela esquerda, com ou sem apoio do PT e do governo (como concluiu Safatle, em artigo brilhante, o combate agora se trava nas ruas, e será longo).

Ainda assim, não creio num clima de “conflagração” aberta. Dilma fez um discurso de moderação na sexta: tentativa de conquistar a “maioria silenciosa”. Ao contrário de outros países latino-americanos, o governo brasileiro não adota a tática do confronto. Ao contrário, emite sinais de contemporização, inclusive com a velha mídia. O que foi a entrevista de Paulo Bernardo à Veja, se não isso? Dilma, através do oportunista ministro, parece ter mandado recado à velha mídia: “há espaço pra vocês no acordo que tentarei costurar para pacificar as ruas”.

Que pacificação é essa? Quem vai dominar a coalizão que pode surgir daí?

O governo Dilma não percebe , mas parte da esquerda não tem mais motivos para defendê-lo. Isso pode se aprofundar até 2014. A questão para os movimentos populares agora será defender não o governo, mas a Democracia, fazendo avançar a pauta de esquerda. Com ou sem PT.

Uma nova esquerda vai brotar, por fora do PT, se o partido seguir adiando indefinidamente a decisão de elaborar uma nova pauta, pela esquerda.  Mais adiante (2014, ou 2018) o partido pode ser atropelado: pela direita e pela esquerda.

Por hora acho que há espaço para Dilma e esse PT pragmático manobrarem, contando com a maioria silenciosa que não quer botar fogo no país. Mas isso apenas adia o momento da definição. Não cabe todo mundo mais na grande coalizão lulista.

A manifestante do “Cansei do Leblon” parece ter acertado. Ainda que por vias tortas. De fato, aqui não é a Venezuela. Para o bem e para o mal, essa não é a terra dos confrontos abertos. Mas eles não podem ser adiados pra sempre. Dia desses, quem sabe, acordamos cedo e descobrimos que São Paulo ou o Rio (ou BH, ou Salvador, ou Brasília) viraram Caracas.

O Guardião dos Portais - por David Arcanuthurry (Arte digital - Coolvibe)

O fim de um ciclo? - por Wagner Iglecias (Blog do Nassif)

Os líderes da oposição têm argumentado que o momento que o país vive simboliza o fim de um ciclo. Referem-se ao ciclo do lulismo, baseado na incorporação de milhões de pessoas ao consumo, via geração de empregos, programas de transferência de renda e ampliação do acesso ao crédito. Um ciclo que garantiu a reeleição de Lula em 2006 e a eleição da então quase desconhecida Dilma Rousseff em 2010. Sustentar que esse ciclo se encerrou, obviamente, faz parte da guerra de versões sobre o que está se passando no país atualmente. A oposição fala mirando 2014, tentando desgastar ao máximo o governo, o que é legítimo num regime democrático. Por outro lado intelectuais, como André Singer, criador do próprio termo lulismo, lêem a conjuntura de modo mais imparcial, mas também apontam para os limites de um modelo reformista que, se por um lado incluiu milhões de pessoas ao consumo, por outro mostra que não está imune à desaceleração da economia, gerando as tensões a que todos temos assistido.

De fato esse junho de 2013 mostra que talvez estejamos diante do fim de um ciclo, sim. Mas não me arriscaria a dizer que é o fim do ciclo do lulismo, seja em seus aspectos econômicos ou no que diz respeito ao apoio das massas populares a Lula, a Dilma e ao petismo. Se milhares de pessoas saíram às ruas de todo o país nas últimas semanas, há que se notar que num primeiro momento foi gente de classe média, dos grandes centros urbanos, e mais recentemente gente mais pobre, das periferias das grandes cidades e dos municípios do interior. Estes últimos, como estamos vendo, têm ido às ruas por questões que há muito tempo afligem o cotidiano dos que têm pouco dinheiro no Brasil: a falta de escola, de hospitais, de transporte, de moradia, de saneamento básico e o fim da violência por parte do Estado. É uma pauta bem diferente daquela da classe média tradicional, que marchou nas praças e avenidas das grandes cidades com seus temas como o combate à corrupção, o arquivamento da PEC 37 ou as reiteradas críticas ao governo federal.

No entanto, entre as muitas novidades trazidas por este junho de 2013 está o fato de que boa parte desta classe média tradicional, que jamais havia posto o pé na rua para reclamar ou reivindicar nada, também protestou por temas como saúde, educação, mais transparência e melhor gasto do dinheiro público. Num certo sentido não deixa de ser uma pauta conservadora, calcada na idéia de que o governo tem de gastar melhor e de forma mais clara os recursos obtidos com os tributos pagos pelo cidadão. Por outro lado, parece ser a primeira vez em muito tempo que esta mesma classe média tradicional sai da lógica do privado e volta a pensar o Estado. A turma que sempre apostou no automóvel, na escola particular e no plano de saúde pode estar mudando de postura.

Explico-me. O Brasil, saído da ditadura militar em 1985, mal havia conseguido desenhar a Constituição de 1988, que nos prometia um Estado de Bem Estar que jamais tivemos, e já foi atingido pela onda neoliberal, a partir da eleição de Collor de Mello, um ano depois. O discurso de Collor, que prometia levar o Brasil ao Primeiro Mundo, tinha como principal alvo o Estado, tido e havido como quase um inimigo da sociedade. Durante o governo FHC as coisas não foram tão diferentes, e se não foi consenso, foi amplamente apoiada em vários setores da sociedade a idéia de que o desenvolvimento viria através de um Estado enxuto, quase que reduzido a funções meramente regulatórias. Com Lula o cenário mudou um pouco, com a retomada, não pouco polêmica, do papel indutor do Estado, tanto do desenvolvimento social, ajudando os mais pobres, quanto do desenvolvimento econômico, fomentando setores empresariais. Lula mesmo parece ter apostado que a inclusão dos mais pobres no mercado seria a fórmula mágica pela qual todos se beneficiariam, inclusive empresários e classe média tradicional, por conta do maior giro da economia. Num certo sentido, embora nunca tenha sido este o discurso lulista, conduziu o país, na prática, à parte da imagem que temos do tal Primeiro Mundo, pautada pela universalização do consumo entre todos os extratos sociais.

As ruas, no entanto, talvez estejam a nos mostrar que se o ciclo lulista não acabou, mas certamente se desacelerou, algo novo pode ter sido gestado. E esse novo talvez seja a concepção de que só o mercado, ou de que só pelo consumo, o país não vai superar seus problemas. Os mais pobres, como sabemos, do mercado nunca puderam esperar muita coisa, e sempre tiveram no Estado a sua esperança de melhoria de vida. O fato novo parece ser uma mudança de concepção da classe média tradicional, que durante anos virou de costas para o Estado e agora parece estar se dando conta de que só com o mercado não consegue resolver seus problemas. Se essa hipótese faz sentido, podemos estar diante do fim de um ciclo e o início de outro, novo. Mas um ciclo novo que diz mais respeito a uma progressiva mudança de mentalidade dos setores médios da sociedade do que propriamente ao fim de um período de dinamização econômica e melhoria social pautado na inclusão, por baixo, dos mais pobres. A ver.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Fotografia - por bglog.net

A tarefa mais urgente: conversar sobre o Brasil – por Saul Leblon (Carta Maior)

A democracia deve ser exercida ali onde está o poder.

Não há nada mais precioso na vida de uma Nação do que o momento em que o poder se define nas ruas.

Assegurar que ele seja um poder democrático é a tarefa mais urgente no Brasil nesse momento.

As forças progressistas, preocupadas com os rumos das legítimas manifestações de massa em todo o país, tem uma tarefa simples, prática, urgente e incontornável.

Reunir-se em todos os fóruns possíveis para exercer a democracia dando-lhe um conteúdo propositivo.

Conversar sobre o Brasil.

Entender o momento vivido pelo Brasil.

Formular e reforçar linhas de passagem entre o país que já temos e aquele que queremos ter.

Que temos o direito de ter.

Não há tarefa mais importante na luta pelo desenvolvimento do que criar valores.

Não propriamente aqueles negociados em Bolsa.

Mas valores que coloquem a economia e os recursos a serviço da sociedade.

Como bem disse a Presidenta Dilma em seu discurso de 6ª feira, ‘Precisamos oxigenar o nosso sistema político. É a cidadania , e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar".

É crucial dar organicidade a esse princípio.

Os valores que vão ordenar a travessia para o novo ciclo de desenvolvimento estão sendo sedimentados nos dias que correm.

As forças progressistas devem participar ativamente da carpintaria dessa moldura histórica.

Como?

Organizando-se para ir às ruas.

Reunindo-se previamente para conversar sobre o Brasil.

Em núcleos de base dos partidos, nos diretórios, sindicatos, associações de moradores, nos locais de trabalho, nos círculos de vizinhança, nas escolas, nos condomínios, com a turma do futebol ou a do facebook.

Fóruns já existentes, mas enferrujados, devem ser ativados; outros novos precisam ser criados.

O anseio por mais democracia revelado nos últimos dias não pode ser desperdiçado.

Não deve ser sufocado.

Nem desvirtuado.

Quem entorpece o discernimento social tangendo justas aspirações para o terreno pantanoso do apartidarismo totalitário, conspira contra a democracia, falando em nome dela.

A mobilização progressista exige referências aglutinadoras.

Elas estão igualmente em curso.

Nos últimos dias, em diferentes pontos do país, os encontros se multiplicam.

Na 6ª feira, por exemplo, cerca de 800 pessoas, representando 80 entidades reuniram-se no Sindicato dos Químicos em São Paulo, à convite do MST.

Em pauta: mobilizar um milhão de pessoas em São Paulo, em defesa de um Brasil onde a democracia participativa paute o destino da sociedade e o futuro da economia.

Neste sábado, na Casa da Cidade, em SP, mais de 200 intelectuais, sindicalistas, integrantes do PSOL, PSTU, PT etc reuniram-se com o mesmo espírito.

São apenas dois exemplos. E eles não podem ser mais que dois, entre centenas, nos próximos dias.