segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Brasil dá de ombro nos EUA no palco diplomático - (Brazil’s President Elbows U.S. on the Diplomatic StageBy) - por ALEXEI BARRIONUEVO, no New York Tim

BRASÍLIA —A ambição do Brasil de ser um jogador mais importante no palco diplomático internacional está colidindo de frente com as tentativas dos Estados Unidos e de outros poderes ocidentais de controlar o programa nuclear do Irã.Luiz Inácio Lula da Silva,o presidente do Brasil, vai receber o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, na segunda-feira, em sua primeira visita oficial ao Brasil. A visita é parte de uma estrategia mais ampla do sr. da Silva para participar do aparentemente intratável mundo da política do Oriente Médio, e se segue a visitas nas últimas duas semanas do presidente de Israel, Shimon Peres, e de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina.
Mas a visita recebe críticas de legisladores e ex-diplomatas daqui e dos Estados Unidos, que dizem que poderia enfraquecer as tentativas ocidentais de pressionar o Irã sobre seu programa nuclear e consequentemente esfriar as relações do Brasil com os Estados Unidos e danificar a sua crescente reputação como um poder global.
Autoridades brasileiras dizem que o objetivo da visita é fortalecer relações comerciais entre os dois países e ajudar a trazer paz ao Oriente Médio.
"Isso faz parte do Brasil projetar seu papel e se fortalecer como um jogador global", disse Michael Shifter, vice-presidente do Diálogo Interamericano, um grupo de pesquisa em política de Washington. "E parte disso tem a ver com o Brasil mandando uma mensagem a Washington de que vai negociar com quem quiser negociar".
Além da disputa nuclear, críticos no Brasil e nos Estados Unidos dizem que a recepção do sr. da Silva ao sr. Ahmadinejad legitima o iraniano apenas cinco meses depois do que a maior parte do mundo vê como sua reeleição fraudulenta, seguida pela repressão brutal de dissidentes.
"A visita oficial é um erro grosseiro, um engano terrível", diz o deputado Eliot L. Engel, democrata de Nova York, presidente do Subcomitê do Hemisfério Ocidental da Câmara dos Representantes. "Ele é ilegítimo com seu próprio povo e o Brasil agora vai dar a ele um ar de legitimidade num momento em que o mundo está tentando evitar que o Irã tenha armas nucleares. Não faz sentido e mancha a imagem do Brasil, francamente".Relações entre os Estados Unidos e o Brasil já estão tensas depois que o governo do sr. da Silva criticou os Estados Unidos pela forma como lidou com a crise em Honduras e pela crescente presença militar americana na Colômbia.
Mas a abertura do sr. da Silva para o Irã é consistente com a política de engajamento do presidente Obama e o governo Obama diz estar otimista de que o encontro não vai danificar e poderia até reforçar as tentativas em andamento em Washington e junto a poderes europeus para lidar com o Irã.
"Esperamos que todos nossos amigos e aliados entendam que esse é um momento crítico para o Irã", Ian C. Kelly, porta-voz do Departamento de Estado, disse na quinta-feira. "Esperamos que o Brasil jogue um papel construtivo para fazer com o Irã faça a coisa certa e cumpra suas obrigações internacionais".
Celso Amorim, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, disse que o sr. da Silva estava encorajado por líderes ocidentais, inclusive o presidente Obama, a buscar "diálogo aberto e direto" com o Irã, em particular na questão nuclear.
"Foi dito e reiterado que era do interesse das nações ocidentais que o Brasil tivesse boas relações com o Irã", Amorim disse em uma entrevista.
Autoridades brasileiros disseram que o sr. da Silva tentaria vender ao Irã os benefícios de um programa nuclear do estilo brasileiro, que constitucionalmente é limitado a usos civis.
Mas o sr. Amorim deixou claro que o Brasil não vê seu papel como o de carregador de água para o acordo pelo qual o Irã exportaria a maior parte de seu urânio enriquecido para processamento em combustível nuclear."Não estamos aqui para convencer o Irã a aceitar alguma proposta", ele disse. "O Brasil está interessado na paz".Desde sua eleição em 2002, o sr. da Silva tem buscado cimentar o domínio do Brasil como líder diplomático e econômico da América Latina, usando o poder econômico do Brasil para reforçar sua política externa.
Seu governo também faz lobby por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e se tornou uma voz respeitada nos debates sobre o aquecimento global. Em meses recentes, acrescentou a diplomacia no Oriente Médio a seu portfolio.
O Brasil não é um estranho na região. A companhia nacional de petróleo, Petrobras, está ajudando o Irã a desenvolver seus campos de petróleo e os dois países tiveram 2 bilhões de dólares em comércio em 2007, a maior parte em exportações de comida do Brasil, disse o sr. Amorim.
O Brasil fez parte da força de paz das Nações Unidas no Egito depois da crise do canal de Suez em 1956 e está envolvido no Oriente Médio desde então, disse David Fleischer, um professor de política da Universidade de Brasília.
"O Brasil está começando a se dar contra do peso que tem", o sr. Amorim disse. "Não foi o Brasil que foi em busca do Oriente Médio, foi o Oriente Médio que veio em busca do Brasil".Autoridades brasileiras dizem que o objetivo central da iniciativa do sr. da Silva no Oriente Médio é melhorar as relações entre Israel e os palestinos e eles acham que o Irã é um jogador chave para resolver o conflito.
Sucesso nessa tentativa "realmente colocaria o Brasil no mapa e poderia colocar Lula na fila para o Nobel da Paz", disse o sr. Fleischer.Mas seria difícil escolher algo mais difícil ou polarizador do que isso. Muitos críticos não acham o sr. Ahmadinejad – que negou o Holocausto, pediu que Israel seja varrida do mapa e apoia milícias anti-Israel – uma força construtiva no Oriente Médio.
Mais de 1.500 pessoas protestaram contra a visita este mês em São Paulo, cidade que tem a maior comunidade judaica do Brasil e um protesto similar aconteceu domingo no Rio de Janeiro. Outro está previsto para Brasília na segunda-feira.
Não é apenas Israel que desconfia do sr. Ahmadinejad. O sr. Abbas, líder palestino, disse depois de um encontro com o sr. da Silva no Brasil, na sexta-feira, que tinha pedido a ele que pressionasse o Irã a romper com o Hamas, o movimento islâmico radical que controla Gaza.
Mas tanto o sr. Abbas quanto o sr. Perez pediram ao Brasil que se engajasse no processo de paz do Oriente Médio. "O Brasil, como um país importante, e o presidente Lula, como um líder respeitado, podem ter um papel importante", o sr. Abbas disse ao jornal Folha de S. Paulo.
Alguns analistas políticos e autoridades estadunidenses dizem que em seu esforço para validar suas credenciais como estadista, o sr. da Silva está marchando em seu próprio ritmo, em vez de cooperar com aliados para obter objetivos geopolíticos mais amplos.
"Quando o Brasil se torna mais relevante nos debates sobre mudanças do clima e em fóruns econômicos mundiais não vai ser capaz de criticar abertamente ou antagonizar os grandes poderes sem pagar um preço político", disse Christopher Garman, um analista do Grupo Eurasia, uma consultoria de risco político em Nova York. "Os definidores da política brasileira não podem mais fazer o bolo e comê-lo".Mas um sucesso diplomático calaria as críticas.
"O Brasil deveria esperar críticas por receber Ahmadinejad, com certeza", disse Julia E. Sweig, uma especialista em América Latina do Conselho de Relações Exteriores. "Mas se puder jogar um papel moderador – o que Washington claramente espera – na questão nuclear, pode certamente lidar com seus críticos".

Publicado originalmente no site do Azenha

O profundo ódio de classe no Brasil - por Luiz Carlos Azenha

Francamente, acho estranho que um filme sobre a vida de um presidente da República consiga atrair tanto esculacho: é dramalhão, é tosco, é ruim.
Tudo indica que eu não vá ver, por não ter paciência com o tema. Mas começo a gostar do filme pelos críticos que ele atraiu!
"Lula, o filho do Brasil", é ficção roliudiana, se entendi bem. Apenas um filme. Qualquer semelhança com personagens da vida real é mera coincidência. Mas toca colocar repórter para investigar a relação de gente remotamente ligada ao filme e o governo. Logo vão descobrir algum carrinho de pipoca em que o pipoqueiro vende maconha e vão culpar o filme por isso. Vão dizer que "Lula, o Filho do Brasil", incentiva o tráfico de drogas. Que incentiva o subperonismo. Que provoca lavagem cerebral. Que incentiva a caspa e o chulé.
Eu sabia da existência do ódio de classe no Brasil. Mas nunca imaginei que poderia chegar a esse ponto. Eles não só odeiam o Lula. Eles odeiam qualquer coisa que passe perto do Lula. Não basta dizer que foi tudo sorte, foi tudo por acaso, que os oito anos de Lula foram apenas continuação de FHC, que Lula apenas esquentou a cadeira para José Serra. É preciso matar, salgar e enterrar. Se os pobres brasileiros odiassem os ricos tanto quanto os ricos odeiam os pobres, o Brasil viveria um banho de sangue. Em não sendo assim, ficamos restritos a este espetáculo de manifestações explícitas e implícitas de preconceito de classe.
O filme pode até ser ficção grotesca. Mas provocou algo mais grotesco ainda, por ser real e revelador. Essa gente precisa, urgentemente, de um divã.

Navegante conta uma história sobre pedágios no interior paulista – por Paulo Henrique Amorim

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=22581

Rodrigo Vianna: A riqueza da Confecom - por Rodrigo Vianna

Passei o fim-de-semana na Assembléia Legislativa de São Paulo, a acompanhar a etapa paulista da Conferência de Comunicação (Confecom)*. Foi um processo ríquissimo. Lá não estavam só jornalistas e empresários de comunicação. Não. Parece que a sociedade brasileira (ou, ao menos, seus setores mais organizados) despertaram para um fato: a comunicação é assunto importante demais para ser deixado nas mãos (apenas) dos jornalistas. Ainda bem.

Como em todos os Estados, houve escolha de delegados pelos três setores: sociedade civil, setor governamental e setor empresarial (hipocritamente chamado de "sociedade civil empresarial").

Na semana passada, escrevi aqui que os grandes empresários (ligados às "teles" e ao grupo Bandeirantes) tentaram dar um golpe: queriam excluir pequenos e micro empresários da delegação que vai a Brasília - http://www.rodrigovianna.com.br/forca-da-grana/tim-oi-e-telefonica-querem-dar-golpe-na-confecom-elas-ja-entraram-para-o-pig-vamos-reagir .

Só que os pequenos fizeram barulho, bateram o pé, ameaçaram ir pra Justiça... E aí as "teles" recuaram. Na última hora (pressionadas pelo governo Lula, é bom dizer), aceitaram que os pequenos tivessem 20 representantes. As"teles" e a Band ficaram com 64 representantes.

Interessante notar: São Paulo foi o único Estado (até agora) que elegeu representantes empresariais não-alinhados com o grande capital. Uma vitória estratégica. Por que?

Pelo regimento da Confecom, qualquer proposição, para ser aprovada na etapa nacional, em Brasília, precisará cumprir dois requisitos: votos de metade mais um do total de delegados e (atenção!) pelo menos um voto em cada setor representado (empresarial, sociedade civil e govenamental).

Os 20 micro e pequenos empresários eleitos por São Paulo, portanto, poderão ter um papel decisivo. Certamente, muitos deles vão votar ao lado dos movimentos sociais ("sociedade civil), o que pode determinar um resultado mais avançado para a Conferência.

Mas, quando falei que o processo que assisti em São Paulo foi riquíssimo, referia-me a outra coisa. Terminadas as negociações entre os empresários (eu participei nesse campo, no lado dos "pequenos", evidentemente), fui acompanhar as plenárias da sociedade civil. Ali, havia movimentos de moradia, psicólogos, sindicalistas, gente ligada ao Hip Hop, a turma do movimento negro, quilombolas, feministas, associações de rádios comunitárias... Até jornalistas havia!!! Todo mundo louco pra debater e criticar a comunicação que se faz no Brasil.

O mais incrível: no meio desse caldeirão de idéias e tendências, o pessoal da sociedade civil de São Paulo (eram mais de 500 inscritos) teve maturidade para eleger uma chapa única de 84 delegados que irão à Brasília em dezembro - tudo na base de negociação, exaustiva.

Vi movimento de mulheres aceitando ceder delegados para determinada corrente sindical. Vi uma intensa capacidade de negociação, e um respeito impressionante pelas diferenças.

É algo novo no Brasil.

Um veterano (mas animadíssimo!) militante que acompanhava a plenária a meu lado observou: "esse processo não existe em lugar nenhum da América Latina. É típico do Brasil."

Interessante observar isso. Na Venezuela, por exemplo, tudo parece mais "politizado". Só que tudo depende da figura de Chavez. Se ele resolve enfrentar a mídia, aí os chavistas partem pro confronto. Parece (pra quem já esteve lá, e eu estive) muito mais "emocionante".

O processo no Brasil é mais pactuado, com menos enfrentamento. Em compensação, não precisamos de um líder a apontar o caminho. Não. Plenárias como as que eu assisti em São Paulo ajudam a formar dezenas de militantes que - por anos e anos - estarão combatendo por mudanças, por democracia. Cada um a seu modo. Sem centralismo. Novos "lulas" podem surgir de assembléias como a que acompanhei...

Talvez, as coisas sejam mais lentas assim. Mas acho que devemos (os brasileiros) nos sentir orgulhosos. Do nosso jeito, estamos construindo instâncias muito ricas.

Bem, mas isso tudo não significa que a política passe longe da Conferência. Não. Ao contrário.

Concluídos os debates sobre Comunicação, na sessão de encerramento da etapa paulista, foram apresentadas várias moções (de apoio ou repúdio), sobre temas variados: do apoio à Palestina à memória de Zumbi dos Palmares.

Mas, adivinhem qual moção teve mais apoio? A que condenava o governador José Serra por não ter convocado a etapa paulista da Conferência. Sim! Serra, prestando um serviço aos grandes grupos de mídia que fugiram da Conferência (Globo, Abril, Folha e outros), preferiu se fingir de morto. A Assembléia Legislativa é que teve de convocar a etapa paulista.

Neri: classe média é maioria, desigualdade diminui e o Brasil já decolou – por Paulo Henrique Amorim

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=22576

As vantagens de um Irã nuclear - por Aetius Romulous, “Speaking Freely”, no Asia Times Online

É possível que o Irã esteja construindo “a bomba”. O Irã, assim, seria a segunda potência na Região a possuir a bomba, e certamente seria a primeira de uma rápida sequência de Estados regionais com o dinheiro e os talentos necessários para comprar a bomba. Além disso, essa proliferação de Estados com bomba é função da economia e, como tal, inevitavelmente, não será contida por nenhum tipo de medida racional.
De fato, “a bomba” propriamente dita é apenas mais uma ficha do jogo de barganha entre os Estados-bomba já estabelecidos, que a usam para obter vantagens na direção do que realmente lhes interessa, a saber... o petróleo.
O Paquistão tem várias bombas atômicas e é um dos Estados-nação mais instáveis do mundo. Tem a bomba porque seu arquiodiado rival, a Índia, tem seu próprio kit de bombas. Israel tem um saco de mais de 200 bombas, nenhuma das quais é controlada de modo algum por seja lá quem for. É segredo. Os EUA têm bombas. Milhares de bombas. Os EUA são o único Estado que, até hoje, detonou duas bombas sobre cidades habitadas, e, não bastasse, têm vários sacos de bombas, da melhor qualidade, espalhadas pelo território de seu Estado-vassalo, o Iraque. Há montanhas de bombas atômicas no Oriente Médio, tantas, que a quantidade tornou irrelevante a evidência de que só uma delas, detonada, já faria todo o serviço de derreter até os ossos todo o mundo Ocidental.
Todas as bombas que realmente existem no Oriente Médio – ou em qualquer parte do mundo, em terra, mar ou ar, ou ainda mais acima, no espaço sideral – pertencem a Estados de tecnologia muito avançada, donos das imensas quantidades de riquezas necessárias para projetar, construir, esconder e manter uma arma de custo inimaginável. Exceto o Paquistão e a Coreia do Norte, que simplesmente acharam caminho até a bomba pela porta da cozinha e são os convidados mais mal vestidos da festa. Como manda a natureza do nosso sistema econômico global, onde riqueza é poder, a marcha atual do progresso rapidamente gerará mais e mais nações emergentes as quais, dentro de algum tempo, serão suficientemente ricas para também ter “a bomba”.
Já temos a primeira bomba muçulmana no Paquistão, a primeira bomba sionista em Israel, e bem poderemos ter, em breve, a primeira bomba persa. Está faltando – não demorará, e alguém verá – uma bomba árabe, para completar o conjunto. A Turquia precisará da bomba e, logo, logo, terá dinheiro para comprar uma. Então haverá uma cadeia ininterrupta de Estados-bomba que se se estenderá do Estreito de Taiwan ao Canal de Suez, cobrindo todas as principais religiões, culturas e modalidades de governo e política. Será um autêntico “cinturão-bomba”. Pobre África! Também dessa vez ficará excluída. Nada de bomba p’ra vocês!
Quero dizer, então, que há sacos e sacos de bombas na região mais instável do planeta, e tudo faz crer que se reproduzirão rapidamente. O Irã tem todo o direito de ter sua bomba. Afinal, considerado o grande quadro, que diferença faz? E daí, se o Irã tiver sua bomba? A verdade é que, com o Irã sem bomba, a coisa lá fica ainda um pouco menos estável do que com o Irã com bomba; e um pouco, na era nuclear, é muito.
Que as nações sintam-se compelidas a enterrar quantidades gargantuais da produtividade de seus cidadãos para produzir bombas, é efeito das lições que aprenderam no tempo em que foram tratadas como peões sem qualquer valor, na era de ouro da Guerra Fria. O dinheiro fala; e nada representa mais claramente a voz do dinheiro, que a bomba. Como escamas coloridas, um sinal de “Material radiativo” é indicador, para todos, de que qualquer deslize no plano das ações e movimentos terá consequências terríveis.
Longe de ter ensinado ao mundo que a bomba é terrível máquina do Apocalipse, a Guerra Fria só ensinou que a bomba é excelente instrumento de defesa. Embalada em medos e perigos de futuros desconhecidos, uma ogiva nuclear é ameaça terrível. Detonada, já não vale coisa alguma; porque a bomba se autoconsome, ela também, na destruição geral, mútua, aritmeticamente garantida, de tudo e todos.
Para ter alguma serventia, uma ogiva nuclear tem de encontrar, contra ela, ameaça grave. Até a bomba precisa de inimigos. O fracasso de não poder responder com catástrofe equivalente à catástrofe provocada por uma bomba torna racional o emprego da bomba. Querem um mundo estável, bem estável? Entreguem uma bomba ao Irã. Deem. Mandem entregar. Entreguem lá. Esse simples gesto fará sumir de todas as mesas de negociação, não apenas a bomba iraniana, mas todas as demais bombas. Uma montanha de armas de ataque serão, todas, imediatamente convertidas em armas de defesa.
A coisa chama-se “Teoria dos Jogos” e é item essencial do Manual do Proprietário de bombas. Uma série perfeitamente racional de equações matemáticas que regem a idade atômica, desde o tempo em que os físicos jogavam pôquer. Uma análise de sistema do conjunto de decisões que têm de ser tomadas pelos proprietários de bombas para maximizar a própria posição, sem jamais somar mais que 21. A “Teoria dos Jogos” prevê que a superioridade nuclear depende do que o outro sujeito esteja pensando sobre você. E impõe a exigência de que os dois lados sejam capazes de impor ameaças verossímeis, críveis, cada ameaça com consequências que todos os jogadores saibam que, com certeza, não estão incluídas entre seus interesses de longo prazo. A destruição mútua garantida depende do equilíbrio e paridade entre as ameaças feitas e recebidas de cada lado. Sem essa paridade, o desequilíbrio torna praticamente garantida e inevitável a detonação da bomba atômica, em circunstâncias nas quais, se houvesse paridade entre as ameaças, nada aconteceria.
Essa foi e ainda é uma doutrina norte-americana. Mesmo assim, acabou por servir de coluna central da arquitetura básica da contenção na idade atômica. Quando os norte-americanos lutam para demonstrar que um Irã nuclear seria péssimo para todos, eles mesmos entendem perfeitamente a irracionalidade do argumento. Os norte-americanos alertam para o fato de que a bomba iraniana será usada contra Israel, e que essa seria a única razão pela qual o Irã deseja ter a bomba. Israel responde que o Irã tem de ser contido porque seria “ameaça existencial” (contra a existência de Israel) e a bomba, de fato, marcaria o fim daquela existência, dentre outras.
Todos sabem, é claro, que as coisas absolutamente não são assim. Todos sabem que, se os iranianos tiverem a bomba (apenas uma; duas bombas, no máximo), evidentemente não a dispararão, uma contra Israel, a outra contra os EUA. A detonação da bomba, sempre de só uma bomba, a primeira e única, não teria efeito sobre o inimigo que se compare ao castigo-retaliação que o Irã sofreria como resposta à decisão de usar a bomba. Nada disso interessa ao Irã. O mesmo raciocínio explica também por que o Irã há 600 anos não invade país algum e mantém sua civilização há milhares de anos. Os iranianos não são idiotas.
Então, por que tanta conversa fiada?
O Irã tem petróleo. O Irã é o quarto maior exportador do mundo de óleo cru, o que lhe vale a carteirinha de membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP [ing. Organization of Petroleum Exporting Countries, OPEC] que bombeia um excedente de 2,5 milhões de barris/dia de gororoba translúcida, leve e preta. A reserva iraniana de cru de excelente qualidade é a terceira maior do mundo. O Irã controla também o Estreito de Hormuz, pelo qual flui 40% do óleo de todo o ocidente, e está na rota de bola de profundidade que chega até Ras Tanura, principal ponto de exportação de petróleo da Arábia Saudita.
O Irã é suficientemente rico para construir sua bomba, porque o Irã tem petróleo. O Irã é uma ameaça ao suprimento de petróleo para o ocidente, tanto quanto outros players árabes que são tradicionais inimigos dos persas. O Irã está localizado praticamente na outra calçada em relação ao Iraque, quer dizer, bem próximo do quintal dos EUA. Israel está localizado praticamente na rua ao lado, em relação ao Irã, quarteirão-cenário de cinco mil anos de história entre persas e judeus.
O Iran vive deitado sobre verdadeiro mar da mercadoria de mais alto valor estratégico para o mundo, e cercado por interesses ocidentais mal-intencionados – todos eles Estados-com-bomba. Então, o Irã quer a bomba. A sério.
O Irã vende 16% de seu petróleo exportado, para a China, cerca de 411 milhões de barris/dia, e aumentando; e é a segunda maior fonte de petróleo cru para a China, perdendo, só, para a Arábia Saudita. A China precisa de petróleo em quantidades jamais antes imaginadas, para fazer andar seu crescimento, e está vasculhando o mundo à procura de flores não contaminadas por ideologia política. A China está comprando a África, bem aí, sob o nariz dos tolos querelantes da Guerra Fria, e não tem cachorro seu nas pistas das velhas corridas do Oriente Médio. Precisa de petróleo e ponto. Para comprovar, investiu mais de 100 bilhões de dólares no Irã.
A China considera o Irã como novo amigo num mundo ex-insular. E amigo carente é amigo no qual se pode confiar. A China enfrenta suas próprias ameaças regionais, uma das quais a Índia, outro desses inimigos de tipo tradicional que fazem pirar as sensibilidades ocidentais. Um Irã amigo da China, nadando em petróleo, é excelente trunfo para empurrar a Índia a partir de um outro ponto de apoio. A China, é claro, tem a bomba.
A Índia também tem a bomba, mas também é outro dos grandes centros de progresso mundial. A Índia precisa tanto de petróleo quanto a China, e pelas mesmas razões; e importa praticamente a mesma quantidade de petróleo, do Irã, que a China. Um terço das exportações iranianas de petróleo vão diretamente para as economias em super-desenvolvimento, de China e Índia. Não bastasse, o Iran re-importa, na forma de gasolina refinada, boa quantidade do petróleo que exporta para a Índia, o que faz do negócio um modelo de arranjo perfeitamente estabilizado e estupidamente lucrativo para todos os envolvidos.
Para ambos, China e Índia, uma bomba iraniana significaria segurança para seus recursos e investimentos petroleosos. Sem bomba iraniana, China e Índia terão de tomar algumas atitudes em relação a ameaças que pesem sobre seu fornecedor de petróleo – exatamente o que já estão fazendo hoje. Sempre ajuda ter uma bem-defendida fonte de petróleo que também tem interesse em defender o próprio preço. Ter acesso ao petróleo é uma coisa; ter dinheiro para comprar é outra.
A Rússia não quer que o Irã tenha bomba. A Rússia está na posição difícil de líder mundial tanto em matéria de bomba quanto em matéria de petróleo. Tem muito, tanto de bombas quanto de petróleo. Ao vender apoio tecnológico ao Irã para o seu programa nuclear para fins “civis”, os russos estão tocando os negócios em várias frentes. Se o Irã construir a bomba, haverá instabilidade no curto prazo, o que incidiria favoravelmente sobre os preços do petróleo russo, do qual os russos têm de cuidar, porque aquele petróleo mantém em movimento a agenda econômica progressista dos russos. Não bastasse, a Rússia tem meios para controlar a velocidade e os objetivos do desenvolvimento nuclear iraniano – fato que os estadistas norte-americanos evidentemente não ignoram, mas todos os jornais e televisões ignoram completamente.
Para a Rússia, a bomba iraniana é moedinha de barganha perfeita para usar com vistas a obter, extraídos dos norte-americanos, segurança geográfica e mercados abertos. Mas se os iranianos querem uma bomba, pensam os russos, ok, a Rússia poderá ajudar. É bom negócio e amplia a área de influência dos russos no Oriente Médio, justamente nas regiões nas quais os EUA foram hegemônicos.
Ao mesmo tempo, a Rússia partilha as mesmas preocupações dos EUA em relação à proliferação de armas nucleares. É absolutamente essencial para os ex-inimigos na Guerra Fria conseguir conter qualquer aumento no número de países equipados com bomba atômica. Russos e norte-americanos já enfrentam cada vez mais dificuldades financeiras para construir e manter imensos – e absolutamente inúteis – arsenais atômicos. (A Teoria dos Jogos exigia número sempre crescente de armas, para que não perdessem o valor e o efeito de contenção.)
É difícil determinar o momento em que acabou a teoria e começou a insanidade, mas os líderes atuais, nos EUA e na Rússia, já entenderam que, quanto mais cada um reduza seus arsenais, em ritmo que não perturbe o equilíbrio, mais cada um conseguirá economizar tempo, dinheiro e preocupações. O aumento no número de Estados-bomba tende a manter artificialmente alto o piso da ameaça nuclear; e devorará os bilhões de dólares cuja economia já está prevista nos orçamentos.
É difícil decidir quem precisa mais de petróleo, se os EUA ou a China. E cada um aborda a questão a partir de um ponto. A China está usando em silêncio suas indústrias estatais tamanho-Golias para consumir todos os recursos do planeta necessários para empurrar seu futuro. Pode fazer isso, porque o capitalismo não tem potência para deter o consumo de recursos controlado pelo Estado. Ao mesmo tempo, os EUA têm fracassado nas tentativas de empregar seus superpoderes e sua invencível máquina militar para influenciar as principais fontes acessíveis de petróleo leve que há no mundo.
Viciados em petróleo, dependentes químicos, os EUA só contam com a força do ‘livre mercado’ para obter algum (fraco) controle sobre os suprimentos futuros. Os EUA carecem não só de petróleo mas, também, de preços politicamente previsíveis para aquele petróleo, para assim proteger sua economia e o dólar norte-americano que depende da economia dos EUA.
Os EUA têm arsenal de bombas e tecnologias ‘de-bomba’ que já cresceram a tal ponto que qualquer investimento do arsenal e das tecnologias sempre dará mais prejuízo que lucros. Basta que alguém dê só uma espiadela na direção do botão detonador, e uma explosão nuclear termal fará voar pelos ares todos os lares norte-americanos. Gasolina a sete dólares o galão. O custo da indústria da guerra já se aproxima do trilhão de dólares/ano e é perfeitamente inútil para proteger o mais valioso patrimônio estratégico, do ponto de vista dos EUA: o petróleo de que os EUA precisam e que não têm.
Os EUA são amigos dos sauditas e dos israelenses, e cada um desses é inimigo jurado de morte pelo outro. Os EUA cedem equipamento militar e estendem seu guarda-chuva nuclear também sobre os sauditas, em troca de petróleo. Os sauditas precisam dessa proteção contra seus vizinhos, o falecido grande Saddam Hussein e seu Estado Islâmico herético; e os temidos persas. O guarda-chuva norte-americano, contudo, é perfeitamente inútil contra uma Israel armada até os dentes com bombas próprias.
Israel está compreensivelmente cada dia mais nervosa face à realidade geográfica que herdou dos britânicos em 1948. Israel importa absolutamente tudo que valha alguma coisa, inclusive petróleo. E Israel está plantada sobre o patrimônio imóvel mais irracionalmente criado e defendido de toda a história do mundo. Por sorte, ataques sem bomba atômica já se comprovaram castigos eficazes mais de uma vez; de fato, muitas vezes. Isso, porque o castigo nuclear contra ameaça existencial pode lançar no inferno, simultaneamente, vários dos principais aliados de Israel, em escala infernal que aumenta sempre. Uma resposta nuclear iraniana contra a sempre agressiva Israel terá efeitos e ramificações de que nem a melhor Teoria dos Jogos jamais cogitou. Ninguém, absolutamente ninguém, está em posição de imaginar o que Israel fará se for atacada por bomba atômica iraniana. Não haverá depois.
E o que fará a China, sobre seus investimentos no Irã? E a Índia? Como o Paquistão reagirá à Índia? O que farão os russos – sentar e assistir ao show, enquanto o preço de seu abundantíssimo petróleo alcança as planícies desabitadas da estratosfera? E o que farão os norte-americanos? Quem sabe? E, ainda mais importante: quem quer descobrir? Ninguém.
A única saída segura para os EUA, do impasse em que se meteram, é dar a bomba ao Irã. É solução racional, a única solução racional para o problema. É muito provável que o Iran consiga fazer a própria bomba; se quiser, pode recorrer ao apoio dos russos. Um Irã nuclear restaurará o equilíbrio e devolverá a paridade à insanidade da jogatina nuclear. Todos os envolvidos voltarão a ter de encarar a mesma consequência racional para suas decisões de política exterior. Se for desenvolvido com apoio dos EUA, o programa nuclear iraniano poderá ser vacinado contra uma muito provável e muito real ameaça israelense.
Ficarão inutilizadas algumas das tradicionais ferramentas regionais que o Irã usa, como o Hizbóllah no Líbano. Se os EUA garantirem a bomba ao Irã, ficará assegurado o suprimento de petróleo para China e Índia, com a vantagem de que será contida a expansão da influência russa sobre o Irã, o qual – atenção! – está localizado exatamente entre o Iraque e o Afeganistão. Os EUA oferecerão armamentos em troca da estabilidade do mercado de petróleo. Assim, todos ganham.
Claro que nada disso será feito desse modo, e por razões que todos conhecemos intuitivamente, as quais ninguém precisa (nem consegue) explicar. Simplesmente não acontecerá assim. O que acontecerá será diferente, outra coisa. Acontecerá algo insustentável e desigual, solução que deixará aberto um buraco tamanho-Versailles. Apesar da situação desesperadora em que vive o planeta Terra, porque crescimento ilimitado exige devoração ilimitada de recursos escassos, várias decisões desencadearão várias ações, que têm mais, muito mais, a ver com dogma, religião e nacionalismo, do que com algum realismo racional.
É sempre assim. Hoje, se acrescentaram ao sempre-assim a Teoria dos Jogos da Guerra Fria e centenas de ogivas nucleares. Eca! [ing. Ugh!]


Comentário: sou contrário a existência de armas de fogo. De qualquer porte, por quem quer que seja – especialmente governos, de qualquer especie.

P.S: análise estava no site do Azenha

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Rodoanel: A barbeiragem do Serra - por Evaristo Almeida (Economia & Política)

No dia 13 de novembro, três vigas, que fariam parte de um viaduto do Rodoanel, desabaram sobre a Rodovia Regis Bittencourt. Felizmente não houve vítimas fatais, ao contrário da tragédia ocorrida na futura Estação Pinheiros da linha 4 – Amarela do Metrô, onde morreram 7 pessoas. Assim como o Rodoanel, essa linha de metrô teve o processo de construção acelerado para uso na campanha eleitoral, visto que reduziram o prazo da obra em 14 meses; não havia fiscalização efetiva por parte do Estado, foi adotado preço global, ao invés do preço unitário e houve troca de método construtivo.

O governador José Serra tinha anunciado que a adoção do preço global era benéfica para o Estado, pois havia obtido um desconto de 4% em relação ao contrato original.

O Relatório do Tribunal de Contas da União desmente o que disse o governador. Para o TCU, houve desrespeito à lei 8.666/93, que prevê a possibilidade de regime de empreitada por preço global, mas o projeto deve conter todos os elementos e informações, o que não ocorreu no Rodoanel, cujo projeto final de engenharia não estava pronto.

Aponta também a adoção de soluções mais baratas como a alteração do método de construção de viadutos por balanços sucessivos para o de vigas pré-moldadas e a redução do número destas vigas, entre outras medidas que beneficiaram as empreiteiras.

Apenas na redução da área de tabuleiros, superior a 10.000 m², gerou prejuízo de R$ 20 milhões para o Estado. Pelo preço unitário se pagaria o efetivamente medido, mas como é preço global, a Administração estará remunerando uma área muito superior àquela que efetivamente será executada.

O Ministério Público Federal evitou que o governo Serra pagasse R$ 234 milhões a mais para as empreiteiras. Com base na conclusão de duas auditorias do TCU, a Dersa e os consórcios que constroem o trecho sul assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta comprometendo-se a não celebrar mais nenhum termo aditivo e modificativo. O governo do Estado previa pagar mais R$ 500 milhões extras para as construtoras e o MPF-SP restringiu esses pagamentos a R$ 264 milhões. Os aditivos que haviam assinado até então implicavam no pagamento de serviços adicionais e extracontratuais que permitiam acelerar o ritmo das obras, uma vez que o dinheiro servia para embutir serviços não previstos inicialmente.

A Auditoria do TCU pede a suspensão de envio de verbas federais para a obra, pois R$ 1,2 bilhão é repasse federal para o Estado, que é quem faz a gestão e constrói a rodovia. Mas o ministro do TCU Augusto Nardes, mesmo reconhecendo indícios de irregularidades graves, mudou a classificação de IG-P, que paralisaria as obras, para IG-C, para que o governo de São Paulo continue recebendo os recursos. Ao contrário de várias obras do PAC; não mandou paralisar a construção até sanar as irregularidades.

O custo total passou de R$ 2,95 bilhões para R$ 3,6 bilhões e a imprensa já anunciou um novo aumento para R$ 4,5 bilhões, o que representará 52% de acréscimo.

A percepção é que os tucanos são uns gênios. Licitam uma obra com o método mais oneroso e lento de construir. Num passe de mágica, em pleno andamento do empreendimento, adotam a forma mais barata e de maior rapidez construtiva o que, segundo o TCU, beneficia unicamente as empreiteiras.

E ainda o diretor-presidente da Dersa é agraciado com o título de Eminente Engenheiro do ano em 2009 pelo Instituto de Engenharia por antecipar a entrega e cortar custos.

As barbeiragens do governador José Serra na condução de grandes obras no Estado o caracterizam como o “governador do desabamento”. A impressão é que a lei da gravidade é mais implacável no Estado de São Paulo do que em qualquer outro lugar do mundo.

Enfim, o Novo Maluf: Serra dá aula de democracia à USP – por Bye, bye, Serra

http://byebyeserra.wordpress.com/2009/11/13/enfim-o-novo-maluf-serra-da-aula-de-democracia-a-usp/

Democratas da Califórnia, para Obama: "Saia já do Afeganistão!" - por John Nichols, em The Nation (Site do Azenha)

O Partido Democrata da Califórnia sempre teve voz forte na política nacional dos EUA. Por qualquer parâmetro que se use, é o maior partido, no maior estado dos EUA.
É grupo organizado, de visão ampla que, desde os anos 50, mantém a tradição de produzir e distribuir mensagens vitalmente importantes, da base para os líderes Democratas nacionais. Nos anos 60, os Democratas da Califórnia estavam entre as primeiras e mais firmes vozes que criticaram a decisão do presidente Lyndon Johnson, de ampliar a guerra no Vietnã. Não faziam simples oposição à guerra; estavam ativamente preocupados, com muita razão, com o risco de o governo empenhar recursos de energia e capital políticos, numa guerra errada e desnecessária, e, assim, minar uma presidência Democrata popular e impedir o Partido de implantar sua ambiciosa agenda doméstica.
Considerando essa história e seu peso específico, pode-se dizer que os Democratas da Califórnia sempre tomam partido claro nas questões difíceis e decisivas; e sempre que o fazem, é como se sinalizassem para fora e para dentro do partido, que a opinião pública pode estar em rota de colisão com o presidente Democrata.
Então, o que os Democratas da Califórnia têm a dizer sobre o conflito global que, para muitos, pode ser para Barack Obama o que o Vietnã foi para Lyndon Johnson?
“Ponha fim à ocupação e aos ataques aéreos no Afeganistão por soldados dos EUA”. – Esse é o título de uma recomendação à presidência, discutida e aprovada no fim de semana pelos 300 membros da Comissão Executiva do Partido Democrata da California.
A resolução exige que se estabeleça “o cronograma para a retirada de nosso pessoal militar”; “o fim do uso de mercenários e empreiteiros contratados”; e “o fim dos ataques aéreos, que provocam inaceitável número de mortes na população civil”.
Em vez de manter a presença militar dos EUA no Afeganistão, os Democratas da Califórnia exigem que Obama “revise o direcionamento dos gastos de guerra, de modo que passem a incluir mais recursos para ajuda humanitária e para estimular o desenvolvimento”.
É resolução clara e bom conselho para um presidente que precisa decidir como responder ao pedido de alguns chefes militares, que lhe cobram o envio de mais e mais soldados para uma guerra que, segundo vários observadores experientes, já é um beco sem saída.
Dentre os que defenderam o texto da Resolução aprovada estava o ex-cabo da Marinha Rick Reyes, que falou sobre como sua experiência no Afeganistão levou-o à conclusão de que a ocupação norte-americana é ilegítima e indefensável. “Não há solução militar para o Afeganistão”, disse Reyes, nascido em Los Angeles. “Os problemas do Afeganistão são problemas sociais, que os militares são incapazes de resolver.”
Veterano das guerras do Afeganistão e do Iraque, Reyes foi especialmente duro na crítica contra o regime corrupto do presidente Hamid Karzai, do Afeganistão.
O soldado veterano disse à Comissão Executiva do Partido Democrata da Califórnia que: “Desrespeitamos o patriotismo e o senso de justiça de nossos bravos soldados, homens e mulheres, mandando-os lutar lá, enquanto proclamamos que se sacrificam pela democracia e segurança nacional. Não é nada disso. Eles lá estão, lutando e morrendo, para apoiar nada além de um regime comprovadamente criminoso."
Além de levar Reyes para falar à Comissão Executiva do Partido, os propositores da resolução exibiram clips do impressionante documentário de Robert Greenwald, "Repensar o Afeganistão” [ing. Rethink Afghanistan], para reforçar seus argumentos.
O texto da resolução foi resultado do trabalho de vários autores, entre os quais o jornalista, escritor e cineasta Norman Solomon, figura-chave da campanha “Mais Saúde, Menos Guerra” [ing. Health Care Not Warfare] dos Democratas Progressistas da América e delegado pró-Obama na Convenção Democrata de 2008; Karen Bernal, coordenadora do Progressive Caucus do Partido; e Marcy Winograd, candidata ao Senado para 2010.
Winograd, que disputará numa primária no distrito de Los Angeles, em 2010, contra Jane Harman (empenhada defensora de ampliar a guerra no Afeganistão), a indicação dos Democratas para o Senado, conclamou todos os Democratas de outros estados a emitir mensagens com o mesmo conteúdo anti-guerra.
“Precisamos das vozes progressistas de todos os Partidos Democratas dos vários estados dos EUA. Que todos aprovem e encaminhem resoluções semelhantes, exigindo o fim da ocupação e dos ataques aéreos por soldados dos EUA, no Afeganistão”, disse Winograd:
“É preciso ouvir os veteranos, dar-lhes voz e atenção, convocar os jovens, e exigir o fim dessa ocupação que só faz aumentar a instabilidade de uma região instável. Não há solução militar para o Afeganistão. A solução terá de ser diplomática. E para que se possa pensar em solução diplomática, temos de pôr fim à ocupação, se queremos que os EUA sejam ouvidos com respeito. Sim, trata-se do Afeganistão, no curto prazo. No longo prazo, trata-se do papel dos EUA no mundo.
Queremos continuar a aparecer para o mundo como força global de ocupação? Queremos ser vistos como sugadores globais de recursos escassos – que sugamos, precisamente, das nações das quais mais precisamos como parceiras para construir a prosperidade de todos?
Minha opinião é que a única escolha humana é trabalhar na direção de construir parcerias. Mas essa é também a única garantia de segurança com que os EUA podem contar.”

Tradução: Caia Fittipaldi

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Apagão: FHC exige providências de Serra – por Bye, bye, Serra

http://byebyeserra.wordpress.com/2009/11/11/apagao-fhc-exige-providencias-de-serra/

“Ameaça iraniana”? Onde? - por Jeff Nygaard, Counterpunch (do site do Azenha)

O real significado da atual histeria sobre as armas nucleares iranianas está quase completamente ocultado sob a propaganda oficial. O melhor primeiro passo no esforço para escapar das versões de propaganda é considerar os países que já têm armas nucleares; o segundo é analisar o mapa do Sudeste da Ásia.
Oito nações no mundo conhecido possuem armas nucleares. Todas são próximas do Irã, seja literalmente próximas ou próximas em sentido imperial. Cinco delas – China, França, Rússia, Reino Unido e EUA – são signatárias, oficialmente, do Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares [ing. Nuclear Nonproliferation Treaty, NPT], descrito como “principal marco do regime global de não-proliferação”. Três estados – Índia, Israel e Paquistão – também têm armas nucleares, mas não são signatárias do Tratado de Não-proliferação. E Israel “não admite nem nega ter armas nucleares”, segundo a Associação de Controle de Armas [ing. Arms Control Association], mas todo mundo sabe que Israel tem arm as nucleares; só não se sabe se são 200 ou 300 ou mais.
Consideremos então nosso mapa do Irã. Imagine-se um cidadão iraniano que olha à volta, para saber de que lado precaver-se contra alguma ameaça – nuclear ou outra. O que veem os cidadãos iranianos?
Imediatamente a oeste do Irã, está o Iraque, efetivamente sob controle dos EUA (“próximo”, em sentido imperial, é isso). As atividades secretas dos EUA orientadas para desestabilizar outros países muito frequentemente usam como base de operação as embaixadas norte-americanas; e os EUA construíram no Iraque “as maiores e mais caras instalações de todos os tempos para sua embaixada”, segundo o Christian Science Monitor. Segundo o New York Times de 9/10, “Os norte-americanos esperam que, na próxima primavera já estarão operando no Iraque a partir de seis super bases e 13 bases menores.”
Imediatamente a leste do Irã, estão Afeganistão e Paquistão. O Paquistão é dos principais aliados dos EUA, embora sempre errático; e tem seu próprio arsenal nuclear, sem qualquer regulação ou supervisão. Do mesmo modo que o Iraque a leste, o Afeganistão também é base das atividades imperiais dos EUA, mesmo que ainda não esteja sob total controle dos norte-americanos. Enquanto o governo Obama discute oficialmente o que fazer, “A CIA está deslocando para o Afeganistão equipes de agentes, espiões, analistas e pessoal paramilitar, parte de um amplo movimento de ‘avanço’ dos serviços de inteligência, que converterá a base instalada naquela região em uma das maiores de toda a história da agência”, segundo declarações de funcionários.” – Isso se leu no Los Angeles Times de 20/9 passado.
Vê-se claramente que a embaixada que terá “as maiores e mais caras instalações de todos os tempos” está instalada exatamente a oeste do Irã; e que “uma das maiores bases de toda a história da CIA” também é vizinha do Irã, a leste. Evidentemente, aí estão todos os meios para executar as repetidas ameaças que os EUA têm feito ao Irã. Os EUA não se cansam de dizer “que todas as alternativas estão sendo analisadas”, palavreado que corresponde, no código da guerra, a bem clara ameaça de ataque militar. Não bastassem essas ameaças, o único Estado nuclear do Oriente Médio – Israel – também jamais se acanha de ameaçar o Irã. Manchete incansavelmente repetida, por exemplo, nos programas noticiosos da CBS, dizia essa semana que “Israel provoca os EUA para que ataquem o Irã.” Dia 5/7, a Associated Press noticiou que “o vice-presidente Joe Biden assinalou que o governo Obama não criará obstáculos se Israel decidir atacar as instalações nucleares do Irã.”
Além dos países que mantêm sob ocupação, os EUA têm outras instalações de interesse militar, praticamente à volta do Irã. Não só no Iraque e no Afeganistão, mas também na Turquia, outro país que faz fronteiras com o Irã. Várias grandes bases militares dos EUA (cerca de meia dúzia, no mínimo) existem também na Arábia Saudita, na outra margem do Golfo Persa e nos Emirados Árabes Unidos – a cerca de 160-300km de distância do Irã. Outra vez, podem-se medir as distâncias no mapa.
E não se pode esquecer de incluir nesse contexto a gigantesca base dos EUA no Oceano Índico, na ilha de Diego Garcia, base à qual John Pike, da GlobalSecurity.org, refere-se como “a mais importante unidade militar dos EUA”. Essa base, usada como campo secreto de prisão e tortura, e como base de lançamento de ações terroristas contra o Iraque e o Afeganistão, leva o estranho nome de “Campo Justiça” [ing. Camp Justice]. O território do Irã pode ser rapidamente alcançado pelos bombardeiros e mísseis dos EUA estacionados em “Campo Justiça”.

O mundo às avessas

No mundo imperial, detenções ilegais e tortura são consideradas ‘justiça’. E muitos outros valores são também completamente invertidos, quando se trata de ‘noticiar’ os movimentos pelos quais o ‘império’ norte-americano se mantém.
Dia 28/9, o Irã anunciou que testara alguns mísseis; e que “os mísseis iranianos podem alcançar qualquer alvo, em qualquer local de onde parta qualquer ameaça contra o Irã.” Matéria da Associated Press sobre esses testes levava a seguinte manchete: “Testes de mísseis iranianos fazem aumentar as preocupações.” As “preocupações” teriam aumentado, segundo a AP, porque “várias bases militares dos EUA no Oriente Médio” [passavam a ficar] “ao alcance dos mísseis iranianos”.
Nesse mundo às avessas, defender-se passou a ser agressão, porque quem se defenda ‘cria preocupações’ para os agressores. Basta pensar um pouco:
A principal superpotência mundial mantém bases militares em todo o planeta (são mais de 700!), inclusive nos dois países atualmente sob ocupação dos EUA. Essa Superpotência possui cerca de 10.000 ogivas nucleares; continua a ser o único país do planeta que, até hoje, detonou armas atômicas em cidades populosas, matando e mutilando milhões; e é ainda a mesma Superpotência que, em 1953, derrubou o governo democraticamente eleito no Irã.
Localizado entre os dois países atualmente sob ocupação dos EUA, e cercado por todos os lados por bases militares norte-americanas, o Irã está, isso sim, lutando incansavelmente para conquistar capacidade técnica para defender-se contra os ataques da superpotência cujas instalações militares já praticamente cercaram seu território. E é o Irã que se defende – não a sangrenta história de ocupação e violência dos EUA em todo o mundo (e naquela região) – que “faz aumentar as preocupações” da Associated Press! O Irã não desencadeou nenhuma guerra na história moderna – como bem observou o professor Juan Cole. De fato, as preocupações “aumentam”, porque está crescendo a capacidade de defesa de um Estado que os EUA ainda não conseguiram subordinar.
E aquele padrão ‘midiático’ repete-se incansavelmente. Por exemplo, em matéria divulgada pela agência UPI, dia 25/7. O lead dizia: “Irã bombardeará instalações nucleares de Israel, se Israel atacar o Irã, disse sábado o líder da Guarda Revolucionária Iraniana.” Lead normal e acurado. Mas lá estava, em letras garrafais, a manchete aterrorizante: “General iraniano ameaça instalações nucleares israelenses.”
O Irã sabe bem que a mais recente vítima de ataques militares e ocupação pelos EUA é o Iraque, nação com baixa capacidade de defesa; ao mesmo tempo, a Coreia do Norte, que já testou vários mísseis nucleares e tem reconhecida capacidade nuclear, continua sem ser atacada militarmente.

Irã irracional? Parece que não.

Desde 1979, o Irã tem sido apresentado aos cidadãos norte-americano como inimigo dos EUA; em meses recentes, abundam notícias sobre “a ameaça iraniana”. Mas o Irã foi um dos principais aliados dos EUA, antes de 1979. Para R.K. Ramazani, professor emérito da Universidade de Virginia, “até a Revolução Iraniana, os EUA, de fato, confiaram cegamente que o Irã faria as vezes de “guardião” da região do Golfo. Evidentemente, nada há de inerentemente ‘anti-EUA’ no Irã.”
Se o Irã é hoje uma ameaça aos EUA – e tudo que o governo dos EUA diz e faz indica que, sim, os EUA veem o Irã como uma ameaça – qual, então, seria a natureza dessa ameaça? Serão, mesmo, as armas nucleares? Parece-me pouco provável, por várias razões, algumas das quais discuto adiante.
O prof. Subhash Kapila, especialista do South Asia Analysis Group, publicou artigo, em 2006, no qual diz claramente que “com armas nucleares ou sem elas, o Irã jamais terá meios para oferecer resistência efetiva contra o poderio bélico dos EUA” – ideia que se confirma facilmente, se se consideram as informações acima, sobre bases militares dos EUA na Região.
Kapila diz também que “O principal impulso estratégico que modela a percepção de que o Irã implicaria algum tipo de ameaça aos EUA é a emergência do Irã como potência regional na Região do Golfo – com vários efeitos sobre os interesses nacionais dos EUA na mesma região.”
Gregory Aftandilian, assessor do Congresso para política exterior, acrescentou à discussão um aspecto que raramente se ouve considerado nos EUA: “o Irã não é estúpido a ponto de atacar Israel. (...) É Estado que tem milhares de anos, uma longa história. Teerã não pratica diplomacia de suicídio.”
John Negroponte, em depoimento na Comissão de Inteligência do Senado, quando era diretor do Serviço Nacional de Inteligência, em 2006, foi mais diretamente ao ponto. Para ele, “o poder militar convencional do Irã é considerado uma ameaça aos interesses dos EUA. O Irã está ampliando sua habilidade para proteger o próprio poder militar; nessa medida, ameaça a eficácia das operações dos EUA na Região – potencialmente intimidando aliados regionais de cuja solidariedade depende a eficácia das políticas norte-americanas –, e fazendo aumentar os custos da presença dos EUA e de seus aliados na Região.
“Teerã também continua a apoiar vários grupos terroristas, por considerar que esse apoio é crítico para a proteção do regime, porque aqueles grupos opõem-se a EUA e Israel, contribuem para conter ataques israelenses e norte-americanos, enfraquecem Israel e aumentam a influência do Irã na Região, por efeito da intimidação. O Hizbóllah libanês, principal aliado do Irã dentre os grupos terroristas – embora focado numa agenda nacional libanesa, e apoiando uma rede de terroristas palestinos –, mantém vasta rede mundial de contatos e é capaz de organizar ataques contra os interesses dos EUA, se sentir que seu parceiro iraniano esteja sob ameaça.
Vale observar que, nesses discursos, “a ameaça iraniana” assume duas formas. Uma, a capacidade para contrariar “interesses dos EUA”. A outra, a competência para conter “ataques dos EUA e de Israel”, vale dizer, “competência [do Irã] para se autodefender”.
Outro fato que torna ainda mais inverossímil que os estrategistas norte-americanos estejam realmente preocupados com bombas nucleares iranianas é a evidência de que os líderes religiosos já impuseram, há anos, proibição total de armas atômicas. Em declaração do governo iraniano à Agência Internacional de Energia Atômica, em 10/8/2005, lê-se: “O líder da República Islâmica do Irã, Aiatolá Ali Khamenei emitiu Fatwa que proíbe a produção, armazenamento e uso de armas nucleares; nos termos dessa Fatwa, o Irã jamais terá armas atômicas.” Não há como duvidar da eficácia dessa Fatwa, se se acredita no que dizem os jornais – que Khamenei é o líder supremo e real poder no Irã (embora o presidente Ahmedinejad ocupe todas as manchetes).
Nada, de fato, faz muito sentido: os mais irados disseminadores do medo ante a ‘ameaça’ iraniana baseiam sua propaganda, em parte, num alegado fanatismo religioso das lideranças iranianas. Mas uma Fatwa de Khamenei, nesse caso, não seria prova suficiente de que não há qualquer ameaça das ‘armas nucleares iranianas’: para dois pesos, duas medidas?
Resumidamente, se pode dizer que:
1. Não há qualquer evidência de que o Irã esteja realmente produzindo armas nucleares;
2. Se o Irã planejasse produzir armas nucleares, nada haveria de irracional ou ‘fanático’ nessa ideia, dada a gravidade das ameaças que realmente cercam o país e contra as quais é racional que o Irã procure defender-se. E ainda que a máxima irracionalidade esteja nas próprias armas nucleares, sempre haverá mais bombas atômicas irracionais em Israel e nos EUA, do que no Irã; e
3. Se o Irã de fato estiver buscando construir armas nucleares e vier a ter sucesso, a probabilidade de que essas armas sejam usadas para fins ofensivos é praticamente igual a zero.
Se se aceitam as premissas acima, é preciso buscar outra causa, diferente da chamada “ameaça nuclear iraniana”, para explicar a histeria anti-Irã que toma conta dos EUA.
O “jogo” – como dizem os geoestrategistas do ‘império’ norte-americano – consiste em defender o espaço privilegiado de um único poder regional. Só há lugar para um país-‘líder’, que modele os eventos na Região e, pelo menos, tenha poder para vetar ações intentadas por outros Estados. Os EUA querem reservar para eles mesmos esse espaço e esse posto – em parceria com seu Estado-cliente, Israel. A verdadeira “ameaça iraniana”, portanto, advém de o Irã – aos olhos dos estrategistas dos EUA – ter ou parecer ter potencial para realmente ameaçar a hegemonia da dupla EUA-Israel na Região.
O bizarro mundo que, para os norte-americanos ‘informados’ pela mídia, seria o Oriente Médio é mostrado como mundo às avessas, porque é indispensável manter ocultados os objetivos imperialistas dos EUA para toda aquela Região. Assim, é útil manter os cidadãos norte-americanos hipnotizados de medo ante uma “ameaça iraniana” que seria consequência de antiamericanismo fanático ou de fanatismo religioso. Ante tal inimigo, a única via razoável a considerar seria manter-se em guerra, sempre a postos para “atacar preventivamente” inimigo tão perigoso.
O trabalho do sistema de propaganda dos EUA para o Oriente Médio opera para criar uma percepção de que o mundo é local perigoso, cheio de armadilhas e ameaças. Por isso há “a ameaça iraniana” e a “ameaça terrorista”, exatamente como, antes, houve a “ameaça comunista”. O custo para manter o império norte-americano é muito alto, e só cidadãos aterrorizados aceitariam desperdiçar quase 700 bilhões de dólares num único ano, para manter exércitos de ocupação, como aconteceu em 2009. Esse número, já muito alto, sobe à estratosfera se se incluem os gastos com veteranos, com os programas especiais, com ajudas a países-parceiros nas guerras, com juros de dívidas de guerras passadas, e a lista é longa. O império é empreitada caríssima – e o medo, por isso, tem de ser correspondentemente imenso.
É importante que os norte-americanos aprendamos a ver o mundo como o mundo é, não às avessas; que aprendamos a identificar corretamente as ameaças que crescem à nossa volta. O Irã, os iranianos e suas armas nucleares com certeza não estão incluídos nessa lista de ameaças e ‘perigos’ reais.

Jeff Nygaard é jornalista e ativista em Minneapolis, Minnesota. Publica um e-jornal de livre distribuição, Nygaard Notes

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Não ao Desemprego - por José Saramago

A gravíssima crise económica e financeira que está convulsionando o mundo traz-nos a angustiante sensação de que chegámos ao final de uma época sem que se consiga vislumbrar o que e como será o que virá de seguida.
Que fazemos nós, que assistimos, impotentes, ao avanço esmagador dos grandes potentados económicos e financeiros, loucos por conquistar mais e mais dinheiro, mais e mais poder, com todos os meios legais ou ilegais ao seu alcance, limpos ou sujos, regulares ou criminais?
Podemos deixar a saída da crise nas mãos dos peritos? Não são eles precisamente, os banqueiros, os políticos de máximo nível mundial, os directores das grandes multinacionais, os especuladores, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, os que, com a soberba de quem se considera possuidor da última sabedoria, nos mandavam calar quando, nos últimos trinta anos, timidamente protestávamos, dizendo que não sabíamos nada, e por isso nos ridicularizavam? Era o tempo do império absoluto do Mercado, essa entidade presunçosamente auto-reformável e auto-regulável encarregada pelo imutável destino de preparar e defender para sempre e jamais a nossa felicidade pessoal e colectiva, ainda que a realidade se encarregasse de desmenti-lo a cada hora que passava.
E agora, quando cada dia aumenta o número de desempregados? Vão acabar por fim os paraísos fiscais e as contas numeradas? Será implacavelmente investigada a origem de gigantescos depósitos bancários, de engenharias financeiras claramente delitivas, de inversões opacas que, em muitos casos, mais não são que massivas lavagens de dinheiro negro, do narcotráfico e outras actividades canalhas? E os expedientes de crise, habilmente preparados para benefício dos conselhos de administração e contra os trabalhadores?
Quem resolve o problema dos desempregados, milhões de vítimas da chamada crise, que pela avareza, a maldade ou a estupidez dos poderosos vão continuar desempregados, mal-vivendo temporariamente de míseros subsídios do Estado, enquanto os grandes executivos e administradores de empresas deliberadamente conduzidas à falência gozam de quantias milionárias cobertas por contratos blindados?
O que se está a passar é, em todos os aspectos, um crime contra a humanidade e desde esta perspectiva deve ser analisado nos foruns públicos e nas consciências. Não é exagero. Crimes contra a humanidade não são apenas os genocídios, os etnocídios, os campos de morte, as torturas, os assassinatos selectivos, as fomes deliberadamente provocadas, as contaminações massivas, as humilhações como método repressivo da identidade das vítimas. Crime contra a humanidade é também o que os poderes financeiros e económicos, com a cumplicidade efectiva ou tácita de os governos, friamente perpetraram contra milhões de pessoas em todo o mundo, ameaçadas de perder o que lhes resta, a sua casa e as suas poupanças, depois de terem perdido a única e tantas vezes escassa fonte de rendimiento, quer dizer, o seu trabalho.
Dizer “Não ao Desemprego” é um dever ético, um imperativo moral. Como o é denunciar que esta situação não a geraram os trabalhadores, que não são os empregados os que devem pagar a estultícia e os erros do sistema.
Dizer “Não ao Desemprego” é travar o genocídio lento mas implacável a que o sistema condena milhões de pessoas. Sabemos que podemos sair desta crise, sabemos que não pedimos a lua. E sabemos que temos voz para usá-la. Frente à soberba do sistema, invoquemos o nosso direito à crítica e ao nosso protesto. Eles não sabem tudo. Equivocaram-se. Enganaram-nos. Não toleremos ser suas vítimas.

E o Globo continua defendendo o golpe em Honduras – por Miguel do Rosário (óleo do diabo)

Merval Pereira é o principal colunista político do jornal O Globo, de maneira que, quando ele dá uma opinião peremptória e repetida sobre um tema, tenho todos os motivos para crer que se trata da opinião do próprio jornal, o jornal de maior circulação do Rio de Janeiro, o único que sobreviveu ao cerco econômico e político do regime militar.

Ontem, sábado, 7 de novembro, Merval Pereira afirmou, categoricamente, e pela enésima vez, que o golpe de Estado ocorrido em Honduras não foi um golpe. Os argumentos são os mesmos de sempre. Mentiras. É tudo muito incoerente. O artigo não consegue se sustentar. É só soprar que ele cai de podre, pois fala em golpismo dos líderes políticos de Honduras ao mesmo tempo que nega o golpe. Afirma que Zelaya foi derrubado porque "tentou mudanças que poderiam abrir caminho para reeleição". Nunca li nada tão ridículo em minha vida. A democracia agora vale tão pouco que podemos derrubar presidentes eleitos por sufrágio popular por conta de meras (e tendenciosas) suspeitas da oposição sobre "mudanças que possam abrir caminho" para isto e aquilo? Merval enche a boca para falar em "cláusula pétrea", outra expressão que os golpistas do Brasil estão usando e abusando para impressionar os incautos. São leguleios, ou seja, não interpretam o verdadeiro espírito da lei. Eles manipulam interpretações da lei para justificar a mais grave violência que se pode fazer à uma democracia.

O presidente da república é o cidadão mais graduado de um país. É a função suprema. O que tem havido, abaixo do Rio Grande, é um constante e sistemático ataque simbólico e midiático à instituição que é, entre todas, a mais genuinamente democrática, porque o presidente da república é o único servidor público eleito com sufrágio nacional e universal. Governadores e parlamentares são eleitos com votos de província. Juízes não passam pelo crivo popular, não são eleitos, nem expostos à rotatividade. O presidente da república é o único eleito por todos os cidadãos de um país e, por isso, é o sucessor simbólico e legal dos reis, dos imperadores, dos magistrados, dos cônsules. Eleito pelo povo, só pode ser removido pelo mesmo ou por um processo estritamente legal, com direito à plena defesa. Merval Pereira omite o principal: ao não ter direito à defesa, ao não ter sequer o direito de reagir verbalmente, Zelaya foi vítima de um golpe vil, covarde e desumano. Não apenas seus direitos políticos foram desrespeitados. Não apenas os direitos políticos de todos os que votaram em Zelaya foram desrespeitados. Os seus direitos humanos básicos foram violentados. Ele foi expulso do país! De seu próprio país! Não se faz isso nem com estupradores, nem com terroristas! Quanto mais com um presidente da república! E Merval Pereira e o Globo vem à público defender isso? Vem defender o golpe? Não me espanta que Merval tenha recebido o prêmio Maria Moors Cabot, o mesmo concedido a Roberto Marinho um ano após o golpe militar de 64, golpe o qual o Globo ajudou a articular e que sempre defendeu entusiasticamente.

É muito grave isso. E a oposição brasileira, não tem nada a falar sobre o golpe? José Serra, como candidato à presidente da república, tinha obrigação moral de dar a sua opinião sobre o golpe de Estado em Honduras. Prefere se manter em cima do muro, para não correr risco de perder votos, demonstrando que é um covarde, um cidadão sem princípios políticos, e que participa da vida pública apenas por vaidade e capricho.

E por falar em falta de princípios, hoje tive uma consciência nítida sobre o risco que o Brasil corre se os tucanos voltarem ao poder. Em entrevista à Folha, o senhor Armínio Fraga disse que a solução para todos os problemas do Brasil seria cortar gastos públicos. Ou seja, esses neoliberais tupis nem sequer fizeram uma autocrítica, nem sequer pensaram em reelaborar um discurso. Armínio Fraga, um dos cérebros econômicos do tucanato, em plena crise econômica mundial, defende algo como demissão em massa de funcionários públicos, redução de gastos em saúde, em educação, em meio ambiente, em assistência social... Sim, porque é nisso que o governo federal tem aumentado seus gastos.

Armínio Fraga ainda tem a cara de pau de falar na necessidade de baixar os juros, logo ele que, assim que assumiu a presidência do Banco Central, elevou os juros básicos do país para 45%! Lembro muito bem disso, senhor Armínio, pois eu era micro-empresário e tinha conta bancária no Itaú, o qual havia me concedido um maravilhoso "cheque especial", presente de grego que se converteu, imediatamente, numa bola de neve terrível e que atrapalhou um bocado nossos negócios.

Eu entendo que o Estado deva ser econômico e cuidar para não se tornar um peso para a sociedade. Mas Armínio Fraga fala na redução de gastos públicos como uma política de Estado, como uma estratégia política, e não como forma de reduzir o custo de vida do cidadão comum. Se houvesse essa preocupação, de reduzir o custo de vida da classe média e do pequeno empresário, ele deveria propor isso, claramente: um pacote de desoneração tributária para a classe média e para o pequeno e médio empresário. Seria inteligente, honesto e justo. Mas não. Ele prega uma redução genérica do gasto público, o que, naturalmente, só prejudicaria o lado mais fraco da população, aí incluindo a classe média a qual, embora não goste de admitir isso, sempre foi uma das principais beneficiadas por um Estado forte.

Mas Armínio vai ainda mais longe: aconselha o governo a reduzir o crédito público. O gênio - provavelmente tão "brilhante" como Daniel Dantas - vai na contramão de qualquer bom senso e sugere, descaradamente, que o governo não continue trabalhando pela inclusão social.

*

O gasto público no Brasil não é alto. O Brasil não tem excesso de funcionários públicos e nem esses ganham salários excessivos. Inúmeros estudos, do Ministério do Trabalho, e do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos demonstraram isso cabalmente.

A carga tributária também não é exagerada - apenas, talvez, injusta, onerando excessivamente alguns segmentos sociais apenas "remediados" e, sobretudo, pequenos e médios empresários. Vários estudos comparativos com outros países mostram isso. O que a oposição deveria exigir, se tivesse comprometimento com o desenvolvimento econômico, era a redução dos impostos sobre o salário, pois esse é um problema que prejudica severamente a geração de empregos no país.

*

Voltando à Honduras, bem que eu desconfiava que o tal Micheletti não fosse cumprir o acordo. Por isso é tão absurda a comparação entre Zelaya e Micheletti, colocando um golpista desonesto, desleal, mentiroso, violento, covarde, ao mesmo nível que Zelaya, um presidente legitimamente eleito pelo povo hondurenho, e que, até o momento, tem se mostrado uma figura honrada e corajosa.

Os jornais brasileiros se apressaram em lamber as botas do governo americano, tentando, com isso, deslegitimarem qualquer contribuição brasileira para a solução do imbróglio. Se ferraram mais uma vez. Os EUA, ao tentarem desatar o nó de maneira unilateral, envolveram-se no que arrisca ser um tenebroso fiasco diplomático e político, que pode inclusive degenerar numa guerra civil. Em vez de usar as organizações internacionais, como OEA e ONU, como o Brasil sempre defendeu, os EUA tentaram resolver o conflito na base da chantagem imperial, na base do "falar grosso". Deu no que deu.

O ponto mais revoltante é que a mídia brasileira sequer se solidariza com o sofrimento infligido aos funcionários brasileiros e cidadãos hondurenhos que estão na Embaixada em Tegucigalpa. Ao contrário, parece incitar ódio contra os brasileiros.

Serra, aliás, fez sim uma declaração sobre Honduras. Disse que era uma "trapalhada" da diplomacia, mostrando-se desinformado e não solidário com seu próprio país. O que gostaríamos de ouvir, no entanto, é a opinião de Serra sobre o golpe de Estado. Ao defender o golpe, setores midiáticos ligados ao tucanato revelam o apreço torto que tem pela democracia, e o próprio tucanato, ao não tomar posição num tema geopolítico fundamental para as Américas, revela-se um partido desvirilizado, retrógrado, despreparado, com o germe golpista circulando-lhe pelo sangue de barata. O PSDB tornou-se refém de intelectuais de extrema-direita, como Reinaldo Azevedo e Merval Pereira, e afundou-se num lamaçal ideológico onde se vê apenas insegurança, covardia, confusão e conservadorismo. As repetidas declarações contra Chávez, repetidas pelos barões do tucanato, refletem essa irresponsabilidade quase adolescente, de quem precisa se auto-afirmar, e mostram políticos despreparados para governar o Brasil, pois compraram muito levianamente o discurso conservador da mídia, sem atentar para o fato de Chávez ser um presidente da república legitimamente eleito, num país com parlamento, judiciário, ministério público, ou seja, num país perfeitamente democrático, e, o que é importante (porque significa dinheiro, empregos, vida), um país que mantém um gigantesco volume de comércio com o Brasil. O tucanato, ligado apenas aos lordes rentistas, desprezam inclusive o valor do dinheiro oriundo do setor produtivo e exportador, esse dinheiro que se converte em empregos, em qualidade de vida, em alegria, e do qual o Brasil precisa desesperadamente para se desenvolver. É uma diplomacia arrogante e estúpida, porque não vêem como os EUA mantém relações amistosas com a Arábia Saudita, Paquistão e China, mesmo que esses países não compartilhem dos mesmos valores democráticos defendidos pela Casa Branca. A demonização da Venezuela é infantil e contraproducente, e o fato da oposição comprar essas idéias mostra o quanto ela é incompetente. É bom não esquecer que Chávez foi vítima de um golpe de Estado em 2002, e que os meios de comunicação venezuelanos, que hoje se posam de vítimas, defenderam o golpe. Aliás, a mídia brasileira também comprou muito facilmente aquele golpe. Por isso é tão grave que esse mesmo comportamento, esses mesmos valores golpistas, voltem a se manifestar na defesa do regime golpista de Honduras. Cada vez mais a imprensa brasileira faz jus ao epíteto de PIG (Partido da Imprensa Golpista) que o grande público da internet vem lhe dando.

*

Quanto ao episódio da moça da UNIBAN, creio que se trata de uma comprovação da tese de Einstein de que existem apenas duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Os estudantes de Relações Públicas terão um case a mais para estudar nas faculdades: sobre como a covardia se converte em prejuízo. Ao menos serviu para alguma coisa: para mostrar o quanto um diploma universitário pode ser inútil. Pior: o quanto pode ser até uma vergonha. Sim, porque se numa briguinha de vizinhos alguém bater no peito e falar que tem faculdade, e outro disser que essa faculdade é a Uniban, o alguém será motivo de chacota.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Serra enfrenta mau tempo e só tem três opções - por Bernardo Joffily (Vermelho)

A política tem seu tempo mas também seu "microtempo", feito de circunstâncias mais passageiras. O governador tucano José Serra, enfrenta um microtempo dos piores com a pressão de correligionários e aliados para que decida logo se é candidato a presidente daqui a pouco de 11 meses. O que era para ser um grande gesto, hoje, poderia parecer um anticlímax. No entanto, não mais de três alternativas imediatas se abrem ao presidenciável paulista.

Por Bernardo Joffily

Examinemos cada um dos caminhos possíveis para Serra:

1. Serra mantém seu prazo: março

A primeira opção: Serra resiste à pressão e só se decide em março, conforme o cronograma que se fixou. É hoje a opção mais remota. Seu concorrente tucano, o governador Aécio Neves, não aceita.

Aécio disse que em fevereiro se lançaria a senador por Sua Minas Gerais, depois encurtou o prazo e anunciou que só espera até o fim de dezembro. "Ou Serra assume ou devolve a bola para o Aécio", argumenta Domingos Sávio, líder do governo Aécio na Assembléia Legislativa mineira.

Caso Serra mantenha a protelação e Aécio cumpra seu ultimato, seria o pior dos mundos para o governador paulista. Ficaria sendo o presidenciável por default, tomando uma 'decisão' já 'decidida' de antemão pelos fatos.

Se o único a cobrar pressa fosse Aécio, nem seria tão problemático. Mas o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), exige publicamente a definição do candidato, angustia-se com a demora e até anunciou preferência por Aécio para aumentar a pressão. E o próprio presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse em entrevista no domingo que "o nosso tempo é urgente".

Não se encontra um só oposicionista satisfeito com a protelação. Nenhum exceto José Serra. Este, pessoalmente, gostaria de medir melhor o passo, estudar como evoluem as pesquisas. Mas todos no seu campo, a começar pelos montadores dos palanques estaduais, cobram uma definição já.

2. Serra se lança em dezembro

Segunda opção: Serra cede à pressão e sai para presidente. É o que todos esperam que aconteça. A começar pelo presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, que neste domingo publicou um alarmado artigo no Estadão – Para onde vamos? – pintando em cores tenebrosas uma possível vitória da petista Dilma Rousseff:

"Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão", vaticina FHC. E termina "dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde".

O ex-presidente se empenha em ver seu correligionário e conterrâneo como candidato presidencial, em uma "chapa dos sonhos" com Aécio na vice. Aécio não se cansa de negar. Logo se saberá se a costura fernando-henriquista terá meios para dobrá-lo. Se assim for, será um ponto para a oposição. Se não, um ponto contra.

3. Serra se lança... para a reeleição

Terceira opção: o governador refaz os cálculos, repassa as pesquisas e conclui, como em 2006, que é melhor disputar a mais amena reeleição para governador de São Paulo, e deixar para Aécio (que não tem essa opção, por já ter cumprido dois mandatos) a tarefa de enfrentar Dilma e seu cabo eleitoral número um, Luiz Inácio 'o Cara' Lula da Silva.

É a única explicação real – um segredo de Polichinelo – para a demora em decidir. Será também talvez a alternativa mais prudente do ponto de vista da carreira política pessoal de José Serra, que assim trocaria o duvidoso pelo (quase) certo. Mas seria uma quase traição do ponto de vista dos interesses coletivos da oposição conservadora.

Nesse caso, caberia a Aécio a condição de presidenciável por default. Este veria obedecido o prazo que pediu, mas teria que correr contra o tempo para conquistar os aliados e montar os palanques que promete. Pior, ver-se-ia na obrigação de explicar a cada passo que, sim, venceu a contenda com Serra e pode vencer a eleição, e, não, não foi deixado para o sacrifício na disputa com a candidata de Lula.

Desgraça pouca é bobagem

A escolha de Serra se fará em um microtempo hostil. Não há nenhum escândalo contra o governo na mídia. A CPI da Petrobras agoniza aos poucos, eclipsada pelas boas notícias do pré-sal e a polêmica positiva sobre como distribuir seus royaltes. A crise global, no Brasil, pode não ter sido uma 'marolinha' mas não chegou a muito mais que isso; mais importante, passou, e prenuncia um crescimento que segundo Lula pode bater nos 7% na hora da campanha eleitoral. O Rio venceu Chicago na contenda pela Olimpíada de 2016. Até a coragem de abrigar Miguel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras – que Serra descreveu como "uma grande trapalhada" – revelou seus frutos ao abrir caminho para o acordo de sexta-feira passada, de ainda incerta aplicação pelo regiem golpista.

Como desgraça pouca é bobagem, a oposição enfrenta dificuldades para montar os palanques estaduais. "A indefinição da candidatura presidencial do PSDB deixou os partidos de oposição à beira de um ataque de nervos e ameaça causar divisões políticas internas com efeitos nas campanhas regionais", noticia o Estadão.

O jornal aponta " graves focos de insatisfação" em Minas, no Rio e em São Paulo. E "problemas" em pelo menos mais nove Estados: Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Amazonas e Maranhão.

O caso do Rio é emblemático. Até setembro o palanque local parecia resolvido com a candidatura do tucano do bico verde Fernando Gabeira. Mas a candidatura presidencial de Marina Silva pelo PV, somada à conquista dos Jogos de 2016 pelo Rio, derrubou esse palanque. Gabeira agora diz que pensando bem talvez concorra ao Senado; e se disputar o governo será em dobradinha com Marina e não com Serra. Sérgio Guerra desembarca nesta quarta-feira na Cidade Maravilhosa com a missão de fazer o rescaldo do desastre.

Em São Paulo os tucanos Geraldo Alckmin (melhor nas pesquisas) e Aloysio Nunes Ferreira (preferido de Serra), assim como o prefeito paulistano Gilberto Kassab, do DEM, desejam ser os indicados para concorrer ao governo. A completa catástrofe para Serra seria perder a eleição presidencial para Dilma.. e ainda ter de passar o governo paulista para seu desafeto Alckmin – hipótese que o leva a levar muito a sério a terceira alternativa.

A cobrança irritada da mídia

Há ainda a cobrança irritada, quase colérica, da mídia. Esta denuncia incompetências e covardias por parte dos oposicionistas em geral e de Serra em particular. "O Brasil tem governo demais e oposição de menos", foi a melancólica conclusão da colunista Miriam Leitão, do Globo, acompanhada no diagnóstico por vários outros articulistas.

Até o marqueteiro de Serra, Luiz González, entra no rol dos discensos oposicionistas e pode ser defenestrado. "Não ouve ninguém, não entende de Brasil. Há uma insatisfação geral no PSDB. Só o Serra gosta dele", disse um senador tucano, sob compromisso do anonimato, para o Estado de S. Paulo, que é insuspeito de simpatias por Lula mas tem sido revelador sobre as fraquezas tucano-demistas.

Um microtempo é volátil por natureza e o atual pode se desvanecer. É o que José Serra deve estar implorando aos deuses que aconteça. Do contrário, qualquer que seja a sua escolha entre as três possíveis, o anúncio da decisão dificilmente soará como um prenúncio de vitória.

MPF sobre a Satiagraha: Abin não cometeu crime. Quando Lacerda e Protógenes voltam? - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=22195 - por PHA.

Cuidado com a palavra “apagão”. Recordar é viver - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=22144 - por PHA.

Comentário: um acidente é um acidente. Faltar energia elétrica de maneira sistêmica não é acidente. É incompetência e desmando.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Serra lança proposta para pré-sal: pedágio em oleoduto - por Bye, bye, Serra

http://byebyeserra.wordpress.com/2009/11/06/serra-lanca-proposta-para-pre-sal-pedagio-em-oleoduto/

Lula: “Política exige mais inteligência que conhecimento” - por Joana Rozowykwiat (Vermelho)

Aclamado de pé pelos participantes do 12º Congresso do PCdoB, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradeceu ao partido pelo apoio e lealdade e destacou a contribuição dos comunistas para o seu governo e o país. No discurso, ele aproveitou para responder às recentes críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à sua gestão e às declarações do cantor Caetano Veloso, que o chamou de analfabeto. “Na mesma semana em que fui tachado de analfabeto, ganhei o título de estadista do ano”, disse.

Lula, que discursou por mais de uma hora, começou sua intervenção resgatando a histórica relação entre PT e PCdoB, que já dura mais de 20 anos. Comparando a aliança ao convívio de um casal, ele lembrou que nunca houve brigas ou rompimento entre as duas legendas. Ressaltou que a sigla comunista esteve ao seu lado nos momentos bons e ruins, citando o apoio que recebeu desde a eleição de 89.

“Quando as pesquisas de opinião tiravam tanto voto meu que pensava que ia terminar a eleição devendo pontos ao Ibope, conversei com (João) Amazonas que era a hora de pensar a candidatura”, contou, com humor. Segundo Lula, ele ouviu do líder comunista que não era possível fazer a candidatura de um operário querendo agradar a todos os setores e que a campanha deveria ser dirigida aos trabalhadores.

“O Amazonas era o homem que apaziguava as brigas, as divergências, entre Brizola, eu e Arraes”, elogiou, ao mencionar a capacidade do PCdoB de construir a unidade. “Definimos então que as relações entre PCdoB e PT deveriam ser uma coisa mais profunda, que, respeitando as soberanias de cada partido, estivéssemos juntos na maioria das lutas. E não poderia deixar de agradecer ao PCdoB”, colocou, lembrando as eleições de 94, 98 e 2002.

“Dentro do PT teve gente que achava que eu não devia mais ser candidato. Mas, no PCdoB, não havia ninguém que dissesse isso”, afirmou, agradecido também pelo fato de o partido não “ter abandonado o barco” na crise de 2005.

Diante de uma plateia repleta de integrantes de movimentos sociais, o presidente falou sobre a época de sindicalista e defendeu: “Deus queira que muitos operários cheguem à presidência, por que aí a gente descobre a responsabilidade do cargo quando quer fazer um governo sério. (...). Na oposição, a gente diz que acha isso e aquilo. Na cadeira, você decide ou não decide, não tem trelelé. E tem que olhar a correlação de forças e as instituições”, discursou, rendendo loas também aos movimentos sociais e, em especial, à UNE.

Dirigindo-se à mesa, o presidente destacou as qualidades dos comunistas que ocuparam ministérios em seu governo, “por que tiveram caráter e lealdade”. Segundo ele, o “PCdoB foi exemplar nesses sete anos de governo”.

Continuidade

Brincalhão, Lula falou de certa “tristeza” em, pela primeira vez, não ter seu nome na cédula da disputa presidencial. “Vai ter um vazio na minha cabeça”, brincou, mencionando a pré-candidata e ministra Dilma Rousseff como a possibilidade de “continuidade de um projeto”.

Referindo-se à juventude presente no Congresso, Lula também brincou com a possibilidade de se candidatar a uma vaga no Prouni quando não estiver mais na presidência. “Talvez a UNE me aceite (...), mas acho mais fácil a UJS me aceitar”, divertiu-se.

“Prestem atenção que esta coisa é muito séria. Quem é prefeito, governador, sabe perfeitamente que um estranho no ninho pode desmontar tudo que foi feito em apenas dois anos (...). Por isso a continuidade é extremamente importante”, disse.

Recado a Caetano e FHC

Com ironia e sem citar nomes, o petista respondeu críticas sobre a sua falta de formação universitária e mandou recados ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Se tem uma coisa inteligente é a classe operária. Tem muito intelectual no Brasil que pensa que não. (...) Essa semana eu fui chamado de analfabeto (...) e nessa mesma semana eu ganhei o título de estadista do ano”.

A declaração foi uma referência ao fato de que, no último dia 5, em uma entrevista, o cantor Caetano Veloso chamou o presidente de analfabeto e disse que, ao contrário da Marina Silva e do Barack Obama, Lula não saberia falar e seria cafona e grosseiro.

“Tem gente que acha que a inteligência está ligada à quantidade de anos no colégio. Não tem nada mais burro que isso. A universidade dá conhecimento. Inteligência é outra coisa. E a política é uma das ciências que exigem mais inteligência do que conhecimento. Inteligência para saber montar equipe, tomar decisões, não está nos livros, mas no caráter e na sensibilidade”, completou. Com ironia, ele conclui: “mas não importa. As pessoas falam o que querem e ouvem o que não querem. A vida é dura”.

Soltando indiretas para Fernando Henrique Cardoso, que no último domingo divulgou artigo falando de um “subperonismo” no governo petista, Lula alfinetou: “Compreendo o ódio, porque um intelectual ficar assistindo um operário que só tem o quarto ano primário ganhar tudo que ele imaginava que ele pudesse ganhar e não ganhou...”, disse Lula, interrompido por palmas e gritos de guerra.

“Tem presidente que foi estudar dois, três anos lá fora. Eu não”, disse o presidente, afirmando que, diferente de outros presidentes, ele precisou provar desde o dia que nasceu que tem competência. “Tinha clareza, e o PCdoB sabe disso, de que se fracassássemos, levaria mais 150 anos para outro operário ser presidente”, colocou.

Ainda fazendo referência a Caetano, Lula declarou, com graça, que “um país governado por um analfabeto vai terminar realizando um governo que mais investiu em educação”. E reposicionou o alvo no ex-presidente tucano: “Estamos fazendo uma vez e meia o que eles não fizeram em um século. (...) O Fernando Henrique Cardoso achava que nós seríamos um fracasso e que ele poderia voltar”.

O precedente Lula e as instituições poderosas

O petista contou ter participado recentemente de uma reunião com catadores de papel, na qual teve “a coragem de dizer para um catador: você pode ser presidente da república desse país, porque vamos deixar um legado”. Lula, contudo, afirmou que chegar ao governo não é o mesmo que chegar ao poder, “Há instituições poderosíssimas”, colocou.

O presidente citou, então, exemplos em que houve pressão contrária às suas posições quanto à política internacional do Brasil. “Queriam que eu batesse no Evo Morales. O Evo queria o gás que era dele. Eu poderia ter feito uma bravata com ele, já que a Bolívia é um país menor. Mas eu não conseguia enxergar como é que um metalúrgico de São Bernardo ia querer brigar com o presidente da Bolívia. Queria brigar era com o Bush, mas ele virou meu amigo e nunca precisei brigar com ele”, brincou.

Sobre as críticas acerca da revisão do tratado de Itaipu, Lula lembrou que houve quem dissesse que o presidente não iria entrar em briga com o Paraguai por ser “frouxo”. “Como é que um país do tamanho e com as riquezas do Brasil vai brigar com o Paraguai? Preferi construir um acordo que vai dar chance de o Paraguai se desenvolver”.

Sob o olhar atento da militância comunista, Lula falou também sobre o papel do Brasil na região e as dificuldades de construir a Unasul. “O Brasil não pode se comportar como se tivesse a hegemonia. Tem que ser como um companheiro mais velho, contemporizar”. E divertiu-se ao dizer que propôs a criação dos Conselhos de Defesa e de Combate ao Narcotráfico na Unasul, para poder dizer: “Obama, não precisamos de bases militares. Vamos cuidar nós mesmos do combate ao narcotráfico e você vá cuidar dos consumidores”.

Manipulação da informação

Embora não tenha feito questionamentos diretos a veículos de comunicação, o presidente por várias vezes mencionou o fato de as informações importantes sobre o país não chegarem à população. E chegou a dizer que, se dependesse de alguns meios de comunicação, ninguém saberia de nada.

O presidente citou manchetes de jornais. “Uma delas, dizia: contra Lula, o PSDB treina cabos eleitorais no Nordeste. Ou seja, é um pouco o que os alemães faziam com os judeus. Ou seja, vamos treinar gente para não permitir que eles sobrevivam”, comparou o presidente.

Ele mencionou ainda uma matéria cujo título se referia à uma cobrança da ONU à meta brasileira de emissão de gases. “A ONU não tem condições de cobrar um milésimo do Brasil”, respondeu.

Além do presidente Lula, a mesa do ato foi composta por diversas lideranças políticas e dos movimentos sociais, entre elas (da esquerda para a direita), João Pedro Stedile (MST); Wagner Gomes (presidente da CTB); Ricardo Berzoini (presidente do PT; Luciana Santos (secretária de C&T de Pernambuco); Rodrigo Rollemberg (deputado federal PSB-DF); os senadores Aloísio Mercadante e Inácio Arruda; Paulo Vanucchi (secretário especial de Direitos Humanos); o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães; Luiz Dulci (secretário da Presidência); Tarso Genro (ministro da Justiça); Renato Rabelo (presidente do PCdoB); Orlando Silva (ministro do Esporte); Edson Santos (ministro da Igualdade Racial); o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral; Augusto Chagas (presidente da UNE); Daniel Almeida (líder do PCdoB na Câmara); Renildo Calheiros (prefeito de Olinda); Haroldo Lima (presidente da ANP) e Aldo Rebelo (deputado federal).

Prefeito desmente PF e defende Protógenes - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=21911 - por Paulo Henrique Amorim.

EUA: Grandes demais para quebrar? - por Tom Engelhardt (Tom Dispatch)

A AIG, a que se refere o autor, é a empresa de seguros que foi considerada grande demais para quebrar durante a crise financeira e recebeu bilhões de dólares em ajuda federal nos Estados Unidos.

Quando as coisas parecem realmente difíceis, como meu pai costumava dizer, "bom jogador reduz os danos". A frase ficou-me na cabeça para sempre. Soa como conselho sem sentido, mas sempre me pareceu razoável. Hoje, nenhum dos encarregados da política norte-americana para a guerra parece saber disso. Os líderes dos EUA pensam como se nenhuma guerra devesse ser reduzida; vivem como se só existisse a opção "mais guerra". E assim, na Guerra do Afeganistão, eles só pensam em mais gasolina, para fogo que já arde descontrolado.

Vejamos um rápido resumo das notícias do conflito: na última semana, o Nuristão, província junto à fronteira com o Paquistão, foi tomada pelos Taliban, depois que os soldados dos EUA foram retirados de quatro bases chave. O mesmo aconteceu em Khost, outra província oriental na fronteira com o Paquistão, onde o exército dos EUA obteve ganhos fartamente noticiados (anunciados por Richard Holbrooke, atual enviado especial do presidente Obama para a Região, como "uma história de sucesso dos EUA"), e onde os Taliban também já estão de volta. Segundo Yochi Dreazen e Anand Gopal do Wall Street Journal, essa é hoje "uma das províncias mais perigosas" do país. Do mesmo modo, a insurgência dos Taliban, que antes estava circunscrita ao sul Pashtun, já se espalha para oeste e norte. Ao mesmo tempo em que o Paquistão vai-se convertendo em país cada dia mais instável, mergulhado em guerra nas áreas tribais, espalha-se uma campanha de terror por todo o país, ao mesmo tempo em que aumenta o número de ataques por teleguiados norte-americanos e as relações entre funcionários norte-americanos e o governo e o exército paquistanês vão-se tornando cada vez mais espinhosas.

Enquanto isso, o comando norte-americano no Afeganistão põe em ação uma estratégia que implica retirar-se do interior do país e concentrar-se em proteger áreas mais populosas (estratégia a qual, vale anotar, foi a escolhida pelos soviéticos e faz lembrar, também, a primeira guerra afegã dos EUA, nos anos 80). As áreas menos populosas do país, segundo essa estratégia, portanto, ficariam a cargo dos mísseis Hellfire dos teleguiados dos EUA. Na última semana, três helicópteros dos EUA – único tipo de veículo que consegue chegar ao interior de um país montanhoso, cujo sistema rodoviário, além de quase inexistente, está fortemente minado – foram derrubados em circunstâncias ainda não esclarecidas (o que também obriga a recordar o desastre soviético na mesma região). Os Taliban redobraram os ataques em todo o país; o bombardeamento das estradas, por exemplo, cresceu 350% em relação a 2007; as baixas de soldados dos EUA alcançaram número recorde e o número de feridos cresce rapidamente; os aliados europeus interessam-se cada vez menos por enviar mais soldados; e os ataques dos Taliban na capital, Kabul, também aumentaram. Tudo isso, apesar da proporção teórica de 12 soldados dos EUA, da Otan e do exército afegão, para cada insurgente Taliban e seus aliados.

Não bastasse tudo isso, o "parceiro" dos EUA, o presidente afegão Hamid Karzai – conhecido nos bons tempos como "o prefeito de Kabul", dado o perímetro coberto por seu sempre muito duvidoso poder – foi declarado "vencedor" em eleições nacionais nas quais as seções eleitorais receberam mais urnas já cheias de votos do que eleitores. Imediatamente depois daquela 'vitória', e em nome de convencer o mundo de que os EUA teriam um efetivo parceiro "democrático" no Afeganistão, desembarcou lá uma impressionante legião estrangeira: o senador John Kerry, Richard Holbrooke e vários outros enviados, ou viajaram até lá ou telefonaram, para sussurrar palavras doces e dar uns trancos no 'parceiro'. Resultado da empreitada, decidiu-se que haveria um segundo turno eleitoral, marcado para 7/11 e cujo destino só poderia ser, como foi e será, piorar tudo. Seja qual for o resultado eleitoral – e, ontem, Abdullah Abdullah, adversário eleitoral de Karzai, já renunciou e anunciou que não concorrerá – a única vitória possível, dia 7/11, será vitória dos Taliban. (E não esqueçamos que, há alguns dias, o New York Times revelou que um irmão de Karzai, conhecido barão da droga, Ahmed Wali Karzai, regular e piamente 'denunciado' pelos funcionários dos EUA, é, de fato, há muito tempo, agente mantido pela CIA e senhor-da-guerra na cidade de Kandahar, ao sul. Se os Taliban estivessem em busca de boa propaganda, aí está a melhor com a qual jamais sonharam).

Com o segundo turno das eleições já consumado como desastre anunciado e pontualmente marcado e cumprido, e com tantos estrangeiros envolvidos no desastre, são tempos de bonança para os Taliban. Palavras como "ocupação", "governo fantoche" e todas as demais já conhecidas, soam cada vez mais verdadeiras aos ouvidos afegãos. Ninguém precisa ser gênio da propaganda para saber dar a esse tipo de situação o uso que mais lhe interesse.

Em quadros como esse, qualquer bom jogador imperial trataria de reduzir os danos. Desgraçadamente, na língua que se fala em Washington, o que aconteceu no Afeganistão não é perfeita definição de fracasso. Na visão economicista corrente, a guerra do Afeganistão passou à categoria de "grande demais para fracassar" – o que não implica reduzir danos; implica exatamente o contrário disso; implica aumentar o cacife ou dobrar a aposta. Em outras palavras: Washington pensa a Guerra do Afeganistão como se fosse a AIG da política externa dos EUA.

Os "dominós", naquele tempo e hoje

Já percebeu, leitor amigo, que quanto mais piora o quadro no Afeganistão, mais os jornalões tropeçam em comparações com o Vietnã? Analogias com aquela contrainsurgência-catástrofe são agora arroz-de-festa. Por mais que obviamente haja pouca semelhança entre o Vietnã e o Afeganistão, em termos históricos e, até, topográficos, há um elemento que os irmana: Washington. Porque é sempre Washington que, pelo que se vê, insiste em inventar semelhanças entre as duas guerras.

O que é que Washington tanto tem a ver com guerras? Como aconteceu de os EUA sempre se meterem em guerras em locais que a maioria dos norte-americanos nem sabe localizar no mapa, guerras que sempre tomam o pior rumo possível, e sempre, de algum modo, tornam-se "grandes demais para fracassar"? Por que, nessas guerras – seja o presidente Democrata ou Republicano – Washington sempre responde com estratégias não para salvar a paz, mas para salvar a guerra?

À medida que as coisas vão de mal a pior, e as chances encolhem dramaticamente, os líderes norte-americanos, como os piores jogadores, afundam-se cada vez mais em apostas impagáveis. Por que, sempre em terras ignotas, sob circunstâncias jamais perfeitamente conhecidas, os governantes norte-americanos convencem-se, sabe-se lá como ou por quê, de que tudo – o destino dos EUA, quando não o destino do planeta inteiro – estaria ameaçado, exposto a riscos terríveis? No caso do Vietnã, essa tendência corporificou-se naquela absurda "teoria do dominó": se o Vietnã caísse, a Tailândia, Burma, a Índia e, por fim, também a Califórnia, cairiam em sequência fatal, como dominós apoiados uns nos outros.

Agora, o Afeganistão está convertido em dominó n. 1 da nossa era, e os demais dominós periclitantes no século 21 são todo o mundo que será alvo de grupos terroristas, depois de uma Al-Quaeda fortalecida ter alcançado seu "paraíso seguro" e ter triunfado no interior do Afeganistão. Depois, em outras palavras... primeiro o Afeganistão, depois o Paquistão, depois o cogumelo atômico que cobriria uma cidade dos EUA. Tanto nos anos do Vietnã quanto hoje, Washington sempre acaba hipnotizada pelo que se supõe que seja a única moeda corrente de estatura internacional: a "credibilidade".

Para construir uma estratégia de "menos", para começar a reduzir nossos danos e nos arrancar do Afeganistão, bastaria – e, aí, opera uma espécie de fé que ninguém discute – destruir os inimigos terroristas (no Vietnã, eram os inimigos comunistas). Qualquer coisa diferente disso seria a vitória de um futuro califado islâmico da Al-Qaeda (como, antes, seria o comunismo a dominar todo o planeta).

Hoje, há uma compulsão para salvar a guerra do Afeganistão, muito mais do que para arrancar de lá nossos soldados. Uma compulsão, numa equipe de política externa que já deveria ter aprendido, mas uma equipe que, de fato, ainda não conhece, até hoje, a história de como se construiu o desastre do Vietnã. Infelizmente, os cidadãos não podem dar o primeiro passo e demitir os tais 'conselheiros' e interná-los em algum "Centro LBJ ou George W. Bush de Reabilitação", para reeducação de generais e 'autoridades'. Nem há qualquer programa de desintoxicação em 12 etapas que se possa recomendar aos políticos de Washington viciados em guerra.

A solução "diga não" é complicada, porque não faz progredir as carreiras. Mesmo assim, foi a via escolhida por um alto funcionário – só um – do serviço diplomático dos EUA, Matthew P. Hoh, que enviou carta de demissão ao seu superior civil do Departamento de Estado, na província de Zabul, em setembro passado. ("Falando claramente: não consigo mais entender o sentido ou a necessidade de tantos soldados norte-americanos mortos, nem de tantos gastos para manter o governo afegão. A guerra civil aqui tem já 35 anos. A presença militar dos EUA no Afeganistão só faz tornar mais legítima e mais estrategicamente aceitável a mensagem da insurgência Pashtun. Em vários sentidos, quanto mais os EUA apoiamos o governo afegão, mais contribuímos para separar governo e povo.")

Mais mais, ou menos mais?

Nesse contexto, apesar do drama de novelão inflado pela mídia – Obama está "amarelando"? Escutará ou não o conselho dos conselheiros? E dos generais? –, todos já sabemos, com doloroso grau de certeza, pelo menos uma coisa sobre a decisão que o presidente tomará sobre a guerra do Afeganistão: haverá mais guerra, não menos. O cacife vai subir. Ninguém está cuidando de reduzir nossos danos. Como o New York Times escreveu recentemente, "Dentro do governo, já não se discute se serão ou não enviados mais soldados, mas quantos soldados serão enviados daqui em diante." Em outras palavras, sabemos que, em resposta a uma guerra que praticamente todos nos EUA concordamos que já é um desastre, o presidente acrescentará, em certo horrendo sentido, mais carne ao braseiro.

É verdade que o presidente Obama, até aqui, deixou transparecer muito pouco sobre o que planeja fazer (supondo que esteja planejando algo). O que se diz agora é que, depois de muito divulgadas e noticiadas longas sessões de brainstorming com seu vice-presidente, principais conselheiros, generais, o Conselho dos Chefes de Estado-maior, deputados e senadores e oficiais de gabinete, é possível (mas nada garante) que o presidente anuncie uma decisão antes de partir para Tóquio, dia 11/11.

Mesmo assim, graças à quase infinita rede de vazamentos e futricas que opera em Washington, superativada depois que, há um mês, vazou para Bob Woodward do Washington Post o relatório do general Stanley McChrystal, comandante dos EUA no Afeganistão, sabemos que: todas as opções entre as quais se movimenta o presidente Obama incluem o advérbio "mais" [guerra] (no tempo do Vietnã, falava-se de [sempre mais] "escalada"). Nenhuma opção atualmente em estudo considera a possibilidade de "menos" [guerra]. A alternativa da retirada, pensada ou proposta seja lá como for, diz a imprensa, já foi retirada de pauta.

A maior publicidade está sendo dedicada, é claro, à alternativa chamada “Contrainsurgência” [ing. Counterinsurgency, de onde a sigla COIN] apresentada pelo general McChrystal e claramente defendida por outro general, o favorito de George W. Bush para a “avançada” [ing. surge] no Iraque, atual comandante do Centcom, David Petraeus.
Conforme essa opção, o presidente aumentaria significativamente o número de soldados norte-americanos em campo para “proteger” a população afegã. O número de soldados extras que se diz estar sendo proposto ao presidente Obama passou por estranho processo de inflação por vazamento para a mídia, ao longo das últimas semanas.
De início, como publicou o New York Times, o general McChrystal teria exposto três alternativas: um número menor de 10-15 mil soldados (“alternativa de alto risco”); um número intermediário de 25 mil soldados (“alternativa de risco médio”), e um número máximo de 45 mil soldados (“alternativa de baixo risco”).
Mais recentemente, sugeriu-se que as três alternativas de McChrystal seriam: 10 mil, 40 mil e 80 mil soldados (ou, possivelmente, entre 44 e 85 mil soldados) – e o general prefere, como se diz agora, 40 mil. Esses soldados norte-americanos, que se estima que estarão no Afeganistão ao final de 2009, mais do que terão dobrado o contingente que lá havia quando Obama assumiu a presidência. O espantoso aumento, para quase 70 mil soldados, até aqui, configura um esforço de guerra mais intenso e menos bem-sucedido.

Em episódio sombriamente cômico, vários ministros da Defesa de países da OTAN aprovaram essa mais robusta opção COIN do general McChrystal – indiferentes ao fato de que seus governos não dão sinais de desejar enviar mais soldados para apoiar a “avançada” dos EUA. (Única exceção até agora foi o primeiro-ministro britânico Gordon Brown, que concordou com enviar pífios 500 soldados ingleses – e cuidou de manter no documento várias cláusulas que lhe permitam não cumprir a promessa.)

Além dessa mais recente opção do McChrystal, que implica “mais”, há informações de que três outras opções estariam sendo estudadas, todas representando “menos”. Digamos, para entender bem, que são opções de “menos mais [guerra]”. São elas:
* Concentrar-se na missão de treinamento para o exército e a polícia afegãos, para conseguir afastar-se de ambos, o mais rapidamente possível. De fato, é mais uma opção de “mais” [guerra], porque será necessário enviar para o Afeganistão milhares de novos treinadores e conselheiros dos EUA. Há notícias de que essa seria a opção preferida pelo senador Carl Levin e outros Democratas no Congresso que temem ‘escaladas’ gigantescas à moda do Vietnã e a queda de popularidade ‘doméstica’.
* Manter estável o número de soldados no Afeganistão, aproximadamente no estágio atual, e concentrar-se não na contrainsurgência, mas no que se tem chamado de “contrainsurgência-plus”. Em termos objetivos, significa intensificar o uso dos teleguiados e das equipes das Forças Especiais, com mira nos Taliban do interior do Afeganistão, nos grupos da Al-Qaeda e nos agentes e operadores do Taliban nas regiões das áreas tribais da fronteira com o Paquistão. Essa opção, pelo que se ouve, seria a preferida do vice-presidente Joe Biden, que temeria (muito razoavelmente) que uma maior presença dos EUA no Afeganistão só serviria para mobilizar os afegãos, cada vez mais, contra uma força ocupante estrangeira. Essa opção, que a mídia dos EUA frequentemente apresenta como se implicasse alguma ‘des-escalada’ e próxima de opção antiguerra, é de fato [também] opção de mais guerra.
* E a opção apresentada pelo senador John Kerry, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, que Jim Lobe, do Interpress Service, batizou de “contrainsurgência light”. Nas palavras do senador, implicaria mais treinamento para os soldados afegãos e o envio de talvez 10-15 mil soldados imediatamente. (Como faz sempre, Kerry conseguiu falar e falar, sem dizer nenhum número preciso.) Simultaneamente, esperaríamos que progredissem outros fatores considerados cruciais para o sucesso de uma campanha de contrainsurgência: “que se constituíssem as forças afegãs necessárias para uma parceria com soldados norte-americanos”; [que emergissem] “líderes locais com os quais se possa trabalhar”; e [que amadureça] “uma sociedade civil capaz de fazer bom uso dos estímulos para o desenvolvimento que leva tantos benefícios tangíveis para a população local”. Apelando à imagem clássica do controle imperialista, o senador fala de “dar uma cara afegã” à guerra do Afeganistão. Em palavras bem claras, que ninguém diz, trata-se, mesmo, de pôr uma máscara afegã sobre a guerra dos EUA. (Dado que jamais se reunirão todos os fatores cruciais que Kerry apresenta como indispensáveis a qualquer campanha bem-sucedida de contrainsurgência, pode-se dizer que essa opção também é opção de “menos mais” [guerra].)

Pântanos, dilemas e confusões, naquela época e hoje

É possível, é claro, que o presidente escolha uma “estratégia híbrida”, misturando e combinando ingredientes dessa lista. Pode, por exemplo, aumentar o número de bombardeios por teleguiados no Paquistão; aumentar ‘modestamente’, à moda Kerry, o número de soldados; e mandar para o Afeganistão mais treinadores e assessores norte-americanos – pacote que seria apresentado como parte de um plano para pavimentar a estrada de uma futura retirada. O que se sabe com certeza, a partir do que houve ano passado, é que “mais” [guerra], venha sob a forma que vier, sempre será um pesadelo; e ninguém cogita de retirada; e as cartas não mostram qualquer ideia de retirada. Tão cedo, ninguém, em Washington, moverá uma pedrinha para reduzir nossos danos.

Na era Vietnã, havia uma palavra-código para essa situação: “os pântanos do Vietnã”. Estávamos, como dizia uma canção de protesto contra a guerra, “enterrados na lama até a cintura”, e afundando. Se o Vietnã foi convertido em pântano e treva, aconteceu porque os EUA o converteram em pântano e treva. Assim também, em condições um pouco diferentes, o Afeganistão já está convertido na AIG da política externa dos EUA; e os assessores e conselheiros de Obama são os equivalentes ‘diplomáticos’ do secretário Hank Paulson, do Tesouro de Bush. E acontece lá, como na economia: expandirão a guerra do Afeganistão o quanto queiram; no final, lá estará o contribuindo norte-americano, para pagar a conta.

[...]

Se a guerra do Afeganistão já é, hoje, grande demais para fracassar, o que, santo deus, será essa guerra depois de todas as ‘escaladas’ de que tantos falam? Como no Vietnã, agora também no Afeganistão, camadas e camadas de mitos e ‘previsões’ e ‘projeções’ – toda a mitologia que se chama ‘realismo’ em Washington – já tornou impossível pensar objetivamente sobre a guerra. Por isso desapareceu da pauta a possibilidade de analisar-se seriamente uma alternativa para “menos” ou “nenhuma” [guerra]. Apesar de já poderem ter aprendido, no Vietnã, que nenhuma retirada jamais será desastre maior do que os ‘avanços’, só se cogita de mais guerra, não de menos.

Os EUA passaram por todas as etapas de avanço, retirada e derrota no Vietnã sem ter padecido qualquer grave dano de pós-guerra. Isso, daquela vez. Hoje, os EUA já não são aqueles EUA e não terão a mesma sorte. Os EUA, nós mesmos, já não somos ‘grandes demais para quebrar’. E, por favor, ajudem-me a lembrar: “quem, afinal, nos ‘resgatará’ da falência... se for preciso?!”

Comentário meu:
Certa vez li um cálculo amador que compilava os gastos totais do governo dos EUA nas guerras do Iraque e Afeganistão. Decerto que estes números já estão defasados –gastaram muito mais desde então.
Seguindo o texto, darei uma de John Kerry e não precisarei números, porém, o fato é: com o dinheiro desperdiçado teriam se CONSTRUÍDO diversos países. Toda uma infra-estrutura, condições necessárias e adequadas para que o país crescesse e se libertasse do jugo dos fanáticos talibãs e do ditador Sadam Hussein, escolas, universidades, etc., etc., etc., tudo, tudo que um país precisa poderia ter sido construído – ao se desmantelar os talibãs, em sequência, esta deveria ter sido a prioridade do governo dos EUA. Não é a guerra que atrai a população, é a melhoria da sua vida.
Fatalmente, muitos estadunidenses observaram isto que digo. Porém, a força do lobby bélico suplanta em muito a racionalidade.
É uma lástima.


P.S: tradução - por Luiz Carlos Azenha.