sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sobre meninos e cavalos - por Matheus Pichonelli (CartaCapital)

     Ao ser criticado por internauta, Danilo Gentili distribui coices, pedras e lições de física sobre ação e reação 


     O humorista-geral da República Danilo Gentili é tão bom em piada como em ciência política. Isso qualquer mortal disposto a encarar suas sentenças definitivas sobre mulheres, minorias e condenados pode conferir em seus acessos de sacadas lógicas na tevê ou redes sociais. O que pouca gente sabe é que o comediante, antes de tudo, é também um mestre da física.


     Durante a semana, Gentili exibiu sua intimidade com as leis consagradas de ação e reação ao bater-boca com uma internauta pelo Twitter. Porque no mundo, ensinou o comediante, somos todos pedras. Ensinam-nos nas escolas que para toda interação, na forma de força, que um corpo A aplica sobre um corpo B, dele A recebe uma força de mesma direção, intensidade e sentido oposto. A lei da física é, portanto, justa: o movimento é proporcional à ação anterior. Na lei gentílica, não importa que entre uma pedra e outra exista uma claque composta por milhares de pedras com milhares de outras pedras nas mãos: as respostas serão todas equivalentes. Assim, em uma luta entre covardes, estamos todos autorizados a responder um peteleco com um tiro de fuzil.



     Em 2012, o escritor Paulo Coelho declarou que Ulysses, clássico do irlandês James Joyce, não renderia um tuíte. A declaração também renderia um tuíte, mas serviu como resgate a uma analogia memorável. Em resposta ao escritor brasileiro, Stuart Kelly, crítico de literatura do britânico Guardian, recorreu a uma frase do escritor e pensador inglês Samuel Johnson para responder a outro crítico no século XVIII: “Uma mosca pode picar um cavalo, mas o cavalo continua a ser um cavalo, e a mosca não mais que uma mosca”.



     Como o humorista brasileiro é especialista em física, e não em cavalos ou moscas, as pedras ancoradas na lei da ação e reação couberam-lhe melhor. Foi um massacre. Para quem não acompanhou, tudo começou quando uma internauta escreveu, em seu perfil no Twitter, que faltava embasamento para as posições políticas do apresentador, algo que até as pedras nas mãos de sua plateia teriam dificuldade em refutar. A crítica aconteceu após a entrevista, na terça-feira 10, com um colunista e escritor autodenominado especialista em caviar e movimentos sociais. Eis o peteleco: “O Jô Soares é de direita, mas é respeitado, pois tem conhecimento (leitura). Agora, esse Danilo Gentili cita a Forbes. Ridículo”.



     Até ali, as pedras estavam na posição de origem: uma figura pública, exposta até a alma em ambientes públicos, era alvo de uma crítica (ou peteleco, se preferir). Injusta? Talvez. O silêncio deixaria as coisas como estavam: um peteleco é um peteleco, uma mosca, uma mosca, um cavalo, um cavalo, concluiria Johnson. Faltou combinar com a lei da física, que transforma seres animados (piadistas, inclusive) em fragmentos monolíticos fadados a ação e reação. Pedras e coices voaram. Como reação à ousadia de comparar Gentili a Jô Soares, a internauta foi chamada de “puta” e “chupadora de rola”. Conheceu assim outra lei da física: a que devolve provocação com misoginia.



     “Chupadora de rola de genocida e corrupto detected. Quem quiser deixá-la molhadinha, basta assassinar alguém. Ela pira!”, escreveu o humorista para seus mais de 5,3 milhões de seguidores.



     A plateia, sem saber se era para rir ou latir, seguiu em coro os ataques contra a internauta conclamados pelo chefe. A palavra de ordem foi: "Fanzocas a xingue (SIC) de puta". Muitos (mulheres, inclusive) obedeceram.



     Como comparou o autor de um texto certeiro divulgado no dia seguinte, foi como conclamar uma multidão acéfala – que, como pedras, obedecem acriticamente aos chamados do líder – a invadir a sala da provocadora, que não tem uma multidão em seu favor, e praticar o morticínio. Ao criticar o piadista, a internauta o expôs o humorista ao seu grupo de seguidores (1.246 até o fechamento deste post), um grupo menor do que o dos espectadores ligados na tevê – que tinham, diante da exposição, tanto direito de considerar o piadista um gênio como um “boboca” (estes últimos, como precede a lógica, só não aplaudem as piadas porque são condescendentes com os crimes contra a República cometidos por político corruptos).



     “Ela apareceu do nada na minha TL xingando gratuitamente eu e o Roger (SIC). Por quê? Porque não satisfizemos o ego dela falando na TV o que ela queria ouvir. Acredita que cometemos o crime de dizer algo que ela não concorda?", disse Gentili, segundo reproduziu o portal Terra. A essa altura o piadista já se abraçava a tudo o que aprendeu na escola sobre gratuidade, justiça e, claro, física. Ao responder a ela, com coices, pedras e dinamites, o apresentador a jogou na jaula dos leões imaginando estar ancorado na equidade proporcional de forças.



     “A dondoquinha só pode xingar os outros, mas receber um xingamento como resposta não pode! Judiação não é mesmo? Ela só quer a metade da lei natural - a da ação. A da reação ela considera 'desrepeito' (SIC). É a ditadura do coitadinho que só pode ofender mas não pode ser ofendido. Qual é a conclusão? A conclusão é que o que falta mesmo é um pau bem grande no cu de todo mundo. Reflitam sobre isso. Esse é o desafio pra 2014: mais pau no cu de todo mundo.”



     Refletiremos, Gentili. Estamos todos refletindo.

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