quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Manual da velha mídia contra as greves - por Alexandre Haubrich (blog Jornalismo B - reproduzido no blog do Miro)

A cada movimento grevista, os ataques da mídia dominante se sucedem. Isso acontece porque determinados setores da mídia atuam não como espaços informativos, mas como instrumentos discursivos das elites.

Abaixo, um imaginado (ou nem tanto) manual prático da velha mídia brasileira sobre como cobrir uma greve. Baseado em fatos reais:

1. Para tentar esvaziar a greve:

1.1. Diga que a greve é “de vanguarda” e que os trabalhadores não foram devidamente consultados;

1.2. Caso você seja obrigado pelos fatos a admitir que houve uma Assembléia Geral, diga que a Assembléia teve pouca participação;

1.3. Diga que a Assembléia que definiu a greve teve grande quantidade de discordantes;

1.4. Faça todo o possível para mostrar os trabalhadores como simples massa de manobra das lideranças sindicais

1.5. Ignore o fato de que as lideranças sindicais são eleitas pelos próprios trabalhadores;

1.6. Ignore a obrigação legal que as lideranças sindicais têm de convocar uma Assembléia Geral para votar uma proposta de greve;

1.7. Afirme, reafirme e repita quantas vezes for possível que a greve está esvaziada, estando ela como estiver.

2. Para pressionar o governo contra os grevistas:

2.1. Escreva que os grevistas estão provocando o governo;

2.2. Diga que o resultado das mobilizações vai demonstrar “quem realmente manda” no governo;

2.3. Garanta que o governo perderá força se ceder às exigências dos grevistas;

2.4. Ameace: escreva que ceder é demonstrar fraqueza, e que governos fracos não se sustentam no poder;

2.5. Coloque a sociedade contra o movimento, fazendo o governante ver que perderá votos na próxima eleição caso ceda.

3. Coloque a sociedade contra o movimento:

3.1. Destaque todos os prejuízos que o cidadão “de bem” terá com a greve;

3.1.1. Se for uma greve de professores, ressalte os danos às férias escolares, ao vestibular e ao aprendizado das crianças;

3.1.2. Caso alguma manifestação dos grevistas interrompa o trânsito, faça imagens do congestionamento, e não esqueça de falar que os “trabalhadores” foram prejudicados por não conseguirem chegar às empresas onde trabalham.

4. Na hora das entrevistas:

4.1. Evite ao máximo entrevistar grevistas. Se precisar fazê-lo, pouco espaço, e apenas no final da matéria;

4.2. Entreviste muitos “populares” prejudicados pela greve;

4.2.1. Se for uma greve de professores, entreviste diretores de escolas preocupados, pais desesperados, e não hesite em procurar desesperadamente crianças que adorariam estar na escola, mas não podem estudar por causa da greve;

4.2.2. Caso alguma manifestação dos grevistas interrompa o trânsito, entreviste motoristas tensos e anti-greve, mas não esqueça de variar com outros que afirmam “até concordarem” com as reivindicações, mas que também precisam ir trabalhar.

5. Na hora da redação da matéria:

5.1. Comece o texto sempre com os problemas que a greve (“os grevistas”) causa à população;

Obs.: Nos casos em que é possível aproximar ações dos grevistas de atos “criminosos”, os transtornos à população devem ceder o primeiro posto e serem transformados em uma segunda questão a ser colocada no texto;

5.2. Esforce-se para mostrar posicionamento das instituições do governo contra a greve;

5.3. As reivindicações dos grevistas devem aparecer em um ou dois parágrafos, no máximo, no fim da matéria;

5.4. Possíveis denúncias dos grevistas devem aparecer sempre acompanhadas de “suposto” ou derivados.

6. Glossário subjetivo:

Grevista = vagabundo

População = desrespeitada

Greve = vagabundagem

Mobilização = baderna

Empresas = coitadinhas

Reivindicações = privilégios

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Quem é que vai pagar por isso?

No dia 11 próximo, haverá um plebiscito sobre a divisão do estado do Pará em mais dois estados (Tapajós e Carajás).
O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – órgão que deveria nortear o governo, porém, só é utilizado politicamente quando interessa a uns e outros – calculou que, enquanto o atual estado do Pará apresenta um superávit em suas contas de cerca de R$ 300 milhões de reais anuais, caso estes outros dois estados venham a ser criados (claro, deverão replicar toda a onerosa estrutura de estado – executivo, judiciário e legislativo), o próprio Pará será deficitário em R$ 850 milhões de reais anualmente, Carajás em R$ 1 bilhão de reais e Tapajós em R$ 864 milhões. Somando-se tudo, um prejuízo de R$ 2 bilhões, oitocentos e quatorze milhões de reais (isto sem contar que antes havia superávit nas contas do Pará), quase três bilhões de reais. Por ano.
Bem, caso isto ocorra, os outros estados da federação é que terão de arcar com tais despesas.
O que eu acho mais burlesco disto tudo, é que a população de todos os demais estados do país, que, de fato, deverá pagar a conta desta brincadeira dos políticos, não é consultada neste plebiscito. Apenas a população do Pará votará.
Assim é fácil: quem vai pagar a conta não votará. Aí eu também quero.
Nós deveríamos pensar em reduzir a quantidade de estados e municípios no país, agregando aqueles que são deficitários economicamente há muitos anos (há estados que só trouxeram prejuízo ao restante do país, desde a sua fundação) aos outros entes da federação superavitários, respeitando, claro, as diferenças de cada região e cultura.
Porém, neste caso – com a óbvia intenção de aumentar a quantidade de cargos políticos e, portanto, a probabilidade de serem eleitos – alguns sórdidos políticos utilizam pretextos fúteis para tentar justificar a criação de estados e municípios natimortos, que só sobrevivem economicamente com o auxílio do governo federal.

Relembro-me do refrão da bela música do Lobão, Revanche: “Quem é que vai pagar por isso?, questiona inclemente o velho lupino.
Pois bem, a resposta no caso é inequívoca: todos os brasileiros que não moram no Pará vão pagar (e para sempre) por esta aventura irresponsável.
Uma lástima.

P.S: segue o vídeo de Revanche (não encontrei a gravação que eu queria, a do hollywood rock - se fosse ela, o título desta postagem seria outro) :

Aécio na Época. Cadê o bafômetro? - por Por Altamiro Borges (blog do Miro)

A revista Época, dos filhos de Roberto Marinho, cedeu generoso espaço ao senador mineiro Aécio Neves na edição desta semana. O tucano até parece embriagado pelas suas ambições. Ele tenta ocultar a grave crise da oposição de direita, endurece nas críticas ao governo Dilma e defende penas mais duras para os motoristas que dirijam bêbados. É sério! Faltou um bafômetro antes da entrevista!

Apesar do inferno dos demos e das sangrentas bicadas entre os tucanos, Aécio garante que “a oposição chegará altamente competitiva em 2014”. Para ele, o governo Dilma tende a se desgastar rapidamente. “É refém do que lá atrás se chamou de coalizão, mas que não passa de um governo de cooptação. O governo do PT abdicou de um projeto de país para se dedicar a ficar no poder”.

Bebedeira e perda de memória

O ex-governador, que fez alianças com deus e o diabo para se perpetuar no poder em Minas Gerais – inclusive cooptando a maior parte da mídia local, sabe-se lá com que expedientes –, lembra aqueles borrachos que esquecem o que fazem. Na sua embriaguez, eles ficam ainda mais agressivos. Aécio, na entrevista, tira a máscara de bom-moço e parte para o ataque direto contra a presidenta Dilma.

“Ela é responsável pela formação de seu governo, pela incapacidade de tomar iniciativas, pela falência da infra-estrutura no Brasil, pela má qualidade da saúde. Esse é um governo reativo, sem a dimensão necessária para produzir um futuro diferente para o Brasil – e que passou o ano reagindo às crises que surgiram. O malfeito só é malfeito quando vira escândalo”, afirma o santinho.

A parte mais cômica da entrevista

Mas a embriaguez [no sentido figurado] conduz a erros ainda mais grotescos. Aécio insiste em defender a maldita herança tucana. “Abrir mão de defender nosso legado foi o maior dos equívocos do PSDB”. Para ele, Lula só existe por causa de Itamar Franco e, principalmente, de FHC. “Essa foi a bendita herança para o governo do PT. E abdicamos de disputar isso”, afirmou, sóbrio.

Ao final da entrevista, a parte mais cômica. A Época tenta limpar a imagem do senador, flagrado no início deste ano com a carteira de habilitação vencida – a publicação da famiglia Marinho só não menciona que, segundo boletim de ocorrência da polícia carioca, ele estaria dirigindo “embriagado ou drogado”. A revista pergunta: “O senhor é favorável ao endurecimento da Lei Seca?”.

Aécio: Sou. Votei na Comissão de Constituição e Justiça pelo endurecimento da lei.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Muitas cajadadas para uma semana só

Em semana triste para a política brasileira, é aprovado em comissão da câmara dos deputados um projeto que, em suma, permite que toda sorte de serviços sejam terceirizados (precarizados), um projeto que é uma tragédia para o trabalhador brasileiro. Podemos observar nesta votação, mais uma vez que grande defensor dos trabalhadores é o senhor Paulinho, eterno presidente da Força Sindical (aquela central, criada por Luiz Estevão – primeiro senador caçado da história do Brasil –, a mando de Fernando Collor, e financiada por PC Farias, para fragilizar a CUT), que votou a favor do referido projeto. Uma vergonha.

Como se não bastasse isto, o senhor André Sanchez (figura que, bem como seu patrão e também “eterno presidente” da CBF, Ricardo Teixeira, dispensa apresentações) é nomeado diretor de seleções da CBF.
Talvez o que possamos conseguir com a frustração inevitável que virá com esta seleção pífia que o Mano vem montando (mais de um ano de trabalho e ninguém – nem ele, mesmo – sequer tem ideia de qual será o time da seleção) e a derrota na copa de 2014, seja a remoção de todo este lixo da CBF.
Aguardemos.

Por fim, o senhor Daniel Dantas, com suas “facilidades” em instâncias superiores, consegue mais uma decisão em seu favor na justiça brasileira.

É assim que vamos.
Uma lástima.

O Irã e a III Guerra Mundial – por Mauro Santayana (JB Online)

O jornalista e escritor britânico Douglas Reed, que morreu em 1976, pode ter sido um dos homens mais alucinados do século 20, como dizem seus biógrafos. Combatente na Primeira Guerra Mundial, quando ficou gravemente ferido no rosto, ele se fez jornalista e correspondente do Times de Londres em vários países da Europa. Em seus despachos de Berlim, se destacou como corajoso e violento anti-nazista. Foi o primeiro não comunista a denunciar a farsa do incêndio do Reichstag, acusando pessoalmente Hitler de ter sido o responsável pelo ato de provocação.

Quando se deu conta de que viria o Anschluss (a anexação da Áustria à Alemanha), ele, então em Viena, escreveu, em poucas semanas, seu livro mais conhecido, Insanity Fair publicado em Londres em 1938. Nele, advertiu contra a tolerância em favor de Hitler, e previu a imediata eclosão da 2ª. Guerra Mundial. Meses depois, com a capitulação das potências européias em Munique, no caso dos sudetos, deixou de trabalhar para o Times, cuja posição era também apaziguadora.

A partir de 1940, Reed se tornou anti-sionista - não anti-semita. Mas aceitou a tese conspirativa e fantasiosa de que os comunistas e os sionistas eram aliados para dominar o mundo. Para ele, os nazistas favoreciam os sionistas, ao transformar os judeus em vítimas. Em seus artigos, previu que o Estado de Israel, a ser criado na Palestina, como determinava o projeto sionista de Max Nordau e Theodor Herzl, viria a ser o germe da grande conspiração para o domínio sionista do planeta, mediante um governo mundial.

Enfim, aceitava a famosa manipulação do “Protocolo dos Sábios de Sião”. Logo depois do armistício de 1945, previu que esse governo mundial seria dotado de armas atômicas, como propusera o banqueiro e assessor de Roosevelt, Bernard Baruch, também filho de judeus de origem européia. De acordo com o Plano Baruch, nenhum outro país, além dos Estados Unidos, deveria desenvolver armas atômicas. O congelamento sugerido foi rejeitado com vigor pelos soviéticos.

Mas a citação de Reed nesta coluna se deve a uma frase profética do posfácio que acrescentou à edição original de Insanity Fair. Reed conta que, ao visitar a então Tchecoslováquia, pouco antes do Tratado de Munique, se deu conta de que os seus soldados estavam mobilizados na fronteira, contra a prevista invasão do território pelos alemães – e contavam com a Inglaterra, mais do que com a França, para resistir. Enquanto isso, diz Reed, os ingleses abandonavam os tchecos. Naquele momento, deduziu o escritor, o mais poderoso império da História – o britânico – entrava em sua inexorável fase de declínio. Reed registra, na frase inquietante, a sensação de que o desastre era desejado, ao dirigir-se a seus compatriotas: “E até onde eu posso entender vocês, parecem desejar que isso ocorra”.

Advertiu que ao apoderar-se de países vulneráveis, mas senhores de matérias primas, de energia, de mão de obra e de soldados, a Alemanha se faria inexpugnável, invulnerável e invencível, e dominaria toda a Europa – o que viria a ocorrer fora das Ilhas, até a virada em Stalingrado.

Outras são as circunstâncias de nosso tempo, mas a insanity fair parece a mesma. Se a Palestina é muitíssimo mais indefesa do que era a Tchecoslováquia de Benes e Hocha, o Irã é sempre a Pérsia. Ao não reagir contra as perspectivas de um conflito, os europeus de hoje, como os ingleses de Eden e Chamberlain, parecem desejá-lo. Talvez suponham que possam associar-se aos norte-americanos no governo do mundo. Mas o tempo de Baruch passou. Hoje, se os Estados Unidos, a Grã Bretanha, a França – e até Israel – dispõem de armas nucleares, a Rússia, a Ucrânia, a China, o Paquistão e a Índia também as têm.

Os arsenais do Pentágono dispõem de armas para destruir o mundo, mas não de recursos humanos e bélicos para a conquista e domínio do planeta. É bom, no entanto, anotar uma das profecias de Reed, ao analisar o Plano Baruch, e o associar ao sionismo. Segundo Reed, haveria uma Terceira Guerra Mundial, com a criação de um governo planetário, a ser imposto e exercido pelos sionistas. É uma profecia perversa e, como podemos supor, improvável. Primeiro, porque surgem em Israel e nos Estados Unidos vozes de bom senso, que advertem contra esses arquitetos do apocalipse. Quando Meir Dagan, ex-dirigente do Mossad – a agência de espionagem e contra-espionagem de Israel, mais eficiente do que a CIA – diz, em palestra na Universidade de Tel-Aviv, que um ataque ao Irã é “uma idéia estúpida”. Dagan advertiu que qualquer iniciativa militar contra Teerã conduzirá a uma guerra regional, com gravíssimas conseqüências para todos. É sinal de que alguma coisa muda em Israel. Mas não apenas em Israel. Nos Estados Unidos, alguns chefes militares também tentam convencer o presidente Obama – a cada dia mais servidor dos belicistas do Pentágono – de que um ataque ao Irã poderá levar a uma nova guerra mundial, e de resultados imprevisíveis.

Em artigo publicado pelo New York Times de 14 deste mês, o general John.H.Johns deixa bem claro o perigo, ao afirmar que um ataque ao Irã seria repetir a aventura do Iraque, com mais dificuldades ainda, e que o país dispõe de meios militares para rechaçar qualquer ataque. Opinião semelhante é a do general Anthony Zinni, outro respeitado chefe militar. Como sempre ocorre, ele e Johns são hoje oficiais reformados.

Informa-se também que chefes militares da ativa estiveram recentemente com Obama, a fim de demovê-lo de apoiar qualquer iniciativa bélica de Israel contra o Irã. Obama balançou os ombros.

A principal mudança, no entanto, é a tomada de consciência de grande parte dos cidadãos dos Estados Unidos e de Israel de que o inimigo não está fora de suas fronteiras, mas dentro delas. As desigualdades sociais e a angústia em que vivem, em estado de guerra permanente, levam o povo às ruas. Em Israel, cerca de 500.000 pessoas foram às ruas contra o desemprego, a corrupção e o enriquecimento de poucos, diante das crescentes dificuldades da maioria. Os protestos nos Estados Unidos aumentam, apesar da repressão violenta.

E é nesse quadro geral que os Estados Unidos buscam uma aproximação maior com a Argentina, com o propósito bem claro de reavivar a antiga desconfiança entre aquele país e o Brasil. Não é a primeira vez, embora esperemos que seja a última, em que Washington atua em busca da cizânia entre os dois maiores países da América do Sul. Não parece provável que obtenham êxito. Nos últimos anos, argentinos e brasileiros começaram a entender que estão destinados a viver em paz, e unidos na defesa de seus interesses comuns, que são os do continente.

O denuncismo hipócrita - por Mino Carta (CartaCapital)

O ministro Lupi segura ainda, com fervor, a sua pasta, para a contrariedade de quem já o queria fora do governo, obediente às denúncias da mídia nativa. Ocorre que a presidenta não se mostrou obediente na mesma medida, a bem da sua autoridade e do seu governo, e dos cidadãos em geral.

Carta Capital não acredita que o ministro Lupi mereça especiais resguardos, tampouco o jornalismo pátrio especial respeito. Antes de ser refém do denuncismo, Dilma Rousseff mostra saber o que lhe convém, e que é ela quem manda. Os objetivos midiáticos, se de um lado parecem evidentes, de outro causam efeitos aparentemente opostos aos desejados.

Caso a intenção tenha sido realmente criar problemas para a eleita contra a vontade da mídia, verifica-se que a culatra é obrigada a um novo, constante desgaste. A cada lance da faxina, a popularidade da presidenta cresce. Pretende-se que embatume? Pois fermenta. Dilma, de resto, prepara uma reforma ministerial para o começo do ano próximo e com toda probabilidade o atual ministro do Trabalho figurará entre os substituídos.

Nebulosa é a forma pela qual se constituiu o ministério no período intermediário entre a eleição e a posse. Falou-se de interferências de Lula na escolha de vários titulares, bem como da designação de outros ao sabor de pressões partidárias de sorte a garantir a chamada governabilidade. Que las hay, las hay, é tradição da nossa política, ditada por injunções inescapáveis.

Há nomes que, CartaCapital arrisca-se a crer, não se discutem. Uns já exibiram larga competência na gestão Lula, como, por exemplo, Celso Amorim e Guido Mantega. Outros, firmaram-se sob o comando de Dilma, Mercadante, Tombini, Helena Chagas, exemplos também. Há ainda ministros que não passam de figurantes obscuros, embora lotados em pastas exponenciais. Digamos, o Ministério da Justiça.

Em mais de um episódio, o comportamento de José Eduardo Cardozo me causou perplexidade, ou mesmo sentimentos mais incômodos. Cito um episódio apenas. Foi ele quando deputado federal quem, em companhia do colega Sigmaringa Seixas, comboiou o então ministro Márcio Thomaz Bastos para um jantar com o banqueiro Daniel Dantas na residência brasiliense do então senador Heráclito Fortes. Chamo a atenção dos leitores para o fato de que à época, primeiro mandato de Lula, a mídia denuncista deixou passar o evento em branca nuvem. Ergueu-se somente a voz de CartaCapital.

Basta, para mim, ouvir o nome do orelhudo para padecer de súbitos arrepios. É do conhecimento até do mundo mineral que, condenado em diversas instâncias por tribunais internacionais, Dantas goza de regalias no Brasil. Mesuras. Proteção. Esteve atrás das grandes mazelas, das privatizações de FHC aos ditos “mensalões”. Versátil, financiou tucanos e petistas. Incólume, grampeou meio mundo. Satisfeito agora, em plenitude abrangente, imagino, com o enterro da Satiagraha.

O destino dos ministros de Dilma Rousseff preocupa sobremaneira a mídia nativa, nem um pouco a incomodam os feitos de DD. Como dizem os nossos perdigueiros da informação, Dantas é “todo-poderoso”, destes que moram em “mansões”, talvez no gênero o número 1, porque, “afinal”, é “o dono do pedaço”. E daí? Ele tem recursos e esperteza para comprar a todos, em quaisquer áreas.

Nunca esquecerei que o escritório de advocacia de Márcio Thomaz Bastos, quando ele era ministro, me processou em ação penal movida por Dantas, a -acusar o acima assinado por ter registrado apenas umas tantas verdades factuais. Nunca esquecerei o jantar na casa de Heráclito, e, anos depois, o encontro no Planalto entre Lula e Tarso Genro de um lado, doutro Nelson Jobim e Gilmar Mendes, que prometera chamar às falas o próprio presidente da República. Selaram em santa paz o desterro do honrado Paulo Lacerda, réu por ter oferecido efetivo da Abin às operações da Satiagraha.

Por mais falho que tenha sido o trabalho do delegado Protógenes, as ações criminosas do orelhudo continuam à vista. E como esquecer o que Paulo Lacerda contou a mim diante de testemunhas a respeito de pressões exercidas a favor de Dantas por deputados e senadores e até por um ministro? Os herdeiros da casa-grande unem-se na hora do risco, um cuida dos interesses do outro, nunca daqueles do País. A societas sceleris, hipócrita e feroz, sempre se repete e se renova.

Este gênero de permissividade, de leniência, de envolvimento, se quiserem de hipocrisia ecumênica machuca em mim o jornalista, o indivíduo, o cidadão.

PT: sem a reforma política, um caminho sem volta - por Maria Inês Nassif (Carta Maior)

O quadro eleitoral pós-ditadura envelheceu rapidamente porque nunca foi novo. Os partidos se rearticularam em torno das mesmas bases eleitorais do bipartidarismo, que por sua vez incorporou as mesmas práticas do quadro partidário que começou a se consolidar a partir de 1946, a redemocratização pós-Getúlio. Fugiu a essa regra, na redemocratização, o Partido dos Trabalhadores (PT). Há nove anos no poder, num regime presidencialista de coalizão que tem o poder de agregar todos os vícios do sistema partidário, e como partido profissionalizado que tem de competir com os demais por financiamento privado de campanha, o PT chegou ao seu limite. Existe uma linha tênue que ainda difere a frente de esquerdas formada no final da ditadura militar do modelito das demais agremiações brasileiras. Aliás, muito sutil. Para o partido da presidenta Dilma Rousseff, a reforma política é uma chance de evitar a vala comum dos partidos tradicionais brasileiros.

Em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente pela primeira vez, o PSDB era um partido pequeno, de quadros e não apenas com uma vocação definida para a negociação, mas em processo de conformação ao neoliberalismo, que se tornava hegemônico globalmente. Ser governo, nadar em direção ao centro, e posteriormente mais à direita, e contar com quadros que deram sustentação ideológica à mudança de rumos do partido que começou social- democrata, facilitaram as alianças necessárias à composição de uma maioria parlamentar sólida. FHC tinha uma maioria mantida coesa com a ajuda da política tradicional, mas dispunha também de grande convergência de ideias. Fazer um governo do centro à direita , com a característica de unidade ideológica e de similaridade na práticas da política tradicional, foi o achado de estabilidade do governo FHC.

Após a vitória, entretanto, o partido de FHC, com a intenção de amortecer o impacto da aliança com os partidos mais fisiológicos, passou a investir na cooptação de quadros de legendas à sua direita – quadros que não deixaram de ser fisiológicos porque foram para o PSDB, mas, ao contrário, aceleraram a conformação do partido à política tradicional. O PSDB consolidou-se no Norte e no Nordeste graças à ação do “trator” Sérgio Motta que, no comando do partido e do Ministério das Comunicações, fez um trabalho de arregimentação destinado a aumentar rapidamente a bancada e dar maior poder de negociação aos tucanos, na aliança preferencial feita com o então PFL. No Sudeste, o partido comeu o PMDB pelas bordas. No Sul, manteve alguma influência por ter ao seu lado o PMDB.

Era a estratégia de fazer rapidamente um partido grande que, segundo o projeto do grupo original do PSDB, ficaria 20 anos no poder. A porta de entrada era a infidelidade partidária – a possibilidade de mudar de partido sem sofrer punições --, extinta no governo Lula pelo Tribunal Superior Eleitoral, uma decisão ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, por provocação dos partidos governistas no governo FHC, que então eram oposicionistas e sofriam o efeito da perda de quadros para a bancada de apoio ao governo petista.

No final de oito anos de mandato, o PSDB havia sido tragado pela política tradicional. Era um partido com quadros nacionais originários do racha do PMDB, em 1988, aos quais se agregaram caciques vindos de outros, em especial no Nordeste. Nos Estados, todavia, estruturou-se absolutamente enquadrado na fórmula de cooptar o chefe político estadual e dar a ele autonomia para arregimentar os donos do poder nos municípios. A política do varejo passou a ser decidida pelos donos do partido nos Estados, a exemplo do que ocorria com o PMDB do qual rachou o tucanato; a política nacional, por “cardeais” que, no governo federal, davam o rumo ideológico do governo, articulavam “por cima” e garantiam a sua base atendendo aos interesses paroquiais de seus líderes estaduais (e nacionais também).

O PT teve um período de consolidação maior antes de chegar ao poder, em 2002, com Lula; e, como foi criado por quadros que militavam fora da política tradicional, sua absorção ocorreu de forma mais lenta. O partido de militância voluntária, no entanto, foi um modelo que começou a ruir nos anos 90; o discurso antiprofissionalização e anti-institucionalização de alguns grupos perdeu ainda mais força a partir de 1995, quando José Dirceu assumiu a presidência nacional, organizou uma burocracia partidária e estruturou profissionalmente o partido para disputar o poder dentro das regras estabelecidas pelas leis, com as devidas adequações às práticas eleitorais e partidárias, inclusive a entrada do PT no mercado de financiamento privado eleitoral, numa realidade em que o custo da disputa pelo voto aumentava de forma geométrica.

Nos dez anos que separaram a posse de Dirceu na presidência do PT do chamado escândalo do “mensalão”, que tirou o seu poder no governo Lula e no PT, o partido viveu um dilema hamletiano: aprendeu a usar o dinheiro e a mensagem publicitária para angariar votos e montou uma estrutura municipal que não apenas capilarizou seus votos, mas ampliou suas fontes de recursos; e de outro lado, submeteu os grupos mais radicais mas ainda os manteve na órbita do partido, “terceirizando” a esses grupos a tarefa de pressionar internamente por decisões de caráter mais programático e orgânico.

O PT completou com Lula oito tumultuados anos de poder, onde assumiu o desgaste pela inserção plena na forma tradicional de financiar partidos, teve de se escorar na popularidade de Lula e completou o ciclo de regionalização. Segundo um parlamentar petista, nos Estados onde o partido tem mais tradição de organização, já está distritalizado – isso quer dizer que, onde tem prefeitos, consegue eleger deputados estaduais e federais. Esse é um indicativo bastante forte de que, do ponto de vista funcional, o partido já opera de forma muito semelhante aos demais.

Proliferam também, Brasil afora, situações onde os grupos do PT mantém-se rachados em relação aos governos estaduais e municipais: dividem-se na escolha dos candidatos, os grupos vencidos se afastam durante a campanha e, na composição com um vitorioso de outro partido, uns grupos ficam, outros vão embora. Isso era impensável no passado, exceto no Rio, onde constantes intervenções da direção nacional mais atrapalharam do que ajudaram a unidade do partido.

Do ponto de vista nacional, existem louváveis tentativas de costurar uma certa organicidade no partido que está há nove anos no poder, mas numa coalizão que vai, a partir dele (com seus setores mais de centro-esquerda e outros à esquerda) até partidos de extrema-direita, convivendo com uma oposição que interrompe o arco de alianças ao tentar situar-se ao centro (embora com muita tendência à direitização). A direção nacional tenta definir uma pauta política do próprio partido, que não esteja atrelada simplesmente às posições de governo, e discute seriamente mudanças na legislação eleitoral e partidária para evitar que quadros ideológicos desapareçam diante da necessidade de fazer caixa de campanha (e portanto atrair o interesse das empresas), e para interromper o processo de favorecimento de lideranças boas de voto e dinheiro, em detrimento dos melhores quadros orgânicos.

Sem a reforma eleitoral e partidária, certamente o PT, como partido de governo num regime presidencialista com as características do nosso, não deixará de crescer. Com uma reforma eleitoral que privilegie o voto distrital, também tem chances de manter um crescimento consistente. Com finaciamento privado de campanha, todavia, deixará de ser em pouco tempo o partido que se diferencia no quadro partidário. Em muito pouco tempo. Está no seu limite.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Serra, o rato que ruge da política nacional - por Luis Nassif (blog do Nassif)

Em plena campanha de 2010, escrevi aqui: o maior mal que José Serra faria à política não seria sua eleição (felizmente exorcizada pelo bom senso nacional) mas os prejuízos ao surgimento da uma oposição consistente e civilizada.

No plano político-partidário, atualmente Serra é zero. Sua atividade lembra o filme “O Rato que Ruge”, do general do país insignificante que pretende entrar em guerra com os EUA para ser derrotado e, posteriormente, ajudado. Desembarca em Nova York em um momento de estado de emergência em que não se via viva alma nas ruas. E acha que venceu a guerra.

Esse cidade vazia em que só se movimenta o general bufão chama-se velha mídia. É ela que cria a percepção de que Serra existe.

Politicamente, Serra não existe. Seus seguidores se resumem a um factoide político, Andrea Matarazzo, um senador em final de carreira, Aloysio Nunes, dois ou três ex-comunistas perdidos pelo mundo, e um ou dois parlamentares órfãos. E só.

Com exceção de pouquíssimos aliados pessoais que restaram, e só ficaram porque se amarraram a Serra como os fanáticos ao pastor Jim Jones, comprometendo irremediavelmente suas carreiras, Serra é uma figura incômoda, que ninguém quer por perto mas que comparece a todos os eventos públicos, com uma desfaçatez só comparável ao do Beijoqueiro. É incômodo ao PSDB paulista, ao nacional, é incômodo ao próprio Kassab. Não tem espaço em nenhum lugar politicamente decente.

Sua única fonte de poder que restou é o espaço na mídia. E ele ocupa da maneira mais desengonçada possível, propondo e sugerindo estratégias como se tivesse alguma ascendência sobre os atores principais: Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab e Aécio Neves.

Ontem mencionei a questão da percepção em política, isto é, a política não é o que ocorre no mundo real, mas as percepções passadas pela mídia. Quando sai uma matéria com Serra impondo ao PSDB o apoio ao candidato de Kassab, passa a percepção de que ele articula com Kassab. Nada! Zero! Só um jornalismo sem discernimento, sem capacidade de avaliar o peso político efetivo de cada ator, é capaz de levar Serra a sério.

Aliás, basta responder à questão: quem é o candidato de Kassab? Nenhum.

O PSDB não tem candidatos fortes. A falta de renovação do partido, em São Paulo, faz com que as prévias tenham apenas um candidato de dimensão nacional (José Aníbal), um sobrenome pomposo numa cabeça vazia (Bruno Covas), um factoide que ninguém acredita, nem ele próprio (Andrea Matarazzo). Mas as prévias poderiam reerguer um pouco a militância partidária.

O único candidato de maior peso seria o próprio Serra. A troco de quê, então, esse jogo de cena de exigir do PSDB a adesão ao candidato que não existe, de Kassab?

O nome disso é (recorrendo ao linguajar italiano que Serra ainda não deve ter esquecido): paura, medo de entrar no jogo e enfrentar Fernando Haddad, um Ministro com folha de serviços reconhecida e com uma fluência verbal imensamente superior à de Dilma Rousseff e à do próprio Serra.

Para não ter que beber desse cálice, Serra prefere implodir o partido que garantiu toda sua carreira política.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"A democracia está desaparecendo na Europa" - por Eduardo Febbro (Pagina 1/2 - Carta Maior)

Na Grécia e na Itália, os líderes políticos foram substituídos por representantes dos bancos. A democracia européia se converteu em uma democracia de banqueiros. O medo das urnas leva os "mercados" a colocar marionetes dos bancos à frente do Estado. Nunca como agora a ditadura dos mercados havia forçado o destino dos povos. Para o deputado e economista alemão Michael Schlecht, do partido Die Linke, a democracia está se evaporando no Velho Continente.


Cai o primeiro ministro grego Yorgos Papandreu, substituído por um emissário do sistema bancário. Cai o Presidente do Conselho Italiano, Silvio Berlusconi, substituído por outro tecnocrata interlocutor do sistema financeiro. A crise da dívida cobrou mais do que estas duas vítimas: na Espanha modificou a agenda eleitoral, em Portugal os partidos implementaram reformas ditadas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central Europeu, na Irlanda o desastre conduziu ao mesmo beco sem saída.

A democracia européia se converteu em uma democracia de banqueiros. A vontade das maiorias foi substituída por dirigentes saídos do coração dos bancos e que jamais se expuseram ao voto nem conquistaram nunca um mandato eletivo. O medo das urnas, ou seja, que o eleitorado rejeite os ajustes e a guilhotina social, conduz a colocar marionetes dos bancos à frente do Estado. Nunca como agora a ditadura dos mercados havia forçado o destino dos povos. As agências de qualificação desfazem as maiorias eleitas e as substituem por representantes da racionalidade financeira, as contas sem déficits e artesãos da decapitação social.

A democracia européia afunda nos braços das finanças. O continente da liberdade se transformou em continente Wall Street. Gestores das finanças e dos bancos, sem a menor legitimidade democrática, chegam ao poder com o pôquer dos ajustes. O deputado e economista alemão Michael Schlecht, responsável pelo bloco parlamentar do partido Die Linke (A Esquerda) analisa nesta entrevista o transtorno das democracias européias e denuncia o papel que desempenhou o capitalismo alemão nesta mega crise. Para Michael Schlecht, a democracia está se evaporando do Velho Continente.

- A democracia Européia está sendo construída pelos bancos, não pelos eleitores que decidem por uma maioria. Para além do que pensemos deles, Papandreu e Berlusconi são as vítimas mais recentes desta nova doutrina.

- A resposta é muito simples. A democracia está desaparecendo dia após dia na Europa. Por exemplo, quando no dia cinco de junho passado se organizaram as eleições em Portugal, a Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, União Européia) pediu aos dois partidos políticos portugueses que tinham chances de ganhar as eleições que assinassem um acordo diante do qual se comprometiam em implementar as condições impostas pela Troika. Agora isso aconteceu com a Grécia e é a vez da Itália. Por conseguinte, pode-se dizer que os portugueses não tiveram eleições verdadeiramente livres. Foi usada uma arma contra eles. Na realidade, com esta política européia, a Alemanha está defendendo com unhas e dentes os interesses financeiros, os interesses do mercado. O governo de Angela Merkel tem uma atitude muito agressiva neste ponto. É uma agressão sem tanques. Mas o resultado é o mesmo.

-Isso equivale dizer que a Alemanha é hoje a grande polícia financeira da Europa. A Alemanha, junto com a França, foi a vanguarda da substituição de poderes surgidos das urnas por tecnocratas teleguiados pelos bancos.

- O que a Alemanha está fazendo é dando seu acordo ao que está ocorrendo. A Alemanha está preparando o terreno porque tem um excedente de exportações muito maior que suas importações. Nos últimos dez anos o excedente alemão alcançou um trilhão de euros. Por outro lado, este excedente gigantesco acarreta uma contrapartida da outra parte: faz com que a dívida cresça nos países importadores. Cerca de 50 ou 60% da dívida criada por esta política alemã aparece nas contas dos demais países da Europa. Todos falam da dívida na Europa, mas ninguém diz nada sobre o país que ganha muito com esta dívida. E este país é a Alemanha. A dívida dos países europeus é o resultado da política alemã no Velho Continente.

O núcleo desta política é o dumping dos salários. Nos últimos dez anos tivemos um dumping salarial que chega a 5%, e isso sem considerar a inflação. Nenhum outro país da Europa conhece uma situação semelhante derivada do dumping salarial. Esta política de dumping equivale a colocar uma metralhadora nas mãos dos capitalistas alemães. É uma arma muito destrutiva. No século passado, a Europa estava arrasada pelos tanques alemães. Agora está arrasada pela política de Angela Merkel.

- A desaparição da democracia na Europa é um fato considerável. O Velho Continente é o berço da democracia. É um péssimo exemplo para o mundo. Por acaso não é o fim do poder e dos valores da Europa sobre o resto do planeta?

-Veremos o que nos diz o futuro. Acho que no próximo ano os povos da Europa podem lutar e levantar-se em defensa dos interesses da democracia e contra os mercados financeiros. Aí teremos uma possibilidade de restabelecer a democracia na Europa. Esta é a luta da esquerda alemã neste momento.

-Você acha realmente que haverá um povo mais forte disposto a encarar a luta? Por acaso não é tarde demais, por acaso a ideologia do consumo não adormeceu as consciências?

- Acho que sob as condições que existem hoje podemos ver o surgimento de movimentos sociais fortes, como aconteceu na Grécia. A situação que encontramos na Alemanha incita a isso. A história está aberta para que os povos a escrevam.

- Que aconteceu à social-democracia europeia? Embora seu inimigo ideológico, o ultraliberalismo, tenha cometido todos os erros possíveis e tenha afundado o planeta, o discurso da socialdemocracia não tem liga, não gera confiança. É uma crise da socialdemocracia ou uma crise do eleitorado?

- As duas coisas. Estou convencido de que dentro de um futuro imediato teremos uma explosão na zona do euro. Temos que escrever nos livros de história que os socialdemocratas alemães, junto ao partido verde, foram o poder político que gerou as medidas que conduzem ao fim do euro. Os socialdemocratas e os verdes iniciaram o dumping salarial. Essa política é a responsável pelo que acontece hoje. Reconheço o drama total que há neste momento na Europa por culpa desta situação. Durante muitos, muitos anos, foi necessário que na Europa Central houvesse guerras e morte. Depois de 1945 e pela primeira vez na história, tivemos 70 anos de paz, o que é totalmente anormal. A paz neste continente é una anomalia.

Se olharmos a história da Europa notaremos que nunca antes tivemos 70 anos de paz seguidos. Agora, esta paz é o resultado dos intercâmbios de idéias e de mercadorias que se levou a cabo sob o abrigo da construção européia. Mas se este abrigo se esfacela e cai sobre a cabeça dos povos a situação se torna muito inquietante, perigosa. Talvez voltemos à mesma situação. Vamos tratar de melhorar o movimento de esquerda sob estas novas condições, vamos explicar melhor nossa política para ganhar a batalha.

Tradução: Libório Junior

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Minha geração é velha - por Liana Pauluka (A linguagem secreta das palavras)



     A argila fundamental de nossa obra é a juventude. Nela depositamos todas as nossas esperanças e a preparamos para receber a bandeira de nossas mãos. (Che Guevara)

     A história já nos deu provas suficientes do quanto podemos estar errados quando acreditamos em tudo que nós é contado por um lado só da realidade, já não vimos que não existe causas menores, ideais pequenos quando não estamos dentro de situação, que não podemos julgar sem viver, não sabemos nós, o estado deve temer seu povo e não ao contrário.
     Tenho medo da minha geração, que acha que todas as causas já foram ganhas, que todas as guerras deflagradas e que ilusoriamente acreditam que vivem em um mundo perfeito, tenho medo da minha geração que discursa em favor da ordem, da moral, da "paz", que acredita que críticas ao governo e piadas sobre políticos servem apenas para se curtir nas redes sociais, minha geração que não percebe a manipulação dos noticiários, que não filtra o discurso da verdade, que não questiona, minha geração que não para pra pensar, não percebe a própria hipocrisia, o caminho que segue.

     Tenho medo dessa gente que canta em coro a verdade de quem já lhe subjugou, de quem não esta do seu lado, dessa gente que tenta ser parte de algo que não a quer, tenho medo de gente que puxa-saco, pra fazer parte de uma elite que precisa dela no degrau de baixo, tenho medo dessa gente que tem voz e canta o hino sem entender a letra, dessa gente que se contenta a ter opinião formada pelos outros, que demonstra ódio quando lhe pedem ajuda, que age preconceituosamente sempre em beneficio próprio, que se torna aliada de quem lhe faz mal, que mata o que não entende.

     Tenho medo dessa gente, muito limpa, muita sã, muito parecida com todo mundo, mal informada, tentando ser cópia de um país que deu certo por um tempo as custa do esforço alheio, mas que agora esta vendo seu império ruir, tenho medo dessa perda de identidade da minha gente, dessa falta de caráter disfarçado de direito, do medo que eles sente do próximo, do outro, tenho quando dão voz a essa gente e seu grito de desespero, sua luta é pela estagnação, seu ideal é egoísta, minha geração é velha tendo menos de 30 anos.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A face autoritária do reitor da USP – por Ana Paula Salviatti (Outras Palavras)

Ao resgatarmos a Memória da ditadura militar brasileira (1964-1985) encontramos no meio da história o nome do atual reitor da Universidade de São Paulo (USP), João Grandino Rodas. Entre 1995 e 2002, Rodas integrou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e esteve diretamente ligado à apuração da morte de alguns militantes de esquerda, dentre eles a estilista Zuzu Angel, caso em que os militares foram inocentados.

Enquanto diretor da Faculdade de Direito, Rodas foi primeiro administrador do Largo São Francisco a utilizar o aparato policial, ao requisitar, ainda na madrugada do dia 22 de agosto de 2007, a entrada de 120 homens da Polícia Militar, inclusive da tropa de choque, para a expulsão de manifestantes que participavam da Jornada em Defesa da Educação, na qual estavam presentes representantes da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de estudantes e membros de diretórios acadêmicos, os quais foram fichados e levados à delegacia, com um tratamento ofensivo em especial aos militantes dos movimentos populares.

Também foi Grandino Rodas que, ainda na gestão do governador José Serra (2006-2010), lavrou o documento que viabilizava a entrada da PM no campus da USP, em 2009. Durante sua administração na Faculdade de Direito, tentou sem sucesso a implementação de catracas para impedir o acesso de gente “estranha” ao prédio da instituição. Em seu último dia na direção da Faculdade de Direito, Rodas assinou a transferência do acervo da biblioteca para um prédio próximo à Faculdade, o qual não possuía perícia para tanto, apresentava problemas com a parte elétrica, hidráulica e inclusive com os elevadores. Tudo isso feito sem consultar sequer o corpo burocrático da Faculdade.

Ainda durante a gestão de José Serra, Grandino Rodas foi escolhido reitor da USP através de um decreto publicado no dia 13 de novembro de 2009. Seu nome era o segundo colocado numa lista de três indicações. Ou seja, Rodas não foi eleito pela comunidade acadêmica. A última vez que o governador do Estado impôs um reitor à Universidade — utilizando-se de um dispositivo legal criado no período militar e que está presente na legislação do Estado de São Paulo até hoje — foi durante a gestão do governador biônico Paulo Maluf, que indicou Miguel Reale para assumir a Reitoria da USP entre 1969 e 1973.

Na gestão de Rodas, estudantes têm sido processados administrativamente pela Universidade com base em dispositivos instituídos no período militar. Num dos processos, consta que uma aluna — cujo nome ficará em sigilo — agiu contra a moral e os bons costumes. Dispositivos como estes foram resgatados pela USP.

Em agosto de 2011, João Grandino Rodas assinou um convênio com a Polícia Militar para que esta pudesse entrar na Universidade. O reitor também recebeu o título de persona non grata por unanimidade na Faculdade de Direito, que apresenta uma série de denúncias contra a gestão do ex-diretor, acusando-o de improbidade administrativa, entre outros crimes. Recentemente, um novo ocorrido, a princípio um incidente, podia ser visto no campus ao ser lido na placa do monumento que está sendo construído na Praça do Relógio uma referencia à “Revolução de 64”, forma como os setores militares e demais apoiadores do golpe militar se remetem à ditadura vivida no Brasil.

Rodas também é atualmente investigado pelo Ministério Público de São Paulo por haver contratado sem concurso público dois funcionários ligados ao gabinete da Reitoria, sendo um deles filho da ex-reitora Suely Vilela. Contra Rodas também pesam denúncias de mau uso do dinheiro público. E, por último mas não menos importante, Grandino recebeu a medalha de Mérito Marechal Castello Branco, concedido pela Associação Campineira de Oficiais da Reserva do Exército (R/2) do NPOR do 28° BIB. O Marechal que dá nome à honraria, não custa lembrar, foi o primeiro presidente do Estado de Exceção vivido no país a partir de 1964.

Todas estas informações foram lembradas. No entanto, muitas outras lotam o Estado em todas as suas instituições, todos os dias, graças ao processo de abertura democrática do país, que não cumpriu o seu papel de resgatar a Memória e produzir uma História que reconfigurasse e restabelecesse os acontecimentos do regime, possibilitando a rearticulação das inúmeras ramificações do Estado, como foi feito no Chile, Argentina e mais recentemente Uruguai. A consciência dos cidadãos passa pelo tribunal da História que, ao abrir as cicatrizes não fechadas, limpa as feridas ao falar sobre as mesmas dando a cada um o que é lhe de direito.

As diversas vozes que exclamam a apatia nacional frente às condutas políticas sofrem deste mesmo mal ao não relembrarem que a história do país conduzida por “cima” não expulsou de si seus fósseis, e sim os transferiu de cargo, realocou-os em outras funções. Os resgates da imprensa são limitados às Diretas Já e ao Impeachment de 1992. Se a memória que a mídia repõe é a mesma que se debate no cotidiano, então nosso país sofre de perda de memória e, junto disso, de uma profunda inaptidão crítica de suas experiências, dando assim todo o respaldo ao comumente infundado senso comum.

Ao levantarmos o passado, constata-se que o anacronismo não está só nas inúmeras manifestações que acontecem no meio universitário, no caso a USP, mas em todas as vezes em que não são cobertas pelo noticiário as inúmeras reintegrações de posse feitas em comunidades carentes, nas manifestações que exigem a reforma agrária, nas reivindicações que exigem moradia aos sem-teto. O anacronismo está presente nas inúmeras invasões sem mandado judicial que ocorrem em todos os lugares onde a classe média não está, no uso comum de tortura pelas Polícias Militares em um Estado que se reivindica democrático, nos criminalizados por serem pobres e negros, naqueles que são executados como Auto de Resistência pelas Polícias Militares, e a lista segue. Vive-se a modernização do atraso nas mais diversas formas e matizes.

O tempo se abre novamente e aguarda o resgate da Memória e a reconstrução da História. O país tem uma dívida a ser paga com seu passado, e eis que, finalmente, a Comissão da Verdade vazia de sentido ao ser apresentada pelos inábeis veículos de informação ressurge agora preenchida e repleta de sentido. Afinal, a História dos vencedores nega o passado dos vencidos, assim como seu presente e, consequentemente, seu futuro.

Comentário
Não é a toa que tudo chegou aonde chegou. A nomeação deste sujeito é só mais um dos legados do senhor José Serra.

Ao menos há de se comemorar que o "Almirante do Tietê" não conseguiu ser eleito presidente da república. Imagine-se, a convulsão que seria, num momento em que o país cresce e inclui decididamente, a presidência ser ocupada por um ser autoritário, despreparado e arrogante como José Serra. Fatalmente, conflitos como este se alastrariam pelo país inteiro, e muito provavelmente, perderíamos a oportunidade histórica que o presidente Lula construiu de 2003 pra cá.

O poder permanente de derrubar governos - por Maria Inês Nassif* (Carta Maior)

As ondas de pânico criadas em torno de casos de corrupção, desde Collor, têm servido mais a desqualificar a política do que propriamente moralizar a nossa democracia. Apesar da imensa caça às bruxas movida pela mídia contra os governos, em nenhum momento essa sucessão de escândalos, reais ou não, incluíram seriamente a opinião pública num debate sobre a razão pela qual um sistema inteiro é apropriado pelo poder privado, e, principalmente, porque não se questiona essa apropriação. 

A corrupção do sistema político merece uma reflexão para além das manchetes dos jornais tradicionais. Em especial neste momento que o país vive, quando a nova democracia completou 26 anos e a política, que é a sua base de representação, se desgasta perante a opinião pública. Este é o exato momento em que os valores democráticos devem prevalecer sobre todas as discordâncias partidárias, pois chegou no limite de uma escolha: ou diagnostica e aperfeiçoa o sistema político, ou verá sucumbi-lo perante o descrédito dos cidadãos.

O país pós-redemocratização passou por um governo que foi um fracasso no combate à inflação, um primeiro presidente eleito pelo voto direto pós-ditadura apeado do poder por denúncias de corrupção, dois governos tucanos que, com uma política antiinflacionária exitosa, conseguiram colocar o país no trilho do neoliberalismo que já havia grassado o mundo, e por fim dois governos do PT, um partido de difícil assimilação por parcela da população. Nesse período, a mídia incorporou como poder próprio o julgamento e o sentenciamento moral, numa magnitude tal que vai contra qualquer bom senso.

Este é um assunto difícil porque pode ser facilmente interpretado como uma defesa da corrupção, e não é. Ou como questionamento à liberdade de imprensa, e está longe disso. O que se deve colocar na mesa, para discussão, é até onde vai legitimidade da mídia tradicional brasileira para exercer uma função fiscalizadora que invade áreas que não lhes são próprias. Existe um limite tênue entre o exercício da liberdade de imprensa na fiscalização da política e a usurpação do poder de outras instituições da República.

Outra questão que preocupa muito é que a discussão emocional, fulanizada, mantida pelos jornais e revistas também como um recurso de marketing, têm como maior saldo manter o sistema político tal como é. É impossível uma discussão mais profunda nesses termos: a escandalização da política e a demonização de políticos trata-os como intrinsecamente corruptos, como pessoas de baixa moral que procuram na atividade política uma forma de enriquecimento privado. Ninguém se pergunta como os partidos sobrevivem mantidos por dinheiro privado e que tipo de concessão têm que fazer ao sistema.

Desde Antonio Gramsci, o pensador comunista italiano que morreu na masmorra de Mussolini, a expressão “nenhuma informação é inocente” tem pontuado os estudos sobre o papel da imprensa na formulação de sensos comuns que ganham a hegemonia na sociedade. Gramsci já usava o termo “jornalismo marrom” para designar os surtos de pânico promovidos pela mídia, de forma a ganhar a guerra da opinião pública pelo medo.

No Brasil atual, duas grandes crises de pânico foram alimentadas pela mídia tradicional brasileira no passado recente. Em 2002, nas eleições em que o PT seria vitorioso contra o candidato do governo FHC, a mídia claramente mediou a pressão dos mercados financeiros contra o candidato favorito, Luiz Inácio Lula da Silva. Tratava-se, no início, de fixar como senso comum a referência “ou José Serra [o candidato tucano] ou o caos”.

Depois, a meta era obrigar Lula e o PT ao recuo programático, garantindo assim a abertura do mercado financeiro, recém-completada, para os capitais internacionais. Em 2005, na época do chamado “mensalão”, o discurso do caos foi redirecionado para a corrupção. Politicamente, era uma chance fantástica para a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a única alternativa para se contrapor a um líder carismático em popularidade crescente era tirar de seu partido, o PT, a bandeira da moralidade. A ofensiva da imprensa, nesse caso, não foi apenas mediadora de interesses. A mídia não apenas mediava, mas pautava a oposição e era pautada por ela, num processo de retroalimentação em que ela própria [a mídia] passou a suprir a fragilidade dos partidos oposicionistas. Ao longo desse período, tornou-se uma referência de poder político, paralelo ao instituído pelo voto.

Eleita Dilma Rousseff, a oposição institucional declinou mais ainda, num país que historicamente voto e poder caminham juntos, e ao que tudo indica a mídia assumiu com mais vigor não apenas o papel de poder político, mas de bancada paralela. Dilma está se tornando uma máquina de demitir ministros. Nas primeiras demissões, a ofensiva da mídia deu a ela um pretexto para se livrar de aliados incômodos, nas complicadas negociações a que o Poder Executivo se vê obrigado em governos de coalizão num sistema partidário como o brasileiro. Caiu, todavia, numa armadilha: ao ceder ministros, está reforçando o poder paralelo da mídia; em vez de virar refém de partidos políticos que, de fato, têm deficiências orgânicas sérias, tornou-se refém da própria mídia.

As ondas de pânico criadas em torno de casos de corrupção, desde Collor, têm servido mais a desqualificar a política do que propriamente moralizar a nossa democracia. Mais uma vez, volto à frase de Gramsci: não existe notícia inocente. O Brasil saído da ditadura já trazia, como herança, um sistema político com problemas que remontam à Colônia. O compadrio, o mandonismo e o coronelismo são a expressão clássica do que hoje se conhece por nepotismo, privatização da máquina pública e falha separação entre o público e o privado. A política tem sido constituída sobre essas bases e, depois de cada momento autoritário e a cada período de redemocratização no país, seus problemas se desnudam, soluções paliativas são dadas e a cultura fica. Por que fica? Porque é a fonte de poderes – poderes privados que podem se sobrepor ao poder público legitimamente constituído.

O sistema político é mantido por interesses privados, e é de interesse de gregos e troianos que assim permaneça. Segundo levantamento feito pela Comissão Especial da Câmara que analisa a reforma política, cerca de 360 deputados, em 513, foram eleitos porque fizeram as mais caras campanhas eleitorais de seus Estados. Com dinheiro privado. Em sã consciência, com quem eles têm compromissos? Eles apenas tiveram acesso aos instrumentos midiáticos e de marketing político cada vez mais sofisticados porque foram financiados pelo poder econômico. É o interesse privado quem define se o dinheiro doado aos candidatos e partidos é lícito ou ilícito.

O dinheiro do caixa dois passou a fazer parte desse sistema. Não existe nenhum partido, hoje, que consiga se financiar privadamente – como define a legislação brasileira – sem se envolver com o dinheiro das empresas; e são remotíssimas as chances de um político financiado pelo poder privado escapar de um caixa dois, porque normalmente é o caixa dois das empresas que está disponível. Num sistema eleitoral onde o dinheiro privado, lícito e ilícito, é o principal financiador das eleições, ocorre a primeira captura do sistema político pelo poder privado. E isso não acaba mais.

Esse é o âmago de nosso sistema político. A democratização trouxe coisas fantásticas para a política brasileira, como o voto do analfabeto, a ampla liberdade de organização partidária e a garantia do voto. Mas falhou no aperfeiçoamento de um sistema que obrigatoriamente teria de ser revisto, no momento em que o poder do voto foi restabelecido pela Constituição de 1988.

Num sistema como esse, por qualquer lado que se mexa é possível desenrolar histórias da promiscuidade entre o poder público e o dinheiro privado. Por que isso não entra, pelo menos, em discussão? Acredito que a situação permaneça porque, ao fim e ao cabo, ela mantém o poder político sob o permanente poder de chantagem privado. De um lado, os financiadores de campanhas se apoderam de parcela de poder. De outro, um sistema imperfeito torna facilmente capturável o poder do voto também por aparelhos privados de ideologia, como a mídia. Como nenhuma notícia é inocente, a própria pauta leva a relações particulares entre políticos e o poder econômico, ou entre a máquina pública e o partido político. A guerra permanente entre um governo eleito que tem a oposição de uma mídia dominante é alimentada pelo sistema.

O apoderamento da imprensa é ainda maior. Se, de um lado, a pauta expressa seu imenso poder sobre a política brasileira, ela não cumpre o papel de apontar soluções para o problema. Não existe intenção de melhorá-lo, de atacar as verdadeiras causas da corrupção. Apesar da imensa caça às bruxas movida pela mídia contra os governos, em nenhum momento essa sucessão de escândalos, reais ou não, incluíram seriamente a opinião pública num debate sobre a razão pela qual um sistema inteiro é apropriado pelo poder privado, inclusive e principalmente porque não se questiona o direito de apropriação do poder público pelo poder privado. A mídia tradicional não fez um debate sério sobre financiamento de campanha; não dá a importância devida à lei do colarinho branco; colocou a CPMF, que poderia ser um importante instrumento contra o dinheiro ilícito que inclusive financia campanhas eleitorais, no rol da campanha contra uma pretensa carga insuportável de impostos que o brasileiro paga.

Pode fazer isso por superficialidade no trato das informações, por falta de entendimento das causas da corrupção – mas qualquer boa intenção que porventura exista é anulada pelo fato de que é este o sistema que permite à imprensa capturar, para ela, parte do poder de instituições democráticas devidamente constituídas para isso.

(*) Texto apresentado no Seminário Internacional sobre a Corrupção, dia 7 de novembro de 2011, em Porto Alegre.

Comentário
Além dos itens descritos no penúltimo parágrafo, há de se considerar que, concomitante à execução moral promovida contra aqueles que a imprensa julga corruptos - antes mesmo de maiores investigações, há uma profunda leniência com que a mídia trata os corruptores. Parece que a moeda só tem uma face, no caso.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Eu não vou me mover (curtametragem)

A força da palavra, a palavra da força - por Luiz Cláudio Cunha (Observatório da Imprensa)

Palestra de encerramento do XIV Congresso Internacional de Humanidades realizado na Universidade de Brasília (19-21/10/2011), também publicado na revista Intercâmbio, da UnB

Agradeço à Prof. Dra. Elga Pérez Laborde o convite para falar neste Congresso Internacional de Humanidades cujo tema maior é “Palavra e cultura na América Latina: heranças e desafios”, com o foco específico na “Dimensão espacial e temporal da linguagem e da cultura nos contextos latino-americanos”.

Eu tento aqui ligar os dois temas mostrando que a dimensão espacial de uma cultura latino-americana passa pela dimensão temporal da palavra usada nesse contexto. Não faço aqui uma construção teórica, apenas uma narrativa jornalística, contrapondo a resistência da palavra à truculência da força. Ou, a força da palavra contra a palavra da força.

Enfoco neste texto episódios ocorridos na América do Sul, particularmente na região do Cone Sul. Nos episódios narrados, identifico a deturpação, a omissão, a censura ou o completo silenciamento da palavra diante da força bruta sob a ditadura em cinco países da região – Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai – durante a segunda metade do século 20.

Inicio minha narrativa não com uma palavra, mas com um palavrão:

Me cago en Dios!

Ninguém conhece o nome do jovem estudante que pronunciou a blasfêmia. Nem mesmo quem ouviu a frase, o jornalista uruguaio Rodolfo Porley Corbo. Ambos estavam lado a lado, mas encapuzados, pendurados como gado numa cela do Comando Geral do Exército, em Montevidéu, num dia qualquer de 1977. O que impressionou o jornalista de 31 anos não foi o desabafo angustiado do jovem, mas a indignada reação do militar que comandava a tortura:

Respete las ideas ajenas, mocito!

Seria cômico, se não fosse trágico. A cena é talvez a lembrança mais marcante e surreal dos três anos e meio que Porley passou encarcerado em quatro estabelecimentos militares do país, somando 325 dias de prisão incomunicável, 149 deles vendado, paralisado pela dor, destroçado pela violência. Ao desembarcar na Suécia como asilado, em 1979, o jornalista foi recebido como “um embaixador perigoso dos vivos e dos mortos no cárcere”. Sua primeira entrevista em Estocolmo escancarou o perigo:

En mi país gobierna el poder de la locura ciega. Son los brutos, asesinos y verdugos quienes gobiernan. Las cárceles de mi país están llenas. Lo que vemos ahora es la deformación de la propia vida.

Frase final

Porley deixara para trás o Uruguai, o segundo menor país da América do Sul, com menos de três milhões de habitantes e cerca de 40 mil detidos em prisões e quartéis. Um uruguaio de cada 100 era vítima de torturas. No Brasil de hoje seria uma multidão de quase 2 milhões de torturados, o suficiente para lotar 25 estádios como o Maracanã. Aquele era o Uruguai que devia respeitar as ideias alheias, na cínica frase do torturador de Porley e seu companheiro de cela.

Não era um drama particular do país que tinha o melhor padrão de prosperidade econômica da região, o maior nível de educação do continente. Era uma tragédia coletiva, transnacional, das ditaduras que em apenas uma ou duas décadas rebaixaram, em absurda ordem unida, os cinco países do Cone Sul na segunda metade do Século 20. Eram as nações de maior expressão política e força econômica da região, onde hoje vivem mais de 250 milhões de pessoas, duas vezes e meia a população dos outros oito países e três territórios da América do Sul. Ondas sucessivas de governos militares afogaram a democracia e a razão durante quase um século de arbítrio.

Foram exatos 92 anos somados de ditaduras que eram de um e eram de todos: Paraguai (1954-89), Brasil (1964-85), Chile (1973-90), Uruguai (1973-85) e Argentina (1976-83).

Na quimera do combate ao pensamento, as ditaduras caçaram o suspeito de sempre: a palavra – expressão das vozes, território da cultura, pátria da liberdade. A palavra é sempre perigosa, porque alarga as fronteiras, os idiomas, as ideias, hasta las ideas ajenas. A palavra ensina, mostra, revela, e por isso precisa ser escondida, aprisionada, silenciada. Em nome de sua santa cruzada contra a subversão, militares do Cone Sul conseguiram contrariar a lógica, inverter o pensamento, confundir a razão, subverter a palavra. A força da palavra, de repente, ficou encarcerada pela palavra da força. A força das ditaduras no Chile e no Uruguai conseguiu deformar pelo absurdo o significado de dois ícones da civilização: dignidade e liberdade.

Dignidad era o nome de uma colônia agrícola, 300 km ao sul de Santiago do Chile, fundada nos anos 1960 por um ex-enfermeiro da Luftwaffe nazista, acusado de abuso sexual contra crianças. Ali, o Exército de Pinochet fabricava gás sarin e a repressão treinava agentes em técnicas de interrogatório e tortura.

Libertad era o maior presídio masculino do Uruguai, 50 km a oeste de Montevidéu, um depósito de gente onde mofavam 600 presos políticos espremidos num prédio lúgubre de cinco andares povoados por gritos, medo, sofrimento, dor.

A ditadura daqueles tempos conseguiu a proeza de transformar Dignidad em sinônimo de tortura no Chile, conseguiu a façanha de tornar Libertad um endereço de prisão no Uruguai. Naqueles tempos, naqueles lugares, Dignidad e Libertad machucavam a carne, sangravam a alma. A ditadura, só a ditadura, tem a força para deturpar a palavra, para inverter o sentido moral das coisas, para converter o nexo das ideias no seu avesso.

Era “o avesso do avesso do avesso do avesso”, como cantava Caetano Veloso no verso final de Sampa, a mais completa tradução de São Paulo, onde “alguma coisa acontece no coração/… só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João”. Quatro quilômetros ao sul da mais popular esquina paulistana estava o cruzamento das ruas Tomás Carvalhal e Tutóia, endereço do prédio mais sinistro da maior cidade do continente, a sede do DOI-CODI do II Exército, o mais notório centro de torturas do Brasil. O verso de Caetano capta o melhor retrato daquele antro: “Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto /Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto”. Ali sucumbiam os homens e as palavras diante do “horror, o horror!”, como na frase final de Kurz, a personagem de Joseph Conrad em Coração das Trevas.

Perguntas e respostas

O DOI-CODI da rua Tutóia foi criado e administrado por um major de Exército oculto pelo codinome de “major Tibiriçá”, o nome mais temido da repressão militar brasileira.

Nos 40 meses em que comandou aquele lugar, símbolo mais sangrento dos anos de chumbo do Governo Médici, o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra amargou 502 denúncias de tortura, uma a cada 60 horas, e lamentou 40 mortes de presos políticos, uma por mês. Apesar disso, hoje aposentado e refém de seu passado, o coronel da reserva Ustra continua livre, solto, impune.

Na Argentina, um companheiro de farda de Ustra teve menor sorte. O general Jorge Rafael Videla, que começou em 1976 a ditadura de sete anos que eliminou pela força a palavra e a vida de 30 mil argentinos, foi destituído de sua patente militar e condenado em 2010 à prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade, o que inclui a responsabilidade direta pelo fim de 31 pessoas – nove mortes menos do que as ocorridas na repartição de trabalho do major brasileiro.

A força mata pessoas e palavras, mas também inventa um novo léxico para tentar abarcar a dura realidade que ela produz. No Chile de Pinochet, emergiu uma nova palavra no dicionário da repressão, já coalhado de presos e mortos. Surgiu a figura intermediária e angustiante do “desaparecido” – que quase sempre era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de explicações e justificativas.

Um “desaparecido” era uma dúvida, quem sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não incriminava ninguém e absolvia a todos – com exceção dos familiares da vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente, esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O “desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror – e novas palavras.

O dicionário do terror fabricava uma palavra ainda mais assustadora, mais aflita: os no-nombrados, os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história, exumados por um regime de força sem coragem, sem caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha criação do regime dos generais:

O que é um desaparecido? Como tal, o desaparecido é uma incógnita… Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum tratamento especial: é uma incógnita, é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido…

Duas décadas depois, já no ostracismo, o general Videla foi menos hermético com as palavras que tentavam disfarçar a força bruta, estúpida, assassina. Confessou o general:

No, no se podia fusilar. ¬Não havia outra maneira. É o que ensinavam os manuais da repressão na Argélia, no Vietnã. Estávamos todos de acordo. Dar a conhecer onde estão os restos mortais? Mas, o que é que poderíamos apontar? O mar, o rio da Prata, o Riachuelo? Pensamos, em dado momento, informar sobre a lista [de mortos]. Mas, aí, se os damos por mortos, em seguida virão as perguntas que não se podem responder. Quem matou? Onde? Como?

O general mostrou que esse é o drama maior das ditaduras: agem e fazem coisas que geram perguntas para as quais não existem respostas, que não permitem explicações, que não resistem a dúvidas, que não admitem palavras.

Neologismo afrontoso

Em junho de 1977, em plena ditadura brasileira, o MDB, o partido da oposição, teve espaço para um programa institucional em rede nacional de TV. Alencar Furtado, o líder da bancada na Câmara dos Deputados, desenterrou os no-nombrados dosBrasil num dos mais pungentes discursos da história brasileira, mostrando com palavras as perguntas sem respostas que a força do regime produzia. Com coragem, emoção e lirismo, disse o líder:

Hoje, menos que ontem, ainda se denunciam prisões arbitrárias, punições injustas e desaparecimento de cidadãos. O programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos; filhos órfãos de pais vivos – quem sabe?; mortos? – talvez. Órfãos do talvez e do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez.

A ditadura respondeu horas depois às perguntas do líder do MDB, cassando o mandato do deputado Alencar Furtado – apenas um dos 4.862 políticos cassados no Brasil por usar palavras que a ditadura não queria ouvir ou por fazer perguntas que a ditadura não podia responder.

A ditadura brasileira fez isso, e fez muito mais. Investigou 500 mil cidadãos, deteve 200 mil por suspeita de subversão, prendeu 50 mil só nos primeiros cinco meses do golpe de março de 1964. Acusou 11 mil civis nos tribunais militares, condenou quase a metade deles. Torturou 10 mil pessoas só no DOI-CODI da rua Tutóia, exilou outro tanto, aposentou funcionários públicos insubmissos, expulsou professores inconvenientes, baniu estudantes indomáveis, reformou militares dissidentes, colocou interventores em 1.200 sindicatos insubordinados, expurgou 49 juízes dos tribunais e afastou três ministros rebeldes da Suprema Corte brasileira. Fechou o Parlamento por três vezes, colocou sete Assembleias estaduais em recesso, matou 400 opositores na tortura e legou ao país o fantasma de 144 pessoas que ainda hoje são uma incógnita, seres que não têm identidade, não estão mortos, nem vivos, estão apenas “desaparecidos”.

A incapacidade para responder às perguntas leva ao cinismo, um atalho rápido para a mentira, o embuste, a fraude – que deturpam as palavras para camuflar a força que as silencia.

Um documento revelado pelo jornal O Globo ¬em março passado mostra que os atuais comandantes militares do Brasil da democracia continuam se enrolando com as palavras necessárias para definir o Brasil da ditadura. Protestando contra o projeto do próprio governo para a Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar violações aos direitos humanos, os chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica escreveram: “Passaram-se quase 30 anos do fim do governo chamado militar…”.

Fizeram, desfizeram, cometeram tudo aquilo e os oficiais-generais brasileiros, 30 anos depois do fim do arbítrio, ainda simulam uma dúvida existencial sobre o que seria um governo chamado militar.

Como o amor de Oscar Wilde que “não ousa dizer o seu nome”, os cínicos herdeiros do regime de força imposto ao país por longos 21 anos não ousam dizer o nome que o define por sua correta acepção: ditadura. Um Brasil que não tem a coragem de cumprir esse rito de passagem não tem condições, nem palavras, para fazer a travessia da história, deixando a força para trás até alcançar a margem segura da verdade.

Um grave sintoma desse cinismo aflorou em 2009, justamente em quem tem o compromisso de zelar pelas palavras e o dever de combater a mentira: a imprensa. Num inusitado editorial, o jornal Folha de S.Paulo abrandou o vernáculo e torturou a verdade carimbando a ditadura brasileira com um afrontoso neologismo: “ditabranda”.

O editorialista se esqueceu de dizer que, no auge da repressão, a empresa emprestava as caminhonetes que distribuíam o jornal para gentilmente transportar presos políticos até a repartição nada branda do DOI-CODI do major Ustra.

Corações monitorados

A palavra perde força e se perde pela força do poder, não pela roupa ou pelo uniforme de quem a pronuncia. Um militar pode subverter a verdade com o mau uso da palavra, mas também pode resgatá-la pela estrita obediência aos fatos e pela firme imposição sobre a mentira.

Foi o que aconteceu na histórica noite de 25 de abril de 1995, quando um general de uniforme, porte altivo, voz serena e cabelos brancos aos 61 anos, foi à TV para uma rara entrevista ao vivo.

Ao final, antes das despedidas, tirou um papel do bolso e acrescentou uma inesperada declaração, que eletrizou o país.

Estas foram as palavras do general:

Nosso país viveu a década de 70, uma década assinalada pela violência, pelo messianismo e pela ideologia. Sem buscar palavras inovadoras, mas apelando aos velhos regulamentos militares, aproveito esta oportunidade para ordenar uma vez mais ao Exército, na presença de toda a sociedade: ninguém está obrigado a cumprir uma ordem imoral ou que se afaste das leis e dos regulamentos militares. Quem o fizer incorre em uma conduta viciosa, digna da sanção que sua gravidade requeira.

E continuou o general:

Sem eufemismos, digo claramente: delinque quem vulnera a Constituição nacional. Delinque quem emite ordens imorais. Delinque quem cumpre ordens imorais. Delinque quem, para cumprir um fim que crê justo, emprega meios injustos e imorais. A compreensão desses aspectos essenciais faz a vida republicana de um Estado.

E reforçou o general:

Se não pudermos elaborar a dor e cicatrizar as feridas, não teremos futuro. Não devemos mais negar o horror vivido, e assim poder pensar em nossa vida como sociedade que avança, superando a pena e o sofrimento. Em nome da luta contra a subversão, o Exército derrubou o governo constitucional e se instalou no poder em forma ilegítima, num golpe de Estado. Venho pedir perdão por isso e assumir a responsabilidade política pelo desatino cometido no passado. No poder, o Exército cometeu ainda outros delitos. O Exército prendeu, sequestrou, torturou e assassinou – tal qual o fizeram os delinquentes subversivos – e muitos de seus membros viraram delinquentes como eles.

O espantoso ato de contrição do general só não emocionou o Brasil porque, infelizmente, não aconteceu aqui. E o general, evidentemente, não era brasileiro.

O autor dessas palavras era o comandante supremo do Exército argentino, Martín António Balza, entrevistado pelo jornalista Bernardo Neustadt no mais importante programa de TV da Argentina, o Tiempo Nuevo. A fala firme, límpida do general Balza impressionou sobretudo por acontecer justamente no país que mais sangrou no turbulento Cone Sul da década de 1970, com seus 30 mil desaparecidos.

O pronunciamento de fé democrática do comandante argentino numa região marcada pelos pronunciamientos militares-golpistas prova que a boa, justa palavra não é uma prerrogativa de civis ou militares, mas um apanágio dos homens de bem, de bom caráter.

Ao longo do tempo, a palavra no Cone Sul foi acossada pela hipocrisia – para proteger a fronteira do arbítrio – e foi resgatada pela coragem – para ampliar os limites da resistência. Este imemorial confronto entre a força da palavra e a palavra da força assinala os avanços e os retrocessos da democracia em nosso continente.

O político brasileiro Carlos Lacerda (1914-1977), um visceral conspirador contra a democracia, não economizou palavras e intenções para externar seu ímpeto golpista nos idos de 1950, quando ficou claro que Getúlio Vargas, o ditador deposto do Estado Novo, tentaria voltar ao poder pelo voto popular. Lacerda deu sua palavra:

O sr. Getúlio Vargas (…) não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, deveremos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

O general argentino Ibérico Saint Jean foi ainda mais cortante, empregando apenas 25 palavras para montar o mais rombudo obelisco à barbárie e à boçalidade política. Em maio de 1976, dois meses após o golpe que o nomeou interventor no governo da província de Buenos Aires, o general trovejou:

Primeiro, mataremos todos os subversivos. Depois, seus colaboradores. Mais tarde, os seus simpatizantes. Então, mataremos os que permanecerem indiferentes. E, finalmente, vamos matar os indecisos.

Aqui, longe de ser cínico, o militar usa a palavra dura, crua e nua não para esconder, mas para escancarar a doutrina de um serial killer fardado que não respeita las ideas ajenas. Para quem ainda tinha dúvidas, Saint Jean aproveitou uma conferência em 2008 sobre “Democracia e Ética”, no Rotary Club de Mar del Plata, para reafirmar sua despótica visão do mundo com uma desconcertante, transtornada aritmética. Este foi o cálculo do general:

O voto serve para impor a ditadura da maioria. Assim, quando os tiranos são muitos pode ser muito pior do que quando é apenas um.

Ainda em 2008, aos 86 anos, Saint Jean foi preso para responder a processo por prisões ilegais, sequestros, tortura e desaparecimento forçado. Seu crime mais famoso foi o sequestro em 1977 do jornalista Jacobo Timerman, fundador do jornal mais crítico e influente do país, o La Opinión. Fichado nos arquivos de inteligência do Exército argentino como “un judío muy peligroso”,Timerman ficou detido durante dois anos. Visitado na prisão por congressistas norte-americanos, o jornalista descreveu alguns momentos que padeceu na unidade policial de La Plata, sob jurisdição de Saint Jean. Contou o jornalista:

Fui torturado e atado a uma cama, todo encharcado de água, para receber choques elétricos pelo corpo. É impossível descrever o efeito devastador da picana elétrica. Eles usavam um modulador para reduzir o choque de 220 volts, para evitar que os prisioneiros morressem instantaneamente. Dois médicos participavam para monitorar o coração das vítimas – lembrou Timerman.

Última publicação

Opinião tem a força de uma palavra maldita, que sempre amedronta os regimes que se sustentam na palavra da força e da violência.

La Opinión incomodava na Argentina, o jornal Opinião perturbava no Brasil.

O simples anúncio do lançamento do semanário, em novembro de 1972, assustou a ditadura em Brasília.

O editor do jornal, Fernando Gasparian, foi preventivamente convocado à sede da Polícia Federal, no Rio. Medindo as palavras para camuflar o constrangimento, o major Braga falou:

Eu quero avisar ao Sr. que aqui no Brasil não existe censura prévia, a não ser por problemas morais. O Sr. pode publicar o que quiser.

Em seguida, o major tirou da gaveta uma lista com 210 assuntos que Gasparian e toda a imprensa não podiam publicar – mesmo que quisessem.

O editor pediu uma cópia para conhecer a lista, mas ela lhe foi negada.

A lista é secreta – explicou o major, com os termos exatos para definir o absurdo da situação. Era o arbítrio negando a censura e, ao mesmo tempo, recusando a lista que provava sua existência. Era a palavra da força que temia a força da palavra.

O major Braga era o bruto que faltava na manada de rinocerontes de Ionesco.

E assim, secretamente, o regime asfixiou o Opinião a partir do oitavo número. Primeiro, mandando recados. Depois, com o censor dentro da redação. Por fim, exigindo a remessa do jornal impresso para Brasília, antes de liberar a venda nas bancas. Em quatro anos e meio, Opinião sofreu ameaças, prisões, apreensões de edições inteiras, processos judiciais, o lançamento de uma bomba na redação e um decreto presidencial, baseado num ato de força – o AI-5 –, ratificando a censura prévia que o jornal tinha derrubado, como ilegal, no Tribunal Federal de Recursos. O semanário publicou 5.796 páginas, mas teve que produzir quase o dobro – 10.548 páginas – para suprir a falta do material vetado pela censura que não existia, pela lista que ninguém conhecia.

Gasparian cansou da censura e, em 8 de abril de 1977, mandou para as bancas uma edição diferente da que enviara a Brasília para revisão da polícia. Corajosamente, abaixo do título de Opinião, o jornal trazia um carimbo desafiante, retumbante, triunfante: “Livre”.

A primeira edição de Opinião sem censura foi apreendida. O jornal nunca mais voltou às bancas. A palavra final do regime de força matou o jornal que ousou ser, pela primeira vez, o Opinião liberado, libertado pela força das palavras.

O Uruguai, o algodão incrustado entre os cristais cortantes de Brasil e Argentina, pensou na palavra antes de se pensar como país. O decreto que garantia a liberdade de escrever nasceu em outubro de 1811, 14 anos antes do Uruguai se declarar independente pela insurreição libertadora dos Treinta y três orientales, 19 anos antes de sua primeira Constituição. Até que o advogado Gabriel Terra, eleito presidente em 1931, dois anos depois jogou no chão esta bela história.

Em março de 1933, com o apoio do Corpo de Bombeiros (!) e da Polícia, dirigida por seu cunhado, Terra instaurou a sua ditadura.

Seu primeiro ato de força foi um decreto que reconhecia a força das palavras. Dizia:

Decretase la censura previa de los órganos de publicidad que hayan atribuido o atribuyan propósitos dictatoriales al Presidente de la República.

Quarenta anos depois, quase as mesmas palavras ressuscitaram para escancarar a mesma força bruta:

Proíbe-se a divulgação pela imprensa oral, escrita ou televisionada, de todo tipo de informação, comentário ou gravação (…) atribuindo propósitos ditatoriais ao Poder Executivo”.

Era o Art. 3º do decreto 467 de 27 de junho de 1973, o dia do golpe civil-militar na terra de Gabriel Terra, que já não era a nação livre sonhada pelos 33 Orientales e pelo libertador Artigas.

Até as palavras da meteorologia assustavam a ditadura. O locutor da rádio já não podia falar sobre o inverno mais rigoroso no país. A censura proibia a palavra correta sobre a previsão do tempo – “mucho frio”–, ignorando a inclemência da estação e reafirmando a impenitência dos quartéis. Os militares mandavam dizer assim:

Hace frio, pero no mucho. Hay países que están peores…

Em apenas cinco meses de 1973, entre julho e novembro, o Uruguai fechou 23 jornais, 273 edições foram confiscadas nas bancas. Foi pior no ano seguinte, 1974: 96 redações destruídas, 8 por mês, duas por semana, uma a cada 3 dias. Na véspera do réveillon de 1975, foi invadida a última publicação, a revista de um padre jesuíta, Andrés Assandri, intitulada Perspectivas de Diálogo.

Nada estranho empastelar uma revista com palavras tão provocativas.

Afinal, perspectivas, não havia: diálogo, muito menos.

Etiqueta macabra

A falta de comunicação estava expressa no encontro improvável de 1977 entre um dos maiores rinocerontes da repressão no Uruguai e um dos maiores virtuoses da música na Argentina.

Miguel Ángel nem existia quando seus avôs chegaram do Oriente Médio. O funcionário da Imigração de Buenos Aires perguntou seu nome várias vezes, mas o avô não entendia bem o espanhol. Limitou-se a apontar para o céu, sem dizer uma palavra. O funcionário, irritado, mandou anotar no documento:

Póngale Estrella a estos turcos de mierda!

Sem querer, ele tinha acertado: Najmah, em árabe, significa estrela. Anos depois, em 1940, nascia em Tucumán o neto predestinado pela harmonia do cosmos: Miguel Ángel Estrella, encantado pela música de Chopin, começou aos 12 anos a estudar o piano que o transformaria numa estrela da música clássica no mundo.

Artista consagrado, alternava seus espetáculos entre a plateia elegante das maiores salas de concerto do mundo e os shows gratuitos para o público humilde das favelas e dos povoados do interior que não tinham música em suas vidas miseráveis.

Ele estava em Montevidéu, em dezembro de 1977, quando caiu nas mãos da maior estrela da repressão uruguaia, o major José Nino Gavazzo.

Preso sob a falsa acusação de ser um guerrilheiro montonero, Estrella foi levado para uma casa clandestina de interrogatório, próxima ao aeroporto de Carrasco, onde foi torturado com choques elétricos, suspenso do solo por uma roldana.

Durante seis dias seguidos, teve suas mãos delicadas atadas às costas, enquanto seus algozes simulavam cortar seus dedos com uma serra elétrica. A tortura fez com que o pianista perdesse a sensibilidade nos braços e nas mãos por 11 meses. O major Gavazzo, racista e prepotente, explicou o motivo de tanta violência:

Você não é um guerrilheiro. É algo pior: com um piano e um sorriso você põe a negrada no bolso e faz os negros acreditarem que podem escutar Beethoven. Formaram você para tocar para nós e agora você prefere tocar para a negrada!

Estrella ouvia a ameaça do major:

Não te matamos porque não podemos, mas vamos te destruir totalmente. Nunca mais serás o pai de teus filhos. Nunca mais serás amante de uma mulher. Nunca mais tocarás piano. Temos métodos muitos sofisticados. Se daqui a 18 anos, que é o tempo que vamos te prender aqui, ainda continuares com esse sorriso, vamos te matar. Porque és uma pessoa que tem fé e essa fé nós vamos arrancar.

Estrella e sua arte só sobreviveram pela força de um movimento internacional que exigiu a libertação do pianista, em 1980.

Aos 71 anos, Miguel Ángel ainda é uma estrela que brilha, fulgurante, com a mesma fé que a tortura não conseguiu arrancar, com o mesmo sorriso que a força bruta não pôde matar.

Aos 72 anos, o major Gavazzo não pode nem mesmo sorrir. É um dos primeiros militares processados por crimes de direitos humanos na ditadura e está preso em Montevidéu, condenado desde 2010 a 25 anos de prisão pela morte de 28 uruguaios, sequestrados em Buenos Aires um ano antes da prisão de Estrella.

Os profissionais da força têm sérios problemas com as palavras e uma patológica obsessão com as mãos.

Isso ficou claro um dia depois do bombardeio do Palácio de La Moneda, onde sucumbiram o presidente Salvador Allende e a democracia. Em 12 de setembro de 1973, no ginásio fechado do Estádio Chile, foram detidos 600 estudantes e professores da Universidad Técnica del Estado (UTE). Entre eles estava Victor Jara, que aos 40 anos usava as mãos e a voz para dar força e lógica às palavras.

No seu testamento musical, Manifiesto, no disco póstumo Tiempos que Cambian (de 1974), Jara apregoava:

Yo no canto por cantar/ ni por tener buena voz,/


Canto porque la guitarra/ tiene sentido y razón.

Jara vivia das palavras, como professor de jornalismo, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e ativista político. Tinha todos os pecados, portanto, para ser odiado pelas palavras de força que iriam caçar e silenciar a força das palavras. No Chile de Pinochet, Victor Jara tinha o mesmo e único prognóstico de Federico García Lorca na Espanha de Franco: a morte

O oficial que reconhece Jara na multidão de presos o ataca com pontapés, chutando as costas, a cabeça, o corpo todo. Jogado num corredor, Jara resiste com a arma que lhe resta, que sempre será sua: a palavra. Pede lápis e papel e, superando o sangue e a dor, escreve os últimos versos de sua vida breve:

Canto que mal que sales/ Cuando tengo que cantar espanto/


Espanto como el que vivo/ Espanto como el que muero.

Jara ainda tem tempo de repassar o poema a um companheiro, antes que dois soldados o arrastem para nova seção de golpes, ainda mais brutais. Um oficial da Força Aérea pergunta ao preso estirado no chão se ele fuma. Jara nega, o oficial insiste: “Pois agora vais fumar!”. E lhe joga um cigarro aceso. Tremendo, Jara estende o braço para pegar a bagana. O militar ergue o pé e esmaga a mão do artista com o seu coturno. A palavra amaldiçoada explica a violência:

Ahora, vamos a ver si aún tocas la guitarra, comunista de mierda! – grita o oficial.

No quinto dia após o golpe, Jara foi trucidado com 44 disparos e seu corpo jogado num matagal próximo ao Cemitério Metropolitano, às margens de uma rodovia.

O mais conhecido cantor do país foi levado para o depósito de cadáveres e ganhou a etiqueta macabra daqueles tempos sinistros: N.N, mais um no-nombrado. Jara só perdeu o anonimato quando teve seus restos reconhecidos pela viúva.

Palavra que fala

O Brasil também era varrido por aquela estranha sanha assassina contra as mãos. No início dos anos 1960, o jornalista Antônio Maria (1921-1964) era um artífice das palavras, o maior cronista do Rio de Janeiro. Escrevia no jornal getulista Última Hora, adversário direto da Tribuna da Imprensa, do eterno conspirador Carlos Lacerda.

Irritados com os constantes ataques de Maria ao seu chefe, capangas de Lacerda atacaram o jornalista e lhe quebraram os dedos das duas mãos. No dia seguinte, para surpresa de todos, Maria voltou com outro artigo impiedoso, que não falava do espancamento.

Na última linha, porém, o cronista escreveu:

Que tolos! Eles pensam que os jornalistas escrevem com as mãos…

Os tolos de todos os lugares, de todas as eras, imaginam que os homens e mulheres produzem com as mãos, ou só com as mãos, as maravilhas do pensamento e os monumentos das artes que marcam o processo civilizatório.

Censurando a imprensa, reprimindo as artes, silenciando os dissidentes, disseminando o medo e o terror de Estado, tentaram esmagar o homem e seus direitos. A partir de meados dos anos 1980, as ditaduras foram expostas nas suas entranhas, desabando uma a uma num efeito dominó que resgatou a esperança e a dignidade no extremo sul do continente.

A versão vazia e triunfalista da história oficial no Cone Sul, que deturpava a palavra pela força, foi confrontada pela palavra liberta e liberada de quem antes se calara pela força da violência, do medo.

Surgia o outro lado da história, a história do outro lado.

Na palavra do jornalista, do historiador, do político, do escritor, do poeta, do músico, um novo continente de ideias e de verdade aflorou na América, livre dos simbolismos, das metáforas, das alegorias, dos subtextos, das codificações poéticas de letras e músicas que recuperaram sua capacidade de contar livremente o desafio da vida.

As novas narrativas da América Latina das décadas de 60 a 80 do século passado surgem, agora, com o testemunho que preenche lacunas e desfaz lendas do poder.

Esta é a alentadora herança que fica: qualquer que seja o desafio imposto pela força, pelo silêncio, pelo arbítrio, sempre restará a palavra que redime, a palavra que honra, a palavra que fala.

Cedo ou tarde, lembramos e contamos.

Palavra por palavra.

Nosso “midiagate” saiu na mídia! - por Fernando Brito (Tijolaço)

Inacreditável. E, agora, vai ser difícil manter as coisas cobertas pelo manto de silêncio. O jornal  O Dia publicou a confirmação da história de que todos sabiam – acrescentando mais detalhes – as intimidades entre jornalistas famosos e a embaixada americana no Brasil. Cita, nominalmente, o apresentador da Globo William Waack e Carlos Eduardo Lins da Silva e Fernando Rodrigues, ambos da ‘Folha de S. Paulo’.

As visitas íntimas – pois não foram públicas, nem assunto de matéria por qualquer um deles – não se destinavam a apurar assuntos internacionais ou a falar sobre as relações entre os dois países, mas as avaliações – furadas, como se sabe – da candidatura Dilma Rousseff, no ano passado.
À parte o fato de os EUA escolherem mal seus informantes e analistas, o episódio deixa evidente que estes profissionais ultrapassaram qualquer limite ético no relacionamento com um governo estrangeiro.

Têm todo o direito de serem amigos e buscarem informações com diplomatas estrangeiros, como fez dos citados, Fernando Rodrigues, da Folha, ontem, numa entrevista como o embaixador Thomas Shannon, reportagem legítima e de interesse público. Tem, mesmo, todo o direito de buscar, com eles, informações em off.

Mas não têm o papel de fazer análises privadas para a informação de outro país, escondendo isso de seus leitores e telespectadores. Imaginem se um diretor do NY Times ou um apresentador da NBC fazendo visitas discretas à embaixada brasileira para nos dar uma visão íntima dos candidatos a presidente dos EUA?

Agora, com a publicação de O Dia sobre os telegramas diplomáticos que revelam seu comportamento, vazados pelo Wikileaks, estão obrigados a dar explicações públicas.

Já não podem dizer que a informação é obra de “blogueiros sujos”.

Colher informações, para um jornalista, é sua obrigação.

Fornecer informações, éticamente, é algo que só ao leitor se faz.

Não a diplomatas estrangeiros, ainda mais nas sombras.

Isso tem outro nome, que deixo ao leitor a tarefa de lembrar qual.

PS. Vejo no Conversa Afiada que o JB publicou também. E agora, vão continuar fingindo que não viram e se escondendo numa nota da Globo que diz que não é verdade? Ou Waack vai dizer que foi ao porta-aviões americano por ser “âncora”?