sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Sobre as nuvens - por Eric Knoll (Fotografia - Isorepublic)

Porque a presidente do CNJ não deve entrar no jogo corporativo dos juízes - por Eugênio José Guilherme de Aragão* (Blog do Marcelo Auller)

     A liturgia do cargo público não é meroexercício de vaidade e de ego. Ela é um marco do republicanismo, que determina ser o exercício de função pública uma atividade impessoal. Quem está investido nela não deve a enxergar como um galardão adquirido em razão de qualidades pessoais, mas precisamente porque foi chamado a servir ao público. A liturgia lhe serve de proteção, para qualificar a função e não a si.
O anúncio da nomeação de Eugênio Aragão preocupa delegados da Polícia Federal os quais, no passado, representaram contra o hoje subprocurador.A discussão foi em torno de vazamento de documentos de operações policiais. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.
Eugênio Aragão: “Quando autoridades se comportam como
moleques, como moleques serão tratadas”. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.
      Juízes, por exemplo, lidam diariamente com conflitos. Ao decidirem sobre uma causa, tornam um dos litigantes vencedor e outro perdedor. Aquilo que pode significar, para o magistrado, apenas um número em sua estatística de produção mensal, na alma do perdedor pode ser uma catástrofe pessoal. O que o leva a não ir às vias de fato com aquele que vê como seu malfeitor? É a aura da liturgia que inspira o respeito necessário a criar uma barreira de blindagem relativa.

     Quando, porém, autoridades se comportam como moleques, como moleques serão tratadas. Se adotarem discurso e comportamento de botequim, não poderão se queixar quando começarem a voar garrafas e sopapos.

     Temos assistido quase diariamente comportamentos fora do script litúrgico por parte de magistrados, a começar por alguns do andar de cima. Têm sido muito cúpidos em dar entrevistas, falar fora dos autos, opinar sobre tudo e todos. Têm adotado posturas controvertidas e, por vezes, até mesmo político-partidárias em discursos públicos, seja nos tribunais ou fora deles.

     A desfaçatez de mudar ostensivamente de opinião, conforme o momento político e o alvo das ações jurisdicionais, chega a causar náusea àqueles que assistem a esse circo quase cotidiano. Esse tipo de atitude cai bem em conversa de bar, onde a inconsequência regada a álcool tudo permite, tudo perdoa, mas não no exercício de função pública.

     Dos magistrados se espera autocontenção e não exibicionismo. Infelizmente há, entre nós, magistrado que se fez notório e não é um bom exemplo de autocontenção.

     A despeito de gozar de exclusividade para cuidar só de um universo de processos supostamente conexos, decretada por seu tribunal, aparentemente em virtude de sobrecarga que esse universo representa, esse juiz tem viajado Brasil e mundo afora para dar palestras, receber prêmio de bom-mocismo e participar de talk-shows.

     Tem tido tempo de sobra para difundir seu moralismo obsessivo sobre os fins da persecução penal de “corruptos”, a ponto de virar super-herói de uma parte desorientada da sociedade, cuja bronca turva sua visão sobre o crítico momento político vivido pelo País. Para fugir das garrafadas e dos sopapos, anda com séquito de seguranças e deles vive cercado no trabalho e em casa. Torna-se, assim, personagem controvertido, agente de disseminação de incertezas, ao invés de se limitar a oferecer segurança jurídica a seus jurisdicionados.

     Isso não é vida de juiz. Mas, ainda que não faça sentido, no sadio senso comum, essa imagem distorcida que se oferece de um magistrado, tem sido exemplo para muitos outros de sua corporação, que também querem compartilhar desse espaço de afago público a egos jurisdicionais.

     Para tanto, assinam até abaixo-assinado de defesa do colega premiado de bom-mocismo, quando se torna alvo de críticas mais ou menos acerbas. Alguns foram às manifestações “contra a corrupção” convocadas para derrubar governo, manifestam-se cheio de emoção em perfis de Facebook e, depois, deram provimento liminar para impedir posse de ministro de estado.

renan-calheiros-entrevista3
Renan Calheiros: “tenho ódio e nojo a
métodos fascistas” – Foto: reprodução
     Num ambiente desses, a reação de veemente indignação pública do Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, contra o “jabaculê” determinado nas dependências daquela Casa Legislativa por juiz de primeiro grau de Brasília, não deve causar surpresa.

     Expressou nada mais que seu protesto institucional contra aquilo que entendeu ser um abuso de magistrado incompetente para tanto, pois o alvo da diligência da polícia judiciária eram agentes da polícia legislativa que tinham procedido a varreduras eletromagnéticas em locais de trabalho e residência de Senadores que seriam alvos de investigação criminal.

     Essas varreduras tinham sido determinadas pela administração do Senado a pedido dos próprios Senadores alvejados. Se as varreduras foram pedidas por estes e se entenda que elas constituem embaraço a justiça, em tese são os Senadores objeto da escuta ambiental que deveriam ser questionados sobre a iniciativa. Isso, evidentemente, atrairia a competência do foro por prerrogativa de função que é o Supremo Tribunal Federal.

     Tanto mais é surpreendente, isto sim, que a Presidente do Conselho Nacional de Justiça vá à imprensa, não para admoestar magistrados que ultrapassam a linha do bom senso em suas atitudes e decisões, mas para se dirigir com dedo em riste ao Presidente do Senado Federal, com discurso não menos surpreendente de se ver como destinatária de cada crítica que se faça em tom mais ou menos contundente a magistrados que procedem de forma, no mínimo, controvertida.
Carmem Lúcia: " quando um juiz é destratado, eu também sou". Foto: CNJ
Carmem Lúcia: " quando um juiz é destratado,
eu também sou". Foto: CNJ
  
     O Conselho Nacional de Justiça é órgão de controle externo da magistratura e tem, também, uma atuação correcional em relação a estes. Não deve a dirigente do órgão se confundir com aqueles que deve disciplinar, pois assim fazendo, reforça os desvios de conduta e se porta feito porta-voz de uma corporação e não de uma instituição.

     Não é mais novidade para ninguém que certos padrões de comportamento de elevado risco para o governo das instituições no País têm fundo corporativo. É mostrando os dentes que as mais poderosas categorias do serviço público se alavancam para negociar vantagens.

     Não é à toa que suas associações de classe são recebidas nos gabinetes parlamentares e em órgãos de gestão financeira do executivo com tapete vermelho, água gelada e café, enquanto aos servidores comuns e mortais só resta a via da greve e das manifestações públicas.

     Não é à toa que essas categorias musculosas estão no topo da cadeia alimentar do Estado brasileiro, recebendo ganhos desproporcionalmente superiores a outros servidores que exercem suas funções com igual ou maior denodo e risco pessoal que Suas Excelências. Trata-se de grave distorção no sistema de remuneração do setor público brasileiro, que em nada contribui para sua eficiência.

     Ao invés de querer colocar limites aos reclamos do Presidente do Senado Federal, a Senhora Presidente do CNJ faria melhor em dar sua contribuição para a contenção de atitudes de risco dos magistrados e buscar diálogo entre poderes para impor ordem ao sistema remuneratório do serviço público federal.

     O melhor caminho para isso seria a desvinculação de todos os ganhos de servidores daqueles de atores que estão em posição de puxar o trem e gastos com aumentos a seu favor: Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Deputados e Senadores.

     Norma constitucional deveria vedar essa vinculação e dispor que o teto do serviço público (excluídos o dos atores políticos mencionados) fosse estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e o ganho de cada categoria devesse guardar proporção, com base nos vetores de risco e complexidade, com as demais, de sorte que não se admita que um general de exército ganhe brutos em torno de 14.000 reais mensais, um professor titular de universidade receba cerca de 12.000 reais, quando um jovem membro do ministério público seja remunerado com quase 30.000 reais no mesmo período.

     Para articular essa revolução de ganhos, que seja capaz de neutralizar condutas de risco de categorias por prestígio, é fundamental o consenso entre os poderes da República, para constituir o SINAGEPE – Sistema Nacional de Gestão de Pessoal, integrando os três poderes e, aos poucos, as administrações estaduais e municipais através de matriz única de ganhos, quiçá regionalizando-a e submetendo-a a um fundo solidário de compensação de debilidades financeiras dos entes que compõem a Federação.

     Só assim se coloca cada agente do Estado em seu quadrado. Zela-se pelo controle universal de gastos de pessoal e se moraliza a atuação dos diversos atores nos três poderes de modo a se estabelecer, no Brasil, pela primeira vez, um “Berufsbeamtentum”, um funcionalismo profissional como existe em outras economias mais fortes deste planeta.


* Eugênio José Guilherme de Aragão: Ex-Ministro da Justiça e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Dívida, o novo pesadelo - por Kim Brown (The Real News Network / Outras Palavras)

     FMI admite não ver saída para a crise global. Michael Hudson explica: peso dos juros paralisa economias, exaure sociedades e amplia riscos de retrocessos. Saberemos enfrentar a aristocracia financeira?

     Michael Hudson, entrevistado por Kim Brown, em The Real News Network | Tradução: Cauê Seignemartin Ameni

     Como era de esperar, os jornais e TVs da velha mídia nada noticiaram. Em sintonia com o governo Temer, estavam ocupados em demonizar o tímido gasto social do Estado brasileiro. Mas em 5 de outubro, um novo relatório do FMI sobre a estabilidade financeira global lançou o alerta. Apesar de irrigado, desde 2008, por seguidas operações de “salvamento”, sempre com dinheiro público, o sistema financeiro internacional não se recuperou. Embora a grande tempestade tenha passado, “os riscos de médio prazo continuam a crescer”. E — mais intrigante — mesmo no caso de uma recuperação sustentada das economias (algo que não parece próximo), os problemas não estarão sanados.

     Dias depois de lançado o relatório, o economista norte-americano Michael Hudson analisou-o, em entrevista à rede de webTV independente “The Real News“. Dedicado há décadas ao exame do sistema financeiro, colaborador de dezenas de publicações e consultor de governos como os da Grécia, Islândia e China, Hudson tem uma visão particular sobre o papel das dívidas, nas sociedades capitalistas contemporâneas. Segundo ele, o pagamento de juros tornou-se, na época pós-industrial, um fator crucial de extração de mais-valia e, portanto, de ampliação das desigualdades.

     Hudson vê no relatório do FMI o reconhecimento de um ponto de impasse. O endividamento dos Estados e das famílias tornou-se tão vasto e opressor que passou a comprometer a própria dinâmica de reprodução do capital. Tanto os salários quanto a receita de impostos são permanentemente corroídos pelas transferências aos banqueiros e à aristocracia financeira. Em consequência, a capacidade de compra despenca. Os investimentos estancam. A criação de empregos e ocupações retrocede. Forma-se uma espiral descendente, que bloqueia as economias.
Pior: para sair do impasse, a aristocracia financeira procura, permanentemente, avançar sobre as conquistas cidadãs. Calcula que os Estados devem reduzirem o gasto social — para tornarem-se capazes de pagar mais juros… Aí está a origem das políticas de “austeridade”, da devastação do Estado de Bem-estar social na Europa e, no Brasil, de propostas como a PEC-241, que estabelece o congelamento das despesas não-financeiras do Estado.

     Como escapar desta maré anticivilizatória? Em tempos anormais, é preciso propor o incomum. Hudson vê uma alternativa — pouco debatida, mesmo entre a esquerda. Ele defende políticas que promovam uma redução radical das dívidas e dos pagamentos à aristocracia financeira. O relatório do FMI jamais proporá algo com este sentido, zomba o economista. Mas ele mesmo provoca: enquanto não houve coragem e força política para tal passo, permaneceremos sujeitos à estagnação, a crises e à ameaça de retrocessos. Fique com a entrevista (Antonio Martins)


O relatório sobre estabilidade financeira do FMI diz que, apesar de os bancos serem mais fortes agora do que na crise econômica de 2007-2008, cerca de 25% do bancos norte-americanos e 30% dos europeus estão muito fracos até mesmo para se beneficiarem de possível aumento nas taxas de juros — ou de qualquer auxílio para recuperação, caso a economia global sofra um novo abalo. Mas antes de entrar em qualquer tema mais específico sobre a saúde dos bancos, pergunto: nestas duas regiões, ainda estamos em recessão ou começamos a nos recuperar?
Não estamos nem numa recuperação, nem numa recessão tradicional. As pessoas pensam nos ciclos econômicos, nos quais há um boom seguido por uma recessão, para que depois os estabilizadores automáticos reanimem a economia. Mas agora, não há reanimação possível. A razão é que cada recuperação, desde 1945, estabeleceu um alto nível de endividamento. Ele está tão alto agora que estamos vivendo, desde a crise de 2008, o que chamo de deflação por dívida. As pessoas têm de pagar tanto dinheiro aos bancos que não conseguem manter o suficiente para comprar os bens e serviços produzidos. Por isso, não há novos investimentos, nem geração de emprego (exceto empregos com salários-mínimos). Os mercados estão encolhendo e as famílias estão quebrando. Por isso, muitas empresas não podem pagar os bancos.
O produto dos bancos é dívida. Eles tentam dizer aos clientes que “as dívidas são boas”, mas os clientes não podem endividar-se mais, e não há mais caminhos para que os bancos continuem seu atual plano de negócios. Na verdade, não há como os bancos serem pagos por tudo que possuem. É desse ponto que o FMI não passa. Ele não se atreve a dizer: “Os bancos estão quebrados porque o sistema financeiro também quebrou; e se isso ocorreu é porque, em seu conjunto, a ideia de tentar se enriquecer através das dívidas não funciona”.
Era um modelo falso. Estamos no final do longo ciclo que começou em 1945 e sobrecarregou as economias com dívidas. Não teremos condições de sair do labirinto até que estas sejam canceladas. Mas é isso que o FMI acredita ser impensável. Não pode dizer isso, porque se espera que represente o interesse dos bancos. Tudo que o pode dizer é que os bancos não farão mais dinheiro, mesmo que haja recuperação.
Mas na verdade não há recuperação, e não há sinais disso no horizonte, porque as pessoa têm de pagar aos bancos. É um ciclo vicioso – ou melhor, uma espiral descendente. Basicamente, os economistas do FMI estão entregando os pontos e admitindo que não sabem o que fazer, dados os limites de seu horizonte.
Você pode nos ajudar a compreender por que o crescimento foi tão fraco nos últimos seis a oito anos?
Vamos analisar um orçamento familiar médio, estudando seus números essenciais. As pessoas pagam entre 40% a 43% de sua renda para habitação. Pagam planos de saúde, as dívidas do cartão de crédito, outros débitos. Sobram, disponíveis, apenas 25% a 35% — digamos, um terço do salário — para adquirir bens e serviços.
O problema é que quem emprega são justamente empresas que vendem bens e serviços. Elas simplesmente não estão contratando, porque os consumidores não tem dinheiro disponível para comprar esses mesmo bens e serviços. Entramos numa deflação crônica por dívida. Não há recuperação possível sem levar isso em conta. É este fato que o FMI compreendeu, mas deixa apenas implícito em seu relatório.
Ao noticiar este relatório, em manchete, o site MarketWatch afirmou: “Esqueça o [conceito de] ‘grandes demais para falir’. Os bancos estão fracos demais para sobreviver”. Na época em que eram gigantes, os bancos quase destruíram o sistema financeiro global. Bancos menores são melhores?
Pequenos bancos voltados para empréstimos ao público seriam bons. Mas os bancos, em sua maioria – o  Deutsch Bank, em graves dificuldades, é um caso típico – avaliam que não são mais capazes de ganhar dinheiro emprestando aos clientes normais. Partiram para um novo plano de negócios: emprestar dinheiro a capitalistas de cassino. Isso é, emprestar para quem quer especular com derivativos.
Um derivativo é simplesmente uma aposta de que uma ação, um título de dívida ou relacionado a um ativo imobiliário irá subir ou cair. Há um vencedor e um perdedor. É como aposta numa corrida de cavalos. O maior banco envolvido nestas apostas — ou seja, não em financiar a produção, ou o investimento — era o Detsche Bank. Grandes aplicadores tomavam emprestado para jogar.
Qual é, hoje a melhor aposta no mundo? É apostar que as ações do Deutsche Bank irão cair. Especuladores tomam dinheiro emprestado dos seus bancos para fazer apostas de que as ações do Deutsche Bank despencarão. Agora, ele se contorce e diz: “Oh, os especuladores estão nos matando”. Mas são o próprio Deutsche Bank e outros que fornecem dinheiro para os especuladores fazerem apostas.
O relatório do FMI diz que, na zona do euro, se os governos pudessem ajudar os bancos a se livrar de seus empréstimos ruins, isso teria um efeito positivo sobre o capital destas instituições financeiras. Qual seria o efeito sobre a população e a economia europeia?
A matemática desta proposta muito simples. Para executá-la, você teria de abolir as aposentadorias e os gastos sociais — além de aumentar os impostos. Você tem que obrigar pelo menos 50% da população europeia a emigrar — quem sabe, para a Rússia ou China… Haveria fome em massa. Muito simples: esse é o preço que alguns, na zona do euro, pensam que vale a pena pagar — e que se tentou impor à Grécia Para salvar os bancos, você teria que converter toda a zona do euro numa Grécia.
Os governos teriam de vender todo o setor público — inclusive ferrovias e terras públicas. Estaríamos basicamente introduzindo o neo-feudalismo, voltando o relógio da história para trás em mil  anos e reduzindo a população da Europa para dívidas escravocratas. É a solução que a zona do euro impôs a Grécia. É a solução que os líderes e os bancos estão pedindo para os economistas responsáveis promoverem à população em geral.
Vamos falar a respeito de outra informação divulgada pelo FMI sobre a dívida. O endividamento global chegou recentemente a cerca de 152 trilhões de dólares. Isso inclui dívidas públicas, familiares e de empresas não financeiras. O que isso significa para o sistema financeiro global e as sociedades?
Significa que a única maneira que as pessoas têm de pagar a dívida é cortando seus padrões de vida drasticamente. Significa concordar em mudar suas aposentadorias atuais — em que você sabe quanto receberá ao deixar de trabalhar — para “planos de contribuição definida”. Nestes, você investe o dinheiro e não sabe o que receberá.
Para salvar os bancos de perdas que ameaçam varrer seu patrimônio líquido, teríamos de nos livrar da Seguridade Social. Isso significa basicamente abolir o governo para entregar o funcionamento do sistema aos bancos, com a ideia de que o papel dos governos é extrair renda da economia para pagar os acionistas e os bancos.
Quando se diz “pagar os bancos”, o que eles realmente querem dizer é pagar os dententores de títulos bancários. São basicamente o 1% mais rico. O que estamos vendo realmente neste relatório, neste crescimento de dívida, é que o 1% da população detêm aproximadamente 3/4 de todos os créditos. Significa que há uma escolha: ou você salva a economia, ou você salva o 1% de perder um único centavo.
Todos os governos, de Barack Obama até Angela Merkel, da zona do euro ao FMI, comprometem-se a salvar os bancos, não a economia. Nenhum preço é muito alto para tentar fazer o sistema financeiro ir um pouco mais longe. Ao final das contas, ele não poderá ser salvo, por causa da equação em que está envolvido. As dívidas crescem sem parar. E quanto mais crescem, mais encolhem a economia. Quando você encolhe a economia, reduz a capacidade de pagar as dívidas. É uma ilusão pensar que o sistema pode ser salvo. A questão é: por quanto tempo mais as pessoas estarão dispostas a viver nesta ilusão?
E por quanto tempo essa ilusão se sustenta antes de assistirmos a um novo colapso econômico mundial? É algo inevitável, a que devemos simplesmente esperar? Devemos nos preparar para isso?
Ainda estamos sofrendo os efeitos do colapso que começou em 2008. Não há novo colapso, nem recuperação. Os salários dos 99% caíram, de forma constante, desde 2008. Especialmente para 25% da população que ganham menos — nos Estados Unidos, negros,  latino-americanos e outros trabalhadores. O patrimônio liquido deles ficou negativo, e eles não têm dinheiro suficiente para pagar as contas.
Uma das maiores consultorias mundiais — a Ernst & Young — acaba de fazer o estudo sobre os muito jovens. Descobriu que 78% das pessoas que nasceram por volta da virada do século [e que têm em torno de 18 anos]  estão preocupados por imaginar que não encontrarão empregos que lhes permitam pagar seus  empréstimos estudantis. Além disso, 74% temem não poder pagar tratamento, se ficarem doentes; 79% temem ficar sem renda suficiente para viver, quando eles se aposentarem. Toda uma geração que emerge — não apenas nos EUA, mas também na Europa — que não será capaz de ter empregos assalariados que paguem bem. O único caminho é ter pais ricos o suficiente para lhes oferecer uma renda.
Seu último livro é Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Bondage Destroy the Global Economy [“Matando o hospedeiro: como os parasitas financeiros e a escravidão por dívidas destroem a Economia Global”]. Você está terminando outro, certo?

Sim, nas próximas semanas. Seu título será J is for Junk Economics. Investiga por que os economistas prometem que em algum momento haverá uma recuperação. Por que isso é basicamente uma promessa impagável [junk] e por que hoje, para ser um economista, você tem que participar desse conto de fadas segundo o qual poderemos nos recuperar e, ao mesmo tempo, conservar a saúde dos bancos. Quero mostrar por que não funciona.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Fotografia - por National Geographic

O que fazer com a Rede Globo de comunicações? – por Wanderley Guilherme dos Santos (Segunda Opinião)

     O que fazer com o sistema globo de comunicação é um dos mais difíceis problemas a solucionar pela futura democracia brasileira. A capacidade de fabricar super-heróis fajutos, triturar reputações e transmitir versões selecionadas e transfiguradas do que acontece no mundo, lhe dá um poder intimidante a que se foram submetendo o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A referência aos três poderes constitucionais da República resume a extensão do controle que o Sistema Globo detém e exerce implacavelmente, hoje, sobre toda e qualquer organização ou cidadão brasileiro. Só ínfima proporção do povo desdenha ser personagem de um fictício Brasil, nas páginas de seus jornais e revistas, notícias radiofônicas e matérias televisivas. Ainda menor é o número dos que não se abalam com a possibilidade de soçobrar nos planos de perseguição e vingança do portentoso vozeirão do Monstro comunicativo. Nenhum juiz, político, servidor público, organizações do bem ou do mal, passantes inofensivos e supostos detentores de direitos posa de valente diante das bochechas do mau humor Global. O Sistema Globo de Comunicação superou as Forças Armadas e as denominações religiosas, inclusive a inquisitorial Igreja Católica, na capacidade de distribuir pela sociedade os terríveis sentimentos de medo, ansiedade e inquietação. Ele é a fonte do baixo astral e baixa estima dos brasileiros e das brasileiras. O Sistema Globo converteu-se no gerente corruptor e corruptível do medo político, econômico, social e moral da sociedade brasileira, sem exceção.
     Denunciar a gênese não contribui para elaborar eficiente estratégia de destruição do Monstro. Aliás, de que destruição se trata? O Sistema fabricou a mais abrangente e veloz rede de transmissão de notícias, através de emissoras e retransmissoras associadas, com comando centralizado e sem rival na sofisticação de sua aparelhagem e na competência de seus operadores. O Sistema Globo de Comunicações é modelo de excepcionalmente bem sucedido projeto de formação da opinião pública e de interpretação conjuntural dos valores cívicos da nacionalidade. É ele quem cria os amigos e os inimigos do País, mediante o controle, pelo medo, das instituições políticas e judiciárias. Com extraordinária reserva de recrutas intelectuais e especialistas, está aparelhada para a defesa de qualquer tese que a mantenha como proprietária praticamente exclusiva do poder de anunciar, em primeira mão, o que é a verdade – sobre tudo e sobre todos.
     Não é esse poder tecnológico e de competência que deve ser destruído. Ao contrário, preservado e estimulado a manter-se na vanguarda da capacidade difusora de notícias e de valores, bem como em sua engenhosidade empresarial capitalista. O que há a fazer é expropriar politicamente o Sistema Globo de Comunicações, mantendo-o autônomo em relação aos governos eventuais (ou frentes ideológicas de infiltradas sanguessugas autoritárias), e implodir as usinas editoriais e jornalísticas do medo e de catástrofes emocionais, restituindo isenção aos julgamentos de terceiros. O Sistema Globo constitui, potencialmente, excelente opção para um sistema público de notícias impressas, radiofônicas e televisivas. Politicamente expropriados da tirania exercida sobre o jornalismo da organização, seus proprietários jurídicos podem manter ações e outros haveres econômicos das empresas conglomeradas, sem direito a voto na redação do futuro manual do sistema público de comunicação.

     Como está é que não pode ficar. Ou não haverá democracia estável no país.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Alpes de Algovia, Bavária, Alemanha - por Fabian Krueger (Fotografia - site homônimo)

Junta financeira comanda o Brasil e impõe ditames a toque de caixa - por Vladimir Safatle (Folha)

     Semana passada, o dito “governo” resolveu apresentar à população seu plano de emergência econômica diante da propalada crise. Conhecido como PEC 241, o plano visa congelar os investimentos estatais nos próximos 20 anos, permitindo que eles sejam, no máximo, reajustados pela inflação do período.

     Isso significa, entre outras coisas, que o nível do investimento em educação e saúde continuará no nível em que está, sendo que o nível atual já é resultado de forte retração que afeta de forma brutal hospitais públicos, universidades e escolas federais. Todos têm acompanhado a situação calamitosa dos nossos hospitais, os limites do SUS, os professores em greve por melhores condições de trabalho. Ela se perpetuará.

     Para apresentar o novo horizonte de espoliação e brutalidade social, o dito "governo" colocou em marcha seu aparato de propaganda. Ao anunciar as medidas, foi convocado um representante de quem verdadeiramente comanda o país, a saber, um banqueiro, o senhor Meirelles.

     Entrará para a história o fato de que uma das mais impressionantes medidas econômicas das últimas décadas, uma que simplesmente retira do Congresso a possibilidade de realmente discutir o orçamento, que restringe o poder de representantes eleitos em aumentar investimentos do Estado, que os transforma em peças decorativas de uma pantomima de democracia, foi anunciada não pelo pretenso presidente da República, mas por um banqueiro.

     Este dado não é anódino. Ele simplesmente demonstra que Michel Temer não existe. Não é por acaso que ele não aparece na televisão e some em dia de eleição, indo votar no raiar do sol. Quem realmente comanda o Brasil atualmente é uma junta financeira que impõe seus ditames a toque de caixa usando, como álibi, a ideia de uma "crise" a destruir o Brasil devido ao descontrole dos gastos públicos.

     O script é literalmente o mesmo aplicado em todos os países europeus com resultados catastróficos. No entanto, há de se reconhecer que ele tem o seu quinhão de verdade.

     De fato, há um descalabro nos gastos públicos, mas certamente ele não vem dos investimentos parcos em educação, saúde, assistência social, cultura etc. Por exemplo, segundo dados da OCDE, o Brasil gasta 3.000 dólares por aluno do ensino básico, enquanto os outros países da OCDE – a maioria europeus e da América do Norte, entre outros– gastam, em média, 8.200 dólares.

     A situação piorará nos próximos 20 anos, já que os gastos continuarão no mesmo padrão enquanto a população aumentará e envelhecerá, exigindo mais gastos em saúde.

     Na verdade, os gastos absurdos do governo não são com você, nem com os mais pobres, mas com o próprio sistema financeiro, que se apropria do dinheiro público por meio de juros e amortização da dívida pública, e lucra de forma exorbitante devido à taxa de juros brasileira. Uma dívida nunca auditada, resultante em larga medida da estatização de dívidas de entes privados.

     Por incrível que pareça (mas que deveria ser realmente sublinhado), o plano econômico do governo não prevê limitação do dinheiro gasto com a dívida pública. Ou seja, fechar escolas e sucatear hospitais é sinal de "responsabilidade", "austeridade", prova que recuperamos a "confiança"; limitar os lucros dos bancos com títulos do Estado é impensável, irresponsável, aventureiro. Isso demonstra claramente que o objetivo da PEC não é o equilíbrio fiscal, mas a garantia do rendimento da classe rentista que comanda o país.

     Como se trata de ser o mais primário possível, o dito "governo" e sua junta financeira comparam a economia nacional a uma casa onde temos que cortar gastos quando somos "irresponsáveis". Mas já que a metáfora primária está a circular, que tal começar por se perguntar que gastos estão realmente destruindo o "equilíbrio" da casa? Por que a casa não pede mais dinheiro para aquele pessoal ocioso que mora nos quartos maiores e nunca contribui com nada?

     Ou seja, já que estamos em crise, que tal exigir que donos de jatos, helicópteros e iates paguem IPVA, que igrejas paguem IPTU, que grandes fortunas paguem imposto, que bancos com lucros exorbitantes tenham limitações de ganho, que aqueles que mais movimentam contas bancárias paguem CPMF?

     É claro que nada disso será feito, pois o Brasil não tem mais governo, não tem mais presidente e tem um democracia de fachada. O que o Brasil tem atualmente é um regime de exceção econômica comandado por uma junta financeira.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Fotografia - por Christopher Zacharia (freephotosbank)

Frases revelam um tempo - por Bob Fernandes (TV Gazeta / Facebook)


     Certas frases, mais ainda as que escapam à vigilância, se tornam tomografias de um Tempo, de seus líderes e seus próximos.

     Aprovada na Câmara a PEC 241, que limita investimentos públicos por 20 anos, Temer discursava. E deixou escapar:

     - O Brasil não é só de gente como nós...

     E, concluiu o presidente da República:

     - (No Brasil)... existe gente pobre...

     Esse é um Tempo em que se discute Previdência, aposentadoria.

     Temer, os ministros Padilha, Geddel, por exemplo, defendem aposentadoria aos 65 anos, no mínimo.

     Temer se aposentou aos 55 anos. Recebe R$ 30 mil ao mês como procurador inativo e R$ 27 líquidos mil como presidente.

     Padilha, aposentado como deputado aos 53 anos, ganha R$ 19 mil ao mês. Além do salário de ministro da Casa Civil...

     Geddel, ministro-secretário de governo, aposentou-se aos 51 e recebe R$ 20 mil. E o salário de ministro.

     O ditador Figueiredo dizia preferir " o cheiro dos cavalos" ao "cheiro de povo", e um dia deixou escapar:

     - Se eu ganhasse salário mínimo dava um tiro no coco...

     Fernando Henrique Cardoso foi compulsoriamente aposentado pela ditadura, aos 37 anos...

     ... Quando presidente, FHC disse: "Só vagabundo se aposenta antes dos 50 anos".

     Escândalo. Frases e mais frases de médicos e suas associações quando chegaram os médicos cubanos; esses que já atenderam mais de 60 milhões de pessoas.

     Sobre a PEC que congela gastos também na Saúde, nem um pio.

     Já Drauzio Varela, um médico-símbolo, não acredita no anunciado remanejamento de verbas que se daria para Saúde e Educação, e antecipa:

     - Vamos deixar grandes massas desassistidas. O SUS é uma conquista, não tem sentido reduzir ainda mais investimentos na Saúde...

     O deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), em uma conversa gravada defendeu: "Quem não tem dinheiro não faz universidade".

     Diante do espanto provocado por sua frase concedeu:

     -... Vai estudar na USP...

     Na USP, como se sabe, costumam ingressar os que estudam nos melhores colégios, quase todos privados, pagos.

     À repórter Thais Bilenky, da Folha, João Dória confessou. Só teve noção da "dimensão da desigualdade" ao se tornar candidato a prefeito de São Paulo. Aos 58 anos.

     Já sua mulher, Bia Dória, perguntou ao repórter Silas Marti, da Folha:

     - O Minhocão pra que serve? Quase nunca fui lá. É tipo um viaduto, né?

     É... 

Fotografia manipulada - por Michał Karcz (Site homônimo)

Perguntas e respostas sobre a PEC 241 - por Laura Carvalho (Facebook)

     Organizei 10 perguntas e respostas sobre a PEC 241, com base na minha apresentação de ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do orçamento doméstico.

1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?
     Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito menos -- 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.
     A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.
     A PEC também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros -- que explica uma parte muito maior do crescimento da dívida, já que refere-se apenas às despesas primárias federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa SELIC, por exemplo -- uma jabuticaba brasileira.
     A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior. Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a dívida.

2. A PEC é necessária no combate à inflação?
     Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica...). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.

3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?
     O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do consumo. Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.

4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?
     Para melhorar a eficiência é necessário vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido, que costuma ser vencido pelos que têm maior poder econômico e político. Alguns setores podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.

5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?
     Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
     O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.
Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer...

6. Essa regra obteve sucesso em outros países?
     Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua Constituição.

7. Essa regra aumenta a transparência?
     Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.
     O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.

8. A regra protege os mais pobres?
     Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real -- mesmo se a economia estiver crescendo.
     O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.

9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?
     Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?

10. É a única alternativa?
     Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus impostos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.