segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O espírito de Aventura - por Eric Valli (site homônimo)


Mudanças aperfeiçoam identificação entre ministério de Temer e seu chefe – por Janio de Freitas (Folha)

Subornáveis e subornadores sintam-se avisados: além de dinheiro sujo em "uma única mala" não provar crime, a Polícia Federal enfim enturmada com Michel Temer traz outra colaboração, pela voz autorizada do seu novo diretor, Fernando Segovia. De agora em diante e não necessariamente por incluir mala, ter a posse, como portador ou como depositário, de dinheiro com procedência e finalidade ilegais não sugere à PF haver corrupção. Apesar de parecerem restritas à PF, são decisões componentes de demonstrações de que Temer alcança o seu governo ideal.
As negociações para troca de ministros visam aperfeiçoar a identificação entre o ministério e seu chefe. Carlos Marun na articulação política, agindo dentro da Presidência, com cargos de todos calibres e verbas de todos milhões para negócios em seu balcão, pode ser uma escolha quase perfeita. Trata-se de um dos braços direitos de Eduardo Cunha mais colados ao então deputado. Defini-lo com alguma precisão é tarefa só possível para Sergio Moro, que pode dizer e fazer o que queira sem risco algum, no Brasil de hoje. O atual articulador político, Antonio Imbassahy, nem ao menos está pendurado na Lava Jato. Marun pode olhar Temer, Moreira, Padilha, Jucá e outros no mesmo nível.
A indicação de Marun confirma, também, a reviravolta nas relações entre Temer e Eduardo Cunha, aqui mesmo notada quando o prisioneiro passou, há pouco, da longa ameaça de expor fatos sobre Temer para a repentina proteção ao velho companheiro. Aí tem coisa, se observado que, na altura da escolha de Segovia, Eduardo Cunha rejeitava, até com rispidez, a hipótese de delação premiada: "Nem pensar!".
Outra reaproximação contribuiu para mais aperfeiçoamentos do governo. Rodrigo Maia, que cumpria com retidão o papel de presidente da Câmara, em respeito à Constituição e ao regimento, e em relação objetiva com o Planalto e com os partidos, passa a agir como integrante do governo. Pior, como componente do círculo de Temer, pondo-lhe a presidência da Câmara a seu serviço.
Já com as novas características, Maia é um dos indicadores do deputado Alexandre Baldy para o Ministério das Cidades. Uma figura, como os repórteres Ranier Bragon e Letícia Casado têm exposto na Folha, com vínculos muito apropriados para incorporar-se ao grupo de Temer.
Se essas mudanças trazem melhoria ao dispositivo de vale-tudo político, a substituição na Polícia Federal cuida dos problemas ainda complicados de Temer na área policial-judicial. Não só do seu caso, ainda pendente de um inquérito e sujeito a delatores problemáticos, mas do seu círculo palaciano.
Bom pagador, Fernando Segovia quitou-se literalmente à vista com Temer. O que disse foi suficiente para um esboço pessoal. Há mais, porém, na presença de Temer para prestigiar Segovia em sua posse. Temer só teria tal atitude se dotado de certezas sobre as disposições, manifestadas ou aceitas, do delegado em assuntos do seu interesse como pessoa e como político. Esse interesse tem mais faces do que as já conhecidas, mas, ainda assim, seu maior alvo é esse mesmo que logo nos ocorre.
Ministros do Supremo Tribunal Federal, procuradores imparciais da República, delegados da PF isentos — eles que se preparem. Porque o restante do país está dormindo.
Comentário
Ler o último parágrafo chega a ser tragicômico.
Estas instituições citadas só “acordam” quando as coisas se referem a determinado partido. Ademais, eles não dormem: hibernam.

Fotografia - por Jay Mantri (site homônimo)


Paradoxo na economia: “a gente sabe o que funciona e estamos fazendo exatamente o contrário” - por Marco Weissheimer (Sul21)

Ladislau Dowbor: “O neoliberalismo navega nos conceitos da eficiência e da competitividade. Isso é uma balela”.
(Foto: Maia Rubim/Sul21)
Estamos destruindo o planeta em proveito de uma minoria, enquanto os recursos necessários ao desenvolvimento sustentável e equilibrado são esterilizados pelo sistema financeiro mundial. (…) Quando oito indivíduos são donos de mais riqueza do que a metade da população mundial, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome, achar que o sistema está dando certo é prova de cegueira mental avançada”. Essa é uma das teses centrais do novo livro do economista Ladislau Dowbor, “A era do capital improdutivo. A nova arquitetura do poder: dominação financeira, seqüestro da democracia e destruição do planeta” (Outras Palavras/Autonomia Literária), que analisa a captura dos processos produtivos e políticos da sociedade mundial pelo capital financeiro.
Na avaliação do professor titular de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o neoliberalismo repousa sobre “balelas” e a concentração de renda e de riqueza no planeta atingiu níveis obscenos. Em entrevista ao Sul21, Dowbor fala sobre o seu novo livro e sobre os desdobramentos dessa hegemonia do capital especulativo no Brasil. O déficit no Brasil, defende o economista, não foi criado por gastos públicos, mas sim pelo desvio dos gastos públicos para os bancos no serviço da dívida pública:
“Muito curiosamente, o teto de gastos paralisa as atividades próprias do Estado em educação, saúde, segurança, etc., mas libera a continuidade da transferência de recursos públicos para os bancos. O Brasil tem, hoje, cerca de 60 milhões de adultos que estão negativados. Essas pessoas não conseguem pagar suas contas relativas a comprar anteriores e, muito menos, efetuar novas compras. E as empresas também estão endividadas. Esse sistema é absolutamente inviável”.
Livro analisa nova arquitetura
do poder econômico e político no mundo.
(Divulgação)
Sul21: O que é, exatamente, o capital improdutivo, conceito central do teu novo livro?
 Ladislau Dowbor: Nós devemos distinguir o investimento, produtor de bens e serviços, que desenvolve atividades econômicas, da aplicação financeira. São dois campos distintos. No Brasil, se confunde, voluntariamente, investimento e aplicação financeira. Quando você compra títulos do Tesouro, faz especulações sobre moedas ou compra ações poderá até ganhar bastante dinheiro, movimentar um monte de papeis, sem que, com isso, apareça sequer um par de sapatos, uma bicicleta ou uma escola a mais no país. Você não gerou nada. Se você ganhou bastante, está se apropriando do que outra pessoa perdeu. Se você previu que o dólar ia subir, comprou na baixa e ele subiu, quem te vendeu perdeu dinheiro.
Toda essa esfera de aplicações financeiras é essencialmente especulativa, não contribuindo para o processo produtivo. O que contribui para o processo produtivo é o investimento que financia atividades que geram bens, serviços, empregos, impostos e que fazem a economia girar. Falamos de capital improdutivo quando passa a render mais você aplicar em papeis do que investir em alguma coisa. No mundo, hoje, o PIB correspondente à produção de bens e serviços aumenta em média algo entre 2 e 2,5% ao ano, enquanto que o rendimento dos papeis aumenta cerca de 7% ao ano. A explicação é muito simples. O dinheiro vai para onde rende mais. Gerou-se um sistema em que você ganha mais dinheiro simplesmente teclando no computador do que efetivamente produzindo. Isso é a expansão do capital improdutivo.
Há uma segunda questão importante. O capital especulativo e as aplicações financeiras passam a funcionar em um processo de progressão geométrica. Um bilionário que aplica seu dinheiro a 5% ao ano ganhará 137 mil dólares por dia. Ele não consegue gastar tudo e esse dinheiro é reaplicado, fazendo com que, a cada dia, o juro sobre o estoque de recursos aumente. Temos aí uma expansão que, em termos financeiros, se chama efeito bola de neve. Esse efeito faz com que grandes fortunas passam a ter muito mais dinheiro do que conseguem gastar sem precisar desenvolver nenhuma atividade de produção concreta de bens e serviços. Ou seja, ele não está sendo útil para a sociedade.
Harvey (David Harvey) tem razão. Esse capital deixa de ser capital e passa a ser patrimônio, pois não entra no processo produtivo como um elemento dinamizador. Isso deforma radicalmente a economia. Conforme cálculo feito pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), quando você faz uma transferência de renda por meio de um programa como o Bolsa Família, para cada real investido ele vai gerar R$ 1,78 de aumento do PIB. Isso acontece porque você colocou o dinheiro na mão de alguém que não vai fazer aplicação financeira ou comprar letras do Tesouro, mas sim que vai consumir. Esse consumo vai incrementar a atividade do comerciante, que vai encomendar mais do produtor, o que vai gerar mais emprego, em um efeito econômico multiplicador. O essencial da deformação que vivemos é esse deslocamento da forma de remuneração do capital produtivo relativamente à sua apropriação pelo sistema financeiro.
“Temos uma expansão das capacidades de produzir,
mas não da produção efetivamente”.
(Foto: Maia Rubim/Sul21)
Sul21: Enquanto isso, produtos seguem sendo produzidos. Não deixamos de produzir sapatos, automóveis, roupas e tudo mais. Há um capital produtivo que segue participando da produção. Como ele se relaciona com o capital improdutivo e como um sistema com essas características pode sobreviver? Se aplicar no sistema financeiro é mais rentável, porque um produtor de calçados seguirá fabricando calçados?
Ladislau Dowbor: Nas últimas décadas, tivemos avanços tecnológicos fenomenais. Hoje produzimos automóveis com muito mais rapidez e menor custo, utilizando inclusive robôs e coisas do gênero. Na agricultura, temos a expansão da chamada agricultura de precisão, onde a aplicação de novas tecnologias também permite um aumento de produtividade fantástico. Ou seja, nós temos uma expansão das capacidades de produzir, mas não da produção efetivamente porque esta vai depender do destino final do produto. Um empresário, se não tem para quem vender, por mais que os sapatos que ele produz sejam úteis, ele fecha.
Então, o equilíbrio de remuneração das diversas atividades é vital para uma economia funcionar. Se você tem um dos atores que se apropria de muito mais renda do que os outros, acaba travando o processo como um todo. É muito interessante pegar o exemplo da reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial. A Europa criou o Estado de Bem Estar, passando a remunerar os trabalhadores proporcionalmente ao aumento da produtividade. Na Alemanha, por exemplo, todo aumento da produtividade de uma empresa é revertido automaticamente em aumento de salário. E o aumento da produção gera mais mercado. Há um equilíbrio no conjunto do sistema.
Por outro lado, os impostos gerados neste processo são utilizados como salário indireto. Na Alemanha, você tem escola pública gratuita, universidade pública e gratuita. Há escolas privadas, mas, mesmo nestas, o professor é pago pelo Estado. Isso é considerado um investimento nas pessoas. Esse salário indireto é extremamente importante. As pessoas não vivem só com sua renda que entra no bolso. O canadense tem um salário inferior ao americano, mas ele tem a creche, a escola e o hospital de graça, tem piscinas em todas as escolas. Ou seja, o imposto, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde ele é chamado de gasto, é transformado em salário indireto, em um investimento nas pessoas.
“O paradoxo é esse: a gente sabe o que
funciona e estamos fazendo exatamente
o contrário”.
(Foto: Maia Rubim/Sul21)
Esse modelo gera bem estar e é muito mais produtivo do que planos de saúde e coisas do gênero. Quando você faz saúde pública, por exemplo, se concentra em evitar as doenças. Já o sistema privado de saúde está interessado na doença. Ele é a indústria da doença. Se você vai em países como Suécia, França, Alemanha ou Canadá, verá um sistema de saúde que está preocupado com a qualidade da água, com a ausência de agrotóxicos nos alimentos e com a diminuição de emissão de gases pelos veículos nas cidades, para citar apenas essas três coisas. Ou seja, está preocupado com o conjunto dos elementos que geram a doença. O resultado é muito interessante. No Canadá, por exemplo, você gasta 3.400 dólares/ano por pessoa em saúde. Nos Estados Unidos, é mais do dobro disso. No entanto, a saúde média da população do Canadá é incomparavelmente superior. É simplesmente mais produtivo.
Quando você canaliza os recursos de maneira adequada, consegue-se esse tipo de resultado. Destinar recursos para a saúde pública, para a pequena e media empresa, para reforçar o salário mínimo e dinamizar o consumo de bens simples: tudo isso é organização econômica e social que chamamos de governança. O governo é a máquina administrativa. Governança é fazer o conjunto funcionar.
No caso do Brasil, quando um dos grupos sociais, como o setor financeiro, se torna muito mais poderoso do que os milhões de pequenos e médios produtores e passa a apropriar dos recursos destes, por meio de juros, e do próprio governo, por meio de leis que, por exemplo, os isentam de impostos, temos uma deformação sistêmica e o processo trava.
Além do que ocorreu na Europa, podemos citar o exemplo do New Deal, nos Estados Unidos, ou o que foi feito na Coréia do Sul. Todos eles se basearam em não enriquecer os ricos, mas em desenvolver salário direto forte para a população, o que gera demanda para as empresas, e impostos elevados, mas orientados para investimentos em infraestruturas que barateiam os processos produtivos e em políticas nas áreas de educação, saúde e cultura. Esse investimento nas pessoas aumenta a produtividade do sistema como um todo. O paradoxo é esse: a gente sabe o que funciona e estamos fazendo exatamente o contrário.
Sul21: No seu livro você aponta que esse processo de deformação sistêmica da economia mundial anda de mãos dadas com o fenômeno da captura da esfera da política pelo sistema financeiro. Esse diagnóstico parece apontar para um cenário bastante sombrio quanto ao futuro da democracia, não?
“Temos um endividamento generalizado dos
governos no mundo com os grandes bancos”.
(Foto: Maia Rubim/Sul21)
Ladislau Dowbor: Você veja o desastre hoje nos Estados Unidos. Donald Trump se elegeu dizendo que a Hillary Clinton era ligada ao sistema financeiro. Eleito, quem ele nomeou para chefiar a sua equipe econômica? O presidente do Goldman Sachs, o maior banco mundial. No Brasil, em nome da resolução de problemas econômicos, tivemos um Joaquim Levy na Fazenda e hoje temos um banqueiro comandando o Banco Central e um banqueiro no Ministério da Fazenda. Na França, tivemos o peso do sistema financeiro depositado na candidatura de Macron.
Temos, de modo geral, um endividamento generalizado dos governos no mundo que os colocam numa relação de dependência com os grandes bancos, donos da dívida. Há uma mudança dos equilíbrios políticos no planeta. Estávamos acostumados com a ideia de que, numa democracia, você elege pessoas que representam os anseios da população. No entanto, hoje, há um desgarramento entre o processo político da eleição e o processo econômico. Não basta a democracia política. Se você não tem também democracia econômica, o sistema simplesmente não funciona. Escrevi um livro chamado “Democracia econômica”, já publicado em várias línguas, que ajuda a entender esse processo (Conheça as obras de Ladislau Dowbor, disponíveis em sua página).
Voltando ao argumento central: onde o sistema funciona? Ele funciona quando se tem uma forte organização dos fluxos dos recursos financeiros para reforçar a capacidade de compra das populações e a capacidade do Estado fazer investimentos em infraestrutura e fazer políticas sociais. Esse processo dinamiza as atividades, aumenta o volume de impostos tanto pelo consumo quanto pela atividade empresarial e pelos empregos gerados. Esses impostos fecham a conta sem gerar um déficit. O déficit no Brasil não foi criado por gastos públicos, mas sim pelo desvio dos gastos públicos para os bancos no serviço da dívida pública. Muito curiosamente, o teto de gastos paralisa as atividades próprias do Estado em educação, saúde, segurança, etc., mas libera a continuidade da transferência de recursos públicos para os bancos.
Sul21: Apesar da crise de 2007-2008, o neoliberalismo segue sendo hegemônico e parece estar apoiado em algumas ideias que se enraizaram no senso comum. Em uma das primeiras edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o economista Francisco Louçã disse que a esquerda precisava ter algumas ideias fortes para enfrentar a força ideológica do neoliberalismo. Que ideias poderiam ser estas, na sua opinião?
“O Brasil tem, hoje, cerca de 60 milhões de adultos
que estão negativados”.
(Foto: Maia Rubim/Sul21)
Ladislau Dowbor: O neoliberalismo navega nos conceitos da eficiência e da competitividade. Isso é uma balela. Ele está, na verdade, drenando a capacidade produtiva da sociedade ao se apoderar de recursos que poderiam ser investidos nas empresas e nas pessoas. O Brasil tem, hoje, cerca de 60 milhões de adultos que estão negativados. Essas pessoas não conseguem pagar suas contas relativas a comprar anteriores e, muito menos, efetuar novas compras. As empresas também estão endividadas.
A ideia que embasa o funcionamento desse sistema é simples. Se você vai comprar um fogão em uma loja, encontrará um preço a vista – 420 reais digamos – e um preço a prazo que é o dobro disso. Esse fogão saiu da fábrica a 200 reais, pagou 40% de imposto e tem o ganho da loja que o está vendendo por 420. Mas, na verdade, eles querem vender a 840 reais. A grande massa da população, enganada pela prestação que cabe no bolso e pelo juro apresentado ao mês, acaba pagando 840 reais por esse fogão. O cidadão que não tem capacidade de comprar a vista vai pagar 840 reais por um fogão de 200.
Esse sistema é absolutamente inviável, pois esteriliza a capacidade de reinvestimento da empresa, que está ganhando muito pouco, e a capacidade de compra da população. No meio desse processo, há um intermediário que tem um ganho imenso. É uma economia de intermediários não produtivos.
Buscar um novo equilíbrio significa taxar fortemente o capital improdutivo e reduzir os impostos sobre o consumo. Não é preciso aumentar a carga tributária. Basta começar a cobrar dos improdutivos e desonerar as atividades que dinamizam a economia.
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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Fotografia - por Jennifer Pallian (Unplash)

Perguntar quem nunca será preso é forma de entender o poder no Brasil – por Vladimir Safatle (Folha)

Marcelo Cipis - Folhapress

       O que há de mais cômico no Brasil destes últimos tempos é o tom.
Diante de um país no qual o ocupante da Presidência rifa direitos, facilita o uso de trabalho escravo, compra deputados e usa a máquina governamental para livrar-se de uma denúncia da procuradoria por formação de organização criminosa e obstrução de justiça, no qual um ministro do STF recebe 46 ligações de Whatsapp de um réu com o qual ele tem ligações sabidamente carnais, o cômico é ouvir o tom de quem narra tudo isto como se estivéssemos a assistir os embates políticos de uma democracia.
Deve ser algo parecido à República velha, na qual uma oligarquia inventava eleições de fachada e a imprensa descrevia aquele jogo de cena como se fosse um embate democrático.
O fato é que nunca o país mostrou de maneira tão explícita quão bem ele se acomoda a ser uma cleptocracia na qual os três poderes estão organizados para defender uma espécie de núcleo duro da espoliação nacional.
O Estado brasileiro estará disposto a usar de toda sua violência e intimidação para deixar intocada sua casta.
O caso do senhor Aécio Neves é exemplar neste sentido.
Mesmo sendo pego em gravações telefônicas expondo explicitamente manobras de obstrução de Justiça, mesmo dizendo ser necessário conseguir um atravessador que pudesse ser morto posteriormente, este senhor continua senador da República.
Ou seja, se quisermos entender como o poder funciona no Brasil, temos que nos perguntar sobre quem é intocado.
Quem, a despeito de toda cortina de fumaça, escapa sempre das amarras da Justiça. Quem, mesmo denunciado, nunca será preso.
Há várias formas de um país se degradar e o Brasil tem conhecido a mais brutal de todas, a saber, a explicitação dos mecanismos implícitos de funcionamento da democracia liberal.
A democracia liberal funciona com um duplo sistema de normas.
O primeiro é um sistema explícito de regras e normas enunciadas no ordenamento jurídico.
O segundo é um sistema implícito de práticas e violências que, a princípio, não devem vir à tona, que deve ser feito em silêncio.
Ou seja, a democracia não é apenas o império da lei. Ela é a gestão de anomias cujas dinâmicas não devem ser explicitadas.
No entanto, no Brasil atual, são tais práticas que ganham a cena sem que sua explicitação provoque maiores consequências. Isto ao menos tem uma consequência positiva, a saber, mostrar quão farsesca sempre foi nossa República.
Na melhor das hipóteses, isto pode deixar claro o tipo de tarefa política que se impõe daqui para a frente. A tarefa de ser capaz de se confrontar com a incapacidade nacional de construir uma democracia e com a necessidade de produzir o que até agora nunca existiu.
Não poderia ser diferente em um país que conheceu uma espécie de "transição democrática infinita", mas no sentido do mal infinito hegeliano.
Ou seja, uma transição que nunca terminou, que foi feita para nunca terminar.
Pois uma democracia efetiva só poderia ser construída sobre as bases de um empuxo social em direção à constituição de uma sociedade economicamente igualitária.
Mas hoje sabemos que mesmo as políticas implementadas nos últimos quinze anos não tiveram impacto significativo algum na desigualdade que destrói toda possibilidade de uma sociedade minimamente coesa.
Ao Brasil, cabe a possibilidade de continuar a farsa, brincando de eleições no interior de um sistema que funciona para blindar o núcleo duro do poder e para jogar a polícia para cima dos descontentes.
Ou aqueles que tomaram nota da degradação podem recusar as saídas autoritárias que rondam a história brasileira e procurar criar, pela primeira vez, as bases de um poder popular que possa se colocar como a força imanente e presente da República.
Em um momento no qual o resto do mundo se debate com os fins da democracia e a ascensão das estratégias populistas, o Brasil pode se colocar em um horizonte global de procura por uma experiência de emancipação social que é a grande tarefa deste início de século.

Arte digital - por Philip Straub (Coolvibe)

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Tempos desesperados - por Clarissa Nonada (Facebook)

São tempos desesperados... estamos em épocas de histeria coletiva, inclusive a nossa, ditos à esquerda, e realmente tem sido muito difícil viver entre a vida cotidiana, as obrigações e as notícias que nos atropelam. Mas quando foi fácil? Estamos como resultado da luta de classes.

Desde o golpe sobre a presidenta Dilma, mais um pra história de um país que ainda não se encontrou na civilidade de ser nação (de si para seu povo), de repente sempre há mais uma notícia, absurdo, retrocesso à vista; há sempre um novo ataque e, na posição de passivos, recebemos cada avanço do atraso impactados, raivosos, mas sem forças para reagir porque nesse processo permanecemos também fragmentados e enfraquecidos. Nem entre iguais há diálogo.

Tem sido muito duro, sobretudo para a juventude, suportar a retirada de direitos. Nisso, o que há de pior no país avança, ataca, manifesta-se livremente numa cortina de maldades que, enquanto esconde toda a sacanagem mental dos nojentos, aparenta ser apenas opinião divergente e, no pior de nossos julgamentos, apenas burrice. Não é. Eu não acredito mais que diante dessa montanha de desastres, existam pessoas inocentes-burras-atrasadas-iludidas-desnorteadas, essa categoria de gente não existe mais. Se estamos em tempos de queima de bruxas, de escracho de uma filósofa, de apoio a racistas confessos, de censura a museus, de naturalização de estupros, de ração humana e seja lá mais o que for que tem acontecido, estamos diante do pior lado da humanidade e isso não é só burrice, não sejamos nós os iludidos... essa gente pensa, se expressa e se multiplica, são fascistas em potencial e não dialogam porque o ódio que eles sentem contra mulheres, negros, gays e pobres é substancial e perigoso. São inimigos.

Sobre Temer, o golpe e a corja no poder, o livro das mutações, um livro oriental de mais de 5 mil anos e que sou muito apegada e devota, tem um hexagrama muito claro: “os medíocres ocupam postos que ganharam de maneira ilegítima, mas todos já começam a se dar conta de que não é o que lhes corresponde”. E de fato, Temer entra pra história como o mais rejeitado dentre os rejeitáveis.


Nos resta, do nosso lado na luta de classes, não desanimar com a escuridão dos dias difíceis e disputar essa consciência que nega a Temer, evitando que escolha um caminho pior, da repressão e do massacre; evitando que seja cooptada pela violência dos fascistas que aproveitam essas épocas confusas para crescerem como erva daninha. Bolsonaro só ganhou espaço agora. Apesar de ser tempos de desânimo e de pouca ou nula reação de nossa parte, nos contagiar com o fim do mesmo hexagrama é fundamental: “os inimigos sofrerão uma grande derrota e, a partir daí, começa um período luminoso.”

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Pintura – por Bob Baker (Ifobox)

Holiday, o MBL e o Caixa 2, Frota e a bunda do juiz. E Veríssimo e o nosso “redículo” - por Bob Fernandes (Gazeta)


Na Folha, Mônica Bergamo conta: Gilmar Mendes quer debater a "influência das Mídias" na Política.... (Isso porque agora está apanhando)...
...O ministro Luiz Fux, ainda muito antes do caso talvez um dia chegar ao Supremo, já pré-julgou: disse que Lula não pode ser candidato.
Luis Fernando Verissimo, sobre o que transcende o "ridículo" escreveu com o brilho de sempre:
– O golpe contra Dilma que não ousou dizer seu nome foi "redículo". O Supremo Federal teve suas recaídas no "redículo". O Gilmar Mendes é "redículo".
E continuou:
– O Congresso Nacional foi repetidamente "redículo". O Temer é cada vez mais "redículo" ...
Disse Veríssimo:
– (...) Se houver eleição, apesar de tudo será um sinal de que a nossa frágil democracia resistiu ao "redículo" terminal.
Há no cenário político "redícula" imitação da Nova Direita Europeia. Com macaquices da direita norte-americana e da brasileira de sempre.
MBL, Kim & Cia, e Alexandre Frota, ator pornô, ganharam espaços nas Mídias quando necessário. Vejamos o que são.
Na eleição municipal, Celso Teixeira foi advogado do hoje vereador Fernando Holiday (DEM-SP), um líder do MBL.
Em vídeo, na sexta-feira,3, o advogado Teixeira revelou: Holiday ficou com dinheiro da campanha "que teve Caixa 2".
Teixeira diz ter sido "ameaçado de morte".
Fernando Holiday nega tudo.
Um ex-integrante já relatou: no impeachment o MBL foi financiado por partidos. A revista Piauí contou: hoje integrantes do mercado financeiro financiam o MBL.
Isso a Nova Velha Direita faz. Ouçamos o que dizem alguns dos seus "líderes".
O vereador Carlos é filho de Bolsonaro. No domingo, 5, Carlos tuitou: "Direitos humanos: esterco da vagabundagem".
Numa imagem na internet, Bolsonaro pai, candidato à presidência da República, posa com uma camiseta e seu lema:
– Direitos humanos: esterco da vagabundagem.
Nesse assunto os Bolsonaro são especialistas.
Na campanha presidencial, óbvio, a imagem do esterco correrá o mundo.
Alexandre Frota perdeu uma causa para a ex-ministra Eleonora Meniccuci. Derrotado, culpou o traseiro do juiz. Disse:
– O juiz, ativista do movimento gay, não julgou com a cabeça, julgou com a bunda.

Desde a campanha pelo "redículo" impeachment esses tipos são a infantaria. São vozes e pontas de lança da Nova Velhíssima Direita.