Um fantasma ronda o Brasil. O fantasma Black bloc. Contra ele se juntam numa Santa Aliança dirigentes petistas e tucanos, trotskistas arrependidos e “coronéis humanistas”, velhos militantes e policiais paulistas. Que manifestante mascarado não recebeu a infame pecha de Black bloc?
Depois da mais recente manifestação do MPL em São Paulo, vozes da tumba se ergueram para pedir leis mais duras. O governador paulista, dizendo-se ameaçado por criminosos, reforçou seu discurso eleitoral na defesa da “indefesa” Polícia Militar e pediu que as agressões aos seus soldados fossem equiparadas ao terrorismo contra o Estado ou coisa que o valha.
Infelizmente para ele, no dia seguinte às manifestações a velha PM, ungida em defensora dos direitos democráticos, não se conteve e voltou a atacar, matando um adolescente na periferia paulista. Mas dessa vez houve uma insurreição espontânea e não foi possível culpar os blocos negros por ela.
A esquerda oficial, por seu turno, apressou-se em oferecer sua solidariedade à PM e ao Governador Alckmin. A presidenta Dilma, por cálculo eleitoral, lamentou a “barbárie” antidemocrática. Seu Ministro da Injustiça, Cardoso, ofereceu pela enésima vez ajuda à repressão policial. Mas como ele está à direita do PSDB, não tem sido acolhido com a celeridade que deseja. Já o Ministro Gilberto Carvalho ensaiou uma resposta ambígua para compreender a tática do bloco negro como sintoma de problemas sociais mais complexos. Logo foi chamada a sua atenção pela imprensa monopolista que domina o governo.
Há dois fenômenos bastante complexos que se combinam nesta reação petista. O primeiro não vale a pena explicar porque a cúpula do PT não quer entender. Basta dizer que, se os jovens mascarados abraçam uma “tática sem conteúdo” (na opinião da esquerda), no mínimo teríamos que reconhecer que o fazem porque os nossos velhos programas não lhes interessam. Creio que Paulo Nogueira explicou isto bem em seu artigo na Carta Maior.
Mas há o segundo aspecto que a direção petista deveria se esforçar por entender. Independente do que pensa do chamado “vandalismo” atual, ela se interessa por sua perpetuação no poder. Desse ponto de vista é estranho que desde junho alguns políticos do PT tenham se aproximado do governador paulista em várias ocasiões.
A resposta de Dilma Roussef tem uma explicação na ideologia lulista que orienta a maioria do PT. Segundo ela, o povo brasileiro é conservador e só aceita mudanças lentas e que não abalem a ordem. Inegavelmente a estratégia lulista de conciliação de classes tem sido referendada pelo voto. Graças a ela, outra tradição da esquerda, o petismo, ficou em segundo plano no próprio PT. Esta se orientava pela luta de classes dentro da ordem, mas conduzida por uma perspectiva socialista.
Dentro da perspectiva lulista (que nem sempre é a do próprio Lula) faz sentido recusar tudo o que perturba a ordem estabelecida. Se o jogo não muda, Dilma segura este “um a zero no segundo tempo” e vence. Mas isto é o campeonato nacional. No regional, o mesmo jogo interessa aos tucanos. E muito mais. O Estado de São Paulo é a mais formidável máquina de poder no Brasil depois do governo federal.
O objetivo público de Lula é acabar com a hegemonia tucana naquele Estado. Cada vez que o PT endossa o discurso de defesa da Ordem, a imagem do governador paulista se reforça. Simplesmente porque todo discurso conservador favorece quem já está no poder. Não parece plausível que a cúpula nacional tenha vendido fiado a cabeça de seu candidato paulista, o Ministro Padilha.
O mais provável é que o PT esteja na armadilha do lulismo. Ele garantiria a vitória nacional em troca da derrota em São Paulo. Se o PT adotasse, por exemplo, no caso Alstom uma campanha com metade da virulência que sofreu no escândalo do mensalão, ele estaria rompendo os limites do lulismo e reafirmando o petismo. Tal risco abriria um cenário eleitoral novo e incalculável.
Esta mesma timidez explica a condenação dos blocos negros. Não que pudéssemos esperar da presidenta um apoio a manifestações que podem se voltar contra seu governo. Mas decerto o PT poderia estar liberado para fritar o governador paulista e sua polícia. Mas o PT faz o contrário. Desde junho defende o governador Alckmin.
O velho petismo recusaria tanto a linguagem da extrema esquerda partidária quanto a da direita. Denunciaria que São Paulo possui oito jovens presos políticos. Por isso soa engraçado ouvir antigos dirigentes sindicais que faziam piquetes nos pontos de ônibus do ABC ou atiravam à noite bolinhas de aço com estilingues nas vidraças dos bancos, alertarem contra as manifestações violentas. Claro, nem é preciso recordar tempos ainda mais passados quando outra geração lia o general Giap e não usava máscaras e muito menos pedaços de pau, não é mesmo?
Claro, aquilo era uma ditadura e hoje estamos numa democracia, blá, blá, blá…
Com todo o respeito aos jovens lutadores das ruas, não é a sua presença que incomoda (por enquanto) a esquerda no poder. Ela se guia exclusivamente pelas pesquisas eleitorais. Seu futuro nunca passa de dois anos (quando ocorrem eleições). O horizonte dos jovens manifestantes é outro. Sem nada a perder, senão suas correntes, eles só podem pensar numa sociedade radicalmente distinta.
Lincoln Secco é professor de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP.
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