terça-feira, 18 de abril de 2017

Como o jornalista mineiro que já sabia de tudo sobre Aécio Neves foi calado - por Joaquim de Carvalho (Diário do Centro do Mundo)

Marco Aurélio Carone, do Novo Jornal
Em Minas Gerais, uma das formas de entender o que representaram os doze anos do governo de Aécio Neves – sete dele mesmo e cinco de Antonio Anastasia – é conhecer a trajetória do publicitário Marco Aurélio Carone.

Em 2002, Carone se candidatou a governador pelo minúsculo PSDC, mas sua missão, segundo ele conta, não era chegar ao Palácio da Liberdade, mas defender Aécio no enfrentamento com o ex-governador Newton Cardoso, também candidato.

Aécio ganhou e, pela atuação de Carone, o partido dele foi recompensado pelo caixa de campanha de Aécio, e o próprio candidato, alguns anos depois, vendeu o título de seu jornal, Diário de Minas, o mais antigo do Estado, para um grupo ligado a Aécio Neves.

Pela venda, o publicitário diz que recebeu R$ 600 mil. “Queriam comprar o meu silêncio ou pagar por elogios, mas esse produto não estava à venda”, diz Carone.

Com o dinheiro da venda do jornal, o ex-aliado de Aécio contratou um dos jornalistas mais premiados de Minas Gerais, o veterano Geraldo Elísio, o repórter Pica-Pau dos tempos da rádio Itatiaia e Prêmio Esso de Jornalismo em 1977, com uma reportagem publicada em O Estado de Minas que denunciou a prática de tortura na Polícia Militar.

Juntos, eles mantiveram na internet o Novo Jornal, um site de notícias que, em poucos anos, se transformou num dos poucos veículos críticos de Aécio e do governo dele e de Anastasia.

O Novo Jornal chegou a ter mais de um milhão de acessos num dia, com suas reportagens que tratavam de escândalos do grupo de Aécio, entre eles a Lista de Furnas.

“O Novo Jornal foi o primeiro veículo a publicar a perícia da Polícia Federal que comprovou a autenticidade da lista de Furnas”, conta Geraldo.

Era um tema recorrente no site, assim como as denúncias de favorecimento do governo ao grupo de Zezé Perrella, o do Helicoca, e outros que os grandes jornais, rádios e emissoras de TV de Minas nunca noticiaram.

No início de 2014, já com a pré-campanha de Aécio a presidente da República na rua, Carone foi preso sob acusação de ser o relações públicas de uma organização criminosa destinada a achacar empresários, denúncia que até agora não resultou em condenação, mas suficiente para deixá-lo na cadeia durante nove meses, os três últimos em solitária.

Filho de um ex-prefeito de Belo Horizonte, cassado em 1964, que depois da abertura chegou a presidir o conselho de administração de uma subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, e de uma ex-deputada federal, Carone hoje anda de muletas e tem a expressão cansada, depois que sofreu um enfarte na cadeia.

Geraldo Elísio, o editor do Novo Jornal, teve a casa revirada por um delegado e três investigadores, num mandado de busca e apreensão.

Os policiais queriam documentos para comprovar a denúncia de extorsão, mas o que encontraram, e levaram, foi um computador, com os textos de livros que Geraldo escrevia, entre eles um de memórias.

O advogado Dino Miraglia, que defendia o homem que entregou a lista de Furnas à Polícia Federal, Nilton Monteiro, também teve a casa e o escritório revirados, num mandado de busca cumprido até com o sobrevoo de helicóptero da PM.

O escritório de um advogado é inviolável, mas nenhuma voz da OAB local se levantou contra a arbitrariedade.

Depois do episódio, Dino Miraglia abandonou a causa e também sofreu danos pessoais – a esposa entrou com pedido de divórcio. Hoje, evita falar sobre qualquer assunto referente à Lista de Furnas.

O Sindicato dos Jornalistas do Estado de Minas também não se levantou em defesa do fechamento do Novo Jornal nem da invasão policial à casa de Geraldo Elísio.

Jornalistas com quem conversei contam que, na época, até o jornal do sindicato era bancado pela máquina de publicidade comandada pela irmã de Aécio, Andrea Neves.

Esta é parte de uma história que comecei a apurar dentro projeto do projeto do DCM sobre a Lista de Furnas, a famosa lista, que eclodiu num momento em que as denúncias do mensalão ameaçavam o governo Lula, em 2005.

A lista tem os nomes dos políticos que receberam dinheiro do caixa 2 formado por um diretor de Furnas, Dimas Toledo, com a propina paga por fornecedores da estatal. A maioria é do PSDB, e aparecem na relação Aécio Neves, José Serra e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

“Há duas maneiras de você calar um delator. Uma é matando, a outra é assassinando a sua reputação”, disse-me um delegado da Polícia Federal que investigou a lista. “Em Minas, foi criada uma máquina para destruir a reputação dos denunciantes da Lista de Furnas”, acrescentou.

No governo de Aécio, a Polícia Civil de Minas divulgou que a lista era falsa, versão que foi publicada pela revista Veja. Numa investigação paralela, conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, a conclusão foi oposta.

Dimas Toledo, para não sair de Furnas, pressionou Aécio Neves a negociar com Lula sua permanência no cargo. Para isso, mandou entregar a lista com sua assinatura e os valores recebidos por Aécio Neves e por outros políticos.

Desde então, o portador da lista, Nilton Monteiro, tem amargado períodos alternados de prisão, embora nunca tenha sido condenado. No total, já passou mais de dois anos preso, teve o carro incendiado e hoje poucos sabem onde mora.

A principal acusação é a de que Nilton inventou a lista. Mas dois dos nomes relacionados ali, que são deputados, confessaram que receberam exatamente os valores apresentados na relação, e por caixa 2 de Furnas. Um deles, Roberto Jefferson, fez a confissão em depoimento à Polícia Federal.

Se essas duas confissões não são indícios suficientes da autenticidade da lista, a assinatura de quem fez a relação não deixa dúvidas. A Polícia Federal, contrariando a versão de Dimas Toledo, garante que a assinatura é mesmo do ex-diretor de Engenharia de Furnas.

Ainda assim, é possível que alguém duvide, mas aí convém analisar o perfil dos policiais federais que fizeram a investigação no Rio e contrapô-las ao delegado que chefiou a investigação em Minas. Os policiais federais concluíram pela autenticidade da lista. O de Minas, não.

A Justiça Federal decretou a prisão de quatro empresários, num caso que nada tem a ver com a estatal Furnas, mas que revela um modelo de apuração policial nos anos de Aécio à frente do governo mineiro.

Os empresários são donos de uma empresa de transporte de valores, responsável por abastecer os caixas eletrônicos de dois bancos no estado. A acusação que levou a Justiça a decretar a prisão é a de que eles, durante anos, desviavam parte do dinheiro que deveria ser entregue aos bancos.

Assim como a Lista de Furnas, houve duas investigações paralelas. A Polícia Federal concluiu pelo desvio do dinheiro dos bancos e obteve na Justiça a decretação da prisão dos empresários.

Em Minas, a investigação começou bem antes. Mas nunca foi para a frente. Quem garante é o delegado de Minas que concluiu o inquérito, quando trocou o governo do Estado, em janeiro, e a antiga cúpula da Polícia Civil foi afastada.

A razão do inquérito ter sido abafado nos anos do governo de Aécio/Anastasia é que, segundo o delegado que herdou a investigação, havia influência da irmã de um dos donos da empresa, Renata Vilhena, a secretária de Planejamento de Aécio Neves que tocou o famoso choque de gestão.

E o que isso tem a ver com Furnas? O delegado acusado pelo colega de negligenciar a investigação da empresa de transporte de valores é o mesmo que concluiu pela “falsidade” da Lista de Furnas e participou do inquérito que levou à prisão do dono do site Novo Jornal, do lobista e delator Nilton Monteiro e que também justificou a busca e apreensão na casa do jornalista Geraldo Elísio e do advogado Dino Miraglia.

Uma polícia sem apetite para investigar fatos sensíveis ao grupo político de Aécio é o que explica, em parte, as razões da Lista de Furnas ter se transformado num tema quase proibido. Você não viu nada disso em nenhum veículo da chamada grande imprensa. Mas vai ler aqui, em detalhes.

  
ATUALIZAÇÃO:
  
Prezado Jornalista Kiko Nogueira, diretor do Diário do Centro do Mundo,

Em nome do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, venho elogiar a iniciativa do DCM de publicar uma série de reportagens sobre a Lista de Furnas e manifestar nossa surpresa pela forma como o Sindicato foi citado na matéria intitulada “Como as pessoas envolvidas no vazamento da Lista de Furnas foram caladas”, publicada na quarta-feira 23/9 e assinada por Joaquim de Carvalho.

Diz a matéria: “O Sindicato dos Jornalistas do Estado de Minas também não se levantou em defesa do fechamento do Novo Jornal nem da invasão policial à casa de Geraldo Elísio. Jornalistas com quem conversei contam que, na época, até o jornal do sindicato era bancado pela máquina de publicidade comandada pela irmã de Aécio, Andrea Neves”.

O DCM merece nosso respeito pela qualidade do jornalismo que pratica e cumpre papel importante ao tratar do assunto em questão, que não vem recebendo a cobertura devida pela mídia tradicional.

Estranhamos, no entanto, a citação do Sindicato na reportagem, uma vez que durante todo o período dos governos Aécio Neves e Antonio Anastasia em Minas Gerais (2003-2014) ele esteve à frente das denúncias de censura e coerção contra jornalistas, imprensa e a sociedade mineira. O Sindicato denunciou publicamente as arbitrariedades e irregularidades cometidas pelos referidos governos e denunciou-as também ao Ministério Público.

Estranhamos também o fato de o Sindicato ter sido atacado, por fontes não identificadas, e não ter sido ouvido para se defender. O repórter teve oportunidade para isso quando fomos apresentados, no dia 4 de setembro, no gabinete do deputado estadual Rogério Correia, em Belo Horizonte, e não o fez. Conversamos inclusive sobre o tema da reportagem e ele não mencionou a acusação publicada.

Sem mais para o momento, manifestamos mais uma vez nossa admiração e votos de sucesso.

Atenciosamente,

Kerison Lopes

Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.

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