segunda-feira, 31 de maio de 2010

Segunda-feira blues

Sobre as notícias de hoje, algumas passadas rápidas e outra nem tanto.
Manchete da folha:

País não está pronto para a nova classe média, diz cientista político

Isto segundo Livro escrito por Bolívar Lamounier, “quadro” famoso do PSDB. Ou seja, o Brasil não está preparado para a nova classe média criada com o governo Lula (são 80 milhões de pessoas ingressando na classe C, de acordo com o autor). O Brasil então está preparado, infere-se, para deixar estas pessoas relegadas a pobreza, as privações, as necessidades extremas, enfim, ao inferno diário a que eram submetidas até então.
Como as coisas parecem ser complementares no universo, vai mais uma, também da folha:

Maioria dos eleitores do PSDB diz ser de direita
De acordo com o Datafolha (eu sei que os número do instituto são pra lá de controversos, vamos abrir uma exceção, entretanto), a maior parte dos eleitores do referido partido são de direita.
Meu queixo cai.
Estou pasmo.
Estou perplexo.
Estou abismado.

Falando sério, a pesquisa indica que: 20% dos simpatizantes do PSDB se consideram de centro-direita, 14% se consideram de direita e 17% se consideram de extrema-direita (fascistas, portanto).
Destarte, a pesquisa denota uma espetacular consciência de classe (a despeito de muitos dos que se consideraram de direita serem vítimas dela sem saber, é claro).
O incrível deste balaio é que o PSDB não se assuma de direita. Ao contrário, Serra recentemente afirmou que era de “esquerda” (!). Mas no Brasil é normal, ninguém se assume como direitista. Até Jorge Bornhausen, a despeito de ter atacado durante toda a vida, com palavras e ações, atos e omissões, a esquerda, jamais se assume de direita. A revistona Veja faz o mesmo. Mente, calunia, distorce, faz o que pode e o que não pode para destruir a esquerda. Mas jamais se assume de direita.


E olhando mais longe, mais uma notícia, daquelas que estarrecem – ou deveriam estarrecer – o mundo.
Ontem, pela enésima vez, Israel comete um massacre. Desta vez, contra forças de ajuda humanitária, barcos que levavam para Gaza comida, remédios, purificadores de água, e coisas afins, inúteis para os interesses de Israel. No barco, além de dezenas de manifestantes pacifistas, estavam ainda um prêmio Nobel da paz e um sobrevivente do holocausto (!).
Israel, porém, agiu como Israel. Assassinou diversos manifestantes, ceifando a vida de mais de dez deles.
Já segundo seu ministro de defesa, o pústula Ehud Barak, pasmem senhores, “o ataque ocorreu em decorrência da violência dos organizadores da frota, o que teria sido uma ‘provocação política’ ao país”, segundo reportagem da folha.
Israel já faz um bloqueio criminoso contra Gaza, porém, o revoltante massacre, frise-se, ocorreu ainda em águas internacionais, e foi parcialmente filmado por uma TV turca.
Pergunto: ¿onde está a senhora Hillary Clinton agora? ¿Onde está o senhor Barack Obama, ganhador do prêmio Nobel da paz (!)?
Vão cobrar providências de Israel, “esclarecimentos”, é claro. Israel deve estar tremendo de medo de tamanho engajamento, de tamanha pressão que o mundo “civilizado” (EUA a frente) exercerá sobre o bandido estado teocrático.
A ONU condenará o ataque. ¿Mas o que Israel acatou de resolução da ONU, além de sua própria criação?

Relembro-me do belíssimo texto de José Saramago:

Das Pedras de David aos tanques de Golias
http://politicanadaimparcial.blogspot.com.br/2009/01/das-pedras-de-david-aos-tanques-de.html

Podemos falar aqui, impotentes, do massacre de Jenin, das bombas de fósforo branco, do bloqueio a Gaza e de muito, mas muito mais.
Entretanto, segundo nos querem fazer crer, isto não importa: o problema do mundo é o Irã. E em menor grau, Cuba, Venezuela, Coréia do Norte e agora, (seguindo orientação de nosso “mentor” de política externa José Serra) a Bolívia.

¿É, ou não é, uma lástima?

P.S: Ah, claro, acusam, e está longe de se provar, que o Irã tenta possuir a bomba atômica. Porém, ironia das ironias, Israel, país infinitamente mais perigoso que este, como bem claro está, já a possui. Durma-se com um barulho desses.

O camarada Serra – por Leandro Fortes (Brasília, eu vi)

Gafe do cerimonial: na foto, Serra é o sujeito à direita de Kátia Abreu
Ao se declarar um homem de esquerda, durante entrevista na CBN, o ex-governador José Serra deve:
1) Ter caído em desgraça na revista Veja;
2) Ter caído em desgraça no Instituto Millennium;
3) Ter caído em desgraça na Fiesp;
4) Ter caído em desgraça no Clube Militar;
5) Ter caído em desgraça na ANJ;
6) Ter caído em desgraça nos blogs de esgoto;
7) Ter caído em desgraça na TFP;
8) Ter caído em desgraça na UDR;
9) Ter caído em desgraça na CNA;
10) Ter caído em desgraça na CNI;
11) Ter caído em desgraça no DEM;
12) Ter caído em desgraça em Higienópolis;
13) Ter caído em desgraça nas Organizações Globo;
14) Ter caído em desgraça na Febraban;
15) Ter caído em desgraça no PSDB.
Então, fico imaginando quem, afinal, deverá votar em José Serra, o Vermelho:
1) Os 30 mil pernambucanos beneficiados pela plataforma de indústria naval fixada no estado como parte do PAC?
2) Os 60 milhões de brasileiros beneficiados pela distribuição de renda catalisada pelo Bolsa Família?
3) Os 32 milhões de brasileiros que saíram da condição de miseráveis à de consumidores?
4) Os 1,2 milhão de trabalhadores que recebem um salário mínimo que pulou de 60 dólares, da Era Tucana, para 200 dólares, no governo Lula?
5) Os trabalhadores sem-terra perseguidos no interior de São Paulo?
6) Os familiares dos motoboys assassinados pela PM paulista?
7) O delegado Protógenes Queiroz?
8) O juiz Fausto De Sanctis?
9) Os comunistas?
10) Os eleitores de Dilma Rousseff?
E, finalmente, alguém pode me explicar como é que um sujeito de esquerda pode aparecer todo sorridente numa foto ao lado da senadora Kátia Abreu? Seria um caso clássico de infiltração esquerdista nas hostes ruralistas?

Desmentido dos EUA irrita Itamaraty - por Patrícia Campos Mello (O Estado de São Paulo)

Desmentido dos EUA irrita Itamaraty - por Patrícia Campos Mello (O Estado de São Paulo)
Governo brasileiro critica tentativa de funcionários da Casa Branca de pôr em dúvida teor da carta enviada por Obama a Lula sobre pacto com Irã:
O governo brasileiro ficou extremamente irritado com a tentativa dos Estados Unidos de desmentir a carta enviada pelo presidente Barack Obama ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em relação ao acordo de troca de combustível nuclear do Irã. Uma entrevista concedida ontem por funcionários americanos voltou a inflamar as divergências entre Brasil e Estados Unidos.“Causa estranheza ouvir de representantes do terceiro ou quarto escalão do governo dos EUA frases que põem em dúvida o que a mais alta autoridade americana afirmou, por meio de carta, ao presidente de outro país”, disse ao Estado um alto funcionário do governo brasileiro.
Na sexta-feira, funcionários do governo americano convocaram uma entrevista para esclarecer sua posição em relação ao acordo costurado pelo Brasil e pela Turquia com o Irã no dia 17. Segundo eles, o acordo é “inaceitável” e os EUA continuarão buscando a imposição de sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil esperava que o acordo fosse dar espaço a mais negociações com o Irã e adiar as sanções. O governo americano também tentou fazer um “controle de danos” causados pelo vazamento de uma carta enviada por Barack Obama a Lula em 20 de abril. Na carta, segundo o Itamaraty, o presidente americano estimulava o líder brasileiro a alcançar o acordo de troca de combustível nos mesmos moldes do proposto em outubro: o Irã se comprometeria a enviar 1200 quilos de seu urânio à Turquia, de onde ele seria enviado para ser enriquecido na Rússia e França, e devolvido depois de um ano para o Irã em forma de combustível para um reator de pesquisas médicas.

Defasagem

Mas, na entrevista de sexta-feira, os americanos disseram que o acordo fechado pelos brasileiros está defasado, porque os iranianos continuaram enriquecendo urânio desde outubro. “O tempo invalidou a proposta original e isso não foi considerado na declaração de Teerã”, disse o funcionário americano.
O Itamaraty aponta que nada disso estava dito na carta, que mencionava os mesmos 1.200 quilos de urânio.
O canal de comunicação entre os dois países foi bastante prejudicado. Outra afirmação que irritou o governo brasileiro foi a de que a carta enviada por Obama ao presidente Lula não se tratava de “instruções para negociação”. Os americanos disseram que nunca “pediram aos brasileiros que saíssem negociando em nome dos americanos”.
“É ofensivo imaginar que o governo brasileiro consideraria uma carta de chefe de Estado estrangeiro como “instruções” para a atuação externa do Brasil. Mas a carta do presidente Obama deixa muito claro que o acordo de troca de urânio seria uma forma de criar confiança e avançar no tratamento da questão nuclear iraniana”, disse o funcionário brasileiro de alto escalão.
O governo brasileiro não entende se houve arrependimento dos americanos em relação à carta, ou se há grandes divisões dentro do governo americano sobre a questão iraniana. Para eles, questões de política interna estariam se sobrepondo à orientação da política externa.
Lobbies. A secretária de Estado Hillary Clinton, mais linha-dura em relação ao Irã, também estaria sendo pressionada por lobbies dentro do país, importantes para arrecadação de recursos para a eleição legislativa de outubro nos EUA. Com isso, o país estaria abandonando seu viés mais negociador, diplomático, na questão iraniana.O funcionário também disse que o chanceler Celso Amorim nunca achou que o acordo de troca de combustível resolveria todos os problemas em relação ao Irã. “Mas Celso Amorim reafirma que a Declaração de Teerã é uma porta de entrada para criar confiança e permitir a discussão dos temas de preocupação de ambos os lados.” E declarou que a carta de Obama ia na mesma linha.

O fator Serra e as marcas no PSDB – por Luis Nassif

As obviedades dessa campanha são de cansar.
Serra dá o tiro na Bolívia. Aí a Veja aparece com a matéria prontinha, mostrando o perigo boliviano. Daqui a pouco vão ressuscitar os 200 mil guerrilheiros das FARCs que invadirão o Brasil pelo mar.
Agora, o Ruy Fabiano – contratado pela campanha de Serra – levanta a bola na coluna do Noblat, dizendo que graças à falta de ação do Itamarati, esse será uma das peças da campanha.
Onde esse pessoal está com a cabeça? Criaram um mundo circular em que meia dúzia de neocons falam para eles próprios sem se dar conta do entorno. É um autismo assustador. Montam toda uma encenação, articulam aqui e ali, Serra solta o rompante, a Veja repica a matéria, o Fabiano autoelogia o brilhantismo da estratégia do próprio grupo, todos rodopiando no meio do salão escuro, como nas velhas conspirações político-midiáticas, julgando que ninguém está acompanhando o bailado.
E a Internet inteira olhando aquele bailado louco e se indagando: o que deu neles? Montam toda uma encenação, supondo-a esperta, para um tema que só encontra ressonância em eleitores de ultradireita e nos órfãos de Sierra Maestra.
Cada vez que acompanho discussões sobre Cuba, Venezuela, Bolívia, guerra fria, aliás, dá um desânimo danado. São temas não apenas distantes da vida comum, do dia a dia real das pessoas, como da própria realidade política atual do país. É restrito a um mundico de nada na Internet, apenas isso. A importância desse tema é assegurar, no longo prazo, a consolidação de uma integração comercial e física da América Latina, algo que vai muito além das discussões de campanha.
Pode-se criticar pontualmente o Itamarati por uma ou outra atitude – quando, por exemplo, houve a expropriação de empresas brasileiras na Bolívia. Ou pela demora em se avançar na integração continental. Ou pode-se elogiar, sustentando que essa política cautelosa foi importante para garantir a estabilidade política da região, ameaçada pelos arroubos de Chávez e pela inexperiência de Morales.
Mas são discussões específicas, longe de configurar uma doutrina capaz de sensibilizar eleitores.
Em relação ao Mercosul, Serra repete os mesmos discursos dos anos 90, quando questionou o acordo automotivo com a Argentina. Em relação à Bolívia, retrocede ao período da Guerra Fria. Não conseguiu avançar uma análise minimamente diferenciada. É como se tivesse hibernado por 15 anos das discussões nacionais e acordado de repente.
E tudo para garantir o factóide da próxima semana, a próxima chamada de capa de Veja.
Não há a menor preocupação em definir um conjunto articulado de ideias e conceitos. É o que em jornalismo se chama de “o mancheteiro”, o sujeito capaz de extrair um slogan de uma matéria mas incapaz de escrever o artigo de fundo.
O resultado é patético.
Junto à centro-esquerda tornou-se uma caricatura. Quando cruzo com algum antigo militante do PSDB de Montoro e Covas, recebo olhares irônicos, tipo «em que fomos nos meter». Junto aos neocons, sempre será apenas um oportunista que quer embarcar na onda sem nunca ter pertencido ao grupo.
O resultado de tudo isso é o suicídio político de Serra. Terminada a aventura das eleições, haverá uma reconstrução da oposição. E, hoje em dia, sobram dúvidas sobre a viabilidade do PSDB de continuar comandando as oposições. As loucuras desse estilo neocon desvairado, a truculência nos ataques a adversários e a aliados, o uso de jornalistas cúmplices para atacar colegas, não apenas comprometeram a eleição de Serra, mas a própria viabilidade do PSDB como líder da nova oposição.
Será um duro trabalho de reconstrução da imagem do partido.

Os achismos sobre a Bolivia - por Rodrigo Saraceno (Blog do Nassif)

Nassif, só pra enriquecer o debate, que fica num achismo insuportável, trago alguns dados.
Todos os dados a seguir constam do relatório 2009 da UNODC – United Nations Officer on Drugs and Crime, em http://www.unodc.org/documents/wdr/WDR_2009/WDR2009_Coca_Cocain_Market.pdf
Em 2008, a área total de cultivo da folha de coca era de 167,6000 ha. Dessa área, 48,5% se localizava na Colômbia, 33,6% no Peru e 18,26% na Bolívia.
Estamos falando da folha de coca, não de cocaína.
O potencial total produção de cocaína, por sua vez é de 845 toneladas. Deste potencial, 50,88% é referente à Colômbia, 35,73% ao Peru, e 13,37% da Bolívia. Como as taxas de erradicação em cada país é parecida, esse mesmo potencial é utilizado como parâmetro para estimar a produção.
Então, arredondando: a produção mundial de cocaína se dá 51% na Colômbia, 36% no Peru e 13% na Bolívia.Vamos, agora, à cocaína apreendida na Europa. Uso esse dado porque é único onde há estimativa da origem da droga.
País de origem e proporção:
Colômbia – 48%. Peru – 30%. Bolívia – 18%.
Olhando os dados expostos, especialmente o último, fica difícil acreditar que a Bolívia, que participa com 10% a 20% da produção mundial de cocaína, possa ser responsável por 90% da cocaína consumida no Brasil. Não é verossímil essa informação. Queria ver os dados dos quais dispõe o José Serra.

domingo, 30 de maio de 2010

O discurso da oposição – por Marcos Coimbra (Correio Braziliense)

Foi nas oposições que os efeitos da manutenção da popularidade do governo em patamares tão altos foram mais profundos. Como ser contra um presidente que três, em cada quatro pessoas, consideram ótimo ou bom? Como fazer oposição a alguém aprovado por 85% dos eleitores?
O tamanho da aprovação popular do governo Lula é impressionante, pelo que conhecemos em nossa curta história como democracia moderna. Pode ser que em outros países – como alguns de nossos vizinhos – números iguais aos seus não causem tanta impressão. Aqui, no entanto, deixam todos boquiabertos.
Eles não chamam atenção apenas pela magnitude, mas, também, pela permanência em níveis elevados. A rigor, não param de crescer desde quando Lula enfrentou seu inferno no segundo semestre de 2005, nas profundezas do mensalão. Subiram durante o processo eleitoral de 2006, o que foi considerado natural, pois decorria da superexposição trazida pela campanha, mas não cederam em 2007, mesmo sem a mídia excepcional.
Do começo de 2008 em diante, o que era bom melhorou, e a popularidade do governo entrou em rota ascendente. Nela, prossegue atualmente. Ao contrário de seus antecessores, que terminaram pior (ou muito pior) do que quando começaram, parece que Lula vai continuar subindo até sua despedida em dezembro.
Esses altos níveis de aprovação tornaram-se o mais importante elemento do jogo político brasileiro e produziram efeitos em todos os lados. Dentro da coalizão governista, acentuaram a característica centrípeta de nosso sistema político, aumentando a concentração do poder no seu núcleo. A candidatura de Dilma é a manifestação mais visível desse fenômeno.
Nas relações internacionais, funcionaram como um endosso da liderança pessoal do presidente, fazendo com que fosse percebido, mundo afora, como uma unanimidade nacional. Seus interlocutores externos passaram a se relacionar com ele a partir dessa premissa.
Mas foi nas oposições que os efeitos da manutenção da popularidade do governo em patamares tão altos foram mais profundos. Ela desnorteou os adversários, deixando-os sem discurso e sem capacidade de reação. Como ser contra um presidente que três, em cada quatro pessoas, consideram ótimo ou bom? Como fazer oposição a alguém aprovado por 85% dos eleitores?
Com exceção de algumas lideranças (mais corajosas ou mais inconsequentes, conforme o ponto de vista), as bases dos partidos de oposição – seus líderes locais, vereadores e, especialmente, prefeitos -, bem como muitos deputados e até alguns senadores, preferiram não se desgastar com seus eleitores, evitando polêmicas e embates com o presidente. Com isso, só reforçaram a tendência ascendente de sua aprovação.
Neste momento, quando entramos na reta final do processo sucessório, os impasses vividos pela oposição nos últimos anos estão se tornando mais agudos. Se foi difícil opor-se ao governo, como convencer os eleitores de que é preciso mudar? Se a grande maioria de seus parlamentares, prefeitos, governadores, fez questão de não radicalizar em um discurso oposicionista ao longo de todo o segundo mandato de Lula, seria agora que o assumiriam?
Veja-se o caso de Serra. Nos quatro anos em que conviveu com Lula como governador de São Paulo, sempre se apresentou como parceiro do governo federal, com desavenças apenas pontuais. Houve, até, quem dissesse que Lula ficaria tranquilo se fosse ele o vencedor este ano, tão boas eram suas relações e tão profundos seus laços de amizade. Quem quis se iludir chegou a pensar que, para Lula, perder para Serra não era perder.
E o que vai acontecer na campanha este ano? Salvo o ex-governador, obrigado a desempenhar o indesejável papel de adversário de Lula, a maioria dos candidatos dos partidos de oposição vai querer tudo, menos arriscar-se à derrota, confrontando os sentimentos dos eleitores. Aqui ou ali, quem concorre ao Legislativo talvez fale claramente que é contra Lula e o que ele representa. Mas não esperemos o mesmo dos candidatos a cargos majoritários, aos governos estaduais e ao Senado. Quem precisa de maiorias não vai se indispor com elas.Enquanto aumentam as pressões, vindas dos núcleos de oposição ao governo na sociedade e na mídia, para que Serra diga, sem rodeios, o que pensa, ele reluta. Tem consciência de que, fazendo isso, suas chances na eleição, que já são pequenas, podem desaparecer.

Dilma-Lula já faz Serra mudar discurso – por Ricardo Kotscho

Mais do que o empate (37 a 37), com a subida de Dilma e a queda de Serra, agora finalmente admitido também pelo Datafolha, foi a imediata mudança no discurso do candidato tucano que mais me chamou a atenção no noticiário político deste sábado.
Ao mesmo tempo em que se consolida a imagem de Dilma-Lula, acaba a versão “Serrinha Paz e Amor”, com elogios a Lula e ao governo, adotada pelo PSDB desde a largada para as Eleições 2010. Ontem à noite mesmo, certamente já sabendo dos números do Datafolha, Serra voltou ao figurino original.
Atacou duramente o PT e até colocou em dúvida a existência de Deus: “Se aquele que era o guardião da moral, da ética, do antipatrimonialismo toma outro rumo, o rumo oposto, para muita gente Deus morreu”. Se falar em “momento mais patrimonialista da nossa história” vai ou não lhe render votos, não se sabe, mas é certo que daqui para a frente o tom será outro.
Em encontro com seus aliados do PPS de Roberto Freire, na noite de sexta-feira, Serra saiu dos cuidados recomendados por seus marqueteiros e criticou duramente a política econômica, um dos esteios da popularidade do presidente Lula, que bateu novo recorde no Datafolha (foi a 76%):
“Nós estamos voltando rapidamente a um modelo (voltado exclusivamente para o setor agrícola para exportação) que não atende à demanda de emprego que o país possui. Nós precisamos de uma economia que desenvolva não apenas o setor primário”.
O que aconteceu, afinal, para justificar esta guinada dos resultados do Datafolha e, em consequência, do discurso do candidato da oposição? Segundo o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, foi a televisão:
“O principal fato que pode ser apontado como responsável por essa alta da candidata é o programa partidário de TV que o PT apresentou recentemente”.
Sem tirar o mérito do competente programa do PT criado por João Santana na semana passada, em que o presidente Lula apresentou Dilma Rousseff como a sua candidata para dar continuidade às políticas do governo, o fato é que esta identificação por parte do eleitorado era só uma questão de tempo, como já vinha sendo mostrado pelas pesquisas Vox Populi e Sensus, divulgadas anteriormente. O programa serviu para apressar este tempo, antecipar uma tendência.
Na minha recente viagem pelo Nordeste, deu para perceber nas conversas com eleitores, principalmente nas cidades mais pobres do sertão, que muita gente ainda não sabe nem que teremos eleições presidenciais em outubro, muito menos quem são os candidatos. Alguns chegaram a falar vagamente que votariam na “mulher do Lula”, sem saber de quem se trata.
Se na pesquisa estimulada do Datafolha os dois principais candidatos chegam ao final de maio em situação de empate, abriu-se para cinco pontos a diferença na espontânea, agora fora da margem de erro: Dilma foi de 13 para 19, enquanto Serra subia de 12 para 14. Acrescente-se a isso o fato de 5% dos eleitores ainda terem intenção de votar em Lula, mais 3% que querem votar no “candidato de Lula” e mais 1% no “candidato do PT”.
Somados estes votos, que fatalmente irão para Dilma, quando todos forem informados de que ela é a candidata de Lula, a ex-ministra já poderia estar com 28% na espontânea neste momento.
Pela primeira vez, o Datafolha só trouxe notícias boas para Dilma e péssimas para Serra. Na rejeição, o índice de Dilma caiu de 24 para 20%, enquanto Serra subia de 24 para 27%. Na projeção de segundo turno, em que a pesquisa anterior, de abril, apontava uma diferença de 10 pontos a favor de Serra (50 a 40), agora Dilma aparece um ponto à frente (46 a 45).
Mais à vontade no papel de candidata, com menos gente dando palpite e falando em nome dela no comando da campanha, como eu já havia constatado no post anterior (“Virou de novo vento da campanha eleitoral”), tanto nos números das pesquisas como na sua atitude diante das platéias, Dilma inverteu os papéis com Serra, que começou melhor na largada, mas agora vai ter que rever toda sua estratégia.
É disto que falaremos nos próximos dias. Agora, será a vez de Serra e seus aliados ocuparem a televisão. Se o programa do PT se preocupou apenas em fazer de Lula o grande cabo eleitoral de Dilma, o que poderá dizer o programa do DEM na próxima semana?
Que Serra é o candidato de Rodrigo e Cesar Maia? Ou o PPS dirá que Serra é o candidato de Roberto Freire? E o do PSDB? Dirá que Serra é candidato de quem? Do próprio Serra, já que não é recomendável lembrar de FHC?
A campanha do candidato da oposição, que parecia caminhar tão bem, segundo o noticiário político, chega a uma encruzilhada. Já que não convém bater em Lula e no governo, que são rejeitados por apenas 5% da população, segundo o Datafolha, a única esperança de apresentar um fato novo na campanha para reverter a “onda Dilma”, que já começa a se formar, será convencer Aécio Neves a aceitar o papel de vice. Mesmo que ele aceite, o que parece improvável, já pode ser tarde demais.
Em campanhas presidenciais, quando se começa a formar uma onda, como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso e seu Plano Real, em 1994, ou com Lula e seu grito de mudança, em 2002, fica muito difícil detê-la. Os números das últimas pesquisas, confirmados agora pelo Datafolha, mostram um quadro que pode se tornar irreversível à medida em que o eleitorado tomar conhecimento de quem é candidato de quem e o que cada um representa.

Barbas de molho – por Delfim Netto (CartaCapital)

Enquanto a Comunidade Europeia patina, o Brasil atravessa um momento positivo. Mas um maior controle fiscal, para melhorar a execução do Orçamento e reduzir a relação dívida/PIB, é fundamental se quisermos evitar problemas futuros e manter o ritmo de crescimento

O Brasil reagiu com sucesso, nesses 20 meses de crise financeira, aos problemas da recessão que atingiu as maiores economias do globo e, mais recentemente, desvendou o enorme desequilíbrio das finanças públicas em quatro países da Comunidade Europeia. Os primeiros números da gastança dizem respeito às finanças do Estado grego e são espantosos: 1 trilhão de dólares, quase meio PIB brasileiro, não são suficientes para arrumar a casa, segundo constatou desanimada a chanceler alemã, Angela Merkel, depois de abrir a bolsa... As revelações continuam com a abertura das contas de Irlanda, Portugal e Espanha, curiosamente todos eles com atestado de bom comportamento dos órgãos reguladores da própria Comunidade, do Fundo Monetário Internacional e das famosas agências de avaliação de risco. O que nos sugere esta sucessão de sustos?

Ora, o Brasil está neste momento numa situação muito especial, a economia vai crescer 6% ou 6,5% este ano, com bastante equilíbrio interno e equilíbrio externo razoável, uma taxa de 6% de inflação e um déficit de 50 bilhões a 60 bilhões de dólares em contas correntes que é manobrável, não é de assustar. O susto que tomou conta de grande parte da Eurolândia, no entanto, sugere que está na hora de todo mundo botar as barbas de molho. Inclusive nós. E como?

É evidente que precisamos de um maior controle fiscal para melhorar a execução do Orçamento e reduzir a relação dívida/PIB. São duas coisas fundamentais para se poder administrar o País adequadamente e evitar problemas futuros. É algo comprovado que sem uma política fiscal sólida a política monetária tem um efeito muito reduzido e não produz o resultado que se espera.

Os acontecimentos na Grécia mostram mais uma vez que não se pode negligenciar a política fiscal. O desequilíbrio fiscal é uma doença insidiosa: primeiro começa a violar lentamente os limites dos gastos previstos na execução orçamentária, depois concede aumentos generosos ao funcionalismo na tentativa de melhorar sua qualidade e ter um reconhecimento em votos e deixa afrouxar os controles dos gastos correntes. Quando se acorda, estamos em meio a um processo que gera despesas extraordinárias para os próximos 25 anos.

Um dos problemas que mais desconforto trazem aos governos é o trato da questão previdenciária. E aí não é só a inapetência do Executivo que funciona da direção errada, é preciso contabilizar a acomodação dos Parlamentos que têm urticária só de ouvir falar no assunto. Na maioria dos países, o que se fez nos anos recentes foi permitir que as pessoas se aposentassem mais cedo, tanto no setor público como nos setores privados. Parece muito bom reduzir o período de trabalho, trocar um pouco do suor por uma vida de lazer mais agradável. Mas, se não for providenciada essa compra do futuro melhor mediante o estabelecimento de um nível de contribuição adequado, pode se esperar o pior dos futuros.

A tragédia da política fiscal (e nós já vivemos isso em muitas ocasiões) é que as facilidades concedidas hoje serão pagas du-ramente nos 20 anos seguintes. Por sorte, aprendemos recentemente que a estabilidade de uma política fiscal é o que existe de mais importante para manter um ritmo de crescimento econômico e social sem grandes sobressaltos. O que não há é espaço para negligência nesse campo. Isso vai exigir a cobrança do compromisso dos candidatos nas eleições gerais deste ano.

O que está acontecendo nesses países da Comunidade Europeia serve de lembrança do velho aforismo de que “não há almoço grátis”. Pouco adianta condenar o FMI como se fosse o causador do incêndio, quando ele é apenas um bombeiro e está lá para tentar apagar as chamas. Essas, na realidade, foram ateadas pelos governos piromaníacos escolhidos por eleitores que acreditaram que era possível consumir mais do que produziam, gastando sem trabalhar, até que chega o dia em que o credor exige de volta o que emprestou. É nessa hora que cai a ficha: é preciso voltar ao trabalho...

A idade Mendes - por Leandro Fortes (Brasília, eu vi)

No fim das contas, a função primordial do ministro Gilmar Mendes à frente do Supremo Tribunal Federal foi a de produzir noticiário e manchetes para a falange conservadora que tomou conta de grande parte dos veículos de comunicação do Brasil. De forma premeditada e com muita astúcia, Mendes conseguiu fazer com que a velha mídia nacional gravitasse em torno dele, apenas com a promessa de intervir, como de fato interveio, nas ações de governo que ameaçavam a rotina, o conforto e as atividades empresariais da nossa elite colonial. Nesse aspecto, os dois habeas corpus concedidos ao banqueiro Daniel Dantas, flagrado no mesmo crime que manteve o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda no cárcere por 60 dias, foram nada mais que um cartão de visitas. Mais relevante do que tudo foi a capacidade de Gilmar Mendes fixar na pauta e nos editoriais da velha mídia a tese quase infantil da existência de um Estado policialesco levado a cabo pela Polícia Federal e, com isso, justificar, dali para frente, a mais temerária das gestões da Suprema Corte do País desde sua criação, há mais cem anos.
Num prazo de pouco menos de dois anos, Mendes politizou as ações do Judiciário pelo viés da extrema direita, coisa que não se viu nem durante a ditadura militar (1964-1985), época em que a Justiça andava de joelhos, mas dela não se exigia protagonismo algum. Assim, alinhou-se o ministro tanto aos interesses dos latifundiários, aos quais defende sem pudor algum, como aos dos torturadores do regime dos generais, ao se posicionar publicamente contra a revisão da Lei da Anistia, de cuja à apreciação no STF ele se esquivou, herança deixada a céu aberto para o novo presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso. Para Mendes, tal revisão poderá levar o País a uma convulsão social. É uma tese tão sólida como o conto da escuta telefônica, fábula jornalística que teve o presidente do STF como personagem principal a dialogar canduras com o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.
A farsa do grampo, publicada pela revista Veja e repercutida, em série, por veículos co-irmãos, serviu para derrubar o delegado Paulo Lacerda do comando da PF, com o auxílio luxuoso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se valeu de uma mentira para tal. E essa, não se enganem, foi a verdadeira missão a ser cumprida. Na aposentadoria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá tempo para refletir e registrar essa história amarga em suas memórias: o dia em que, chamado “às falas” por Gilmar Mendes, não só se submeteu como aceitou mandar para o degredo, em Portugal, o melhor e mais importante diretor geral que a Polícia Federal brasileira já teve. O fez para fugir de um enfrentamento necessário e, por isso mesmo, aceitou ser derrotado. Aliás, creio, a única verdadeira derrota do governo Lula foi exatamente a de abrir mão da política de combate permanente à corrupção desencadeada por Lacerda na PF para satisfazer os interesses de grupos vinculados às vontades de Gilmar Mendes.
O presidente do STF deu centenas de entrevistas sobre os mais diversos assuntos, sobretudo aqueles sobre os quais não poderia, como juiz, jamais se pronunciar fora dos autos. Essa é, inclusive, a mais grave distorção do sistema de escolha dos nomes ao STF, a de colocar não-juízes, como Mendes, na Suprema Corte, para julgar as grandes questões constitucionais da nação. Alheio ao cargo que ocupava (ou ciente até demais), o ministro versou sobre tudo e sobre todos. Deu força e fé pública a teses as mais conservadoras. Foi um arauto dos fazendeiros, dos banqueiros, da guarda pretoriana da ditadura militar e da velha mídia. Em troca, colheu farto material favorável a ele no noticiário, um relicário de elogios e textos laudatórios sobre sua luta contra o Estado policial, os juízes de primeira instância, o Ministério Público e os movimentos sociais, entre outros moinhos de vento vendidos nos jornais como inimigos da democracia.
Na imprensa nacional, apenas CartaCapital, por meio de duas reportagens (“O empresário Gilmar” e “Nos rincões de Mendes”), teve coragem de se contrapor ao culto à personalidade de Mendes instalado nas redações brasileiras como regra de jornalismo. Por essa razão, somos, eu e a revista, processados pelo ministro. Acusa-nos, o magistrado, de má fé ao divulgar os dados contábeis do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma academia de cursinhos jurídicos da qual Mendes é sócio. Trata-se de instituição construída com dinheiro do Banco do Brasil, sobre terreno público praticamente doado pelo ex-governador do DF Joaquim Roriz e mantido às custas de contratos milionários fechados, sem licitação, com órgãos da União.
Assim, a figura de Gilmar Mendes, além de tudo, está inserida eternamente em um dos piores momentos do jornalismo brasileiro. E não apenas por ter sido o algoz do fim da obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão, mas, antes de tudo, por ter dado enorme visibilidade a maus jornalistas e, pior ainda, fazer deles, em algum momento, um exemplo servil de comportamento a ser seguido como condição primordial de crescimento na carreira. Foi dessa simbiose fatal que nasceu não apenas a farsa do grampo, mas toda a estrutura de comunicação e de relação com a imprensa do STF, no sombrio período da Idade Mendes.
Emblemática sobre essa relação foi uma nota do informe digital “Jornalistas & Companhia”, de abril de 2009, sobre o aniversário do publicitário Renato Parente, assessor de imprensa de Gilmar Mendes no STF (os grifos são originais):
“A festa de aniversário de 45 anos de Renato Parente, chefe do Serviço de Imprensa do STF (e que teve um papel importante na construção da TV Justiça, apontada como paradigma na área da tevê pública), realizada na tarde do último domingo (19/4), em Brasília, mostrou a importância que o Judiciário tem hoje no cenário nacional. Estiveram presentes, entre outros, a diretora da Globo, Sílvia Faria, a colunista Mônica Bergamo, e o próprio presidente do STF, Gilmar Mendes, entre outros.”
Olha, quando festa de aniversário de assessor de imprensa serve para mostrar a importância do Poder Judiciário, é sinal de que há algo muito errado com a instituição. Essa relação de Renato Parente com celebridades da mídia é, em todos os sentidos, o pior sintoma da doença incestuosa que obriga jornalistas de boa e má reputação a se misturarem, em Brasília, em cerimônias de beija-mão de caráter duvidoso. Foi, como se sabe, um convescote de sintonia editorial. Renato Parente é o chefe da assessoria que, em março de 2009, em nome de Gilmar Mendes, chamou o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), às falas, para que um debate da TV Câmara fosse retirado do ar e da internet. Motivo: eu critiquei o posicionamento do presidente do STF sobre a Operação Satiagraha e fiz justiça ao trabalho do delegado federal Protógenes Queiroz, além de citar a coragem do juiz Fausto De Sanctis ao mandar prender, por duas vezes, o banqueiro Daniel Dantas.
Certamente em consonância com o “paradigma na área de tevê pública” da TV Justiça tocada por Renato Parente, a censura na Câmara foi feita com a conivência de um jornalista, Beto Seabra, diretor da TV Câmara, que ainda foi mais além: anunciou que as pautas do programa “Comitê de Imprensa”, a partir dali, seriam monitoradas. Um vexame total. Denunciei em carta aberta aos jornalistas e em todas as instâncias corporativas (sindicatos, Fenaj e ABI) o ato de censura e, com a ajuda de diversos blogs, consegui expor aquela infâmia, até que, cobrada publicamente, a TV Câmara foi obrigada a capitular e recolocar o programa no ar, ao menos na internet. Foi uma das grandes vitórias da blogosfera, até então, haja vista nem um único jornal, rádio ou emissora de tevê, mesmo diante de um gravíssimo caso de censura e restrição de liberdade de expressão e imprensa, ter tido coragem de tratar do assunto. No particular, no entanto, recebi centenas de e-mails e telefonemas de solidariedade de jornalistas de todo o país.
Não deixa de ser irônico que, às vésperas de deixar a presidência do STF, Gilmar Mendes tenha sido obrigado, na certa, inadvertidamente, a se submeter ao constrangimento de ver sua gestão resumida ao caso Daniel Dantas, durante entrevista no youtube. Como foi administrada pelo Google, e não pelo paradigma da TV Justiça, a sabatina acabou por destruir o resto de estratégia ainda imaginada por Mendes para tentar passar à história como o salvador da pátria ameaçada pelo Estado policial da PF. Ninguém sequer tocou nesse assunto, diga-se de passagem. As pessoas só queriam saber dos HCs a Daniel Dantas, do descrédito do Judiciário e da atuação dele e da família na política de Diamantino, terra natal dos Mendes, em Mato Grosso. Como último recurso, a assessoria do ministro ainda tentou tirar o vídeo de circulação, ao menos no site do STF, dentro do sofisticado e democrático paradigma de tevê pública bolado por Renato Parente.
Como derradeiro esforço, nos últimos dias de reinado, Mendes dedicou-se a dar entrevistas para tentar, ainda como estratégia, vincular o próprio nome aos bons resultados obtidos por ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), embora o mérito sequer tenha sido dele, mas de um juiz de carreira, Gilson Dipp. Ministro do Superior Tribunal de Justiça e corregedor do órgão, Dipp foi nomeado para o cargo pelo presidente Lula, longe da vontade de Gilmar Mendes. Graças ao ministro do STJ, foi feita a maior e mais importante devassa nos tribunais de Justiça do Brasil, até então antros estaduais intocáveis comandados, em muitos casos, por verdadeiras quadrilhas de toga.
É de Gilson Dipp, portanto, e não de Gilmar Mendes, o verdadeiro registro moralizador do Judiciário desse período, a Idade Mendes, de resto, de triste memória nacional.
Mas que, felizmente, se encerra hoje.


P.S: Há tempos devo esta postagem aqui no blog. Hoje foi.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Como Lula deu a volta por cima - por Cristiano Romero e Raymundo Costa, de Brasília (Valor Econômico)

O depoimento de Duda Mendonça levou a crise do mensalão para dentro do Palácio do Planalto e derrubou a popularidade do presidente ao nível mais baixo desde que assumiu o cargo

O pior momento político do presidente Lula, em quase oito anos de mandato, ocorreu no dia 11 de agosto de 2005, quando o publicitário Duda Mendonça, instigado pelo senador Antônio Carlos Magalhães, deu um depoimento-bomba à CPI dos Correios. No testemunho, Duda associou a campanha presidencial de 2002 a crimes eleitorais e financeiros revelados no escândalo do mensalão.

Foi ACM quem convenceu Duda a contar “toda a verdade” à CPI dos Correios, uma das três criadas pelo Congresso em 2005 para apurar o mensalão, que eclodiu há exatos cinco anos. Duda não fora convocado pela CPI para depor. Em 11 de agosto, no entanto, após várias conversas com ACM, o publicitário decidiu ir à comissão. Antes, pediu proteção.

Num depoimento de quase dez horas de duração, Duda confessou ter recebido R$ 15,5 milhões do PT em 2003, em recursos de caixa 2, como pagamento da campanha presidencial do ano anterior. Do total, R$ 10,5 milhões foram depositados numa conta no exterior.

O depoimento levou a crise do mensalão para dentro do Palácio do Planalto e derrubou a popularidade do presidente ao nível mais baixo desde que assumiu o cargo – 28%, segundo as pesquisas do Datafolha em outubro e dezembro de 2005, índice impensável para o Lula de hoje em dia (de acordo com pesquisa de abril, o presidente é aprovado por 73% da população).

Nos últimos três meses, o Valor conversou com os principais personagens da crise do mensalão para investigar por que a oposição desistiu de levar adiante a proposta de impeachment, que passou a ter “prova material”, segundo avaliação de integrantes do próprio governo, após o depoimento de Duda; como o presidente Lula atuou politicamente no seu pior momento; que fatos passaram ao largo das três CPIs; quem foram e como atuaram os “bombeiros” da crise.

Além da participação decisiva de ACM para o depoimento de Duda, novos fatos vieram à tona, como a proposta de renúncia ao cargo e à candidatura em 2006 feita a Lula por aliados; a tentativa de Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, de beneficiar um banco estrangeiro em troca de auxílio financeiro ao partido; a peregrinação do empresário Marcos Valério, apontado pelas CPIs como o operador do mensalão, no Banco Central (BC), para tentar mudar a lei de liquidação bancária.

Thomaz Bastos confidenciou a Fernando Henrique que informara Lula sobre aquele encontro, mas em nenhum momento disse que o presidente lhe pedira para procurá-lo

A apuração revela que o governo acreditou mais na possibilidade de impeachment do que a oposição. Mostra, ainda, como o governo Lula mudou de rumo após aquela crise, dando mais poder ao movimento sindical.

Durante a crise, um grupo de assessores e ministros, batizado de “Grupo das 8″, referência ao horário em que eles se encontravam toda manhã, se reunia, numa sala contígua ao gabinete presidencial, para monitorar as CPIs e bolar estratégias de reação. O grupo era formado por Gilberto Carvalho (chefe de gabinete) e os então ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Ciro Gomes (Integração Nacional), Tarso Genro (CDES), Jaques Wagner (Coordenação Política) e Antônio Palocci (Fazenda).

O impeachment bate à porta

O governo Lula balançou no dia 11 de agosto de 2005, quando Duda Mendonça deu seu depoimento à CPI. No dia seguinte, após longo e calculado período de alheamento, Lula e o governo passaram a tratar o impeachment como uma ameaça concreta.

A corte de Lula compreendera exatamente a gravidade das confissões feitas por Duda. Além dos participantes habituais do Grupo das 8, apareceram na Granja do Torto outros auxiliares da copa e cozinha de Lula, como Clara Ant (assessora especial e tomadora oficial de notas nas reuniões), Marco Aurélio Garcia (assessor internacional) e o sempre discreto ministro Luiz Dulci (secretário-geral da Presidência), o encarregado, no Palácio do Planalto, de manter a sintonia fina com os movimentos sociais.

Quando Meirelles passa a dizer “não” aos pedidos de suspensão de intervenções bancárias, assunto em que Valério se envolvera, aparecem denúncias contra o presidente do BC

Lula não mediu palavras: o depoimento de Duda fora “um desastre” e era “evidente” que o publicitário havia se acertado com a oposição. O presidente estava certo. Duda fora convencido pelo senador pefelista Antônio Carlos Magalhães (morto em 2007) a contar “toda a verdade” à CPI.

ACM afastara-se do governo após as eleições municipais de 2004. Lula e o oligarca baiano haviam se aproximado em 2002, nas eleições presidenciais, e selaram a união em convescote na casa de praia de Duda, em Salvador. No ano seguinte, José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, ajudara o senador a se desvencilhar da acusação de ter mandado “grampear” metade da Bahia. Dois anos depois, a disputa pela prefeitura de Salvador, um feudo carlista, novamente colocou ACM e Lula em rota de colisão.

Senador negociou com Duda

O publicitário, que costumava dizer que na Bahia nunca havia feito campanha contra o senador, tinha interesse em conversar com o deputado ACM Neto, um ponta de lança da oposição na CPI dos Correios. ACM colocou o neto na linha com Duda no dia 9 de agosto, uma terça-feira. A preocupação do publicitário, até aquele momento, era com o depoimento na CPI de sua sócia Zilmar da Silveira, agendado para o dia 11.

Na quarta-feira, dia 10, Duda deu outro telefonema a ACM Neto. Durante a conversa, deixou o deputado com a impressão de que poderia ir à CPI. Perguntou-lhe, por exemplo, se receberia um tratamento hostil.

Na madrugada do dia 11, Duda acordou ACM para informá-lo de que iria à comissão. Mais uma vez, pediu apenas que, pelo menos na Bahia, onde vive sua família, ele tivesse um “tratamento digno”. Antes do telefonema, gastou horas definindo com dois renomados advogados paulistas – Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e Pedro Dallari – a estratégia do depoimento.

Eram aproximadamente 5h30 da manhã de quinta-feira quando o telefone de ACM Neto tocou. Do outro lado da linha, seu avô deu a notícia: Duda estaria sentado ao lado de Zilmar no banco de testemunhas.

ACM Neto não perdeu tempo. Naquele dia chegou mais cedo à CPI, para articular o depoimento-surpresa de Duda com os membros mais destacados da comissão, como os deputados Eduardo Paes e Osmar Serraglio e a senadora Heloisa Helena. Conversou também com o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, e tratou de regimento com um especialista – o deputado Arnaldo Faria de Sá. O objetivo era evitar que os governistas da comissão contestassem o depoimento de Duda com base no regimento interno. Com isso, estavam criadas as condições para o publicitário depor.

A iniciativa de procurar ACM foi do publicitário, mas o senador aproveitou a chance para articular o pior momento do governo na CPI. Atormentado, Duda julgava-se o responsável “por tudo isso”. A ACM Neto, nos bastidores da CPI, disse que queria falar “toda a verdade”, pois só assim se sentiria “liberto”. Revelou ainda que não queria ver Zilmar na CPI como “boi de piranha”.

“Vocês não me conhecem”

O clima era de funeral no dia 12 de agosto de 2005, uma sexta-feira. Para os principais integrantes do Grupo das 8, a crise havia chegado ao gabinete do presidente da República. Agora não havia mais como Lula continuar a fazer de conta que a crise não era com ele, como fizera até então.

Poucos dias depois, ainda no calor provocado por Duda, ao fim das reuniões da manhã no Palácio do Planalto, Lula chamou um auxiliar direto à sua sala e disse: “Foram lá ontem à noite falar comigo”, contou o presidente. Segundo Lula, para propor que ele renunciasse publicamente à campanha pela reeleição no ano seguinte. Esse gesto diminuiria o ímpeto da oposição em levar adiante um processo de impeachment.

“Esses caras são gozados. Eles não conhecem a minha ligação com o povo. Isso não vai acontecer! Vou ganhar a eleição desses filhos da mãe!”, disse em seguida um Lula indignado. O assessor, atônito, dirigiu-se a alguns dos integrantes do Grupo das 8 e deu seu testemunho: “Não sei quem foi lá ontem, mas o cara não gostou da sugestão não”.

Esta é uma das passagens mais nebulosas da história do mensalão. Dois dos três personagens que estiveram com Lula naquela noite desmentem categoricamente que tenham proposto ao presidente a renúncia à disputa eleitoral em 2006. Um deles admite, apenas, que Lula pode ter entendido dessa forma o tom da conversa. Agravando um clima que já parecia insuportável, um ministro levara ao conhecimento do presidente, naquele dia, uma pesquisa (um “tracking” telefônico) feita logo após o depoimento de Duda, mostrando nova queda na sua popularidade.

Numa primeira versão da história, contada com rigor de detalhes por um assessor de Lula logo após os acontecimentos, Dilma foi ao presidente, acompanhada de Palocci, para lhe dizer que, depois do que Duda contou ao Congresso, seu governo tinha chegado ao fim da linha e que o melhor a fazer naquele momento seria renunciar, não ao direito de se candidatar à reeleição, mas à própria Presidência. Ao gesto ousado de Dilma, Lula teria reagido com um riso contido e a frase: “Vocês não me conhecem”.

Mais recentemente, uma nova versão do episódio, disseminada pelo próprio Lula entre assessores, fala apenas em renúncia à candidatura. A conversa teria ocorrido na Granja do Torto. O temor do impeachment era muito forte dentro do Grupo das 8, mas a iniciativa de verbalizá-lo ao chefe teria sido tomada por Palocci, Thomaz Bastos e Dilma sem consultar os outros integrantes do grupo.

Ao mesmo tempo em que reagia, irritado, à sugestão de desistência da candidatura, o próprio Lula alimentava essa possibilidade, possivelmente para testar seus aliados. É um velho hábito. Em 1998, quando julgava que tinha poucas chances de derrotar Fernando Henrique Cardoso nas urnas, Lula aventou a ideia de fazer prévias para a escolha do candidato do PT. Imediatamente, três postulantes se apresentaram, entusiasmados: Tarso Genro, Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque. A partir dali, Lula ficou sabendo quem eram os interessados em disputar sua hegemonia no partido.

O flerte com Palocci e Ciro

No pior momento da crise, o presidente deu uma missão a Gilberto Carvalho: convocar Palocci para uma conversa urgente, na Granja do Torto. Antes, orientou o chefe de gabinete a estimular o ministro a lançar sua candidatura à Presidência em 2006. “Se prepara! Você vai ser o candidato. Eu não quero ser candidato”, disse Lula a um incrédulo Palocci. “Só vou ser candidato se a gente não conseguir reverter essa crise porque, aí, eu vou pro pau com esses caras”, acrescentou o presidente.

O então ministro da Fazenda reagiu negativamente. “Não tem hipótese de o senhor não ser candidato. No dia em que anunciar que não é candidato, aí o nosso buraco aumenta”, argumentou Palocci. O raciocínio era que a renúncia à candidatura em 2006 enfraqueceria ainda mais o presidente. Lula decidiu, então, lançar outra carta.

“Se você não for candidato, vou chamar o Ciro, mas eu acho que tem que ser você”, disse Lula. “Presidente, se o senhor achar que é isso, procure o Ciro, mas eu acho que é errado”, insistiu Palocci. Carvalho ajudou a reforçar o suposto plano de Lula. “Estão surgindo os dois nomes, mas nós preferimos você”, disse ele a Palocci, que, uma vez mais, rejeitou a sedução.

Numa viagem oficial a países africanos, pouco depois, Lula levou o então ministro Ciro Gomes na comitiva. O objetivo não foi outro senão fustigar a vontade de Ciro de ser presidente. Nos meses seguintes, à medida que foi se recuperando da crise, não tocou mais no assunto. “Ele queria que eu fosse o candidato no lugar dele”, contou Ciro a amigos, dias mais tarde.

A oposição ficou fora desse jogo. Não propôs, em nenhum momento, um acordo com Lula em torno da eleição de 2006. O único a defender publicamente a ideia da não reeleição foi Fernando Henrique. Ele achava que, se Lula declarasse naquele momento que não seria candidato, voltaria a ter “respeitabilidade” e, eventualmente, até poderia se candidatar. Lula reagiu enfurecido à sugestão. “Se eles estão pensando que vão me tirar daqui no tapetão, nem pensar! Vou pra rua”, afirmou ele numa reunião.

Preocupados com o andamento da crise, que, depois de Duda, chegara às cercanias do Palácio do Planalto, três figuras eminentes da República – um deputado do PT, um ministro do Supremo Tribunal Federal e um funcionário público do alto escalão – decidiriam procurar, separadamente, Thomaz Bastos.

Um dos três sugeriu que o presidente mandasse uma proposta ao Congresso, instituindo o mandato de cinco anos e eliminando a possibilidade de reeleição. Um outro propôs que Lula fizesse um pronunciamento à nação, no qual diria que estava abrindo mão da candidatura à reeleição. O terceiro foi pelo mesmo caminho. Os três tinham em comum a avaliação de que Lula só pacificaria o país, naquele momento, se desistisse de se candidatar no ano seguinte.

Lula contra-ataca

O depoimento de Duda foi uma enorme surpresa para Lula e seus principais auxiliares. Mas, ao contrário do que o presidente deixava transparecer em público, havia muito que o Palácio do Planalto se preparava para o pior. Além do Grupo das 8, armou-se também no Congresso um “bunker” para monitorar permanentemente o trabalho das três CPIs (a dos Correios, a do mensalão e a dos Bingos, também conhecida como “CPI do Fim do Mundo” por tratar de vários temas, entre eles, o assassinato do prefeito petista Celso Daniel). Emissários de Lula mantinham abertos, ainda, os canais com a oposição.

Lula não tinha ilusões: a oposição “mexeria com o impeachment”, como afirmou no dia seguinte ao depoimento, em reunião na Granja Torto. Alguns auxiliares temiam que ele se deixasse abater, mas o presidente não demonstrou a menor disposição de cair sem briga. Dizia que o PT, um partido com base social, não era o PRN, a legenda de aluguel usada por Fernando Collor de Mello para se eleger em 1989. “Nós vamos pra rua defender o mandato que o povo nos deu”, disse.

O presidente em pessoa conversou com José Lopes Feijó, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), para armar manifestações de rua em defesa do governo.

Essa era a faceta beligerante da reação. A outra, de entendimento com a oposição, particularmente com FHC, prosperava por meio de conversas dos ministros Márcio Thomaz Bastos, que teve um papel destacado nessa costura, e Antônio Palocci e do deputado Aldo Rebelo, do PC do B, que atuou tanto como ministro da articulação política quanto na condição de presidente da Câmara, cargo que ocupou a partir do fim de setembro de 2005. Foram conversas decisivas para conter o ímpeto belicista da oposição, mas não tiveram consequência para uma aproximação entre PT e PSDB após a crise.

Na verdade, a oposição sempre teve dúvidas sobre a conveniência de propor o impeachment do presidente. Seria o segundo em pouco mais de dez anos – Collor foi impedido em 1992. Os oposicionistas temiam a pecha de golpistas. Avaliaram, também, que não tinham rua nem votos e, por isso, não revelavam a mesma disposição para o impeachment que Lula demonstrava ter para se manter no cargo que perseguira durante 13 anos.

Havia no Palácio do Planalto a percepção de que FHC tinha ascendência sobre o PSDB. E de fato era do ex-presidente o discurso mais bem articulado das oposições, moderado diante do que efetivamente achava da situação.

O que no Planalto se achava ser o elemento que a oposição precisava para propor o impeachment, para FHC o depoimento de Duda fora muito além: o publicitário dera a prova material para a Justiça anular a eleição de 2002 e empossar José Serra, o segundo colocado na disputa. Algo como o Tribunal Superior Eleitoral fez recentemente ao anular a eleição de Jackson Lago para o governo do Maranhão e mandar empossar Roseana Sarney, a segunda colocada. Apesar disso, o ex-presidente também estava convencido de que Lula reagiria ao impeachment com o discurso de classe – “o primeiro trabalhador a chegar à Presidência da República ia ser degolado pela elite” – e de que isso poderia dividir o país.

“Eles estão na lona!”

A conversa de FHC com Thomaz Bastos foi um embate entre dois mestres na arte da boa política. O ministro era a pessoa certa para a incursão exploratória de Lula. O advogado ajudara em campanhas eleitorais de FHC, mas, embora não fossem muito próximos, os pais deles – José Diogo Bastos e Leônidas Cardoso, ambos deputados nos anos 1950 – foram amigos. Thomaz Bastos confidenciou ao ex-presidente que informara Lula sobre aquele encontro, mas em nenhum momento disse que o presidente lhe pedira para procurá-lo.

A constatação de FHC foi rápida: “Eles [Lula, o PT e o governo] estão na lona”.

Thomaz Bastos perscrutou como FHC estava vendo “as coisas”. Uma conversa de “cerca-Lourenço”, como contaria depois o ex-presidente aos tucanos. Na prática, o que Thomaz Bastos queria saber era se a oposição iria para o impeachment. FHC entendeu o recado e disse: “O impeachment é um ato político, o jurídico é outra coisa. Você vai para o tribunal. O ato político você tem que ter força para ganhar, não é ter a razão”.

FHC contou para Thomaz Bastos o dilema que rondava a oposição: a CPI dos Correios reunira elementos até para a Justiça anular a eleição. Este era o aspecto legal. Politicamente, a situação era outra: a oposição não tinha força para votar o impeachment. E se tentasse, especulava FHC, dividiria o país. “E eu tenho horror [da divisão] porque vi isso muitas vezes – do Chile de Salvador Allende à Venezuela de Hugo Chávez”, disse ao ministro

A conversa se estendeu por quase três horas. Já na rua, Thomaz Bastos se deu conta de que FHC não assumira nenhum compromisso contra o impeachment. Também constatou a veracidade da fama de pão-duro que carrega o ex-presidente: num dado momento, percebendo que seu marido nada oferecera à visita, Dona Ruth serviu café e água e deixou os dois conversando madrugada adentro.

“Rua não tem regimento interno”

“Nós não queremos fazer o impeachment do presidente. Para nós, basta o impeachment moral do Lula, para ele chegar às eleições sem condições de concorrer”, disse Fernando Henrique a outro representante do governo, Aldo Rebelo. Na ocasião, Aldo pensou: “É do jogo”.

O PSDB queria tirar Lula do poder na eleição e não por meio do impeachment, processo que, àquela altura, o governo denunciava como sendo “golpe da oposição”. Ao se despedir do ex-presidente, no entanto, Rebelo achou prudente fazer uma advertência: “Rua não tem regimento interno”. Uma frase que só confirmou os piores temores de FHC sobre o risco de divisão do país embutido na empreitada do impeachment.

Já Palocci procurou FHC para manifestar preocupação com o que chamou de “repercussões sistêmicas” da CPI dos Bingos. “Olha, Palocci, não estou no dia a dia do Senado, do PSDB, não estou no telefone dando ordens. O pessoal pensa que eu faço isso. Não. Eu não sei como é que o PSDB vai se comportar. Não há interesse em botar fogo no mercado”, respondeu FHC.

O ex-presidente não se comprometeu com os emissários governistas, mas atuou para manter a oposição com os pés no chão. “O problema é o seguinte: temos força?” [para o impeachment], perguntou a Arthur Virgílio, líder tucano no Senado, e a Tasso Jereissati, então presidente do PSDB. Em seguida, contou a história de Josef Stalin, quando o líder comunista russo foi confrontado com o poder da Igreja Católica na reunião dos líderes aliados, no pós-guerra: “Quantas divisões tem o papa?”

A oposição ameaçava, foram apresentadas 30 proposições de impeachment, mas o fato é que os oposicionistas não tinham votos para derrubar Lula. Esteve próxima de tê-los, como se pode depreender da eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, após a queda de Severino Cavalcanti no chamado escândalo do mensalinho, que por quase um mês desviou as atenções e ajudou a esfriar o debate do impeachment.

A presidência da Câmara era uma posição estratégica: cabe a ela dar início ou mandar arquivar todos os pedidos de abertura de processo de impeachment. Severino era um aliado do Planalto. E o PFL teve atuação também decisiva na investigação que levou à denúncia de que Severino recebia propina de um concessionário de serviços da Câmara.

A eleição para a substituição de Severino foi duríssima. No primeiro turno, houve empate em 182 votos entre Aldo e o candidato do PFL, José Thomaz Nonô. No segundo, o governo ganhou por 258 a 243. A eleição de um pefelista, naquele momento, poderia ter mudado o curso da história.

Deixa sangrar

Sem votos no Congresso e sem apoio nas ruas, a oposição se consumia também em dúvidas. Na avaliação de PSDB e PFL, o PT cometera um erro de cálculo político em 1992, ao apostar todas as fichas no impeachment de Fernando Collor – se tivesse mantido o ex-presidente no cargo, mas enfraquecido, provavelmente Lula seria o presidente da República já nas eleições de 1994.

Consumado o impeachment de Collor, o vice-presidente Itamar Franco assumiu e fez um governo de coalizão, do qual só o PT não participou. Após os meses iniciais de hesitação, quando teve quatro ministros da Fazenda, o novo governo decretou o Plano Real, fundamental para FHC derrotar Lula no primeiro turno da eleição de 1994.

Empunhando a bandeira “institucional” durante o mensalão, FHC foi chave nas negociações para evitar o impeachment de Lula. Mas ele não esteve sozinho. Parte de PSDB e do PFL seguia a mesma bússola: a oposição não deveria tomar a iniciativa do impeachment, mas, por outro lado, deixaria correr as investigações nas CPIs. Era a tese do sangramento de Lula.

Àquela altura, faltava pouco mais de um ano para as eleições de 2006. Com maior ou menor grau de blindagem do presidente, o sangramento foi a linha dominante na oposição, do senador Tasso Jereissati ao pefelista Jorge Bornhausen. E também a trilha seguida pelos ex-governadores de São Paulo e Minas Gerais – respectivamente, José Serra e Aécio Neves.

O enterro do impeachment ocorreu numa reunião burocrática de líderes da oposição na segunda-feira seguinte ao depoimento de Duda. Os partidos avaliaram que havia elemento material para o enquadramento jurídico de Lula, mas faltavam votos no plenário e apoio das ruas. Simples assim. “Não há clima político para o impedimento e o pedido, se houver, tem de vir da sociedade”, declarou, depois da reunião, o senador Arthur Virgílio.

Apenas um representante do tucanato – Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC – foi a público, em artigo na “Folha de S.Paulo”, defender abertamente o impeachment de Lula. “Estamos ante a maior crise moral da história brasileira”, escreveu Bresser-Pereira. Ironicamente, em 2007, no segundo mandato de Lula, ele foi nomeado para integrar o “conselho de orientação” de um órgão do governo – o Ipea.

Cadáveres insepultos

A crise do mensalão já corria solta quando Lula decidiu enviar um emissário para conversar com Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Ele queria entender o tamanho do enredo em que o partido se metera. “Gilbertinho, vai a São Paulo e conversa com o Delúbio. Eu quero saber que encrenca é essa”, ordenou Lula ao chefe de gabinete.

Numa sala do diretório nacional do PT em São Paulo, Delúbio explicou que o partido fez muitas despesas na campanha eleitoral de 2002. Com uma franqueza que assustou o interlocutor, disse que esperava a ajuda do governo em “algumas operações” e que esse auxílio nunca veio. Diante disso, foi obrigado a buscar outras fontes de financiamento, o que acabou levando-o a conhecer o empresário Marcos Valério.

Uma dessas operações, só agora revelada, chegou ao Palácio do Planalto, mas foi abortada pelo ministro Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O plano era levantar a liquidação bancária do Banco Econômico, que sofreu intervenção do BC em 1995. Os beneficiários do negócio seriam o antigo controlador do Econômico – Ângelo Calmon de Sá – e o banco português Espírito Santo.

A contrapartida da operação seria a concessão de um auxílio financeiro do Espírito Santo ao PT. “Presidente, isso aí é cadeia! Não vamos fazer um negócio desse de jeito nenhum”, disse um ministro durante reunião para tratar do assunto. Sem pestanejar, Lula mandou encerrar o assunto ali mesmo. Antes de chegar à cúpula, no entanto, o tema, que não dizia respeito apenas ao espólio do Banco Econômico, mas também ao de outros bancos sob intervenção do BC, correu meses dentro do governo.

Os bancos liquidados na primeira fase do Plano Real, quando a queda abrupta da inflação subtraiu grande parte das receitas que eles apuravam com a perda diária de valor da moeda nacional, tornaram-se cadáveres insepultos. As intervenções começavam, mas nunca terminavam. Os ex-controladores dos bancos sempre alegaram que, concluída a liquidação, eles teriam dinheiro a receber do BC. Este, por sua vez, sustenta que isso é fantasia, uma vez que a União injetou bilhões de reais nas instituições para honrar compromissos com os correntistas e cobrir outros buracos.

No início do governo Lula, banqueiros cassados pelo BC fizeram intenso lobby em Brasília para amolecer o coração da autoridade bancária. Em 2004, conseguiram, por exemplo, que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado criasse uma subcomissão para tratar exclusivamente das intervenções. Durante os debates, acusou-se o Banco Central de abuso de poder. Depois, tentou-se limitar legalmente o prazo do processo de liquidação, mas a proposta nunca foi adiante.

Em outra frente, Marcos Valério, apontado pela CPI dos Correios como o operador do mensalão, começou a circular com grande desembaraço dentro do governo, representando os interesses do Banco Rural, que, como revelou a comissão, fez empréstimos para salvar o PT da bancarrota. Detentor de 22% do capital do Banco Mercantil de Pernambuco, também liquidado em 1995, o Rural queria uma solução rápida para a intervenção, de forma que, ao fim da operação, pudesse assumir o espólio do banco.

As visitas de Valério ao BC

Valério não economizou visitas à sede do Banco Central, em Brasília. Esteve lá 14 vezes, segundo registros da instituição. Na primeira ocasião, foi informado das restrições legais para o levantamento de liquidação bancária nos moldes exigidos pelos ex-banqueiros. Não satisfeito, contratou um advogado para instruí-lo na elaboração de um projeto que alterasse a lei que rege as intervenções do BC.

O empresário dizia, nos gabinetes de Brasília, que atuava com o conhecimento do então ministro José Dirceu. De fato, ele tinha trânsito livre. No início de 2005, por exemplo, levou o presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Espírito Santo, para uma audiência na Casa Civil com Dirceu. Os laços foram estreitados. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o executivo depôs, na Justiça Federal em São Paulo, como testemunha de defesa do ex-ministro no inquérito do mensalão.

Nas andanças pela capital federal, Valério esbarrou num funcionário de carreira do BC – Gustavo Matos do Vale, diretor de Liquidações e Controle de Operações do Crédito Rural. Num dos encontros com Vale, Valério levou-lhe uma proposta de medida provisória que alterava a legislação de liquidação bancária.

Educadamente, o diretor do BC explicou-lhe que, como haveria impacto na Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer mudança teria que ser feita por meio de um projeto de lei complementar. Valério reagiu de forma colérica às ponderações de Vale. Achou que o diretor do BC estava caçoando dele. Afinal, os dois já tinham conversado várias vezes sobre o tema. Funcionário público há 26 anos, Matos do Vale sabia, desde a primeira visita de Valério, que, para seu próprio bem, não deveria levar a sério a prosa do interlocutor.

Nem todo mundo pensava assim em Brasília. A pressão para levantar a liquidação de bancos falidos era tão forte que Henrique Meirelles decidiu fazer uma proposta insólita ao ministro Palocci – a mudança do BC para a Fazenda da diretoria que cuida desse assunto. Palocci argumentou que, se Meirelles estava se sentindo coagido e se isso estava lhe causando um problema de “sustentabilidade”, ele poderia analisar a mudança, embora não a considerasse necessária. O ministro temia que a transferência aumentasse ainda mais o interesse da classe política pelo tema.

Meirelles estava reticente. Quando começou a dizer “não” aos pedidos de suspensão das intervenções bancárias, um jornalista o procurou. “Olha, dr. Meirelles, vem aí onda de denúncias contra o senhor”, disse o interlocutor. Meirelles quis saber o porquê e ouviu que era por causa dos bancos. Nos dias seguintes, apareceram na imprensa as primeiras denúncias.

O próprio Palocci foi alvo de pressões. Certa vez, estiveram em seu gabinete representantes de três gerações da família Monteiro, principal acionista do Banco Mercantil de Pernambuco. Entre eles, Armando Monteiro Filho, ex-ministro do governo João Goulart e amigo de longa data do presidente Lula, e Armando Monteiro Neto, deputado do PTB e presidente da Confederação Nacional da Indústria. Na ocasião, Palocci foi a Lula para explicar o que estava acontecendo. “Não quero nem ver”, desconversou o presidente.

Da conversa com os Monteiro, ficou na memória de uma testemunha a palavra usada pelo deputado durante argumentação em defesa do fim da intervenção no Mercantil de Pernambuco: “anatocismo” (a capitalização de juros acumulados por não terem sido liquidados no vencimento). Apesar da pressão, “a família Monteiro foi institucional”, assegurou Palocci em relato feito ao presidente Lula na ocasião.

Por meio de sua assessoria, o Banco Espírito Santo confirma que, “em 2001 ou 2002″, foi procurado por Calmon de Sá. O ex-banqueiro, segundo a assessoria, queria que o banco português intermediasse, no mercado, a venda de títulos do Econômico. Ocorre que os títulos jamais foram liberados pelo BC. Afinal, o banco estava sob intervenção. Daí o suposto interesse no fim da liquidação. O banco português nega ter cogitado dar auxílio financeiro ao PT, informação confirmada por mais de um personagem ouvido pelo Valor.

Quando Lula chorou

Durante toda a crise do mensalão, apenas um fato levou o presidente Lula às lágrimas: a entrada, no governo, de dois antigos companheiros do movimento sindical – Luiz Marinho, então presidente da Central Única dos Trabalhadores, que assumiu o Ministério do Trabalho; e Paulo Vannuchi, que se tornou titular da Secretaria de Direitos Humanos. Os dois embarcaram no pior momento de Lula. O primeiro, em julho de 2005; o segundo, em dezembro daquele ano.

Marinho, que hoje é prefeito de São Bernardo do Campo (SP), era considerado pelo próprio Lula o seu sucessor no movimento sindical. O presidente trata-o por filho. Vannuchi tem fortes vínculos com o sindicalismo e a esquerda católica. A presença dos dois no governo ajudou Lula a se reaproximar da sua antiga base social, que, em meados de 2005, andava um tanto decepcionada com os rumos de sua gestão, especialmente na área econômica, a mais bem-sucedida.

Durante conversa com Thomaz Bastos, Lula chorou ao lembrar que Marinho e Vannuchi encararam o desafio de entrar para o governo naquela situação. Sua popularidade estava no patamar mais baixo de toda sua trajetória na Presidência da República. O índice daqueles que consideravam seu governo “ruim” ou “péssimo” também era recorde – 29% em dezembro de 2005.

A inflexão de Lula foi calculada. Como achou que tinha perdido apoio das elites, que na sua visão estavam interessadas em apeá-lo do poder, o presidente concluiu que chegara a hora de fazer acenos em direção a antigos apoiadores. Ao colocar Marinho no Trabalho, iniciou um processo de forte recuperação do salário mínimo, até então evitado por causa dos impactos negativos nas contas da previdência social.

No segundo mandato, Lula aprofundou a inflexão, passando a conceder aumentos salariais generosos ao funcionalismo público, categoria com a qual havia rompido parcialmente em 2003 ao propor a reforma da previdência. No pós-mensalão, o presidente manteve o tripé da política econômica herdado de FHC – superávit primário, metas para inflação e câmbio flutuante -, mas desistiu de regulamentar aquela reforma e também de propor novas mudanças constitucionais. Trouxe, finalmente, o PMDB para o governo e montou no Congresso uma espécie de frente anti-impeachment, composta de 14 partidos, da esquerda à direita.

Na nova fase do governo, Lula deu força à ideia de uma “República Sindicalista”. De alguma maneira, fez o que se dizia que o presidente João Goulart (1961-1964) quisera implantar 40 anos antes e que provocou a sua queda. Os sindicalistas passaram a se sobrepor no PT e no governo, em detrimento dos outros grupos fundadores do partido – a esquerda católica, os ex-guerrilheiros e os intelectuais.

“Põe no cofre, Gilberto”

Além do Grupo das 8, durante a crise foi montado um “bunker” na liderança do PT na Câmara, no qual o deputado e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh monitorava os depoimentos nas CPIs, ao mesmo tempo em que enchia caixas e mais caixas com denúncias contra os adversários de Lula.

Os parlamentares do “bunker” registraram que havia algo de errado na movimentação de Duda, mas foi tranquilizado pelo Grupo das 8 – que também participava das reuniões dos congressistas – sobre a lealdade do publicitário.

No domingo anterior ao depoimento de Duda, houve uma reunião no apartamento de Greenhalgh para acertar a agenda de trabalho da semana nas CPIs. “Gente, eu estou preocupado. Quem é que está controlando o Duda?”, perguntou o deputado. José Dirceu tomou a iniciativa de responder: “Pode ficar tranquilo. O Duda está sob controle”. Ciro Gomes, que também estava presente, esgueirou-se até a beira do sofá: “Estou de acordo. O Duda está sob controle, tem mantido contato”.

Estavam todos enganados. Duda não só foi à CPI, como deu à oposição o elo que havia entre a eleição do presidente e a contabilidade fraudulenta do PT. Durante toda a crise, Lula tentou separar uma coisa da outra. O próprio Grupo das 8 tem origem numa ordem do presidente para tentar desvincular inteiramente o governo do escândalo. “Não quero reunião na hora do expediente (a partir das 9h), não quero encontrar ninguém conversando sobre isso quando eu chegar ao palácio”, advertira Lula.

No apartamento de Greenhalgh, a extensão da crise era medida pelo consumo de bebida e comida. Havia dias em que Jaques Wagner enxugava sozinho uma garrafa de uísque. Bebia também rum e vinho, mas sempre manteve a compostura e a língua afiada. O nacionalista Aldo Rebelo preferia cachaça.

Lula recebeu de Greenhalgh, advogado das causas mais importantes do PT, a famosa “lista de Furnas”, matriz do processo que mais tarde levaria o carimbo de “mensalão do PSDB”. O PT, enfim, fazia prevalecer a tese segundo a qual eram “todos iguais”. O presidente conferiu cada nome da lista, de cima até embaixo. Em seguida chamou Gilberto Carvalho e ordenou: “Põe no cofre, Gilberto. Põe no cofre”.