segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Fotografia - por Chelseas Flowercrow (site homônimo)

Cegueira e linchamento – por Raduan Nassar (Folha)

     O inglês Robert Fisk, em artigo no jornal londrino "The Independent", afirma que, segundo as duras conclusões do relatório Chilcot sobre a invasão do Iraque, o ex-primeiro ministro Tony Blair e seu comparsa George W. Bush deveriam ser julgados por crimes de guerra, a exemplo de Nuremberg, que se ocupou dos remanescentes nazistas.

     O poodle Blair se deslocava a Washington para conspirar com seu colega norte-americano a tomada do Iraque, a pretexto de este país ser detentor de armas de destruição em massa, comprovado depois como mentira, mas invasão levada a cabo com a morte de meio milhão de iraquianos.

     Antes, durante o mesmo governo Bush, o brutal regime de sanções causou a morte de 1,7 milhão de civis iraquianos, metade crianças, segundo dados da ONU.

     Ao consulado que representava um criminoso de guerra, Bush, o então deputado federal Michel Temer (como de resto nomes expressivos do tucanato) fornecia informações sobre o cenário político brasileiro. "Premonitório", Temer acenava com um candidato de seu partido à Presidência, segundo o site WikiLeaks, de Julian Assange.

     Não estranhar que o interino Temer, seu cortejo de rabo preso e sabujos afins andem de braços dados com os tucanos, que estariam governando de fato o Brasil ou, uns e outros, fundindo-se em um só corpo, até que o tucanato desfeche contra Temer um novo golpe e nade de braçada com seu projeto de poder – atrelar-se ao neoliberalismo, apesar do atual diagnóstico: segundo publicação da BBC, levantamento da ONG britânica Oxfam, levado ao Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, a riqueza acumulada pelo 1% dos mais ricos do mundo equivale aos recursos dos 99% restantes. Segundo o estudo, a tendência de concentração da riqueza vem aumentando desde 2009.

     O senador Aloysio Nunes foi às pressas a Washington no dia seguinte à votação do impeachment de Dilma Rousseff na exótica Câmara dos Deputados, como primeiro arranque para entregar o país ao neoliberalismo norte-americano.

     Foi secundado por seu comparsa tucano, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, também interino-itinerante que, num giro mais amplo, articula "flexibilizar" Mercosul, Brics, Unasul e sabe-se lá mais o quê.

     Além de comprometer a soberania brasileira, Serra atira ao lixo o protagonismo que o país tinha conseguido no plano internacional com a diplomacia ativa e altiva do chanceler Celso Amorim, retomando uma política exterior de vira-lata (que me perdoem os cães dessa espécie; reconheço que, na escala animal, estão acima de certos similares humanos).

     A propósito, o tucano, com imenso bico devorador, é ave predadora, atacando filhotes indefesos em seus ninhos. Estamos bem providos em nossa fauna: tucano, vira-lata, gato angorá e ratazanas a dar com pau...

     Episódio exemplar do mencionado protagonismo alcançado pelo Brasil aconteceu em Berlim (2009), quando, em tribunas lado a lado, a então poderosa Angela Merkel, depois de criticar duramente o programa nuclear do Irã, recebeu a resposta de Lula: os detentores de armas nucleares, ao não desativá-las, não têm autoridade moral para impor condições àquele país. Lula silenciou literalmente a chanceler alemã.

     Vale também lembrar o pronunciamento de Lula de quase uma hora em Hamburgo (2009), em linguagem precisa, quando, interrompido várias vezes por aplausos de empresários alemães e brasileiros, foi ovacionado no final.

     Que se passe à Lava Jato e a seus méritos, embora supostos, por se conduzirem em mão única, quando não na contramão, o que beira a obsessão. Espera-se que o juiz Serio Moro venha a se ocupar também de certos políticos "limpinhos e cheirosos", apesar da mão grande do inefável ministro do STF Gilmar Mendes.

     Por sinal, seu discípulo, o senador Antonio Anastasia, reproduz a mão prestidigitadora do mestre: culpa Dilma e esconde suas exorbitantes pedaladas, quando governador de Minas Gerais.

     Traços do perfil de Moro foram esboçados por Luiz Moniz Bandeira, professor universitário, cientista político e historiador, vivendo há anos na Alemanha. Em entrevista ao jornal argentino "Página/12", revela: Moro esteve em duas ocasiões nos EUA, recebendo treinamento. Em uma delas, participou de cursos no Departamento de Estado; em outra, na Universidade Harvard.

     Segundo o WikiLeaks, juízes (incluindo Moro), promotores e policiais federais receberam formação em 2009, promovida pela embaixada norte-americana no Rio.

     Em 8 de maio, Janio de Freitas, com seu habitual rigor crítico, afirmou nesta Folha que "Lula virou denunciado nas vésperas de uma votação decisiva para o impeachment. Assim como os grampos telefônicos, ilegais, foram divulgados por Moro quando Lula, se ministro, com sua experiência e talento incomum de negociador, talvez destorcesse a crise política e desse um arranjo administrativo".

     Lula não assumiu a Casa Civil, foi rechaçado no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Gilmar Mendes, um goleirão sem rival na seleção e, no álbum, figurinha assim carimbada por um de seus pares, Joaquim Barbosa, popstar da época e hoje estrela cadente: "Vossa Excelência não está na rua, está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro... Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar".

     Sugiro a eventuais leitores, mas não aos facciosos que, nos aeroportos, torciam o nariz ao ver gente simples que embarcava calçando sandálias Havaianas, que acessem o site Instituto Lula – o Brasil da Mudança.

     Poderão dar conta de espantosas e incontestes realizações. Limito-me a destacar o programa Luz para Todos, que tirou mais de 15 milhões de brasileiros da escuridão, sobretudo nos casebres do sertão nordestino e da região amazônica. E sugiro o amparo do adágio popular: pior cego é aquele que não quer ver.

     A não esquecer: Lula abriu as portas do Planalto aos catadores de matérias recicláveis, profissionalizando-os, sancionou a Lei Maria da Penha, fundamental à proteção das mulheres, e o Estatuto da Igualdade Racial, que tem como objetivo políticas públicas que promovam igualdade de oportunidades e combate à discriminação.

     Que o PT tenha cometido erros, alguns até graves (quem não os comete?), mas menos que Fernando Henrique Cardoso, que recorria ao "Engavetador Geral da República", à privataria e a muitos outros expedientes, como a aventada compra de votos para sua reeleição.

     A corrupção, uma enfermidade mundial, decorre no Brasil do sistema político, atingindo a quase totalidade dos partidos. Contudo, Lula propiciou, como nunca antes, o desempenho livre dos órgãos de investigação, como Ministério Público e Polícia Federal, ao contrário do que faziam governos anteriores que controlavam essas instituições.

     A registrar ainda, por importante: as gestões petistas nunca falaram em "flexibilizar" a CLT, a Previdência, a escola pública, o SUS, as estatais, o pré-sal inclusive e sabe-se lá mais o quê, propostas engatilhadas pelos interinos (algumas levianamente já disparadas), a causar prejuízo incalculável ao Brasil e aos trabalhadores.

     Sem vínculo com qualquer partido político, assisto com tristeza a todo o artificioso esquema de linchamento a que Lula vem sendo exposto, depois de ter conduzido o mais amplo processo de inclusão social que o Brasil conheceu em toda a sua história.

RADUAN NASSAR, 80, é autor dos livros "Lavoura Arcaica" (1975), "Um Copo de Cólera" (1978) e "Menina a Caminho e Outros Textos" (1997). Recebeu neste ano o Prêmio Camões, principal troféu literário da língua portuguesa

domingo, 14 de agosto de 2016

Xadrez de como o PT ajudou o MPF se tornar partido político - por Luis Nassif (Jornal GGN)

1o Movimento – o nascimento do ativismo judicial

A relatoria da Constituinte tinha subcomissões. A do Ministério Público e do Judiciário foi relatada por Plinio de Arruda Sampaio, do PT.  Do lado do MP, recebia assessoria de Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Sepúlveda Pertence, Eugenio Aragão, Wagner Gonçalves e Aristides Junqueira, futuro Procurador Geral da República de Itamar Franco.
O Judiciário estava na defensiva. O PT questionou a presidência da Constituinte por Moreira Alves, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e foi apoiado por Ulisses Guimarães;
Mesmo assim, o Judiciário derrotou Plinio impedindo a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), derrubando a proposta de mandatos por tempo limitado para Ministros do STF, criando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e diminuindo para 11 o número de Ministros do Supremo.
Em seguida à promulgação, o Judiciário tomou decisão de recepcionar na nova Constituição as demais normas do Poder Judiciário, como a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), que vinha da época de Geisel.
Ficaram vazios, de leis regulatórias que precisariam ser votadas, porque nenhum partido tinha maioria parlamentar. Foi o caso dos capítulos da Comunicação, Segurança Pública, Reforma Agrária. Para preencher o vácuo, o Judiciário foi interpretando e cada vez mais ocupando o espaço das decisões políticas.
No debate sobre a regulamentação do capítulo da Comunicação, o Supremo, através de ADINs aprovou que concessões de TV não envolviam sinais digitais, só as TVs abertas. Abriu-se uma avenida pelo Ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães. Só no período Sarney o número de novas concessões foi similar a tudo que foi concedido de 1946 a 1964.
E aí a esquerda começou a chocar o ovo da serpente.
Derrotada nas eleições de 1989, minoria no Congresso, perdia votação e recorria ao Judiciário, através de ADINs (Ação Direta de Inconstitucionalidade). E passou a recorrer a denúncias sistemáticas ao MPF contra adversários políticos.

2o Movimento: o pacto com as corporações públicas

A Constituição foi produto de vários relatórios e projetos.
Ao fim do muro de Berlim e da União Soviética, se somou a crise do ABC, com desemprego trazido pela crise econômica. A base social do PT deslocou-se para o funcionalismo público. E o partido começou a construir pontes com a elite do funcionalismo, Ministério Público, Tribunal de Contas, Polícia Federal, juízes de primeira instância, conferindo-lhes os três Ps: privilégios, prerrogativas e promoção, junto com autonomia funcional e administrativa.
Era um relacionamento em clima de companheirismo total. Daí os relatos de que, antes da Lava Jato, Sérgio Moro era eleitor do PT, assim como Rodrigo Janot.
O mesmo aconteceu com a Polícia Federal. Desaparelhada no período FHC, quando entrou o governo Lula, a PF foi buscar alianças com a esquerda para se aparelhar. Quando Lula foi eleito, a PF queria se responsabilizar até pela segurança presidencial, ocupando o lugar das Forças Armadas.
A partir dessa parceria, o PT adotou várias posições pró-MP e pró-corporações públicas.
Ajudou a derrubar projeto do deputado Paulo Maluf, que penalizava procuradores em ações consideradas ineptas pelo Judiciário – projeto similar ao do atual presidente do Senado Renan Calheiros, visando coibir abusos de poder.
Na Lei Orgânica do MP, os procuradores começaram a pressionar para incluir a ideia da lista tríplice. Era um discurso de fácil assimilação pela esquerda, pelo poder dado à corporação e por ser eleição direta. E essa aliança foi fundamental para consolidar o poder do MPF sobre os demais MPs.
O Ministério Público é composto pelo MPF (Ministério Público Federal), integrado pelos chamados procuradores da República, o da União (os MPs estaduais), o do Trabalho e o Militar. O lobby do MP da República, associado ao PT, possibilitou que a escolha do PGR ocorresse apenas dentro do MPF, o menor de todos. Aliás, Lula vivia se vangloriando de sempre indicar o primeiro da lista tríplice para PGR.
Mais que isso, a Constituição conferiu uma série de competências inéditas ao MP, como o de representar, propor ADINs e "exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo vedada a representação judicial e a consultoria".
O lobby do MPF retirou do texto o trecho "que lhe forem conferidas por lei". Com isso, o próprio Ministério Público passou a interpretar o que seriam as outras funções.
Hoje em dia, o PGR tem poder para definir tudo da carreira, arbitrar valor das vantagens devidas aos membros do MP, férias, gratificações. Esse poder criou um vício eleitoral similar ao presidencialismo de coalizão: quem está no poder negocia as vantagens e dificilmente perde eleições.

3o Movimento: dos direitos humanos ao padrão OBAN

A ideia inicial na Constituição era a de que o MP trataria fundamentalmente das questões sociais. Gradativamente, no entanto, a maior parte do MP passou a privilegiar as operações que davam mídia.
Três ações históricas garantiram o prestigio do MP na questão penal:
1. Acre: o trabalho do procurador. Luiz Francisco conseguindo a condenação e prisão do parlamentar que matava a os adversários com motosserra.
2. Espírito Santo, contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Carlos Gratz.
3. No Rio de Janeiro com o procurador Antônio Carlos Biscaia e a juíza Denise Frossard contra os banqueiros do bicho.
Dali em diante, ganhavam espaço as operações em que a imprensa batia bumbo. Procuradores passaram a fazer media training e a buscar a parceria com repórteres policiais nas suas operações, a se valer dos vazamentos como armas contra a defesa e contra juízes garantistas. Tudo com a contribuição do PT, embarcando na onda das táticas moralistas para provocar investigações contra inimigos do partido.
O Centro de Inteligência do Exército é o único que funciona bem, dentro da máquina pública. Nem todos os coronéis do CIEX passam no funil para se tornarem generais.
Mesmo não tendo poder de investigar, o MPF buscou 13 deles na área de inteligência para assessorar nos grampos, no Guardião, na tecnologia de infiltração e de interrogatório.
Aos poucos, a área penal do MPF passou a incorporar todas as características da OBAN, a Operação Bandeirantes, que marcou o período de maior repressão do governo militar. A OBAN foi responsável por um conjunto de inovações, posteriormente adotada pelo MPF e pela PF.
A primeira delas foi a constituição de forças-tarefas para operações específicas. E toda operação tem que ter uma narrativa, uma marca, uma versão dos fatos que seja verossímil, embora não necessariamente verdadeira, para orientar os trabalhos. Foi assim com a guerrilha, com os dominicanos e no episódio Vladimir Herzog. Herzog morreu porque submetido a torturas para que delatasse suposto conluio do governador Paulo Egydio Martins com o PCB.
A segunda, o princípio básico da guerra revolucionária – bem detalhado pelo jornalista Antônio Carlos Godoy no livro "A Casa de Vovó” -, de que quem prende, quem investiga, quem denuncia e quem julga não podem ter contradições entre si. Tem que haver consenso para impor a versão à mídia e à Justiça. E deve se valer da mídia para espalhar versões ou declarações de arrependimento, dentro do conceito da guerra psicológica adversa.
A Lava Jato recorreu a métodos similares, devidamente aplainados pelos novos tempos: em vez de pau de arara, outras formas de tortura moral, como as prisões preventivas sem prazo para acabar, isolados do mundo e da família.
Não apenas isso.
Criou o conceito do inimigo interno, através da chamada teoria dos fatos, colocando como narrativa central a existência de uma organização criminosa, comandada pelo PT e por Lula, composta de um núcleo dirigente, um núcleo político e um núcleo de operadores.
Foi essa narrativa que permitiu focar as investigações em Lula e PT, deixando de lado o PSDB e outros partidos de fora da base.
Se a narrativa fosse de um conluio de empreiteiras atuando em todos os níveis de poder, as investigações chegariam a Minas Gerais, São Paulo e demais estados. Portanto, a seleção da narrativa não foi aleatória.
Na Força Tarefa há identidade absoluta entre Policiais Federais, procuradores e juiz, atropelando um modelo clássico do liberalismo, segundo o qual quem investiga não denuncia; quem denuncia não julga. Cabe ao procurador fiscalizar o policial e o juiz impedir abusos de ambos. No caso do juiz de instrução acusador, aceito por alguns países, o julgador final precisa ser outro juiz, sem envolvimento direto com o caso.
Prevaleceu o padrão OBAN.

4o Movimento: o pacto eleitoral para a PGR

Cada vez mais, o MPF passou a atuar como partido político, a começar da eleição para PGR.
As eleições para a PGR obedeceram às receitas padrão do presidencialismo de coalizão. Cada candidato atua politicamente, aproximando-se de líderes do governo, de deputados, de senadores e cativando a base. Foi o caso de Janot, levado por Aragão a visitar José Dirceu, mesmo após o julgamento da AP 470, ou oferecendo jantares a José Genoíno em sua casa, comparecendo a jantares com políticos petistas.
Como em todo arranjo político, havia um pacto entre as lideranças do MPF, de ninguém se candidatar à reeleição.
Cláudio Fonteles permaneceu PGR por um mandato. Passou o bastão a Antônio Fernando de Souza. Este pegou a AP 470 pela frente, e pressionou Lula: se não fosse reconduzido poderia parecer que o governo pretendia varrer o mensalão para baixo do tapete. Atropelou o acordo.
Na rodada seguinte, o favorito era Wagner Gonçalves, ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), apoiado por Eugênio Aragão. Foi vetado por Gilmar Mendes, na época presidindo o STF, e inimigo declarado de Wagner e Eugênio. Foi uma das muitas vitórias que Gilmar conseguiu contra Lula, meramente blefando: a outra foi o afastamento de Paulo Lacerda, que liberou o jogo político-partidário na PF.
Restou a Lula indicar Roberto Gurgel que imediatamente transformou a denúncia de Antônio Fernando em representação no STF. E coube o papel de verdugo ao ex-procurador Joaquim Barbosa, do círculo mais próximo dos procuradores progressistas.
Inquéritos volumosos têm muitas razões que os leitores desconhecem ou não conseguem captar. Mas, ali, havia duas informações indesmentíveis:
1.     A AP 470 foi montada totalmente em cima da suposição do desvio de R$ 75 milhões da Visanet.
2.     O desvio não ocorreu.
O estratagema serviu para que o PGR livrasse Daniel Dantas da operação, mesmo dispondo de um laudo técnico da PF mostrando o pagamento prometido de R$ 50 milhões a Marcos Valério sem contrapartida de serviços.
Ao lado o episódio da helicoca, trata-se de um dos grandes mistérios nesses tempos em que se supunha que nenhuma informação ficasse escondida. Não se tratava de um ato unilateral de um PGR, mas de um artifício endossado por várias instâncias.
O MPF passava a atuar como partido político.

5o Movimento: o MPF de Rodrigo Janot

Rodrigo Janot sempre pertenceu ao chamado grupo progressista do Ministério Público. Foi subprocurador de Cláudio Fonteles e candidato a vice de Wagner Gonçalves.
Quando dirigia a Escola Nacional do Ministério Público, montou reuniões periódicas para discutir temas nacionais, das quais eram participantes ativos Eugênio, Wagner, o advogado ativista Luiz Moreira, Álvaro Ribeiro da Costa, para o qual eram convidados dirigentes petistas de maior preparo, como José Genoíno. Nesses encontros, discutia-se de nanotecnologia ao papel das Forças Armadas.
Em todo esse período, Janot preparou-se para ser PGR. Valeu-se para tal do estreito conhecimento que tinha da máquina do MPF, como segundo de Fonteles e presidente da ANPR.
Nas eleições, atropelou duas procuradores símbolos do MPF, Ela Wiecko e Deborah Duprat – a quem acusou de ser ligada a José Serra. Computados os votos de todos os Ministérios Públicos, Deborah foi a mais votada. Mas Janot foi o mais votado dentre os procuradores da República.
A esta altura, um novo fenômeno alterava a natureza do MPF, com a ampliação dos quadros e o advento da era dos concurseiros, jovens preparados, com recursos para se dedicar por anos para se preparar para os concursos, não necessariamente com vocação pública, mas encantados pela possibilidade de altos salários iniciais e do poder de “autoridade”.
É nesse momento que Janot passa por uma um processo de conversão ao status quo. Percebendo os novos tempos, foca sua campanha eleitoral em temas de gestão e de atendimento às demandas corporativas da classe. E dando-se conta dos impactos da AP 470 sobre a classe e sobre a opinião pública, preparou-se para transformar a Lava Jato no passaporte final do MPF para o centro do poder.
Reconduzido ao cargo por Dilma, uma de suas primeiras atitudes foi abrir uma ação contra ela, em um gesto considerado desleal por seus antigos companheiros.
Respondeu a uma fala de Lula – em uma escuta ilegalmente divulgada – afirmando que devia tudo ao concurso público e não a ele, Lula. A declaração era inoportuna, visto que respondendo a uma conversa informal ilegalmente divulgada. Mas mostrava que Janot já vestira o avental asséptico do concurso público para se alinhar com a nova clientela, mesmo tendo pavimentado sua carreira na PGR por confabulações políticas de praxe.
Só após muita pressão dos amigos ousou avançar sobre Aécio Neves, o filho dileto do status quo.
Teve papel central na deposição de uma presidente eleita e na condução ao centro de poder de figuras do naipe de Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e Moreira Franco. E sua agenda continua em sintonia com a agenda política, ampliando a ofensiva contra o antigo governo sempre que se aproximam datas relevantes, como o da votação do impeachment.

6o Movimento - Próximos passos

Hoje em dia, em que pesem tantos bravos procuradores de direitos da cidadania, o MPF tornou-se peça central no desmonte do estado de bem-estar social.
Desde o início da crise política, sabia-se que não se tratava apenas da disputa entre uma presidente atabalhoada e políticos barras-pesadas, mas de concepções de Estado.
Bem antes da votação do impeachment se sabia que o novo governo entraria ungido pela promessa de limitar as despesas públicas, definindo limites nominais para gastos voltados para os interesses difusos, saúde, educação, sem definir limites para os gastos com juros. Para um leigo, parece medida disciplinadora de gastos. Para quem é do ramo, significará o desmonte do SUS e do sistema educacional público.
Derrubada Dilma, a primeira atitude da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) foi procurar o interino, não para garantir a manutenção dos direitos sociais, mas para assegurar vantagens corporativas já prometidas.
Hoje em dia, o MPF atua como verdadeiro partido político, com assessoria de imprensa, estratégias de marketing, iniciativas parlamentares, discursos políticos, parceria com a mídia e ações sincronizadas com movimentos da política. Como tal, monta alianças, joga de olho na opinião pública, sujeita-se às pressões da mídia. Da mesma maneira que um partido convencional.
Deborah, Ela, Eugênio, Fonteles, Álvaro Augusto, Eugênia, e outros procuradores símbolos de um Ministério Público que não mais há. O atual MPF, do dr. Janot, tornou-se peça central do maior ataque aos direitos sociais desde o regime militar. E poderá se tornar o coveiro da democracia.
No âmbito do governo Temer há um movimento nítido de devolver às Forças Armadas o papel de gendarme. A segurança nas Olimpíadas ficou sob as ordens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do general Sérgio Etchgoyen. Não apenas isso. Ele passa a comandar também o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), que tem sob seu guarda-chuva as áreas de fiscalização da Receita, Banco Central, Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Terá, ao alcance do seu computador, a ficha de qualquer cidadão brasileiro com registro civil.
Conseguirá dispor de um poder de intimidação similar ao aparato do qual se vale hoje em dia o PGR.
No entanto, nos próximos meses, haverá um movimento similar ao que marcou o fim da guerrilha.
Inicialmente, havia uma coesão dentre todos os aparelhos de repressão contra o inimigo comum, a guerrilha. Vencida a guerra, observou-se uma luta intestina dentre eles. Prisioneiros de um aparelho eram ameaçados de tortura se passassem informações quando interrogados por outros aparelhos.
Consumada a vitória final sobre Lula e o PT, provavelmente haverá embates similares entre PF e MPF, entre GSI e Forças Armadas.
O país de hoje não se assemelha ao do início da ditadura. Mas há no ar as mesmas jogadas oportunistas em cima do vácuo político que marcou a agonia do regime militar.
Por enquanto, a melhor tradução da PGR é a imensa catedral brasiliense onde está alojada a sua sede, redonda, permitindo a todos se verem internamente. Mas de vidros indevassáveis, que permitem enxergar tudo o que ocorre lá fora; mas impedem que se veja de fora o que acontece lá dentro.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Fotografia - por Flip Nicklin (National Geographic)

Lambendo as próprias feridas - por Maurício Abdalla (Facebook)

     José Serra acusado de receber 23 milhões ilegalmente; Temer acusado de receber 10 milhões e está inelegível pelas propinas em favor de Gabriel Chalita; do Cunha não se precisa falar mais nada; Marcos Feliciano acusado de tentativa de estupro; Eliseu Padilha é réu em caso de propina; Magno Malta indiciado por envolvimento na "Máfia dos Sanguessugas"... (a lista é bem maior). Todos são agentes e defensores do impeachment.

     Aos que ainda acham que, na política, estamos passando por um processo de moralização e combate à corrupção por colocar e manter essa corja no poder, adianta falar mais alguma coisa? Para quem acha que "pedalada" é o maior dos males do Brasil, sem sequer saber o que isso significa, não há postagem, meme, argumento, lógica, discussão ou qualquer outra coisa que o convença. Melhor nem discutir.
     
     Quem escolhe as companhias que se vire com elas. Interessa-me lutar contra a canalha que tomou o poder interinamente e o quer levar de vez. Meus inimigos são eles e não os que, sem saber, por hipnose midiática ou coisa que o valha, os sustentam no dia-a-dia.

     Sempre tive pena dos cavalos que carregavam os exércitos nas costas e, sem poder gozar de vitória alguma, eram feridos e morriam em luta alheia. Enquanto os soldados do exército vencedor celebravam a vitória, aos cavalos só restava lamber as próprias feridas, sem nenhuma glória.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Xadrez das delações da Odebrecht - por Luis Nassif (Jornal GGN)

IMPORTANTE:  Os cenários não refletem o que desejo, mas o que julgo factível, à luz das análises
Duas informações foram vazadas antecipadamente pela Lava Jato: os R$ 10 milhões em dinheiro vivo para Michel Temer; os R$ 25 milhões para José Serra através de conta no exterior. Há informações seguras de pelo menos um depósito na conta de sua filha Verônica Serra. Se quebrar o sigilo das contas de Verônica, não sobrará pedra sobre pedra.
Já se sabia que executivos da Odebrecht e da OAS implicariam Aécio Neves, Michel Temer e José Serra, entre outros. Não haveria como varrer para baixo do tapete.
A comprovação da parcialidade ou isenção da Lava Jato dependerá das providências que forem tomadas pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot.
Hoje em dia, não se tem a menor ideia sobre o desenrolar das ações contra Aécio Neves e outros próceres tucanos. Todos os processos são mantidos sob severo sigilo. Só vaza aquilo que se interessa que vaze.
À luz de tudo o que se sabe sobre a Lava Jato e sobre o comportamento dos principais atores, é possível montar algumas hipóteses de trabalho.
Peça 1 - a divisão entre os vitoriosos
Há dois grupos nítidos na efetivação do golpe: um deles pode ser denominado genericamente de mercado, que representa o poder de fato; o outro, a camarilha dos 6 - Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Viera Lima, Roberto Jucá, Moreira Franco e o finado Eduardo Cunha - que representa a maioria ocasional no parlamento.
O poder mercado é composto pelo mercado propriamente dito, grandes grupos, a mídia e autoridades brasilienses, além do apoio constante dos Estados Unidos. Ele tem uma agenda clara. Não faz questão da presidência, mas do controle da Fazenda e do Banco Central e de implantar as seguintes medidas:
1. Acabar com o Estado de bem-estar social previsto na Constituição de 1988, através do limite nominal para gastos.
2. Manter o trinômio juros altos, ajuste fiscal rigoroso e livre fluxo de capitais, a chamada trindade impossível, só possível em países de opinião pública subdesenvolvida.
Os sinais dessa divisão são claros. O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, por exemplo, do círculo de influência da Globo, já explicitou que a banda do PMDB é inadmissível, mas que a equipe econômica é de primeira. E o senador Cristovam Buarque, dono de notável discernimento,  chegou a  dizer que votaria contra o impeachment se Dilma Rousseff se comprometesse a bancar Henrique Meirelles.
É um coral enorme. Praticamente cada comentarista da Globo e dos demais grupos repete pelo menos uma vez por dia o bordão.
Peça 2- quem representará o mercado
A ideia de que o PSDB era o mercado sempre foi falsa. No Plano Real, o partido serviu apenas como cavalo de Troia para os economistas de mercado - Pérsio, Bacha, André, Gustavo, Malan, Mendonça de Barros, Armínio entre outros. Em todo o processo do Real, a economia foi conduzida exclusivamente por esse grupo.
Dentro do PSDB, apenas Fernando Henrique Cardoso tinha o endosso e endossava o grupo. Depois, parte do grupo se aproximou de Aécio Neves, parte de Marina Silva. Sempre houve enorme resistência ao nome de Serra devido ao seu voluntarismo.
Quando os economistas do Real deixaram o PSDB, o partido não conseguiu mais desenvolver um discurso próprio.
Portanto, quem tem a ideologia, o discurso e as alianças legitimadoras é o mercado. Em 2010, suportaram Serra de nariz virado. E Temer só interessa se cumprir o mandato de erradicar a Constituição de 1988, mesmo não tendo um voto.
E aí entram as denúncias contra Temer e Serra.
Peça 3- o fator Gilmar Mendes
No final de semana, na condição de presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) o Ministro Gilmar Mendes mandou analisar a possibilidade de cassação do PT. Trata-se de um dos factoides periódicos que ele tira de sua maleta mágica, visando desviar o fogo da mídia quando ameaça seus aliados. Provavelmente foi para desviar a cobertura da mídia das denúncias contra Serra.
Lembre-se:
O grampo do STF - no auge das investidas da Satiagraha contra Daniel Dantas, Gilmar protagonizou a história do grampo sem áudio, e do grampo no STF, cuja materialidade jamais foi comprovada. Nessa época, um de seus principais assessores era Jairo Martins, o principal araponga de Carlinhos Cachoeira. O carnaval permitiu instaurar a CPI do Grampo visando esvaziar a Satiagraha.
A conversa com Lula - no auge do julgamento do "mensalão", criou a versão para a conversa com Lula, que foi cabalmente desmentida pela única testemunha presente: Nelson Jobim.
A vaquinha de Dirceu - quando explodiram versões de seus contatos com o ex-senador Demóstenes Torres, Gilmar criou a história de que a vaquinha para pagar a multa de Dirceu no mensalão era fruto de milhares de laranjas.
A ofensiva contra o PT visa apenas isso: criar um fato que possa se contrapor às denúncias contra Temer e, especialmente, contra Serra.
Peça 4 - o fator Temer
O interino se equilibra entre mercado e sua turma. A cada dia que passa se comporta cada vez mais como dono do poder. E, a cada movimento, denota propósitos continuístas.
Tem produzido um aumento substancial no déficit e na dívida pública em troca da promessa futura dos limites nominais para os gastos orçamentários. Com a baixíssima popularidade junto à opinião pública, as sucessivas denúncias contra ele - culminando com a denúncia-bomba da Odebrecht - em circunstâncias normais, cairia.
Mas não se vive tempos normais.
Há três cenários possíveis.
Cenário do pacto sem Temer
Haveria algum espaço para que seu afastamento pudesse resultar em pacto nacional visando uma trégua até as eleições de 2018, algo no qual os presidentes do Senado e da Câmara abrissem mão da sucessão permitindo que fosse conduzido pelo presidente do STF Ricardo Lewandowski,
É uma possibilidade, mas um tanto complexa para ser aceita, mas que poderá se tornar viável dependendo do desenrolar da crise.
Por exemplo, se o PGR decidir atuar firmemente contra Aécio, Temer e Serra, ganhará pontos para radicalizar a caçada à Lula. O jogo seria zerado fortalecendo a ideia de pacto sem vencedores.
De qualquer modo, significaria manter no posto a atual equipe econômica.
Probabilidade baixa, principalmente porque haveria forte resistência no Congresso.
Cenário da guerra com o Congresso
O Procurador Geral da República decide pedir autorização para investigar o presidente interino e outras figuras de destaque denunciadas pela Odebrecht e OAS. Imediatamente estouraria uma guerra, com a camarilha se valendo de seu poder legal no Congresso para represálias contra o PGR e o MPF.
O bravo Dr. Janot sabe que uma coisa é manter a independência sem risco em relação ao ex-Ministro José Eduardo Cardoso e Dilma Rousseff; outra é tratar com profissionais,  entrincheirados no Congresso e ameaçando explodir o paiol se o inimigo se aproximar.
Probabilidade baixa
Cenário da contemporização
A atuação do PGR não se mede pelas ações que propõem, mas pela maneira como trabalha cada processo. Basta colocar mais recursos em um e retirar de outro para ditar o ritmo de ambos. Foi assim que até agora Aécio Neves se mantém incólume.
Com Temer deverá ocorrer o mesmo - mas aí por razões de Estado. Certamente a esta altura devem estar conversando em Brasília membros do STF, o PGR e seu grupo, visando encontrar maneiras de parecer que foram tomadas providências sem comprometer a governabilidade.
Quem pariu Mateus, que o embale. Se o PGR parte para o enfrentamento, deflagra uma crise política. Se contemporiza, rasga a fantasia.
Poupar Temer pode se justificar em nome da governabilidade. Mas não há nenhum motivo para esquecer Serra.
Como se diz em Minas, quem monta em cavalo grande, arrisca a levar um tombo maior. 

Comentário
Contemporizar com denúncias em nome da governabilidade é um crime. Simples assim.