quinta-feira, 27 de março de 2014

Comunidade igualitária irrita autoridades chinesas - por Dan Levin (New York Times - Folha)

     LINCANG, China - Membros desta comunidade idílica e utópica nas longínquas montanhas do sudoeste da China compartilham uma vida agrícola que provavelmente teria encantado Mao: todos os dias eles trabalham voluntariamente durante seis horas nos campos, alimentam suas galinhas de propriedade comum e preparam comida suficiente para toda a comunidade. Sua colheita é dividida igualmente e, ao que parece, sem conflitos, como parte de uma filosofia que enfatiza o altruísmo e a vida igualitária, mais do que o dinheiro e o materialismo.

     "O que estamos fazendo aqui é basicamente o comunismo", disse Xue Feng, 57, o gentil fundador de Shengmin Chanyuan, ou Novo Oásis para a Vida, cujos 150 membros incluem agricultores analfabetos e refugiados das grandes cidades. "As pessoas fazem o que podem e recebem o que precisam."
Comunidade Novo Oásis para a Viva, em Licang, na China
     Mas o marxismo nem sempre tem essa aparência na China moderna, e Novo Oásis irritou as autoridades de Yunnan, província semitropical que faz fronteira com Laos, Vietnã e Mianmar.

     Meses de intimidação do governo e atos de sabotagem destruíram o suprimento de água e eletricidade de Novo Oásis e afastaram muitos residentes, esvaziando duas das três comunidades do grupo na província. Mas em Lincang permanecem alguns enclaves.

     "Durante anos, não tivemos problemas. Agora o governo está dizendo que produzimos sem licença e que dividimos mulheres", disse Xu Mengting, 25, que trabalhou para uma companhia de telecomunicações antes de aderir a Novo Oásis em 2011.

     Xu, que hoje atende pelo nome de "Destino Pacífico", rejeita essas alegações como "suposições malucas" e afirma que as autoridades lhe disseram que sua verdadeira objeção era porque "o que estávamos fazendo ia contra a situação vigente em nosso país".

     As comunidades de Novo Oásis foram um farol para pessoas de todas as origens que desejavam escapar da poluição, da corrupção e do conservadorismo social da vida contemporânea chinesa. Nos últimos cinco anos, famílias inteiras, moradores rurais e jovens urbanos descontentes mudaram-se para Yunnan e construíram três assentamentos em cerca de 60 hectares de terra agrícola.

     Mas o Partido Comunista nunca teve muita tolerância com organizações independentes de qualquer tipo. Até pequenos grupos como Novo Oásis instigam os profundos temores do partido sobre movimentos independentes, especialmente quando são liderados por figuras carismáticas.

     Xue, o fundador de Novo Oásis, insiste que seus objetivos são apolíticos. Mas ele tem ambições de fundar 256 filiais ao redor do mundo. "Descobrimos um novo caminho para as pessoas viverem consumindo menos recursos e existindo de maneira mais harmoniosa", disse ele.

     Xue diz que a epifania para criar "harmonia global" por meio de uma vida sem classes sociais lhe ocorreu em 2002, quando trabalhava como empresário no Zimbábue. Em 2009 ele montou sua primeira comunidade com 25 seguidores, que foram atraídos por sua mensagem de liberdade individual, ideia bastante radical em uma sociedade que valoriza a devoção filial e a conformidade, mais do que a busca da realização pessoal.
Membros da comunidade Novo Oásis para a Vida, na China, preparam refeição
     Certamente, alguns aspectos da estrutura e das práticas do grupo são bastante heterodoxos. Os membros são conhecidos como "celestiais", toda propriedade é compartilhada e os casais dormem separadamente.

     Ao aderir, cada membro assume um novo nome, sempre terminado com o caractere chinês para "capim", para simbolizar a ligação com o mundo natural e o compromisso com a comunidade. Casamento, dinheiro, supervisão e punição são proibidos, porque os moradores acreditam que essas coisas impedem a felicidade.

     No último ano, as autoridades vêm pressionando para que Novo Oásis se desfaça, alegando que ele viola as leis do casamento, da exploração florestal e da educação. Ao mesmo tempo, elas montaram uma campanha de assédio incessante. Membros da comunidade dizem que não foi lhes oferecido nenhuma indenização para partir.

     Cui Wenzhen, 67, que hoje atende pelo nome de "Solo Benéfico", estava sentada rasgando folhas de repolho para alimentar os patos da comunidade.

     Ela deixou para trás uma vida de agricultura de subsistência para aderir a Novo Oásis.

     Ao responder sobre o que fariam se fossem expulsos da comunidade, Cui abriu as mãos calejadas em um gesto de desespero. "Nós vendemos todas as nossas posses para vir para cá", disse. "Não temos uma casa para onde voltar, nenhum modo de sobreviver."

Xue Fung, fundador da comunidade chinesa Novo Oásis para a Vida, ao fundo
Colaborou Chen Jiehao.


Comentário
Esta é a China de hoje: o Partido Comunista lutando contra uma grave ameaça - o comunismo.

Um comentário:

Sugestão de Livros disse...

Muito interessante a reportagem!