domingo, 2 de novembro de 2014

Perdas e ganhos (Folha / Eduardo Machado BH)

Perdemos – por Gregorio Duvivier (Folha)

     Estou numa cilada. Hoje é sábado e tenho que escrever uma coluna que só vai ser publicada na segunda, falando sobre algo que aconteceu no domingo. Estou num paradoxo temporal: tenho que falar no passado para leitores do futuro sobre algo que é passado para eles, mas futuro para mim. Não sei exatamente se tenho que prever o passado ou lembrar do futuro.

     Minha previsão sobre o que aconteceu ontem é a seguinte: perdemos. Independentemente do resultado. 

     Perdemos tempo, muito tempo, discutindo com pessoas que não mudariam de ideia. Perdemos amigos – no Facebook e na vida. Perdemos a linha. Perdemos a compostura. Perdemos a razão. Perdemos a paciência. Perdemos a dignidade. Perdemos a mão – ninguém mandou a gente botar a mão no fogo por pessoas que a gente não conhece direito.

     Quem mora no Rio perdeu, ponto. Não sei dizer, ainda, se perdeu para a igreja ou para a milícia.

     As pesquisas apontavam que o eleitor fluminense estava preferindo a milícia. Mas talvez a igreja tenha levado. Dá no mesmo. Ambas garantem um lugar no inferno para aquele que não pagar o dízimo. A milícia oferece um serviço mais completo, te levando pessoalmente para o outro mundo. A igreja garante o seu lugar, mas não cuida da logística. Talvez por isso a vitória da milícia. O eleitor de hoje em dia está buscando essa praticidade.

     No Estado do PSDB, São Paulo perdeu. Digo: no Estado de São Paulo, o PSDB ganhou. O eleitor paulista aprova Alckmin e rejeita Haddad, provando que ele abre mão da água, mas não abre mão do carro.

     O "Estadão" perdeu o dono na passeata. A Folha perdeu Xico Sá. A "Veja" se perdeu por completo.

     Perdemos R$ 74 bilhões em gastos de campanha – o equivalente a três Copas do Mundo ou mil hospitais públicos com equipamentos de última geração, além dos gastos de todos esses hospitais por um ano, incluindo salários.

     Mas não vamos falar só de perdas. Independentemente do resultado, ganha o PMDB. A bancada da bala e a bancada evangélica também ganham força. Ganha o eleitor conservador, de lavada.

     E nós ganhamos a sensação de que fizemos a nossa parte, transferindo o poder para alguém. "Não é mais comigo. Daqui a quatro anos a gente volta a brigar por isso."

     Me parece que a única maneira de não perder tempo brigando por política daqui a quatro anos é passar os próximos quatro anos perdendo tempo com política.

Ganhamos – por Eduardo Machado (“coletor e narrador de acontecências”)

     Eu poderia escrever essa crônica, toda ela, a partir da frase preferida do ex-presidente Lula: “Nunca antes, na história desse país...”.

     Nunca antes na história desse país se discutiu tanto sobre política como nessa campanha eleitoral.

     Ops... talvez esteja exagerando. Houve outros momentos, sim, em que a discussão sobre a melhor forma de conduzir os rumos do país foi prato quente na mesa dos brasileiros, como no período pré e pós golpe de 64 que eu, menino, testemunhei.

     Mas agora, talvez pela capacidade de ampliação da mídia em geral e das redes sociais em especial, o prato na mesa pegou fogo, quase desandou. Todo mundo está comentando dos amigos que se tornaram adversários, até inimigos. Antigamente a gente ‘ficava de mal’, hoje, tasco-lhe um bloqueio na fuça!

     Famílias divididas, colegas de trabalho olhando torto, risos disfarçados, ódios camuflados.

     Mas, passado o calor da disputa, assentada a poeira da troca de acusações, varridos os santinhos eleitorais, recolhidos os outdoors, cavaletes, bandeiras e adesivos, chegamos à hora de pensar no agora e no depois.

     Agora, Dilma, a vencedora, mal terá tempo de um gargarejo com casca de romã e já estará envolvida nos cochichos que resultarão no desafio de formar um novo governo, com novas ideias, enfrentando antigas e sólidas mazelas.

     Só pra dar um exemplo, no seu discurso da vitória, ao agradecer o apoio dos partidos da sua coligação, citou, um por um, os presidentes de cada agremiação. Se a Polícia Federal visse essa lista...

     Logo de cara, Carlos Lupi, do PDT, ex-ministro do Trabalho e Emprego, abatido por denúncias logo no primeiro ano do governo Dilma que, então, promovia uma faxina ética nos ministérios.

     O depois não vai ser fácil, Dilma sabe disso e o Brasil inteiro também. Os debates durante a campanha arrancaram a sujeira de debaixo do tapete e a colocaram sobre a mesa. 

     Ganhamos, pois, após tanta discussão sobre corrupção, vai ficar difícil voltar a esconder a sujeira. E olha que o que não falta em Brasília é tapete...
     Ganhamos, pois, hoje, mais brasileiros, sabem que é estupidez dizer que odeia política e ser governado por aqueles que a adoram.

     'Ganhamos, quando abandonamos a atitude passiva de meros espectadores no circo eleitoral e invadimos o picadeiro, fazendo-nos palhaços, malabaristas, domadores e equilibristas, tal qual a esperança que, como cantaram João Bosco e Aldir Blanc, “sabe que o show de todo artista tem que continuar...”.

     E, se continuarmos nosso show de cidadania, ganharemos em conhecimento e consciência. 

     Independente do lado ou da cor, ganhamos, porque ficou mais estreito o espaço para manipulações oportunistas, teleguiadas e vergonhosas, como a da Veja, e para o tom duvidoso, hipócrita e vazio dos desmentidos oficiais.

     E, por falar em hipocrisia, ganhamos quando escancaramos a truculência disfarçada em militância e o preconceito e o racismo camuflados em discurso político.

     O reeleito Paulo Maluf ensinou, certa vez, que, em política, o feio é perder. Hoje, a realidade das ruas, como vimos em junho de 2013, pode nos mostrar que, mesmo ganhando, a coisa pode ficar feia também.

     Enfim, desconfiados do que é, de verdade, a vitória, ganhamos mais espaço, vivência e maturidade na nossa tenra democracia. Ganhamos consciência de que ela pode e deve ser menos representativa e mais participativa.

     Ganhamos todos. Mesmo os pensam que perderam.

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