Com certeza muito haveria a dizer, mas as palavras nestas ocasiões parecem faltar.
Descanse em paz, comandante. A história com certeza o absolveu.
Que a terra lhe seja leve.
sábado, 26 de novembro de 2016
segunda-feira, 21 de novembro de 2016
A semana da pós verdade brasileira - por João Filho (The Intercept)
MUITO SE FALOU nessa semana sobre a eleição da “pós-verdade” como a palavra do ano pelo dicionário Oxford. O verbete é assim definido: “circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”
Impossível discordar da eleição. 2016 está sendo o ano em que a verdade dos fatos não está importando para a opinião pública, e despontando como o mais representativo dessa nova era.
Basta fazermos uma retrospectiva para atestar que a pós-verdade é mesmo a palavra definidora do nosso zeitgeist. O Brasil derrubou uma presidenta com deputados admitindo que votaram por motivos diferentes do único que poderia legalmente promover o impeachment. Mesmo diante de tantas confissões, a grande imprensa brasileira ignorou o fato e continuou rechaçando a narrativa de que havia um golpe parlamentar em curso.
Michel Temer confessou indiretamente o golpe ao admitir que o impeachment aconteceu porque Dilma não aceitou seguir seu plano de governo. A imprensa novamente cumpriu seu papel e fingiu que a declaração nunca existiu.
Nos EUA, a nação mais rica e poderosa do mundo, elegeu-se um palhaço mentiroso apoiado pela Ku Klux Klan. Mesmo com um repertório de mentiras assustadoras, milhões de pessoas decidiram votar em Trump. Não importa se os fatos comprovaram sua compulsividade em mentir. O que vale é a emoção – a mesma que levou a população a apoiar uma guerra para impedir que o inimigo usasse armas de destruição em massa que nunca existiram.
A última semana brasileira foi toda trabalhada na pós-verdade e é dela que vamos falar.
Começamos bem na segunda-feira, com uma TV estatal paulista convidando apenas jornalistas de veículos apoiadores do impeachment para entrevistar um dos grandes beneficiários do processo: Michel Temer. Tirando uma ou outra pergunta espinhosa para dar aquele verniz jornalístico, o que se viu foi um grande bate-papo informal entre amigos, em que perguntas de cunho pessoal claramente buscavam humanizar a figura de Temer. O presidente não-eleito ficou bastante à vontade para enrolar nas respostas, sem nenhum tipo de contestação por parte dos entrevistadores. Ao final da entrevista, Eliane Cantanhêde – que já veio a público pedir uma trégua para Temer –apareceu em vídeo gravado nos bastidores bastante animada, dizendo: “Cá entre nós, bem baixinho para que ninguém nos ouça: de romance o presidente entende, hein!”. Na era da pós-verdade, em que os fatos objetivos são pouco ou nada relevantes, não há o mínimo pudor em enfatizar o lado romântico do presidente justamente no período em que o país vive a maior crise política da sua história.
No dia seguinte, Noblat, que também foi um dos entrevistadores do Roda Viva, publicou um tweet que mais parece um daqueles poemas horrorosos do não-eleito:
O presidente Michel Temer, dona Marcela e Michelzinho passam um agradável feriado no Palácio do Jaburú. O sol brilha em Brasília.
Só faltou uma mesóclise para dar mais branquitude para a chapa do Noblat. Há dois anos, porém, o jornalista global recorria à clássica definição de Millôr para o jornalismo:
Millôr Fernandes disse: "Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados".
Parece que o grupo Globo virou mesmo um grande armazém, já que o Hipster da Federal apareceu mais na Globo que os milhões recebidos por um ministro em uma conta na Suíça. E para isso bastaria ele ter aparecido uma única vez.
Na quarta-feira, tivemos outro caso emblemático dessa nova era. A Câmara foi invadida por um bando de lunáticos pedindo o “fim do comunismo” e uma intervenção militar. Esse caso específico parece ser de ordem psiquiátrica, mas faz parte do fenômeno social. O sentimento anticomunista que persiste desde a Guerra Fria tem muito mais poder de enfeitiçar mentes e corações do que a frieza da realidade. Um dos manifestantes teve a proeza de ver no círculo vermelho da bandeira do Japão – exposta num painel artístico em homenagem aos 100 anos da imigração japonesa – uma prova cabal do comunismo do governo Michel Temer.
A turba ensandecida chegou a subir à mesa da presidência para gritar “General aqui! General aqui!”. Isabella Trevisani, uma intervencionista militar de apenas 20 anos, confirmou o delírio: “A ideia é não sair daqui enquanto não aparecerem os militares”. Depois de agredirem e cuspirem em seguranças da Câmara, um dos paranoicos afirmou: “Nós vamos sair. Somos ordeiros e pacíficos. Só estamos aguardando a presença do General que está vindo.” Certamente esperavam um triunfante Napoleão adentrando a Câmara montado em seu cavalo branco.
O programa Radioatividade da rádio Jovem Pan falou durante mais de 6 minutos sobre a invasão e achou por bem ignorar o fato de que os invasores eram intervencionistas militares fazendo apologia da ditadura. Os ouvintes que se informaram apenas pelo programa, ficaram com a informação de que aquilo era apenas o povo revoltado contra a “política da safadeza”.
Na quinta-feira, um dia após a prisão de Sérgio Cabral, a Rádio Gaúcha perguntou a Aécio se ele tinha medo da Lava Jato. Uma pergunta óbvia, já que o senador é um dos recordistas em citações nas delações da operação e, em uma delas, aparece preocupado com as suspeitas em torno do seu amigo Cabral. Com tom indignado, Aécio respondeu com outra pergunta: “Por que teria medo? Não entendo. Não entendi bem a pergunta. Por favor, seja mais claro.” O senador, visivelmente perturbado com a questão, parece não estar acostumado com jornalistas que o tiram da zona do conforto da pós-verdade. Ainda mais ele, que “seria o primeiro a ser comido” pela Lava Jato, segundo Machado em conversa com Romero Jucá.
E por falar em Romero, temos aqui mais um magnífico exemplo de pós-verdade dessa profícua semana. Ele se afastou do governo após ser pego articulando maneiras de interromper a Lava Jato e, passado um tempo em off, foi escolhido por Temer para ser o líder do governo no Congresso. AOperação Estanca Sangria volta a ter um de seus mentores na linha de frente.
João Doria Jr, invasor de terra pública e acusado por correligionários de comprar votos nas prévias tucanas, comentou as prisões de Garotinho e Cabral com essa pós-verdade gourmetizada: “Esses são temas do Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo é Geraldo Alckmin e João Doria. É outra história.”Paulo Preto e Fernando Capez que o digam! A fartura de fatos que comprova o contrário já não interessa nem faz mais sentido. Junior parece estar mesmo em perfeita sintonia com o espírito da atualidade, tanto que foi eleito vendendo uma imagem de não-político, após construir sua carreira escorado na mais pura politicagem.
Ainda na quinta, o Cabo Daciolo usou o plenário da Câmara para tentar converter o infiel Michel Temer. Munido de uma missão dada por Jesus Cristo, esse grande expoente da pós-verdade brasileira sapateou na laicidade do Estado e gritou: “Presidente Michel Temer, assim mandou dizer o Senhor para ti: abandone o satanismo e venha correndo para Deus!”. Ou seja, o nobre deputado usou seu mandato para tentar catequizar o presidente com base num boato antigo que diz que Temer é satanista. É surreal, mas coerente com seu currículo político, já que Daciolo defendia arduamente Jair Bolsonaro quando estava no PSOL.
Que semana, meus amigos! Tivemos um episódio de Black Mirror por dia. Um mais perturbador que o outro. Não quero assustar ninguém, mas gostaria de lembrar que 2018 é logo ali, e Jair Messias Bolsonaro será candidato à Presidência da República.
Nem todos os amigos são camaradas, nem todos os adversários são inimigos - Por Valerio Arcary (Esquerda Online)
“Entretanto,
não duvido apesar de tudo de que a minha morte hoje seja mais útil que do que a
prolongação de minha vida. Caro Liev Davidovitch, estamos ligados por dez anos
de trabalho comum e, ouso, esperá-lo de amizade pessoal, e isso me dá direito
de lhe dizer no momento do adeus, o que em você me parece ser uma fraqueza.
Nunca duvidei da justeza do caminho traçado por você, que sabe que durante mais
de 20 anos marchei com você, desde a “revolução permanente”. Mas sempre pensei
que faltavam a inflexibilidade, a intransigência de Lenin, sua resolução de
ficar, sendo preciso, sozinho no caminho que reconheceu como certo, na previsão
da maioria futura, no reconhecimento futuro, por parte de todos, da exatidão
desse caminho. Você sempre teve razão politicamente, a começar por 1905, e
muitas vezes lhe contei ter ouvido, com os meus próprios ouvidos, Lenin
reconhecer que em 1905 não fora ele mas você que tivera razão. Defronte da
morte não se mente e o repito, agora, de novo…”
Bilhete
suicida de Adolf Joffe a Trotsky
Reduzido
por uma polinevrite a uma invalidez quase completa, impossibilitando-o de tomar
parte ativa nas lutas políticas de então, Joffe não viu outro meio de ainda
servir à causa da revolução – do que se matar, dando a sua morte uma
significação precisa de protesto contra a exclusão de Trotsky do Partido e o
regime de perseguição pessoal, adotado pela direção, na sua campanha contra a
Oposição. A sua carta foi encontrada logo após sua morte sobre sua mesa. Não
chegou, porém, às mãos de seu destinatário. Os seus funerais em Moscou, no dia
19 de Novembro, tiveram um caráter comovedor. Apesar de realizados nas horas de
trabalho, compareceram milhares e milhares de operários, camaradas do Partido,
delegações do Exército Vermelho. Foi a última vez que a oposição de esquerda
saiu às ruas.
Procurei
inspiração nestas linhas de Adolf Joffe para Leon Trotsky antes de escrever
este texto. Trata-se de uma carta política dirigida a um amigo. Eles tinham
sido camaradas e amigos por décadas. A intimidade e o afeto atravessa toda a
carta. Diante da morte Joffe decide alertar Trotsky para aquilo que considera
serem os seus defeitos. Os russos sempre me emocionaram porque são intensos.
Entre
aqueles engajados na militância há muita confusão entre o que são as relações de
amizade e as relações de camaradagem. Esta confusão gera muitas desilusões
quando as diferenças políticas levam à perda das relações de amizade. Relações
de amizade são um vínculo emocional poderoso. Lidar com perdas é sempre uma
experiência dolorosa. Não é incomum que as decepções pessoais com camaradas se
transformem em desalento ideológico no futuro da luta pelo socialismo. E o
desânimo, a desesperança, o desengano são maus conselheiros, porque obscurecem
a mente e diminuem a lucidez.
Tentar
definir o que é a amizade foi sempre difícil. Em uma época em que confiar nos
outros é percebido como credulidade ingênua é importante lembrar que uma vida
sem amizade é muito triste. A solidão parece ser uma epidemia no mundo
contemporâneo. Ela é sempre mencionada como um dos fatores de depressão. A
desconfiança generalizada – contra tudo e todos – só pode alimentar,
evidentemente, vidas solitárias.
Não há
nenhuma dúvida de que somos seres sociais. Nossos ancestrais resistiram a todas
as adversidades porque foram capazes de se unir em bandos, relativamente,
numerosos, embora dificilmente maiores do que 150 membros, para garantir a
sobrevivência. Seres sociais quer dizer que dependemos uns dos outros, da ajuda
e solidariedade mútua, portanto, da cooperação. Somos aptos para viver em
sociedade, não porque não existam conflitos, mas porque a busca de auxílio,
socorro, ou assistência conviveram na história com a avidez, a rivalidade, a
cobiça, a inveja e a soberba, mas prevaleceram.
Precisamos
de amigos para ter uma vida mais plena e menos solitária. Amizade é uma relação
afetiva, em princípio, não erotizada, entre pessoas que se conhecem e
estabelecem laços de lealdade, portanto, de confiança. Todos podemos ter
dezenas, ou até mesmo centenas de conhecidos com quem mantemos relações polidas
ou cordiais: pessoas com quem nossas vidas se cruzaram, mas com as quais não
estabelecemos laços emocionais. Ninguém, contudo, alimenta amizades nessa
escala, porque não é possível. Porque a amizade exige dedicação e lealdade e
pressupõe altruísmo, ou seja, a disposição generosa de agir em benefício dos
outros, e não somente em função do próprio interesse.
Lealdade
entre amigos não pode repousar somente em acordos políticos. Ela se constrói
alicerçada na confiança pessoal, que vai além das ideias políticas. Existindo,
inevitavelmente, diferenças de opinião, cultivar amizades exige uma disposição
para a tolerância. Ninguém gosta de ser contrariado. Podemos ficar desgostosos
ou até aborrecidos quando discordam de nossas opiniões. Mas romper amizades por
diferenças de opinião é uma tolice infantil. Estar disposto a acolher ideias
diferentes das nossas revela maturidade para aceitar graus de dissenso com que
podemos conviver.
O que
são camaradas? Camaradas são aqueles que, na tradição socialista, pertencem a
uma mesma organização e ou compartilham uma visão do mundo comum, o
igualitarismo, ou luta pela igualdade social. Esta visão do mundo socialista se
fundamenta, em primeiro lugar, no reconhecimento de que todos os seres humanos
têm em comum necessidades, intensamente, sentidas que são iguais. Ser
socialista significa uma ruptura ideológica com o capitalismo, uma adesão ao
movimento dos trabalhadores e dos oprimidos, uma aposta no projeto de luta pela
revolução, e uma aspiração internacionalista por um mundo sem dominação
imperialista. Nas sociedades em que vivemos ser socialista exige, portanto, uma
escolha de classe. Não importa a classe social na qual nascemos. O que importa
é a qual classe unimos nosso destino.
Acontece
que nem todos os nossos amigos são camaradas, e nem todos os camaradas são
amigos. Porque amigos podem ter visões do mundo diferentes. Amizades não devem
ter como condição, necessariamente, uma mesma visão do mundo. Por outro lado e,
talvez, mais importante, podemos ser camaradas de militantes que não conhecemos
tão bem. Só em pequenas organizações, núcleos de pouco mais do que cem
militantes, é que é possível conhecer todos os membros. Se a amizade pessoal
for um critério de pertencimento, uma organização revolucionária estará
condenada à estagnação, ou a rupturas recorrentes.
Acontece
que as tarefas da revolução brasileira e mundial exigem que nos coloquemos o
desafio de querer construir grandes organizações. Seria irrealista exigir de
ativistas que compartilham a defesa do mesmo programa, mas não se conhecem o
bastante, um grau de confiança pessoal, um afeto intransferível semelhante ao
daqueles que convivem, regularmente, entre si. Portanto, confiança em um
projeto não é o mesmo que lealdade pessoal a todos os membros da mesma
organização. A confiança pessoal é diferente da confiança política. A primeira
se constrói como intimidade pessoal. A segunda como a defesa de um programa
comum. Quando além de camaradas somos amigos de alguém se estabelece um vínculo
muito forte. Mas é perigoso não saber distinguir que são dois laços diferentes.
Porque a perda da confiança política não deve, necessariamente, contaminar a
relação pessoal.
O que
são adversários? Adversários são aqueles contra os quais lutamos em uma
disputa. Não é possível viver sem ter adversários. Porque a vida é uma
sequência de lutas. Mas os conflitos têm diferentes naturezas e importância.
Saber ponderar, calibrar, medir, avaliar a maior ou menor gravidade das
diferenças, das polêmicas, dos debates, das rivalidades é indispensável. Porque
nem todos os adversários são inimigos. Depende de qual é a natureza do
conflito. Adversários podem ou não se tornar desafetos, ou seja, a disputa de
ideias pode degenerar em antagonismo pessoal. Mas nem todos os nossos adversários
são nossos inimigos.
O que
são inimigos? Inimigos são os adversários que enfrentamos em lutas que são
incontornáveis porque correspondem a interesses de classe irreconciliáveis. As
hostilidades com os inimigos são inevitáveis, porque eles são nocivos aos
interesses de classe que representamos.
Na
história da esquerda ocorrem rachas, separações, divisões, em função de
distintas percepções da situação política que, por sua vez, expressam
diferentes pressões sociais e políticas. Diferenças sérias de projeto
justificam rupturas políticas, mas não devem transformar, necessariamente,
aqueles que eram camaradas em inimigos.
A
violência verbal, seja na forma ou no conteúdo, é uma maneira desonesta,
intelectualmente, de tentar ganhar um debate a qualquer preço. Acusações ad
hominem são aquelas que são dirigidas às pessoas, e não às ideias que elas
defendem. Coloca-se o caráter do adversário em dúvida, através de ataques
pessoais, para desqualificar suas ideias. Trata-se de uma tática diversionista
porque tenta desviar o tema da polêmica. Aqueles que recorrem a este método
retórico confessam, involuntariamente, que não têm confiança nos seus
argumentos. Precisam destruir o outro porque não conseguem refutar suas ideias.
Violência verbal através de acusações ad hominem é um método inaceitável,
porque diminui a importância das ideias, e só serve para a desmoralização dos
adversários.
Na esquerda revolucionária para o século XXI que
queremos construir devemos saber preservar amizades, apesar das diferenças
políticas que nos separam em distintas organizações, e aprender a distinguir os
adversários dos inimigos. Isso parece simples e elementar. Mas não é.
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