sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Para o leste - por Andy Burdin (Ilustração - desktopography.net)

A imprensa e o suposto caso de tráfico - por Jornalismo Wando (Yahoo!)

Foto: Divulgação/Polícia Militar
A imprensa está sendo acusada de minimizar um suposto caso de tráfico internacional que supostamente envolveria parlamentares oposicionistas supostamente ligados a Aécio Neves. Até o insuspeito Zé Simão entrou na onda acusatória:

"se o helicóptero fosse de alguém do PT, seria abertura do Jornal Nacional". Rarará!"

Pesquisei o assunto com cuidado e posso garantir aos meus leitores que trata-se do mais absoluto trololó. Vamos aos fatos: Gustavo Perrella, deputado estadual mineiro pelo Solidariedade e filho do senador Zezé Perrella, foi traído por um de seus melhores funcionários. Infelizmente, o empregado abusou da confiança - e vocês sabem como está complicada essa gente hoje em dia! - e foi flagrado usando o helicóptero particular de Perrella para transportar quase meia tonelada de pasta de cocaína.


O deputado mineiro foi tão surpreendido com a barbaridade que estava sendo cometida em sua aeronave, que imediatamente acusou o piloto de outro crime: o roubo do helicóptero. Diante do desmentido do funcionário, Perrela subitamente lembrou que havia autorizado aquela viagem através de duas mensagens de celular, e então mudou sua versão. Admitiu que a aeronave não tinha sido roubada e confirmou a liberação do transporte de "insumos agrícolas".

Bom, por que a acusação dirigida a nós da grande imprensa é injusta? Ora, com Dirceu, Delúbio e Genoíno presos, estádios da Copa desabando, e todo o caos político, econômico e social que vivemos, um caso desses automaticamente ganha menor importância. Um simples piloto que trafica drogas escondido do patrão não é e não deve ser um assunto do interesse público.

Eu e outros colegas da imprensa, por exemplo, mal estávamos "acompanhando esse caso":

Entenderam por que não damos tanto destaque ao assunto? Isso é papo de piloto, uma pauta no máximo para o jornalismo especializado em aviação civil, não para quem cobre os acontecimentos políticos do dia a dia.

Perguntam também o que nos levou a abafar um suposto escândalo de 2011 envolvendo a família de Aécio Neves, apenas porque esta é intimamente ligada à família Perrella. Conto-lhes mais este trololó: Tancredo Aladin Rocha Tolentino, primo de Aécio, carinhosamente conhecido como "Quêdo", foi preso por chefiar uma quadrilha acusada de vender absolvições para traficantes de drogas, além de ter sido condenado em 97 por crime contra o patrimônio e contra a economia popular. Quase na mesma época, outro primo de Aécio, Rogério Lanza Tolentino, havia sido condenado a 7 anos e 4 meses de prisão por lavagem de dinheiro. Todos esses assuntos não tiveram destaque no Jornal Nacional, não tocaram na CBN e não foram analisadas na A2 da Folha. Claro! As provas contra eles são escassas. Isso fica claro quando constatamos que Quêdo conseguiu um habeas corpus e, logo em seguida, tentou sair candidato à prefeitura de Claudio (MG) pelo PV, quando foi barrado pelo Ficha Limpa.

Poucos sabem, mas Quêdo é uma pessoa muito família, um cara do bem. Organiza as cavalgadas com familiares seus (e dos Perrella) em sua fazenda, comanda a cachaçaria da família Neves em Cláudio (MG) e sempre foi muito querido por todos da região. Quando Aécio caiu do cavalo quebrando 5 costelas, quem estava lá oferecendo o ombro amigo? Ele, o dono da fazenda, o primão Quêdo.

Mas o que o helicóptero de Perrellinha fazendo tráfico internacional* tem a ver com Aécio Neves, que indicou Zezé Perrella para o Senado e cujo primo vendia absolvição para traficantes de drogas? Absolutamente nada. Mas, claro, os patrulhadores da pauta alheia insistem em enxergar nuvens nesse céu de brigadeiro. Tudo isso para tirar foco do que realmente interessa: a prisão dos mensaleiros e os escândalos que a envolve. A gente sabe muito bem como se comporta essa gente chicaneira. #AcordaBrazil


* (atualização via @rei_lux) "Faltou informar que o helipóptero fez uma parada em Divinópolis, onde o primo Tancredinho (Quêdo) liberava traficantes."

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Meninas do Cemitério - por Kyle Thompson (Fotografia surreal - kylethompsonphotography.com)

Como o PSDB se tornou a nova UDN - por Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

Minilacerdas
E o PSDB virou, no ocaso de seus líderes históricos, a versão pós-moderna da UDN.

A UDN, em sua inglória, desprezível, abjeta existência, funcionou assim: perseguiu o poder e, na falta de votos, conspirou contra a democracia. Esteve por trás de dois golpes contra presidentes populares: Getúlio Vargas e João Goulart.

A UDN, como o PSDB hoje, representava o interesse do chamado 1%. Era a direita, em suma. Não a direita civilizada que você tem em países adiantados como a França e a Inglaterra, para não falar da Escandinávia, mas a direita predadora típica da América do Sul.

Como o PSDB, a UDN tinha a mídia na mão: Roberto Marinho, os Mesquitas e outros varões de Plutarco, aspas e pausa para rir.

Uma única vez a UDN chegou ao poder pelos votos. Indiretamente, na verdade. Foi em 1961, quando trouxe para seu lado, numa aliança de ocasião, um demagogo histriônico chamado Jânio Quadros.

Mas Jânio logo se cansou da tutela da UDN, e fez coisas que a desagradaram profundamente, como condecorar Che Guevara.

Lacerda, o Corvo, começou a atormentar Jânio, e este depois de sete meses renunciou. Terminava assim a breve estada da UDN no poder, pelas mãos de Jânio.

O sucessor de Jânio, João Goulart, o Jango, foi triturado pela UDN, que batera às portas dos quarteis para chamar os militares e recorrera à CIA para garantir o sucesso do golpe que planejava.

Os crimes de Jango: quando ministro do Trabalho de Getúlio, ele fez com que os empresários recorressem não à polícia para tratar de questões trabalhistas, mas que negociassem com os sindicatos.

Presidente, criou o 13º salário, que o Globo, em manchete, disse que era uma calamidade nacional.

O golpe militar tramado pela UDN deu errado para ela. Os militares gostaram do poder. Lacerda acabaria cassado, e pateticamente foi atrás de Jango para uma aliança contra os generais que não lhe deram a presidência na bandeja, como ele queria.

A UDN foi dissolvida pelos militares, e repousa hoje na lata de lixo.

Meio século depois, o PSDB acabou por fazer as vezes dela.

O PSDB não tem ninguém com a oratória brilhante – embora nefasta – de Lacerda. Tem apenas minilacerdas, o mais abominável dos quais é Serra e o mais velho, FHC.

Como a UDN, o PSDB também não tem ninguém capaz de ganhar uma eleição presidencial. A saída é procurar algum novo Jânio.

Mas quem?

O nome mais óbvio é Joaquim Barbosa. Só que Joaquim Barbosa não é Jânio. Ou melhor: é Jânio em parte. Tem os defeitos de Jânio, como a megalomania e o apego fanático aos holofotes, mas não as virtudes políticas de Jânio.

Jânio falava a linguagem do povo, se vestia como o homem simples da rua, e cuidava até da caspa que o aproximava do cidadão simples. JB tem uma linguagem que ele próprio não parece entender. É empolado, confuso. E quer ser parecido, ao contrário de Jânio, não com o brasileiro médio, mas com a plutocracia. Até apartamento em Miami ele comprou.

Mas, no desespero, o PSDB parece ver em JB o novo Jânio. Rumores dão conta de que Aécio o estaria cortejando para uma chapa.

É uma aliança previsível: a direita busca os seus iguais.

Mas JB, repito, não é Jânio. No jogo das similitudes, o PSDB sim é a UDN.

E isso é uma tragédia não para o Brasil, porque as circunstâncias de hoje são bem diferentes das de 1954 e de 1954 – mas para o próprio PSDB.


Como a UDN, a posteridade o colocará no devido lixo reservado àqueles que defendem os interesses de uma rarefeita elite que levou o Brasil a ser um dos recordistas mundiais de desigualdade social.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Olho do inseto - por Fred Share (Daily digital photo)

Ponto fora da democracia - por Marcelo Zero (IstoÉ)

O julgamento do mensalão não foi apenas algo fora da curva. Foi uma afronta à retidão

“Um ponto fora da curva”. Foi assim que o Ministro Barroso, do STF, definiu a AP 470 em sua sabatina no Senado.

O então candidato à nossa suprema corte foi elegante, como sempre. Talvez demasiadamente. Muitos consideram que a sua definição é apenas um eufemismo para coisa bem mais grave.

Com efeito, a AP 470 já tinha começado torta, fora da curva, com a negativa do desmembramento, e está terminando com uma série de irregularidades destinadas a propiciar um espetáculo midiático, com a humilhação pública dos acusados. Um final convenientemente distorcido para um começo torto.

Entre um e outro ocorreu de tudo: timing político-eleitoral das condenações, acusações sem provas, humilhações públicas do Ministro Lewandowski, declarações políticas em votos que deveriam espelhar a imparcialidade da justiça e, last but not least, a transformação do domínio do fato na tirania da hipótese pré-estabelecida.

Assim sendo, ponto fora da curva é pouco. Não foi apenas algo fora da curva. Foi afronta à retidão. Não foi mera exceção. Foi julgamento de exceção. Ou praticamente isso.

Fez-se justiça? Não, não se fez justiça. Justiça pressupõe equilíbrio e, sobretudo, imparcialidade. Não houve nem uma coisa nem outra. Justiça e procuradores que prendem Genoino, um homem doente e sem posses, mas que sequer investigam fatos muito mais graves e bem mais polpudos que um mero exemplo do usual caixa dois de campanha, esquecendo-os dentro de providenciais gavetas, não parecem imparciais. Tampouco equilibrados. As condenações da AP 470 excedem bastante os ilícitos que efetivamente foram comprovados.

O julgamento deixou algum legado positivo? Não. Ao contrário do que alguns disseram, a AP 470 não inaugura uma nova era de “poderosos na cadeia”. Só os mais rematados panglossianos, aqueles que vivem dizendo que o mensalão é o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, poderiam acreditar que o “julgamento” teve como propósito real o combate efetivo à corrupção e à impunidade. Os verdadeiramente poderosos, aqueles que tradicionalmente fazem a ponte entre o poder econômico e o poder político, continuarão a desfrutar da sua também tradicional impunidade, assegurada pelas gavetas oportunas e pela óbvia parcialidade daquilo que Gramsci denominava de “o partido do capital”.

Entretanto, para aqueles que não fazem parte desse seleto grupo, ou que não contam com sua simpatia, a AP 470 criou um precedente perigoso. A menor suspeita, a mais ínfima ofensa poderá agora ser draconianamente punida com penas elevadas, com domínio do fato e sem provas cabais. É o predomínio das conveniências políticas sobre os direitos fundamentais. É a definitiva “judicialização” da política, ou a politização da justiça, como queiram. Nesse sentido, o “julgamento” enfraqueceu o Estado de Direito.

Porém, isso não é o mais preocupante. Na realidade, o que preocupa mais é que esse “ponto fora da curva” representa sintoma de algo consideravelmente mais grave: a radicalização do processo político no Brasil e a deturpação de nossa democracia.

Basta ver a repercussão da AP 470 na mídia e na internet para ver que algo está profundamente errado no país. A caixa de Pandora aberta nas redes sociais revela um bestiário atemorizante. O ódio ao PT, aos “mensaleiros” e à esquerda em geral se mistura à indignação seletiva e oportunista para compor um quadro de radicalização à direita que lembra a Munique dos anos 20 ou o Rio de Janeiro de 1964. Sem exageros.

Nas eleições de 2010, já tínhamos visto uma avant-première desse protofascismo impudico. Naquele ano, a candidatura conservadora assumiu claros ares de um Tea Party tupiniquim, com direito à mistura de fundamentalismo religioso com ressentimento político. No entanto, agora a coisa parece ter saído definitivamente de controle. O ódio ao PT e ao seu governo atingiu um paroxismo vulcânico, com uivadas promessas de “varrer”, de “acabar”, de “exterminar” com a “raça de petistas e comunistas”.

O irônico é que todo esse ressentimento não foi provocado por um mau governo, mas pelo fenômeno contrário: o PT, “penetra” na estrutura do poder no Brasil, fez e faz, em linhas gerais, um governo muito bom, que rende aos seus titulares índices de popularidade bem superiores aos de seus antigos adversários. O “penetra” virou a estrela da festa. Isso é imperdoável.

Evidentemente, tal ressentimento, tal ódio destrutivo, não preocuparia se ficasse restrito às miasmas digitais. Contudo, ele se espraia vitoriosamente pela mídia, pelos partidos de oposição e até mesmo por algumas instituições importantes para a democracia. O STF não parece exceção.

O nosso sistema político está hoje contaminado por essa nova cultura do ressentimento, que não identifica adversários a serem eventualmente superados em debates e pleitos eleitorais, mas inimigos que precisam ser exterminados a qualquer custo. Recentemente, uma conhecida pré-candidata, em tese adepta de uma “nova política”, teria afirmado que seu objetivo principal era “acabar com o PT e o chavismo que tomou conta do Brasil”. Brave new politics.

Esse fenômeno é muito inquietante. A democracia tem a capacidade de conviver bem com as diferenças e de intermediar conflitos de interesses. Ralf Dahrendorf, grande teórico do conflito, afirmava que tal capacidade de conviver com os embates era a grande fortaleza das modernas democracias. Contudo, esse novo radicalismo à droit, que impede o diálogo e a convivência democrática com o conflito de interesses, tende a ressuscitar o anacrônico golpismo, sob inéditas roupagens.

Na América Latina, as recentes experiências de governos de centro-esquerda têm levado, em alguns casos, a tentativas, bem-sucedidas ou não, de golpes de Estado “constitucionais” e “jurídicos” e a um clima permanente de tensão que compromete a governabilidade e a convivência democrática entre forças políticas adversárias O Brasil parecia infenso a essa tendência. Não parece ser mais o caso. Não há golpe à vista, mas a saudável convivência com as divergências e as diferenças foi substituída por essa patologia política.

Nesse quadro, há uma clara degradação da democracia brasileira e um evidente rebaixamento do debate político. Na ausência de propostas alternativas às do governo atual, algumas forças de oposição, dentro e fora do Congresso, se limitam a gritar o vazio moralista de um neoudenismo casuístico. Esse filme é velho. Seu final também.

A política brasileira está num perigoso ponto fora da curva da saudável democracia. Há gente que, embora deteste o “chavismo”, vem se esforçando para que o processo político brasileiro se iguale ao da Venezuela.

O ano de 2014 está chegando. Teremos um novo teste para a nossa democracia. Seria bom que todas as forças democráticas voltassem a debater, em alto nível (alguém se lembra disso?), os destinos do país, em vez de se digladiarem em torno de uma paupérrima e estéril agenda de delegacia de polícia. A reforma política seria um bom começo.

Afinal, quem quer que resulte vitorioso em 2014 será obrigado a fazer coalizões, a repartir cargos e responsabilidades e a conviver democraticamente com a oposição. Com domínio do fato e tudo o mais.


Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais para Universidade de Brasília e assessor legislativo da bancada do PT no Senado


Comentário

Algo tocado de leve no texto é que, de fato, DEPOIS do escândalo do mensalão as coisas ficaram muito mais graves do ponto de vista ético para o governo do PT do que antes, e não o contrário, como a direita rançosa quer fazer crer. O escândalo do mensalão não ajudou em absolutamente nada, nem do ponto de vista da corrupção, nem do ponto de vista ético, nem do ponto de vista das instituições, tampouco para o sentimento de justiça, não ajudou em nada, absolutamente nada.  
Depois da deflagração do escândalo, por conta do risco de impeachment que o Lula sofreu durante as CPI's do fim do mundo, para se proteger, ele aumentou a base aliada de maneira absolutamente despropositada, arrebanhando setores pra lá de fisiológicos. Já havia quem não prestava na composição do governo, mas depois do mensalão, passaram a comer na mesa pessoas que o PT não conseguia sequer deixar entrar em casa. Os corruptos passaram a deitar e rolar. 
A tal "governabilidade" virou um monstro capaz de devorar qualquer política programática do governo.

O que o escândalo do mensalão legou? Por um lado, uma base de governo mais fisiológica e corrupta. Por outro lado, uma ainda maior desesperança da população com a política. E só.

As Filhas de Edward Darley Boit - por John Singer Sargent (Pintura)

O martírio de José Genoino - por Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

Até uma criança foi usada no linchamento moral de Genoino
Está na história dos grandes momentos da resistência brasileira à brutalidade uma ação do advogado Sobral Pinto.

Na defesa de um preso político chamado Harry Berger, no pior período da era Getúlio Vargas, Sobral invocou a Lei de Proteção dos Animais.

Berger, preso sob um vão de escada, era impedido sistematicamente de dormir. Seus torturadores mantinham enfiado em sua uretra um arame cuja outra extremidade ficava em brasa. A despeito do esforço épico, heroico de Sobral, Berger enlouqueceu na prisão.

Me pergunto se o advogado de Genoino não deveria invocar a Lei de Proteção de Animais em favor de seu cliente, como Sobral Pinto fez.

Me pergunto, também, se vamos assistir de braços cruzados à carnificina psicológica de que Genoino vem sendo vítima há muito tempo, agravada recentemente pela truculência de Joaquim Barbosa.

A sociedade vai dar um basta – sobretudo a JB — quando Genoino enlouquecer como Harry Berger ou, simplesmente, morrer?

Alguém me perguntou: Genoino é bandido ou mocinho no enredo do Mensalão?

Minha resposta: nem uma coisa nem outra. Ele é, simplesmente, um injustiçado, como os demais reus.

O Mensalão é o equivalente ao Mar de Lama com que a direita levou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954.

É o “combate à corrupção” sendo usado da forma mais descarada, mais cínica e mais selvagem. Lembremos que Jango também tombou sob o “combate à corrupção”, em 1964.

O PT, é certo, se comportou ali, no Mensalão, como os demais partidos – a começar pelo PSDB – cuja ética ele tanto criticara antes de chegar ao poder.

Sobral Pinto foi um gigante moral
Dinheiro que sobrara de campanha – importante: não era dinheiro público, ao contrário do que tem sido tão propagado – foi usado para que congressistas de outros partidos apoiassem iniciativas consideradas relevantes do governo. Não é o caso de aplaudir — mas muito menos para dizer, numa mentira abjeta, que era “o maior escândalo de corrupção da República”.

A aprovação de Lula – 80% no final de seu mandato – é o melhor indicador de que as medidas, feitas todas as contas, eram afinal positivas para o Brasil, no julgamento da voz rouca das ruas. Isso não elimina o fato de que o PT errou — e o erro foi especialmente dolorido porque o partido prometera trazer uma ética rígida que não havia na política brasileira — mas ajuda a ver as coisas com mais clareza.

Em circunstâncias normais, averiguadas as responsabilidades, a vida seguiria e todos extrairiam as lições, a começar pelo PT. Mas não. A direita viu nele a chance de repetir 1954 e 1964. A indignação era tão fajuta quanto a de Lacerda nas duas ocasiões. Apenas os resultados foram diferentes.

Se a indignação fosse genuína, ela teria se manifestado na compra de votos que permitiu a FHC um segundo mandato.

Por que a diferença de tratamento? Por que FHC e companheiros foram poupados e sob Lula os acusados foram – a palavra é esta – massacrados?

A resposta mais simples é: porque FHC era e é amigo do chamado 1%, cuja voz é a mídia, notadamente a Globo e a Veja.

E porque o 1% sempre quer tirar governos populares, como o de Getúlio e o de Jango, para colocar seus representantes. E o argumento é, invariavelmente, o mesmo: “corrupção”.

Nada mais corrupto que o 1% — a começar pelo fato de que para essa elite predadora imposto é coisa para os pobres. Mas mesmo assim o 1% se comporta como se fosse Catão.

Veja bem: Roberto Marinho no papel de Catão. Você tem aí uma dimensão da palhaçada.

Tudo, no Mensalão, foi meticulosamente preparado pela direita. O número de 40 reus, por exemplo: foi feito para que se usasse a expressão “Ali Babá e os 40 Ladrões”.

Para a conta fechar, Gushiken foi incluído, e isso contribuiu decisivamente, segundo relatos dos que o conheceram, para o avanço do câncer que o mataria. Quando Gushiken foi retirado da lista, por não haver nada que pudesse ser usado contra ele pelos carrascos, já era tarde.

A data do julgamento foi escolhida para coincidir com as eleições de 2012. O brasileiro mostrou ter acordado: mesmo com o patético espetáculo da mídia e do STF, Serra não se elegeu prefeito de São Paulo.

Num debate, ele disse mais de uma vez a Haddad, seu desconhecido oponente: “Você é amigo do Dirceu, não é?” Para Serra, este golpe sujo teria efeito sobre os paulistanos. Deu no que deu.

O Mensalão foi um mau passo do PT, é verdade. Mas a dimensão que se deu a ele foi infinitamente acima da realidade. Daí a injustiça fundamental.

Isso porque o objetivo não era moralizar coisa nenhuma. Era, simplesmente, repetir o que fora feito com Getúlio e Jango. Tomar o poder por outros meios que não as urnas.

O impeachment contra Lula não foi adiante por dois motivos: primeiro, ao contrário do que ocorre com Collor, a direita temia o poder de mobilização do PT. Como reagiriam as centrais sindicais, por exemplo? Parariam o país? A pressão popular em favor de Lula, deposto, faria que se repetisse no Brasil o que ocorreu na Venezuela com Chávez?

Chávez foi deposto pela direita num dia e, 48 horas, foi devolvido ao poder pelo povo venezuelano cansado de sua elite vassala dos Estados Unidos.

A segunda razão para que o impeachment de Lula não prosperasse é que não havia militares aos quais recorrer, ao contrário de 1964. A ditadura militar foi um fracasso tão espetacular que nem mesmo o mais reacionário dos generais consideraria que no início dos anos 2 000 haveria qualquer chance de apoio popular a um golpe à base de tanques.

No meio desse enredo todo entra Genoino, vítima de um linchamento moral intolerável. O infame programa CQC do ainda mais infame Marcelo Tas chegou a usar uma criança para atormentar Genoino.

Que ele fez? Ninguém sabe direito. Provavelmente nada. Com certeza muito menos do que lhe atribuíram. Invocaram a Teoria do Domínio do Fato – segundo a qual ele deveria saber das coisas — para condená-lo.

Quem comandou as acusações comprou de forma imoral um apartamento em Miami que vale algumas vezes todo o patrimônio de Genoino, e usou 90 000 reais do dinheiro do contribuinte para reformar os banheiros de seu apartamento funcional.

Alguém, em algum instante, falou em TDF para FHC? Ou ele se achava tão popular no Congresso que deputadores e senadores correriam, alegres, para apoiar um segundo mandato?

O Mensalão foi extraordinariamente aumentado, pela combinação da mídia com o STF, com finalidades inconfessáveis. Mas mesmo as cinzas de Getúlio e Jango sabem que queriam que Lula se juntasse aos dois em mais um golpe;

Essa ampliação fabricada acabou por custar caro particularmente a Genoino.


Ele tem que ser salvo de seus carrascos enquanto é tempo. Nem que para isso seja necessário invocar a Lei de Proteção de Animais, como fez Sobral Pinto num gesto cuja grandeza é maior que as palavras que posso empregar.

Alerta geral!!!

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Fotografia surreal - por Marcus Marcus Moller Bitsch (marcusmb.com)

FHC perdeu chance de ficar quieto - por Paulo Moreira Leite (IstoÉ)

Nem por oportunismo rasteiro Fernando Henrique Cardoso deveria juntar-se ao coral que aplaude as prisões dos condenados da ação penal 470

Em pronunciamento, ontem, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso empregou termos duros. Referindo-se às denuncias dos prisioneiros do mensalão e seus advogados, que têm críticas consistentes ao julgamento, como tantos juristas admitem, chegou a dizer: “Temos de dar um basta nisso. Chega de desfaçatez.”

“Desfaçatez?”

“ Basta?”

O retrospecto do PSDB e de seu governo não autorizam um discurso nestes termos.

FHC só manteve-se no Planalto por oito anos depois de conquistar o direito de disputar a reeleição, num esquema de compra de votos em que se demonstrou aquilo que apenas se disse sobre o mensalão de Delúbio e Valério.

O repórter Fernando Rodrigues publicou, já naquela época, o depoimento de um certo senhor X, que organizou os pagamentos de parlamentares. Trouxe o depoimento, gravado, de um parlamentar que assumia ter embolsado o dinheiro. No livro Príncipe da Privataria, Palmério Doria completou o serviço. Entrevistou o próprio senhor X, revelou sua identidade verdadeira e explicou que ele comprou 150 parlamentares.

Outro dia, conversei com um deputado do PP que assistiu ao mercado da reeleição e me disse o seguinte: “O pessoal votava a favor e na saída do plenário já tinha gente esperando para acertar o pagamento em dinheiro junto a doleiros. Não tinha erro.”

FHC falou em tom crítico sobre adversários políticos que se tornaram prisioneiros, enfrentando medidas duras e espetaculares de Joaquim Barbosa que receberam críticas até de outros ministros do STF. A verdade é que muitos prisioneiros da ação penal 470 foram mais próximos de seu governo do que se imagina.

Marcos Valério começou a se aproximar das verbas do Visanet a partir dos diretores que o PSDB instalou no Banco do Brasil durante o governo de Fernando Henrique. Foram eles, no segundo mandato de FHC, que assinaram os primeiros contratos com a agência DNA, que seriam apenas renovados depois da posse de Lula.

O diretor responsável pelos pagamentos à DNA – aqueles que Joaquim Barbosa diz que foram desviados para subornar políticos – era um homem de confiança do governo Fernando Henrique, um diretor chamado Leo Batista.

Ele tinha esse papel no governo FHC. Seguiu na função depois de 2003. Se alguém foi tão decisivo para o esquema, seu nome não é Henrique Pizzolato, hoje foragido na Itália, mas Leo Batista. Estava acima de Pizzolato e tinha a prerrogativa de assinar os cheques.

FHC fez elogios às prisões ao lado de estrelas graúdas do PSDB. Uma delas era Geraldo Alckmin, cujo governo afunda-se em três gerações de governadores denunciados no propinoduto Alston-Siemens. Outro era o presidenciável Aécio Neves. Conforme a CPMI dos Correios, durante seu governo estatais mineiras fizeram dezenas de milhões de reais em depósitos nas contas da DNA. Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios de Valério na agência, eram publicitários de reputação firmada no Estado. As relações de Cristiano Paz com Aécio se assemelham às relações de Nizan Guanaes com Fernando Henrique. Hollerbach integrou a coordenação da campanha de Aécio em 2002.

Um ditado popular ensina que não se deve falar de corda em casa de enforcado, mas o retrospecto mostra que há fundamento para FHC portar-se como se nada tivesse a ver com estes fatos e pessoas. Em 1997, o procurador Geraldo Brindeiro encarregou-se de enterrar a denúncia da compra de votos e a maioria tucana impediu que se fizesse uma CPI. Embora um homem de confiança do PSDB tenha sido o responsável final pelos pagamentos para a agência de publicidade do mensalão, nenhum deles foi investigado na ação penal 470. Por uma questão de hierarquia, deveria ter sido mais investigado do que Pizzolato. Pela proximidade, era um caso típico de coautoria. Sua investigação ocorreu em segredo, num inquérito paralelo, cuja existência só veio a público durante o próprio julgamento.

O propinoduto paulista foi investigado até na Suíça, mas é alvo permanente de um esforço para arquivar qualquer indicio e toda denúncia que possa envolver os tucanos e seus amigos. O procurador Rodrigo de Grandis recebeu oito solicitações do Ministério da Justiça para prestar esclarecimentos e não atendeu a nenhuma. O mensalão PSDB-MG está sendo investigado na primeira instância, em Belo Horizonte, com vagarosidade espantosa e metodologia diversa. Enquanto os réus da ação penal 470 não tiveram direito ao duplo grau de jurisdição, o STF autorizou que os mineiros tivessem um julgamento na primeira instância e, mais tarde, um segundo julgamento. Entre os petistas, viveu um clima de guerra civil para um pequeno grupo de condenados conseguir, após diversos lances de chantagem dos meios de comunicação contra Celso de Mello, o direito de apresentar embargos infringentes sobre uma das penas recebidas.

Como parece difícil de negar, a principal diferença entre escândalos tucanos e ação penal 470 é a blindagem.

Esse acesso assegurado à impunidade – 100% garantida até aqui na maioria dos casos – mostra que o PSDB não apenas dedicou-se às mesmas práticas que condena nos adversários, como tantos indícios confirmam, mas construiu um impenetrável muro de proteção sobre seus atos, situação que apenas eleva a gravidade do atos que cometeu.

Vamos combinar que não é um motivo honroso para FHC falar contra a “ desfaçatez” dos adversários.

Derrotado por Jânio Quadros na disputa pela prefeitura em 1985, quase ministro de Fernando Collor em 1990, Fernando Henrique pode sentir de perto os efeitos nocivos do nosso moralismo. Tem experiência demais para dedicar-se a ele.

domingo, 17 de novembro de 2013

Convite à oração - Tuomas Korpi (Arte digital - Coolvibe)

Com a prisão de Dirceu e Genoino, fecha-se um ciclo - por Luis Nassif (Blog do Nassif / Jornal GGN)

A democracia se consolida nos grandes processos bem conduzidos de inclusão social e política.

Em determinados momentos da história, emergem novas forças políticas, inicialmente em estado bruto, ganhando espaço com a radicalização do discurso contra o status quo.

Em todos os tempos, as democracias passam por processos de estratificação nos quais os grupos que chegaram antes ao poder levantam um conjunto amplo de obstáculos – políticos, econômicos e legais – para impedir a ascensão dos que chegam depois.

Trava-se, então, uma luta feroz, na qual os grupos emergentes radicalizam o discurso, enfrentam as leis, as restrições e vão abrindo espaço na porrada.

É a entrada definitiva no jogo político que disciplina essas forças, enriquece a política e reduz os espaços de turbulência. Todos ganham. Rompe-se a inércia dos partidos tradicionais, amaina-se o radicalismo dos emergentes; abre-se mais espaço para a inclusão; permite-se uma rotatividade de poder que derruba a estratificação anterior.

Sem essas lideranças, as disputas políticas iniciais enveredam para o conflito permanente, deixando o legado de nações conflagradas, como na Colômbia e no México.

Daí a importância essencial dos líderes que unificam a ação, impedem a explosão das manadas e montam estratégias factíveis de tomada do poder dentro das regras do jogo.

Acabam enfrentando duas espécies de incompreensão. Dos adversários políticos, a desconfiança sobre suas reais intenções, manobrando o receio que toda sociedade tem em relação ao novo. Dos aliados, a crítica contra o que chamam de “acomodamento”, a troca do sonho por ações pragmáticas.

Em seu estudo sobre Mirabeau, Ortega y Gasset define bem o perfil do estadista e de outros personagens clássicos da política: o pusilânime e o intelectual. O estadista só tem compromisso com a mudança do Estado. É capaz de alianças com o diabo, desde que permita a suprema ambição de mudar um país, um povo. Já o intelectual se vale de todos os argumentos do escrúpulo como álibi para a não ação.

Aliás, nada mais cômodo que o niilismo de um Chico de Oliveira, do bom mocismo de Eduardo Suplicy, dos homens que pairam acima dos conflitos, como Cristovam Buarque, dos apenas moralistas, como Pedro Simon. Para não se exporem, não propõem nada, não se comprometem com nada, a não ser com propostas genéricas de aprovação unânime que demonstrem seus bons sentimentos, sua boa índole, sua integridade intelectual – e que quase nunca resultam em mudanças essenciais.

As mudanças no PT

É por esse prisma que deve ser analisada a atuação não apenas de Lula, mas de José Dirceu e José Genoíno.

Ambos passaram pela luta armada. Com a redemocratização, ingressaram na luta política e das ideias. E ambos foram essenciais para a formação do novo partido e para a consolidação do mito Lula.

Na formação do PT, cada qual desempenhou função distinta.

José Genoíno sempre foi o intelectual refinado. Durante um bom período dos anos 90 tornou-se um dos mais influentes formadores de opinião do Congresso e do país, com suas análises sobre regimento da Câmara, sobre reforma política, sobre defesa.

Já José Dirceu era o “operador”, trabalhando pragmaticamente para unificar o PT em torno de um projeto de tomada do poder e, a partir daí, de reformas.

A estratégia política do PT passava por sua institucionalização, por um movimento em direção à centro-esquerda, ocupando o espaço da socialdemocracia aberto pelo PSDB – devido à guinada neoliberal conduzida por Fernando Henrique Cardoso e à ausência de lideranças sindicais.

Não foi um desafio fácil. O PT logrou juntar em torno de si uma multiplicidade de movimentos sociais, a parte mais legítima do partido mas, ao mesmo tempo, a parte menos talhada para a tomada de poder. Foram movimentos que surgiram à margem do jogo político, desenvolvendo-se nos desvãos da sociedade civil e sem nenhuma vontade de se sujar com a política tradicional.

Por outro lado, o papel unificador de Lula o impedia de entrar em divididas. Tinha que ser permanentemente o mediador.

O papel do operador Dirceu

Sobrava para Dirceu o papel pesado de mergulhar no barro. De um lado, com o enquadramento das diversas tendências – o que fez com mão de ferro -, dando ao PT uma homogeneidade que tirava o brilho inicial do partido, mas conferia eficiência no jogo político tradicional trazendo-o para o centro.

E o jogo político exigia muito mais do que enquadrar os grupos sociais do PT.

As barreiras eram enormes. Passava por montar formas de financiamento eleitoral, pela aproximação com o status quo econômico, pelos pactos com os grupos que atuam na superestrutura do poder, com os operadores dos grandes interesses de Estado, pelo mercado, pelo estamento militar, pela mídia.

Dirceu foi essencial para essa transição, tanto para dentro como para fora.

Um retrato honesto dele, mostrará a liderança inconteste sobre largas faixas do PT, o único a se ombrear com Lula em influência interna e com uma visão do todo que o coloca a léguas de distância de outros pensadores do partido.

Mas também era dono de um voluntarismo até imprudente.

Lembro-me de uma conversa com ele em 1994 em Brasília, com Lula liderando as pesquisas. Falava do projeto popular do PT e do projeto de Nação das Forças Armadas, sugerindo um pacto não muito democrático.

Não por outro motivo, em diversas oportunidades Lula confessou que, se tivesse sido eleito em 1994, teria quebrado a cara.

Com o tempo, o voluntarismo foi sendo institucionalizado. Internamente, no governo, Dirceu exercia uma pressão similar à de Sérgio Motta sobre FHC. Queria avançar mais, queria menos cautela na política econômica, queria um projeto de industrialização.

Sua grande obra de arte política, nos subterrâneos do poder, no entanto, foi ter mapeado os elos da superestrutura que garantia FHC e inserido o PT no jogo.

Esse mapeamento resultou na viagem aos Estados Unidos, desarmando as desconfianças do Departamento de Estado, dos empresários e da mídia; a ocupação de cargos-chave no Estado, que facilitaram negociações políticas com grupos de influência. Nada que não fosse empregado pelos partidos que já haviam chegado ao poder e que precisaram garantir a governabilidade em um presidencialismo torto como o nosso.

O veneno do excesso de poder

Assim como Sérgio Motta, no entanto, as demonstrações de excesso de poder tornaram-no alvo preferencial da mídia.

Trata-se de uma regra midiática clássica, que não foi seguida por ambos. Quando a mídia sente alguém com superpoderes, torna-se um desafio derrubá-lo. Com exceção de ACM e José Serra – a quem os grupos de mídia deviam favores essenciais e, em alguns casos, a própria sobrevivência -, todos os políticos que exibiram musculatura excessiva – de Fernando Collor ao próprio FHC (no período de deslumbramento), de Sérgio Motta a José Dirceu - terminaram fuzilados.

No auge do poder de Dirceu, creio que foi o Elio Gaspari quem o alertou para o excesso de exibição de influência. Foi em vão.

O reinado terminou em um episódio banal, a história dos R$ 3 mil de propina a um funcionário dos Correios. Tratava-se de uma armação de Carlinhos Cachoeira com a revista Veja, visando desalojar o grupo de Roberto Jefferson para reabilitar os aliados de Cachoeira (http://bit.ly/19sMvtX).

O que era claramente uma operação criminosa midiática, de repente transformou-se em um caso político, por mero problema de comunicação. Roberto Jefferson julgou que a denúncia tinha partido do “superpoderoso” Dirceu, para amainar sua fome por cargos. E deu início ao episódio conhecido por “mensalão”.

E aí Dirceu – e o próprio Genoíno – sentiram o que significa ter chegado tardiamente ao jogo político, não dispor de “berço” e de blindagem contra as armadilhas institucionais do Judiciário e da mídia.

A cara feia da elite

É uma armadilha fatal. Para chegar ao poder, tem que se chegar de acordo com as regras definidas por quem já é poder. Mas, sem ter sido poder, não se tem a mesma blindagem dos poderosos “de berço”.

O episódio do “mensalão” acabou explodindo, revelando – em toda sua extensão – a hipocrisia política e jurídica brasileira, o uso seletivo das denúncias, o falso moralismo do STF (Supremo Tribunal Federal).

Nos anos 40, Nelson Rockefeller tinha um diagnóstico preciso sobre o subdesenvolvimento brasileiro: havia a necessidade de um choque de modernidade, de criação de uma classe média urbana que superasse o atraso ancestral das elites brasileiras, dominada pelo pensamento de velhos coronéis.

Uma coisa é a leitura fria dos livros de história, as análises de terceiros sobre a República Velha, sobre o jogo político dos anos 30, 40, 50. Outra, é a exposição dos vícios brasileiros em plena era da informação.

Para a historiografia brasileira, o “mensalão” é um episódio definitivo, para entender a natureza de certa elite brasileira, a maneira como o conservadorismo vai se impondo, amalgamando candidatos a reformadores de poucas décadas atrás, transformando-os em cópias do senador McCarthy. E não apenas no discurso antissocial e na exploração primária ao anticomunismo mais tosco, mas na insensibilidade geral, de chutar adversários caídos, de executar adversários moribundos no campo de batalha, de abrir mão de qualquer gesto de grandeza.

Expõe, também, de maneira definitiva as misérias do STF.

Aliás, Lula e o PT foram punidos pela absoluta desconsideração pelo maior órgão jurídico brasileiro. Só o desprezo pelo STF pode explicar a nomeação de magistrados do nível de Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Dias Tofolli, somando-se aos inacreditáveis Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, à fragilidade de Rosa Weber e Carmen Lucia e ao oportunismo de Celso de Mello.

O resultado final do julgamento foi o acirramento da radicalização, o primado da vingança sobre a justiça, a exposição do deslumbramento oportunista de Ministros sem respeito pelo cargo.

No plano político, sedimentam no PT a mística de Genoino e Dirceu.

Se deixam ou não o jogo político, não se sabe. Mas, com sua prisão, fecha-se um ciclo que levou um partido de base ao poder, institucionalizou um novo jogo político e, sem o radicalismo dos sonhadores sem compromissos, permitiu mudar a face social do país.

Não logrou criar um projeto de Nação, como pensava Dirceu. Mas deixou sua contribuição para a luta civilizatória nacional.

A democracia brasileira deve muito a ambos.

Comentário

É um bom texto, conciliador como é de característica do Nassif, mas discordo radicalmente de algumas ideias nele expressas, especialmente no que tange a mudança comportamental do PT, a “Carta aos brasileiros”, as múltiplas concessões que mutilaram definitivamente o PT.


Em 2002, o ciclo neoliberal se esgotara, o país estava completamente arrasado, a sociedade ansiava por mudanças - profundas mudanças. Não pontuais. Porém, prevaleceu a linha conciliadora. Lula fez ali a sua escolha, de composição com quem não prestava, cedendo em todos os campos, até ter um governo que foi um arremedo do que poderia ser. Dilma avançou nestas concessões até o tema anteriormente mais simbólico da divisão entre esquerda e direita na política brasileira, o das privatizações. Não há dentro da simbologia política, diferença alguma entre o PT e o PSDB hoje. Mesmo reconhecendo que ainda há diferenças programáticas (o PT representando a burguesia industrial e o PSDB a burguesia financeira), estas diferenças tendem a se esfumaçar no decorrer do tempo, já são precárias para muitas pessoas, e os protestos de junho mostram que a juventude não consegue observar no quadrante político solução alguma.


Dentre as múltiplas concessões espúrias feitas pelo ex-presidente Lula, cito três que ocasionaram especificamente as prisões políticas: não ter enfrentado o oligopólio midiático, ter feito péssimas indicações para o STF e, para a PGR, ter nomeado e renomeado pessoas antipetistas até a medula. 

Esta aí o resultado de ter tentado compactuar com quem não presta, ter feito concessões com a pior escumalha da sociedade brasileira.


O principal responsável pelas prisões e mais outros problemas intocados, é bom frisar, é do Lula.