segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

As mudanças da Igreja Católica com o papa Francisco - por Francisco Borba Ribeiro Neto (Último Segundo)

Tudo leva a crer que serão feitas grandes mudanças na estrutura da Cúria Romana já a partir do ano que se inicia

Neste final de ano, com a Igreja Católica e o mundo sacudidos por este furacão promovido pelo Papa Francisco, é natural nos perguntarmos sobre o que vem por aí. E o papa já deu indicações precisas em seu documento que saiu no final de novembro, a Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho).

O amor em primeiro lugar

A coisa mais importante para Francisco é o amor gratuito de Deus por nós. E a pessoa que se sabe muito amada é levada naturalmente a amar muito. Quem sabe que foi amado de forma gratuita, sem ter necessidade de dar nada em troca (e quantos de nós não dariam a vida para viver um amor assim!) não apenas ama muito, mas ama a todos. Se vocês querem ser alegres, felizes – diz o papa – se abram ao amor gratuito e imenso de Deus – e, se fizerem isso, não apenas compreenderão que Deus existe e é bom, mas também se sentirão levados a amar a todos.

O Papa Francisco durante a celebração 
da Missa do Galo, no Vaticano
Foto: AP
O papa está disposto a pôr todo o resto em questão para que cada um viva esta experiência de amor. Isto não implica abandonar as normas do catolicismo, mas sim colocá-las no devido lugar – isto é, a serviço do amor, e não acima dele. Todas estas questões que sempre atraem a curiosidade e ocupam espaço na mídia são secundárias diante do amor de Deus. Mas, como atraem e incomodam, vamos a elas.

O papa vai mudar radicalmente a estrutura do Vaticano?

Tudo leva a crer que serão feitas grandes mudanças na estrutura da Cúria Romana – que começarão já em 2014. O que já está claro é que haverá um aprimoramento e fortalecimento dos órgãos de gestão e controle financeiro do Vaticano e que as mudanças virão respaldadas pelas propostas do conselho de oito cardeais que Francisco instituiu para assessorá-lo nesta e em outras questões.

O problema não é que a cúpula da Igreja está imersa num mar de lama, corrupção e ineficiência – como pensamos ao ler certos artigos. Muita coisa boa e bem feita acontece no Vaticano, porém a estrutura está “inchada”, difícil de administrar e controlar, criando muitos órgãos pouco necessários ou ineficientes. Além disso, o papa tem deixado claro que espera uma Igreja que dê um exemplo maior de pobreza e humildade. Por isso o processo de reforma deverá reduzir a estrutura, tornando-a mais “pobre”, mais eficiente e mais próxima das pessoas.

E os escândalos de pedofilia e a condenação dos padres pedófilos? Esta questão, no nível de responsabilidade do papa e do Vaticano, já foi totalmente resolvida por Bento XVI. A Igreja indica “tolerância zero” para os religiosos pedófilos e considera que eles devem responder por seus crimes junto à Justiça de seus países, como qualquer cidadão. Eventuais problemas que ainda possam surgir referem-se agora à administração local destes casos, quando eles se tornam conhecidos.

O celibato dos padres e a ordenação das mulheres casadas

O celibato não é constitutivo do sacerdócio na Igreja Católica, ainda que a opção pelo celibato – isto é, não se casar para entregar-se mais a Deus – sempre tenha havido no cristianismo. A obrigação do celibato para todos os padres vem do século XII e aconteceu porque se percebeu que os padres celibatários desempenhavam melhor suas funções e praticavam de forma mais pura a imitação de Cristo.

Ainda hoje os documentos da Igreja têm mantido esta posição em relação ao sacerdócio e ao celibato. Isso não implica a impossibilidade de se vir a aceitar, no futuro, que haja padres casados, se esta opção for boa para a vida da Igreja, o que não quer dizer que celibato para os padres esteja obrigatoriamente acabando.

As declarações das autoridades eclesiais – inclusive próximas ao papa Francisco – vão todas neste sentido. Além disso, é bom notar que a tendência mais provável seria a de aceitar a ordenação de homens casados (como acontece nas Igrejas Católicas Orientais) e não de liberar os padres da obrigação do celibato, cedendo a uma pressão de grupos que fazem “lobby” neste sentido.

A ordenação de mulheres foi claramente negada pelo papa Francisco em seu último documento. Neste sentido, o papa abriu uma porta de outro tipo, reconhecendo que é necessário se fazer uma reflexão sobre o papel da mulher na Igreja. Na prática, ao longo da história, muitas mulheres agiram com autoridade dentro da Igreja, influenciando papas e redefinindo os rumos da história. Trata-se de um papel próprio, que lhes cabe e que não se confunde com o sacerdócio, mas que deve ser estudado e reconhecido de forma adequada, segundo as reflexões de Francisco.

A Igreja – e o papa Francisco – considera o sacerdócio como um serviço ao qual se é chamado e não como um direito a ser reivindicado. Pensar o sacerdócio como direito poderia implicar em por o padre numa posição de superioridade frente aos demais católicos, deturpando a sua missão. Daí que as pressões para permitir que os padres se casem ou que as mulheres sejam ordenadas tende a ter, na Igreja, o efeito contrário ao esperado: quanto mais pressão, menor a chance de alguma coisa acontecer nesta linha.

Com relação aos casados em segunda união...

Um tema particularmente delicado é o da comunhão dos casados em segunda união. Atenção: os divorciados que não contraem um segundo matrimônio ou aqueles que tiveram seu casamento reconhecido como nulo pela Igreja podem comungar! Mas a Igreja considera que os divorciados que se casam novamente estão numa situação de pecado que não lhes permite tomar a comunhão.

Ora, vem argumentando o papa, mas Cristo veio para os pecadores e não para os perfeitos (que, aliás, não existem – todos somos pecadores). Então a Igreja existe também – ou principalmente – para os casados em segunda união, para os que não estão vivendo segundo as normas – mas que desejam encontrar o amor de Deus. E aí, pergunta o papa, o que estamos fazendo para acolher a estas pessoas? Afinal, Cristo disse que haveria mais alegria no Reino dos Céus por um pecador que se arrependa que por 99 justos que não necessitam de arrependimento.

Nesta polêmica da comunhão aos casados em segunda união, o Papa Francisco tem dados duas mensagens claras: (1) se você ESTÁ casado em segunda união, a Igreja também é para você, venha e ocupe seu lugar; (2) se você NÃO ESTÁ casado em segunda união, deve amar e ajudar aos casados em segunda união e não ter uma posição moralista que os afasta da Igreja.

... e aos homossexuais

Com relação aos homossexuais, o papa aplica um velho princípio cristão: a Igreja condena o pecado, mas ama o pecador. E não nos esqueçamos de que somos todos cheios de pecados – de forma que não se trata aqui de ficar procurando se justificar dizendo que o pecado do outro é maior que o nosso. Em seu documento “Evangelii Gaudium”, o grande pecado denunciado pelo papa é explorar o pobre, colocar o lucro acima da pessoa!

Francisco deixa claro que defenderá o direito da Igreja de dar um juízo sobre o que é mais adequado para a pessoa e que condena o que chama de “relativismo moral”. Mas também deixa claro que o mais importante é que cada um se sinta amado e acolhido por Deus, seja heterossexual ou homossexual. Assim, os homossexuais – e todos os que hoje se sentem afastados da Igreja – podem ter certeza que toda a comunidade católica está sendo chamada a acolhê-los e a estar próxima deles.

*Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

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