quinta-feira, 21 de abril de 2016

A noite chegando - Fotografia (O mundo e sua belas imagens)

O fracasso espetacular da Globo em tentar demonstrar que o golpe não é golpe – por Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

O pior telejornal do mundo

     É uma atitude típica de golpistas. Não há registro na história da humanidade de autores de um golpe que tenham admitido que estavam dando um golpe.

     A Globo, experiente nisso, em 1964 afirmou que a derrubada de João Goulart era uma “revolução”, uma vitória da “democracia” e mentiras do gênero.

     Durante muitos anos, depois da derrubada de Goulart, a palavra “revolução” foi adotada irrestritamente por toda a imprensa que tanto sabotara e desestabilizara a democracia.

     Hoje, ninguém mais – nem a própria Globo – ousa falar em “revolução”.

     Só que 2016 não é 1964. Naqueles dias, não existia o contraponto digital.

     Agora, não. Os sites verdadeiramente independentes – aqueles não controlados pela plutocracia – venceram o duelo de narrativas. Fora das empresas dos Marinhos, Civitas, Frias etc, o golpe é tratado como deve ser: como golpe.

     Não que os sites independentes sejam fabulosos, extraordinários, superpoderosos. Não, não são.

     É que eles estão falando a verdade, e a imprensa mente descaradamente para fingir que o estupro da democracia é um sexo consensual.

     Foram anos para a revolução desaparecer do dicionário nacional. Durante muito tempo, 31 de Março, o dia do golpe, era objeto de espetaculosas comemorações pelos golpistas. Desfiles militares multiplicavam-se pelo país.

     Já faz tempo que ninguém dá a menor atenção ao dia 31 de Março. Sumiu da vida dos brasileiros. Porque era um golpe, e nada além disso.

     Até hoje, mais de dois séculos passados, o 14 de Julho é comemorado intensamente pelos franceses. É o aniversário da Revolução de 1789.

     Aquilo foi uma revolução real. Não fosse, teria tido o mesmo destino da quartela de 64 saudada pela Globo como revolução.

     O golpe de 2016 nem se concretizou – e torçamos para que não se concretize – e já é universalmente conhecido como um golpe.

     Escrevi universalmente no sentido literal. No resto do mundo, em que a Globo é impotente como um eunuco, também a definição de golpe já se consagrou.

     Tem sido tragicômico o esforço inútil dos caciques da imprensa e seus índios em desmentir jornais e revistas do exterior.

     Se havia alguma chance de vender ao mundo a ideia de que não é golpe, o espetáculo horripilante da votação de domingo na Câmara liquidou o assunto.

     Os correspondentes estrangeiros não são idiotas. Eles viram o que se passava: bufões corruptos justificando com asneiras inimagináveis seu voto para derrubar uma mulher honesta, sob o comando do rei do crime Eduardo Cunha.

     Não poderia haver melhor retrato do golpe, e nem propaganda mais devastadora contra os golpistas.

     Uma mulher que desde antes de assumir o segundo mandato foi impedida de governar pela oposição e pela mídia está sendo acusada de imobilismo, num triunfo do cinismo. Eu prendo você e acuso você de não se mexer. É mais ou menos o que aconteceu com Dilma perante os plutocratas golpistas.

     Ao contrário de 1964, os golpistas já em 2016 são forçados a conviver com a qualificação que lhes cabe, golpistas. E não há nada que a imprensa pode fazer.

     Não adianta a Globo destacar em seus veículos, como hoje, que “juízes do STF” dizem que não é golpe. Você vai ler e descobre que se trata do decano do reacionarismo Celso de Mello e do velho militante político de direita Gilmar Mendes.

     Golpe é golpe, e a Globo não vai mudar isso. É algo infinitamente maior que ela.

     Há uma maravilhosa justiça poética em ver, de imediato, golpistas serem reconhecidos no Brasil e fora como o que são: golpistas. Ou, para usar a palavra dura e justa empregada por Jean Wyllys em seu histórico voto na Câmara, “canalhas”.

sábado, 16 de abril de 2016

Quem é Al Haymon? - por Rory Kurtz (Ilustração - Site homônimo)

O governo Temer não existirá - por Vladimir Safatle (Folha)

     A partir de segunda-feira (18), o Brasil não terá mais governo. Na democracia, o que diferencia um governo do mero exercício da força é o respeito a uma espécie de pacto tácito no qual setores antagônicos da população aceitam encaminhar seus antagonismos e dissensos para uma esfera política. Esta esfera política compromete todos, entre outras coisas, a aceitar o fato mínimo de que governos eleitos em eleições livres não serão derrubados por nada parecido a golpes de Estado.

     É claro que há vários que dirão que o impeachment atual não é golpe, já que é saída constitucional. Nada mais previsível que golpe não ser chamado de golpe em um país no qual ditadura não é chamada de ditadura e violência não é chamada de violência. No entanto, um impeachment sem crime, até segunda ordem, não está na Constituição. Um impeachment no qual o “crime” imputado à presidenta é uma prática corrente de manobra fiscal feita por todos os governantes sem maiores consequências, sejam presidentes ou governadores, é golpe. Um impeachment cujo processo é comandado por um réu que toda a população entende ser um “delinquente” (como disse o procurador-geral da República) lutando para sobreviver à sua própria cassação é golpe. Um impeachment tramado por um vice-presidente que cometeu as mesmas práticas que levaram ao afastamento da presidenta não é apenas golpe, mas golpe tosco e primário.

     Temer agora quer se apresentar como líder de um governo de “salvação nacional”. Ele deveria começar por responder quem irá salvar o povo brasileiro dos seus “salvadores”. Seu partido, uma verdadeira associação de oligarquias locais corruptas, é o maior responsável pela miséria política da Nova República, envolvendo-se até o pescoço nos piores casos de corrupção destes últimos anos, obrigando o país a paralisar todo avanço institucional que pudesse representar riscos aos seus interesses locais. Partido formado por “salvadores” do porte de Eduardo Cunha, Renan Calheiros, José Sarney, Sérgio Cabral e, principalmente, o próprio Temer. Pois nunca na história da República brasileira houve um vice-presidente que conspirasse de maneira tão aberta e cínica para derrubar o próprio presidente que o elegeu. Em qualquer país do mundo, um político que tivesse “vazado” o discurso no qual evidencia seu papel de chefe de conspiração seria execrado publicamente como uma figura acostumada à lógica das sombras. No Brasil de canais de televisão de longo histórico golpista, ele é elevado à condição de grande enxadrista do poder.

     Mas não havia outra chance para tal associação de oligarcas conspiradores. Afinal, eles sabem muito bem que nunca chegariam ao poder pela via das eleições. Esta Folha publicou pesquisas no último domingo que demonstravam como, se a eleição fosse hoje, Lula, apesar de tudo o que ocorreu nos últimos meses, estaria à frente em vários cenários, Marina em outros. O eixo central da oposição golpista, a saber, o PSDB, não estaria sequer no segundo turno. Temer, que deveria também ser objeto de impeachment para 58% da população, oscilaria entre fantásticos 1% e 2%. Estes senhores, que serão encaminhados ao poder a partir de segunda-feira, têm medo de eleições pois perderam todas desde o início do século. Há de se perguntar, caso fiquem no poder, o que farão quando perceberem que poderão perder também as eleições de 2018.

     Os que querem comandar o país a partir de segunda-feira aproveitam-se do fato de o país estar em uma divisão sem volta. Eles governarão jogando uma parte da população contra a outra para que todos esqueçamos que, na verdade, são eles a própria casta política corrompida contra a qual todos lutamos. Diante da crise de um governo Dilma moribundo, outras saídas, como eleições gerais, eram possíveis. Elas poderiam reconstituir um pacto mínimo de encaminhamento de antagonismos. Mas apelar ao poder instituinte não passa pela cabeça de quem sempre sonhou em alcançar o poder por usurpação.

     Diante da nova realidade que se anuncia, só resta insistir que simplesmente não há mais pacto no interior da sociedade brasileira e que nada nos obriga à submissão a um governo ilegítimo. Nosso caminho é a insubmissão a este falso governo, até que ele caia. Este governo deve cair e todos os que realmente se indignam com a corrupção e o desmando devem lutar sem trégua, a partir de segunda-feira, para que o governo caia e para que o poder volte às mãos da população brasileira. Àqueles que estranham que um professor de universidade pública pregue a insubmissão, que fiquem com as palavras de Condorcet: “A verdadeira educação faz cidadãos indóceis e difíceis de governar”. Chega de farsa.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Homem-Aranha - por Ricardo Moraes (DeviantArt)

Os patos vão para o paraíso - por Laura Carvalho (Folha de São Paulo)

     Foi necessária a fuga de informações sobre centenas de milhares de operações oriundas da firma de advogados Mossack Fonseca, sediada no Panamá, para que o mundo tomasse conhecimento dos meandros e personagens de um amplo sistema "offshore" desenhado, sobretudo, para legalizar a sonegação de impostos e a lavagem de dinheiro.

     As informações preliminares sugerem que entre os usuários do sistema estão a oligarquia russa; autocratas sauditas; o presidente da Argentina, Mauricio Macri; o jogador Lionel Messi; ao menos 29 multimilionários listados na revista "Forbes"; o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o filho de Paulo Skaf, presidente da Fiesp – a entidade que lançou a agora célebre campanha "Não vou pagar o pato".

     No paraíso cartorial dos patos, convivem sonegadores, bancos que querem escapar da regulação, corruptores, corruptos, traficantes e até mesmo terroristas. É da necessidade de fuga – da lei, dos impostos ou da regulação – que se alimenta essa rede complexa, que não começa nem termina no Panamá.

     Algo une todos os clientes: o mundo das "offshore" parece só ser acessível aos mais ricos. Como escreveu a deputada portuguesa Mariana Mortágua, "para os demais, os que trabalham e ganham o salário mínimo, ou o médio, fica o peso de uma administração tributária implacável e a responsabilidade de, com os seus impostos, financiar os Estados".

     No Brasil, segundo a organização de pesquisa e consultoria Global Financial Integrity (GFI), a saída ilícita de capitais chegou a US$ 226,6 bilhões em dez anos (2004-2013), o que nos torna o sexto país em desenvolvimento a mais sofrer com a saída de recursos. Na Operação Zelotes, que trata de sonegação e corrupção – tudo junto e misturado – em território nacional, a Polícia Federal investiga desvios da ordem de R$ 20 bilhões.

     Os tais patos, indignados com o olho grande do Estado sobre sua renda e/ou patrimônio, querem o melhor dos mundos, no qual a Mossack Fonseca vende lotes na terra prometida. Buscam ao mesmo tempo uma qualidade de vida escandinava e uma capacidade de fiscalização e arrecadação da Somália. Não parecem enxergar nenhuma incompatibilidade entre a conquista de tal qualidade de vida, que só existe de verdade ao final de uma travessia de alto crescimento e forte redução das desigualdades e, por exemplo, o tipo de ajuste fiscal que demandam do Estado brasileiro.

     Concentram suas forças em pressionar o governo por amplas desonerações fiscais e impedir a volta da cobrança de Imposto de Renda da Pessoa Física sobre lucros distribuídos, a elevação dos impostos sobre grandes heranças ou a criação de um imposto sobre grandes fortunas.

     Enquanto isso, trabalhadores e pequenos empresários sofrem com a carga tributária pesada e demasiado complexa sobre o consumo e a produção. Alguns desses, sem perceber que são os únicos patos dessa história, parecem sentir-se representados pela campanha da Fiesp. Se mais bem informados e conscientes de que direitos sociais, sonegação e corrupção não cabem no mesmo orçamento, certamente trocariam de alvo e substituiriam os gritos de "Vai pra Cuba!" pelos de "Vai pro Panamá!".

quinta-feira, 7 de abril de 2016