terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Eletropaulo: o mito da privatização - por André Araújo (Jornal GGN)


Subproduto da desgastada ideologia neoliberal dos anos 80, ressurge o MITO de que privatizar resolve tudo. Agora se apresenta como razão a ocupação de estatais por indicados da política, fonte de corrupção que por esse raciocínio inviabiliza a empresa estatal.
Para evitar esse risco a solução é vender as estatais. Seria como dizer que para evitar o carrapato e melhor matar o boi. Estatais vitoriosas existem na França, China, Noruega, com boa governança. A solução do problema no Brasil é blindar as estatais do risco de indicações políticas e não vendê-las a qualquer preço para evitar indicações políticas.
Na realidade os “privatistas” usam essa razão para justificar privatizações sem critério.
Ao contrário do que pregam alguns dos sócios remidos do clube carioca de privatizadores, gente com prazo de validade vencido há muito tempo, a privatização não teve ainda um bom balanço no Brasil. Os privatistas tem o clássico argumento do telefone, “antes o telefone era vendido etc.”, esquecendo de falar sobre os ultra rápidos avanços tecnológicos na telefonia celular que tornaram a telefonia fixa irrelevante e foi isso que popularizou a telefonia e não a privatização da rede fixa, sempre registrando que o produto maior da telefonia privatizada, a OI, FALIU, depois de servir de instrumento para uma série de falcatruas PURAMENTE PRIVADAS em que se lambuzaram vários “grupos privatizadores” do Clube do Real, que compraram a Telebrás sem dinheiro, sorveram depois macro dividendos e largaram o osso como massa falida. ESSE CAPITULO OS PRIVATISTAS NÃO CURTEM CONTAR, eles gostam de contar a ladainha que a “privatização é sempre boa para o País, tralalá, tralalá...” nem o disco trocaram desde os anos 90. É chocante que o pré-candidato à Presidência Alckmin tenha selecionado um ex-muso e uma ex-musa das privatizações dos anos 90 como “conselheiros” de seu programa econômico, como se o mundo tivesse parado nos anos 90 e o legado de Thatcher e Reagan não tivesse implodido como pesadelo na crise financeira de 2008, fruto da desregulamentação total do sistema bancário inventada pelos neoliberais.
Um dos símbolos da novela NÃO tão cor de rosa da privatização dos anos 90 é o caso da ELETROPAULO, comprada pelo grupo financeiro americano AES que tem tudo a ver com finança, criado por dois corretores da Bolsa de Nova York e nada a ver com empresa de energia vocacionada tecnicamente com uma cultura de engenharia e inovação.
É impressionante a queda da qualidade de serviços e a perda de eficiência da empresa após a privatização. Quando vendida tinha 27.500 funcionários, hoje tem pouco mais de 3.000, a meta é TERCEIRIZAR tudo, se possível até o escritório brasileiro do grupo que foi transferido de São Paulo para a margem de uma rodovia estadual para economizar aluguel. A ELETROPAULO estatal era uma OTIMA empresa, os funcionários vestiam a camisa e não havia crise financeira ou operacional, foi vendida para atender a ideologia privatista então na moda.
As quedas de energia se multiplicaram muito após a privatização, mas esse não é o maior problema. A tragédia é o TEMPO de religação que no passado estatal era de 1 ou 2 horas, padrão internacional, cito a Luz del Sur de Lima, Peru, com média de duas interrupções por ano, a ELETROPAULO tem quantidade de interrupções impressionantes, com religações que começam em 7 horas e chegam em certos bairros e quadras a 24 horas ou mais.
A razão é a mesma que gerou a tragédia de Mariana pela ação da SAMARCO: obsessão com a redução de custos para gerar lucros em beneficio dos acionistas. No DNA da tragédia de Mariana está a VALE privatizada e seus sócios estrangeiros, todos só focados em finança.
O núcleo de comando da ELETROPAULO, como é padrão nesse tipo de empresa oriunda do financismo de bolsa, é a Vice-Presidência Financeira, o Chief Financial Officer (CFO), ele é o coração da empresa, no financeiro estão os altos salários e excelentes bônus, o poder que manda na empresa é o Vice de Finanças é o homem mais importante da empresa, aliás o último presidente era o anterior Financeiro promovido a presidente, tudo gira em função dos resultados financeiros que impactam o preço das ações, os dividendos a remeter, a valorização em benefício do acionista, a avaliação do mercado e dos fundos de investimento, os bônus são calculados com base na cotação das ações, o corpo operacional que cuida das instalações, das estações transformadoras, dos cabos e fios é a terceira classe do navio, não está nela a preocupação da cúpula de “gurus”, os gênios das finanças, a alma do grupo, tudo gira em torno do dividendo e da cotação das ações, é a única coisa que interessa.
Para reduzir custos e gerar lucros para remeter é preciso ver onde se pode cortar custos até o osso. Se for preciso 400 equipes terceirizadas de manutenção de rede stand by, cada uma precisa ser paga permanentemente, então o negócio é cortar para 50, fica muito mais barato.
O outro lado da moeda é que quando há uma chuva forte a energia cai em 200 lugares e as 50 equipes não dão conta, os reparos de linha tem que esperar numa fila porque o número de equipes de manutenção é menor que o número de situações a resolver. Há nitidamente menos equipes de manutenção do que o necessário, isso já tem sido apontado há mais de dez anos, o próprio Governador de São Paulo deu entrevistas sobre isso reclamando, está no Google, quem quiser pesquisar verifique quantas vezes Alckmin reclamou da Eletropaulo em função de quedas de energia e demora para religar.
O que aconteceu em Mariana com a implosão da barragem foi falta de manutenção para cortar custos, esticando a economia até a faixa de risco. Os gerentes financeiros são premiados por isso, é a cultura do financismo levada até o ultimo nível da empresa, esticar a corda até o ultimo milímetro antes de arrebentar mas as vezes ela arrebenta, como em Mariana.
Os que defendem as privatizações precisam levar em conta que a alegada “eficiência” que atribuem à empresa privada é eficiência para o acionista e pode NÃO coincidir com a eficiência para os consumidores e para o País, mais ainda, muitas vezes a eficiência de curto prazo gera a ineficiência do longo prazo, corta-se custos no trimestre, mas sacrificando o futuro da empresa.
A ineficiência atribuída à empresa estatal por sua natureza é falsa. O Brasil foi construído a partir de 1945 pelas empresas estatais, foram elas as grandes impulsionadoras do desenvolvimento da infraestrutura, do petróleo, da construção de aviões, da petroquímica, das maiores hidroelétricas do mundo, do gás da Bolívia, dos metrôs nas grandes cidades, da PETROBRAS com investimentos pioneiros na exploração marítima de petróleo, desenvolvendo tecnologia inovadora de pesquisa e perfuração no pré-sal.
Casos de corrupção não invalidam o modelo estatal que já teve ao longo da história brasileira grandes administradores de visão nacional, como Octavio Marcondes Ferraz, Mario Thibau, Roberto Campos, Faria Lima, Stenio de Albuquerque Lima, João Camilo Penna, todos executivos de grandes estatais e que legaram grandes realizações.
As empresas privadas também têm formas e meios de causar graves prejuízos ao País e à população por mecanismos de sonegação, cartelização, preços extorsivos, em relação ao consumidor a empresa privada NÃO é sempre a melhor provedora de serviços, especialmente em situações de monopólio como são as distribuidoras de energia elétrica, e quando há corrupção interna através de conluio dos administradores com fornecedores, algo relativamente comum na empresa privada, os custos dos produtos e serviços são aumentados por conta desses desvios, batendo no bolso do consumidor e diminuindo a arrecadação.
Então é uma lenda que a empresa privada é sempre do bem e a estatal sempre do mal.
A empresa privada, especialmente as muito grandes, tem um poder político impactante que pode custar caro ao País e a seus consumidores, ela não é sempre benigna, como pregam os defensores ideológicos do mercado em qualquer circunstância.
Quando o Presidente Theodore Roosevelt mandou implodir em seis pedaços o grupo Standard Oil em 1905 ele visava com isso o interesse público, prejudicado por aquela empresa privada. O Presidente Kennedy enfrentou o cartel do aço, ameaçando com prisão os diretores de siderúrgicas. Hoje temos no Brasil um cartel de bancos privados que cobram juros extorsivos de seus clientes, onde está a benignidade dos bancos privados brasileiros, muitos deles engrandecidos exatamente pela compra de bancos estatais que foram na década de 90 estigmatizados pelos “privatistas” para justificar sua privatização a preços irrisórios?
Na crise dos subprimes de 2008, o mal foi causado pelos bancos privados e a solução foi dada pelo Estado americano, naquele momento o capital privado representou o MAL, não se viu virtude alguma na ação da Goldman Sachs e do Lehman Brothers.
Nos Estados Unidos, centro do financismo global, não há uma ideologia de privatização como política de governo, como se quer implantar no Brasil pela ressurreição do “clube PUC Rio””, os mesmos nomes de 1990 que ainda pregam na mesma cartilha agora gasta e desbotada, os méritos das privatizações da década de 90 que trouxeram extraordinários lucros aos banqueiros de investimentos, entre os quais eles mesmos e patrocinaram alguns grandes fracassos como a OI e outros de duvidoso benefício ao País como a siderurgia pessimamente privatizada e hoje com usinas combalidas como COSIPA e USIMINAS.
Nos EUA os grandes aeroportos são do Estado ou dos municípios, as rodovias são públicas e não privatizadas (salvo raros casos), portos são estatais, os sistemas de transportes coletivos nas cidades são de propriedade do município, as usinas hidroelétricas são federais porque têm interferência com os recursos hídricos, os trens de passageiros são estatais (Amtrak), assim como empresas de seguros de hipotecas, de financiamento à exportação (Eximbank), de crédito e seguro agrícola (Commodity Credit), o Brasil como é usual importa ideologias por imitação sem fazer triagem e acha que assim fazendo vira moderno por cópia daquilo que julgam ser a cartilha dos países ricos, nessa transferência de ideias o Brasil faz muita confusão.
Ao fim e ao cabo o ciclo de privatizações dos anos 90 não fizeram um Brasil melhor, não contribuíram para o desenvolvimento e crescimento do País, não criaram empregos, não melhoraram a distribuição de renda, não abateram a dívida pública, não diminuíram a carga fiscal, ao contrário, apenas serviram a banqueiros de investimentos, especuladores e seus associados “economistas de mercado” que agora voltam com a mesma receita velha e gasta para fazer um refogado do mesmo plano que propunham no governo FHC em um mundo muito diferente onde hoje a China, potência econômica em ascensão, opera com uma enorme linha de frente de estatais, o maior setor da economia, com pleno sucesso, fazendo a China crescer com as maiores taxas do mundo e ocupando a cada ano maior espaço geopolítico inclusive no Brasil com a grande onda de investimentos chineses que se faz, por essas ironias da História, por empresas estatais chinesas comprando estatais brasileiras, o Brasil na contramão da História caindo em contos do vigário para se desfazer do patrimônio nacional, o índio entregando a terra em troca de “espelhinhos” lusitanos.
Nota da Eletropaulo - Enviada em 30/01/2018
A Eletropaulo reitera os dados em relação à empresa, que são diferentes das informações publicadas no artigo Eletropaulo – o mito da privatização, escrito por André Araújo, e publicado no site Jornal GGN em 26/01/2018:

- atualmente, a distribuidora possui mais de 7 mil colaboradores próprios. E, ano a ano, a Eletropaulo está aumentando esse quadro;

- a duração média da religação de energia teve uma redução de seis horas no terceiro trimestre de 2017, passando de 14,93 horas para 8,68 horas. A distribuidora consegue mobilizar mais de 3 mil eletricistas para atender à população;

A concessionária informa que tem ampliado as melhorias e a digitalização da rede, tanto é que está investindo R$ 4 bilhões no ciclo 2017 - 2021.

Comentário:
Possuo algumas discordâncias em relação ao artigo, mas a resposta da Eletropaulo é particularmente acintosa: a empresa se gaba de que o tempo médio para se religar a energia ter passado de 14,93 horas para 8,68.
Os (dois) dados são inaceitáveis.

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