sábado, 20 de janeiro de 2018

Fotografia - por Cupcake

Trump, o remédio errado para um problema real – por André Araújo (Jornal GGN)


Porque Trump foi eleito? O mais improvável e despreparado Presidente dos EUA desde Warren Harding, Presidente de 1921 a 1923, Donald Trump foi um choque e uma surpresa para o mundo. Porque esse nó-cego foi eleito em um País com sólida experiência democrática e que já teve padrões do nível de um Roosevelt, de um Eisenhower, de um Clinton?

A resposta é ao mesmo tempo simples e complexa. Trump foi eleito por causa de uma profunda crise social que se desenrola nos EUA, provocada pela globalização financeira inventada pelos próprios americanos, sem medir suas históricas e terríveis consequências.

A globalização financeira ARRUINOU a até então sólida classe média americana, símbolo, esteio e eixo central da democracia dos Estados Unidos. Esse mesmo movimento vem desde 1994 arruinando a economia brasileira, quando foi abandonado o PROJETO NACIONAL DESENVOLVIMENTISTA que deu ao Brasil um crescimento médio de 7% ao ano entre 1950 e 1980, processo que transformou o Brasil de uma grande fazenda de café em uma potência geopolítica e econômica com defeitos, MAS com uma TRAJETÓRIA de desenvolvimento consistente que construiu uma nação moderna e a 7ª economia mundial.

Voltemos aos EUA. Vou citar um caso emblemático que conheço de perto. Um executivo americano casado com brasileira era gerente sênior de uma importante empresa de serviços de informática em São Paulo. Fez carreira na empresa, nela cresceu. Comprou terreno no Brooklin, bairro de São Paulo, construiu uma bonita residência, dois carros e a esposa não precisava trabalhar. Em 2007 sua superior em São Paulo foi promovida e transferida para a matriz no Texas. Convidou esse executivo para se transferir também para a matriz com promoção. O rapaz vendeu a casa em São Paulo e levou a esposa e dois filhos pequenos para morar nos EUA, ele já como executivo na matriz. Dois anos depois a empresa foi adquirida por outra maior, como é usual fizeram um corte de empregados e ele foi despedido.

Já com 46 anos não conseguiu novo emprego no seu nível e teve que queimar todas suas economias para sobreviver desempregado. Hoje ele faz faxina de avião, à noite, no aeroporto de Dallas. A esposa, que nunca havia trabalhado, é caixa de supermercado. Evidentemente que os dois constam nas estatísticas como empregados, mas com quais empregos?

Esse é um caso muito comum na economia americana do grande coração do centro-oeste dos EUA. Esse meu conhecido foi eleitor fanático de Trump, assim como milhões de outros nas mesmas condições, viram seu sonho de vida desabar em nome da economia de mercado distorcida pelo desprezo do bem comum para toda a sociedade em benefício de poucos.

A estatística oficial de desemprego nos EUA é baixa, em torno de 4,4% MAS não reflete a real situação social. Um enorme número de americanos teve REBAIXAMENTO DE RENDA, aceitando empregos de sobrevivência abaixo de sua formação e experiência profissional.

Isso ocorreu nos outrora grandes Estados industriais que se orgulhavam de sua indústria de marcas consagradas em máquinas operatrizes, máquinas rodoviárias, motores de barcos, tratores, aço, geradores, compressores, válvulas. Com a globalização desapareceu o coração industrial de Illinois, Indiana, Michigan, Missouri, Kansas, Ohio, Wisconsin.

Eram empregos que pagavam bem, hoje não existem mais esses empregos, o antigo ferramenteiro virou chapeiro de lanchonete, ganhando um quarto do que ganhava.

Ao mesmo tempo aumentou brutalmente o número de bilionários nos EUA, enquanto a classe média se desintegra. A globalização financeira que faz de toda a economia um jogo infernal de fusões e aquisições é responsável pelo processo. Essas fusões, cada uma, gera novos bilionários, mas na sequência imediata dessas transações é o CORTE DE FOLHA para gerar caixa para pagar a fusão. Ganham milhões de dólares de comissões os banqueiros de investimento que fizeram a corretagem da transação. PERDEM no geral os empregados de todos os níveis. É um processo INFERNAL que está destruindo a economia mundial.

Os “gurus” neoliberais informam que se criaram outros empregos no setor de alta tecnologia da Califórnia, mas a proporção é de um emprego novo para cem perdidos na indústria.

Nos EUA de hoje sete milhões de americanos moram em CARROS porque não podem pagar aluguel de uma casa, 23 milhões moram em TRAILERS, casa-carro inventadas para viagens, mas não para moradias permanentes. Os “foreclousures”, retomadas de casas financiadas por hipotecas já chegaram a 19 milhões desde 2008, pessoas perdem a casa porque não conseguiram pagar prestações, as casas retomadas ficam fechadas e a venda mas poucos se apresentam para comprá-las, há bairros inteiros que são “cemitérios de casas”, essa é a louvada “economia de mercado” dos sonhos das Landau, dos Gustavo Franco, da turma do INSPER, um pesadelo social irresolvido e que não se resolverá no ciclo neoliberal infernal que querem transplantar para o Brasil, um inferno para 4/5 da população, esse é o ninho de Trump, um falso remédio para um problema real desse ciclo que está liquidando com o tecido social de muitos países outrora com sociedades equilibradas e hoje cheios de moradores de rua, drogados, pessoas que abandonaram qualquer ideia de futuro dentro da sociedade.

O processo pode ser eficiente em termos de microeconomia, a empresa ganha pela produtividade da maior escala, mas à custa de despedir funcionários em TODOS OS NÍVEIS.

É ABSOLUTAMENTE FALSO que essa “economia de mercado” é algo saudável, não é e não resolverá crises sociais pelo mundo afora, é um mito e uma quimera, NÃO FUNCIONA como modelo para países civilizados, é uma IDEOLOGIA maligna pelos seus maus resultados.

O ganho microeconômico, no nível da empresa, não significa ganho macroeconômico, em termos da sociedade como um todo. Na degradação dos empregos perde a população porque cai sua renda, aumentam os custos de saúde pela desagregação das famílias, depressão, alcoolismo, drogas, tudo causado pela ruptura de estilos de vida e do tecido social. O País como um todo PERDE e perde muito, jovens não conseguem o primeiro emprego e como os pais perderam renda já não podem cursar universidade. É um desastre social imenso, Trump é o remédio desesperado para uma crise real, é o remédio errado para uma doença verdadeira, para esse enorme grupo de cidadãos que viu seus sonhos rompidos por um processo autofágico, destrutivo e que a longo prazo significa PERDA e não ganho para a economia.

Nos anos de ouro da economia americana, de 1945 a 1975, a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça bloqueava nove em cada dez fusões propostas, era o espírito dos dois Presidentes Roosevelt, Theodore e Franklin, inimigos dos trustes e cartéis.

Theodore Roosevelt mandou dividir em seis pedaços o truste Rockefeller, era inimigo de toda concentração de capital que via como maléfica ao povo dos EUA, isso fez dos EUA de 1900 a 1960 uma sociedade equilibrada entre o capital e o trabalho, uma sociedade bem resolvida.

Hoje, por causa da globalização financeira, a concentração passou a ser vista como essencial ao capitalismo, o que é apenas uma crença ideológica propagada pela onda neoliberal de Friedrich von Hayek. Há outras formas de organizar uma economia sem mega concentração de capital, danosa a todos os países e benefício exclusivo aos financistas.

Trump não vai consertar a economia, ele é apenas o produto de uma realidade que ele não irá mudar porque sequer tem consciência real do problema, é um primitivo intelectual e pode até agravar a situação com medidas erradas que não atacam o problema.

Mas a sua motivação por trás do “fechamento” da economia americana ao globalismo vem de um instinto de que existe um problema na globalização. Trump é um instintivo e captou a natureza do problema que pretende enfrentar com ferramentas erradas.

Se ele tivesse consciência não teria permitido, ele tem poderes legais para tanto, a compra da MONSANTO, empresa líder mundial de pesquisa em agroquímica, pela BAYER alemã.

A MONSANTO era a maior empresa de Saint Louis, cidade que conheço bem porque lá trabalhei nos anos 70, fico imaginando como estão se sentindo seus cidadãos tendo agora como poder local uma empresa alemã com cultura muito diferente.

O cheiro tóxico do desemprego paira no ar, uma empresa comprada por outra é virada do avesso, nada fica igual e em pouco tempo o novo dono muda a cara e a cultura de empresas que são como instituições profundamente imbricadas na sociedade local.

Atitude muito diferente teve o governo britânico ao impedir, porque qualquer governo pode impedir, a venda da UNILEVER, empresa bicentenária e símbolo do capitalismo inglês para um grupo pirata constituído pelos conhecidos brasileiros do grupo Lemann junto com o americano Warren Buffet. O Governo britânico disse NÃO e ponto final, mostrou que é Governo e não serviçal da finança internacional, não vai permitir que uma empresa de tal importância nacional seja esquartejada por financistas apátridas, essa é uma questão POLÍTICA e não econômica, é hora de todos os governos se uniram contra a finança corsária apátrida.

Infelizmente essa consciência não chegou a outros governos, inclusive o brasileiro, que vem permitindo a compra indiscriminada de empresas brasileiras por estrangeiros, o que representa uma mega destruição de valores culturais, relacionamentos e empregos.

Um exemplo claro é a ELETROPAULO que quando foi privatizada tinha 27.000 empregados, que vestiam a camisa da empresa e tinham orgulho de trabalhar nessa histórica companhia . O número de empregados era compatível com seis milhões de consumidores, era a maior distribuidora de energia elétrica do País.

Hoje essa empresa, controlada por um fundo financeiro americano, opera com pouco mais de 3.000 empregados e quase tudo é terceirizado, sem cara, sem alma, sem camisa, tudo é feito na base do baixíssimo custo, sem investimentos, o único objetivo é mandar dividendos para a matriz nos EUA, a empresa perdeu a alma, até mudou de São Paulo.

Ao contrário dos que apregoam os gurus neoliberais, a globalização financeira não é um imperativo econômico, é um OPÇÃO IDEOLÓGICA e sua aceitação ou não é uma questão política, não é uma onda inevitável. A China, por exemplo, tira proveito da globalização, mas não se deixa manipular por essa ideologia. Suas fronteiras são fechadíssimas para tudo que pode prejudicar o emprego na China ou coloque em risco empresas chinesas. Banco americano não entra na China, nem seguradoras, nem muita coisa que os americanos se orgulham de exportar. Os chineses abrem e fecham as válvulas de sua economia de acordo com seus interesses de Estado e não porque a globalização é uma “onda inevitável”, os chineses estão vacinados com a intromissão internacional desde quando estrangeiros retalharam a China em pedaços no fim do século XIX, dopando seus cidadãos com ópio.

Trump é um remédio, pode ser um purgante, mas não foi Trump quem criou o problema.

O ciclo infernal da globalização financeira, nome da NOVA PESTE NEGRA que pode acabar de destruir o mundo, é o problema real, Trump é apenas um efeito defensivo.

Fotografia - por Maynard O. Williams (National Geographic)

A indústria cultural e a esquerda – por Gabriel Bichir (Meu Professor de História)

A esquerda não consegue disfarçar seu fascínio pela Indústria Cultural, fascínio este que nada mais é do que cumplicidade tácita – uma esperança de que, no fundo, nada mude, de que aquilo que é continue sendo. Está circulando por aí um texto sobre o novo clipe da Anitta que afirma categoricamente, eu cito, que "a bunda é sujeito". Chegou-se a um nível de estupidez que só resta ponderar como o pensamento foi capaz de se render a tal ponto de entregar todas as suas prerrogativas para o marketing mais canhestro.
Pensamento enlatado, bunda cartesiana! A frase é perfeita, porque o que se quer é justamente isso: representação. O clipe mostra a favela, seus integrantes, toda sua diversidade, mostra até mesmo uma bunda com celulite (!). Nada menos que revolucionário, aparentemente. A lógica é estritamente narcísica: eu preciso me ver representado na mercadoria, ela deve refletir todas as minhas qualidades, uma a uma; para conquistar a esquerda basta preencher uma lista de pré-requisitos, nada mais. A obra realmente fiel à favela seria aquela capaz de lembrar que ela não deveria existir.
Esqueceu-se de que crítica pressupõe distância do objeto. Toda crítica aos produtos da IC que desagrada a esquerda é chamada de elitista, reacionária, contra a diversidade etc. Repita-se: não existe crítica sem distância do objeto, afastamento necessário para que o pensar possa se colocar sem estar atado às determinações do dado, aquilo que constitui sua base material. O que é uma música revolucionária? Seria aquela que simplesmente reproduz o mundo tal como é, que ratifica as divisões existentes e as eleva ao patamar do imutável? Pois no clipe a diferença nunca fala de fato, ela nada mais é do que caricatura de si – as imagens estereotipadas das mulheres alinhadas apenas de biquíni falam por si próprias, são exatamente as mesmas reproduzidas nos clipes mais descaradamente machistas de cantores americanos. Junte-se isso a uma batida monotônica, idêntica a qualquer música pop americana e tem-se a fórmula do sucesso: cinismo.
O foco da crítica não deveria ser mostrar como na verdade o clipe objetifica a mulher em vez de "empoderá-la". Não basta dizer que a bunda é objeto, mais interessante seria questionar o que permite que seja chamada de sujeito. Não é curioso que se utilize uma palavra tão carregada de peso filosófico-histórico para designar uma parte do corpo, e não o corpo na totalidade? Nisso, o pensamento reificado toma consciência de si e faz questão de afirmar sua vitória, pois o corpo não é de fato corpo, apenas seus disjecta membra, que reivindicam para si o monopólio da sensualidade. Mas o problema do clipe é precisamente ser sexual de menos: trata-se de uma experiência manufaturada do que pode verdadeiramente um corpo (que, como sempre, serve apenas como brinquedo para manipulação do homem. Não existe uma única cena no clipe inteiro que não seja talhada do ponto de vista masculino).
Se Adorno estava certo ao reivindicar "Nenhuma emancipação sem a da sociedade", então deveríamos repetir: "Nenhum empoderamento sem o de toda a sociedade". Pois a noção de empoderamento como atributo individual não é só falsa, como conivente com o status quo e fruto de uma violência. Nossa esquerda reproduz, na verdade, a esperança de um iluminismo rastaquera: que uma mulher rica, nadando no dinheiro devido a sua imagem "progressista", possa inspirar (!) meninas para serem como ela, transmitindo, quase que por mágica, o flogisto do empoderamento. A razão que se reverte em mito. Se essa for de fato a função que restou à arte – a de imitação servil do real – então estamos perdidos.