quarta-feira, 30 de abril de 2008

Só falta beatificar Dantas - por redação Cartacapital

Talvez ainda chegue o dia em que um prócer do Partido dos Trabalhadores proponha a inauguração de um busto do banqueiro Daniel Dantas em alguma praça importante do País. Não seria surpresa. Em nome dos “interesses nacionais”, que costuma justificar as maiores barbáries e falcatruas, o governo Lula prossegue incólume no propósito de patrocinar a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi. É possível apontar muitos ganhadores nesta operação. Além de Dantas, os principais acionistas da Oi, Carlos Jereissati e Sérgio Andrade. Quanto aos interesses nacionais e os consumidores, restam dúvidas sobre quais vantagens levariam nesta.

Até a noite da quinta-feira 24, estavam praticamente acertados os termos do acordo e a assinatura do negócio, que depende ainda de mudanças na Lei Geral de Telecomunicações (a legislação não permite a união de empresas concorrentes), deve sair antes de abril acabar.

No fim, os fundos de pensão e o Citibank, principais acionistas da BrT, aceitaram cessar todas as disputas judiciais que moviam contra o Opportunity de Dantas. Ao longo dos últimos anos, as fundações e o Citi reuniram provas suficientes para ingressar com ações diversas contra o banqueiro. A BrT cobra na Justiça brasileira. Seiscentos milhões de reais por danos administrativos e má gestão. Nos Estados Unidos, o Citi pede, no mínimo, 300 milhões de dólares por motivos semelhantes.

O acordo, ressalte-se, não interrompe processos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nem o caso Kroll, em andamento na 5ª Vara Federal de São Paulo, onde Dantas é acusado de comandar uma quadrilha de espionagem armada para bisbilhotar a vida de desafetos e concorrentes do Opportunity. Não cessam, mas, principalmente o que tramita na CVM, ficam bastante enfraquecidos.

O mais surpreendente é que Dantas não só não terá de desembolsar nenhum tostão pelo fim das pendências judiciais, como ainda receberá uma boa quantia por conta do acerto. Os acionistas da Oi aceitaram pagar 200 milhões de reais à BrT e 150 milhões de reais ao Opportunity pelo acordo de paz, conforme noticiou a revista eletrônica Teletime News. Uma assembléia de acionistas da Brasil Telecom ainda precisa aprovar a proposta.

Ninguém deve se iludir quanto à natureza dessa negociata. Ela não é simplesmente um acerto entre agentes privados em busca de eficiência e rentabilidade em seus negócios. Quem moveu a roda da fortuna nesse caso foi o BNDES, por ordens do Palácio do Planalto. O banco estatal vai financiar uma boa parte da criação da “supertele”, como vem sendo chamada a empresa resultante da união da Oi com a BrT. Deduz-se, portanto, que a parcela a ser paga a Dantas será deduzida da quantia repassada a juros camaradas por uma instituição oficial. Como o governo tem relacionado todo e qualquer projeto federal à idéia do Programa de Aceleração do Crescimento, nada mais justo que chamar essa triangulação de PAC do Dantas. Fica a pergunta: quem assumirá a paternidade ou a maternidade do pacote?

O governo Lula está, assim, prestes a repetir o modelo equivocado dos tempos de Fernando Henrique Cardoso. No período que precedeu o vexame do apagão, o BNDES desembolsou 21 bilhões de reais para o setor elétrico. Desse total, apenas 7 bilhões foram injetados em projetos de expansão da oferta de energia, tão necessários naquele momento. O resultado, catastrófico, todo mundo viu em 2001.

Agora estamos diante de uma tremenda perspectiva de crescimento sustentado e a demanda por financiamento industrial não pára de crescer. Mesmo assim, o BNDES prefere bancar um processo de fusão de vantagens duvidosas e bastidores nebulosos.

Além do mais, não é que o banco de fomento esteja nadando em dinheiro. Na terça 22, a Câmara dos Deputados teve de aprovar um aporte do Tesouro de 12,5 bilhões de reais ao BNDES para que a demanda por empréstimo seja atendida neste ano. Qualquer cidadão razoavelmente informado poderá listar ao menos uma centena de projetos muito mais prioritários e fundamentais ao desenvolvimento do que a criação da BrOi.

Lula, em sua popularidade inabalável, e seus principais assessores deveriam atentar para um fato grave dessa situação, já mencionado por CartaCapital diversas vezes. Há um claro conflito de interesses que deveria manter o Palácio do Planalto longe dessa negociação: a Oi é sócia do filho do presidente da República, Fábio da Silva, em uma produtora de conteúdo para a tevê.

Nada justifica que qualquer nesga de pudor e de postura republicana seja simplesmente atropelada. Nem supostos “interesses nacionais” nem a aparente certeza de que altos índices de aprovação são uma licença para se praticar qualquer ato.

Inflação e Selic - por Delfim Netto (Cartacapital)

Desde 2002, há um movimento de alta de preços no mundo, produzido basicamente por seis fatores: 1. Expansão da economia mundial, que passou de um crescimento de 3,2% entre 1998 e 2002 para 4,6% de 2003 a 2007. 2. Fantástico déficit em conta corrente dos Estados Unidos, que subiu de 213,5 bilhões de dólares (ou 2,44% do PIB), em 1998, para 738,6 bilhões de dólares (ou 5,3% do PIB) em 2007. 3. Desvalorização do dólar no mercado internacional (sem ser acompanhada por uma inflação interna nos EUA) da ordem de 40% entre 2002 e 2008. 4. Como o dólar é a unidade de conta do mercado internacional, a desvalorização estimulou importante aumento dos preços (nominais em dólares) das commodities. 5. Déficit comercial e política estratégica dos EUA para conter a União Soviética no período da Guerra Fria, que foram absolutamente instrumentais para a expansão econômica da China, da Índia e, delas, para os seus parceiros asiáticos. A expansão da renda e da urbanização desses países aumentou a demanda de bens agrícolas e minerais, principalmente aqueles controlados por cartéis ou cuja oferta é pouco elástica a curto e médio prazo. 6. “Descoberta” dos hedge funds de que podiam especular no mercado de commodities, cujos preços, conseqüentemente, se descolaram dos fundamentos.

O mundo vive um fenômeno muito conhecido, que é a vantagem dos devedores quando a receita cresce por efeito da inflação e as dívidas não têm correção monetária. O mundo emergente estava endividado em dólares com taxas de juro flutuantes basicamente controladas pelo mercado americano. O aumento da demanda física de suas exportações, acompanhado do aumento dos preços em dólares nominais (inflação externa não internalizada nos EUA), produziu um enorme aumento do valor das exportações dos emergentes. Como nem a amortização nem a taxa de juros (que corrige o valor do serviço da dívida) cresceram, eles receberam um bônus que aliviou a sua situação externa. O Brasil é testemunha desse fato.

O quadro sugere que em algum momento os EUA terão de ajustar o seu déficit em conta corrente e, provavelmente, internalizar parte da desvalorização externa do dólar. Este desandou de uma vez a partir do início de 2002. Sua alternativa é perdê-lo como unidade de conta do comércio internacional e principal moeda-reserva. A crise atual iniciada pelo subprime não é esse ajuste. É apenas a ponta do iceberg que se esconde embaixo do fato de que os EUA durante muitos anos (praticamente desde 1997) vêm consumindo e investindo acima de sua capacidade produtiva.

Não tenhamos ilusões. Os EUA não são o que são por acaso. Vão, como no passado, fazer o que deve ser feito, depois que resolverem a atual crise interbancária que poderia causar uma recessão fora de controle. E vão fazê-lo quando ficar visível a internalização da inflação externa do dólar: vão aumentar o juro, diminuir o crescimento (e o emprego) e reduzir o déficit em conta corrente. Isso valorizará externamente sua moeda e reduzirá (ou eliminará) o crescimento dos preços das commodities. Quando vemos Paul Volcker se aproximar de Barack Obama e sugerir que o “Federal Reserve andou perto da ilegalidade”, com o seu suporte descuidado ao sistema financeiro, devemos tremer na base. Como tremeu, aliás, o grande ministro Mário Henrique Simonsen, quando soube, em agosto de 1979, que Jimmy Carter convidara Volcker para a presidência do Fed.

Mas esse não é, hoje, o nosso problema, nem o dos EUA. Hoje temos um cabo-de-guerra entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda a respeito de saber se estamos ou não na iminência de uma superinflação que precisa ser prevenida com um superaumento da taxa Selic, que passou de 11,25% (já a maior do mundo) para 11,75%, e deve atingir qualquer coisa entre 12,50% e 13,25% em dezembro, de acordo com a “ciência” de que dispõe cada analista. O problema é que não há sinais claros de excesso de demanda. O grosso do aumento dos preços vem de um número limitado de produtos (estimulados externamente e por condições climáticas passageiras), que para ser alcançados por uma redução da demanda exigirão um aumento do desemprego e uma queda da renda real. O pior é que daqui a nove ou dez meses, quando a inflação voltar à meta (como voltaria naturalmente), algum econometrista vai provar que isso foi o efeito do aumento preventivo da taxa de juro.

Bush e a direitinha brasileira - por Leandro Fortes (Cartacapital)

Gosto de pensar nos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, em Nova York e Washington, como a razão primordial da Era Bush, essa Noite de São Bartolomeu high-tech que, por ora, parece se findar. Melhor pensá-la como uma reação extraordinária ao um evento devastador, inclusive culturalmente, para os americanos e a civilização ocidental, tão cheia de si, orgulhosa de tanto poder. O fato é que a queda das Torres Gêmeas pode ter sido apenas um evento catalisador de um processo inexorável do Ocidente em direção à caretice, e isso é realmente assustador.

Bush restaurou, em termos piores, o debate ideológico da Guerra Fria, embora não por tirocínio político, mas por orientação de marketing de bons assessores, Condoleezza Rice à frente deles. Digo em termos piores porque a Doutrina Bush cria uma relação entre o discurso social e o apoio a causas terroristas, ou pior, anticristãs. De certa forma, quando Condoleezza tem a pachorra de aparecer na televisão e falar sobre a contínua pacificação do Iraque, ela quer dizer o seguinte: até a gente pegar aquele safado do Bin Laden, todo muçulmano é comunista, e vice-versa. Entre os comunistas, como todos sabem, estão todos os envolvidos com movimentos sociais.

Aqui no Brasil, assanhou-se uma direitinha adolescente, na mídia, nos parlamentos, na pequena burguesia urbana, na classe média, enfim. Essa direitinha reflete e amplifica os valores mais caros a essa parcela social enfeitiçada pelo discurso neoconservador francamente apoiado pelos Estados Unidos. É uma gente que odeia o MST por osmose, pela lavagem diária dos noticiários de tevê, ou por compartilhar de uma noção primária baseada na hipótese de que, findo o latifúndio, findo o direito de propriedade privada no Brasil.

É uma tática antiga da poderosa elite rural nacional, travestida democraticamente, hoje, de agronegócio. Quem mexe na terra pode, a qualquer momento, mexer no apê dos outros, no carro e, horror dos horrores, na TV de plasma. A direitinha, então, se assanha como na canção de Guilherme Arantes: quem foi que disse que eles podem vir aqui, nas estrelas, fazer xixi?

O caso dos arrozeiros da Raposa Terra do Sol é emblemático. Para a classe média, que acompanha a história pela tevê, não é uma reserva indígena o centro do debate, mas o próprio capitalismo. Reforçar a causa indígena seria, portanto, como reforçar a tese dos movimentos sociais, do discurso da esquerda, antiquado e repulsivo à essa direitinha juvenil. Como de hábito, os conservadores reagem sob o manto da soberania. O Brasil está perdendo suas terras para os índios. Não há muito que se falar sobre isso, chega a dar um cansaço. Então, uma dica: qualquer idiota pode desmontar essa tese, até porque ela é restolho de uma outra, mais antiga, mais elementar.

A tese de que o patriotismo é o último refúgio do canalha.

Sobre Gilmar Mendes (STF) - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias104.asp

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias94.asp

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias107.asp

FHC e Serra - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias84.asp

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias83.asp

Dantas embolsa US$ 1 BI e vai derrubar Lula - de novo - por PHA (e mais sobre as teles)

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias100.asp - por Paulo Henrique Amorim

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias101.asp

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias103.asp

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias106.asp

Lucro da Vale desaba: cadê o Agnelli? - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias95.asp - por Paulo Henrique Amorim

domingo, 20 de abril de 2008

Trabalhador é o inimigo - por Maurício Dias (Cartacapital)

Há uma preocupante criminalização dos movimentos sindicais no Brasil. Juízes, promotores e advogados que atuam na área da Justiça do Trabalho já começam a se mobilizar para combater o problema.

“Há um sentimento generalizado de que todo trabalhador é inimigo”, alerta Cezar Britto, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Num longo elenco de causas prováveis ele destaca as mudanças no perfil social dos juízes, “filhos da elite” e oriundos de uma geração que, acuada pela violência, viveu de “portas fechadas” e, de um modo geral, só identificam como trabalhadores as empregadas domésticas que os servem.

É possível perceber que o ponto de inflexão disso ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso e, mais precisamente, durante o julgamento da greve dos petroleiros de maio de 1995, liderada pela Federação Única dos Petroleiros (FUP). Os petroleiros buscavam o cumprimento de acordo de reajuste assumido pelo presidente Itamar Franco.

Além da violência repressiva empregada pelo governo FHC, as decisões legais contra os petroleiros foram tão arbitrárias, ilegítimas, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) condenou o Brasil por atentado às organizações sindicais.

A OAB, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho preparam, em ritmo acelerado, um seminário sobre atos anti-sindicais.

A reação à flexibilização da legislação trabalhista – que precisa, sim, ser atualizada – pode ser feroz se os movimentos sindicais perceberem que ela pode se tornar um “cavalo de tróia” para mudanças que desfigurem direitos adquiridos há décadas.

“O trabalho não pode ser visto como mero custo de produção”, alerta Cezar Britto.

As decisões da Justiça do Trabalho aumentam as suspeitas nessa direção. Casos recolhidos pelo presidente da OAB consolidam as desconfianças. “Ao contrário da Justiça comum, em que as partes em conflito são consideradas iguais, a natureza da Justiça trabalhista é de proteção ao trabalhador”, explica Britto.

As decisões da Justiça do Trabalho têm sido piores do que as que eram tomadas pela Justiça comum. Há casos inacreditáveis. A mais expressiva talvez seja uma decisão de Goiás. O juiz, em face da não interrupção de uma greve de funcionários públicos, descarregou uma multa de 100 mil reais nas costas do presidente do sindicato. Enfim, criminalizou um indivíduo por ato coletivo.

No plano dos absurdos, essa história se aproxima do feito do desenhista que fez a quadratura do círculo. A única diferença é que a história do desenhista é uma invenção.

Retorno ao pêndulo - por Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa (Cartacapital)

O colunista Martin Wolf, do jornal britânico Financial Times, não mediu palavras. “Recordem a sexta-feira, 14 de março de 2008: foi o dia em que o sonho de um capitalismo de livre mercado e alcance mundial morreu. Por três décadas avançamos na direção de sistemas financeiros propelidos pelo mercado. Com sua decisão de resgatar o Bear Stearns, o Federal Reserve, instituição responsável pela política monetária dos Estados Unidos e principal defensor do capitalismo de livre mercado, decretou o fim de uma era.”

Pode ser exagero dizer que esse fato isolado marca uma virada de 180 graus. Há, sim, como falar de um sinal de uma gradual mudança de curso, quando os EUA tomam providências para ampliar a autoridade do Fed sobre os bancos de investimento e o diretor-gerente do FMI apela aos países ricos para que não se limitem à política monetária e recorram a políticas fiscais anticíclicas. Mas não é de hoje, nem dos últimos meses, que o pêndulo começou a se voltar na direção de maior intervencionismo.

De Margaret Thatcher e Ronald Reagan ao primeiro governo Bush júnior, e ainda mais nos anos Bill Clinton, tais movimentos seriam inimagináveis. Em todo o mundo capitalista, a ordem era reduzir a presença do Estado na economia, principalmente no sistema financeiro. Mas desde que existe o capitalismo industrial há uma espécie de alternância de gerações. De 30 em 30 anos, mais ou menos, trocam-se as posições quanto a essa questão.

Nos anos 1860, o liberalismo selvagem descrito nos textos mais dramáticos de Karl Marx ainda era o dogma do mundo então dito civilizado. Trinta anos depois, várias grandes nações, inclusive EUA, Alemanha e Japão, cresciam por meio do protecionismo, da ajuda estatal à criação de grandes grupos industriais, da construção de impérios coloniais, da regulamentação do trabalho – ou de todas essas coisas juntas – com amplo sucesso. O britânico William Harcourt, líder do Partido Liberal no coração da mais liberal das metrópoles, disse em 1887: “Agora somos todos socialistas”.

Mais uns 30 anos à frente, na década de 1920, a malfadada tentativa de restaurar a ortodoxia liberal e o padrão-ouro após a Primeira Guerra Mundial deu com os burros n’água e acabou em caos econômico, ascensão do comunismo e do fascismo e nova guerra. Nas palavras do economista britânico John Maynard Keynes, foi preciso salvar o capitalismo de si mesmo por meio de vigorosa intervenção estatal, como foi feito a partir dos acordos de Bretton Woods. “Agora somos todos keynesianos”, admitiu Milton Friedman em 1965.

Era verdade, salvo pela excêntrica seita austríaca de Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek, para os quais toda intervenção estatal na economia era anátema. Mas foi na direção destes que o pêndulo oscilou na década de 70, quando as políticas keynesianas concebidas nos anos 1940 se mostraram insuficientes para lidar com os problemas decorrentes da mudança nas correlações de força política e econômica entre as nações e do crescimento da dependência dos países desenvolvidos em relação ao mercado externo.

“O mercado” era então tido como a resposta para praticamente todos os problemas sociais, enquanto o Estado era inerentemente mau, irresponsável e autoritário. Todas as reformas econômicas pretendiam manietar o Estado, retirar-lhe os instrumentos de ação e fiscalização, reduzir impostos e custos trabalhistas e elevar ao máximo a liberdade de comércio e investimento.

Qual o primeiro sinal de virada da maré? A crise asiática de 1997, talvez. Para muitos analistas da época, era o contrário: seria o fim do “capitalismo de cupinchas” dos Tigres Asiáticos, marcado pela colaboração entre Estado e grupos econômicos selecionados como pontas-de-lança do desenvolvimento industrial e a introdução do verdadeiro capitalismo liberal anglo-saxão.

Ao menos o FMI fazia o possível para levar as coisas nessa direção, exigindo desregulamentação e abertura dos governos asiáticos. Alguns não conseguiram resistir e soçobraram na crise, como a ditadura de Suharto na Indonésia. Outros, como a Malásia, apontaram para outro caminho, impondo controles mais estritos ao fluxo de capitais e acabando com a anarquia financeira que provocara o colapso de várias moedas da região e jogara milhões na pobreza em proveito de uns poucos especuladores ocidentais.

Sem serem muito notados pelos analistas ocidentais, fascinados pela ilusão da “nova economia” e pelo admirável mundo novo das empresas pontocom, os principais países asiáticos passaram a controlar mais estritamente as taxas de câmbio e os preços e a acumular divisas em enorme escala, aplicando-as em estímulo ao consumo no Ocidente, principalmente nos EUA, por meio de financiamentos abundantes. Um keynesianismo tácito em escala global, ainda que ninguém lhe desse esse nome.

As tentativas de radicalizar ainda mais o neoliberalismo em escala global começaram sutilmente a ser engavetadas. Um marco foi o fracasso da tentativa da OCDE de aprovar um Acordo Multilateral sobre Investimentos que pretendia abolir todas as restrições aos investimentos internacionais. A proposta morreu em outubro de 1998, com a retirada do apoio dos governos da França, do Canadá e da Austrália. A onda de radicalização neoliberal chegava a seus limites.

Nem todos perceberam. Em maio de 2000, Grover Norquist, líder do Americans for Tax Reform, principal lobista antiimpostos nos EUA, anunciou que sua meta, “ambiciosa, mas razoável”, era cortar o governo pela metade até 2025. “Não quero abolir o governo”, esclareceu mais tarde, “só reduzi-lo até um tamanho tal que eu possa arrastá-lo para o banheiro e afogá-lo na banheira”.

A maior parte dos deputados e senadores republicanos assumiu o compromisso de “não mais impostos” exigido por Norquist. Atendendo a seu programa, Bush júnior, em junho de 2001, fez aprovar – com apoio de Alan Greenspan – um corte de 1,35 trilhão de dólares nos impostos pagos pelos mais ricos, cerca de 6% da Receita Federal.

Pouco depois, vieram os atentados de 11 de setembro. Foram seguidos de brutais aumentos dos gastos militares e da imposição de medidas sem precedentes de vigilância dos cidadãos estadunidenses, incluindo monitoramento de telefones, internet e consultas a bibliotecas. Ao mesmo tempo, o governo dos EUA impôs a seus aliados o controle de fluxos financeiros internacionais – há muito usados pelo crime organizado –, com o pretexto de evitar seu uso para o financiamento do terrorismo.

Ao menos na margem direita, o discurso da obsolescência do Estado caiu no vazio. Longe de encolher, o Estado, no seu aspecto bélico e repressivo, voltou a crescer para dimensões sem precedentes fora de grandes guerras – situação que não era e não é a dos EUA, por mais que a propaganda oficial e oficiosa martele o tema orwelliano da “Guerra contra o Terror”.

Pela escala das despesas bélicas comprometidas ou propostas a partir da invasão do Iraque, esboçava-se um keynesianismo militar, à maneira de Hitler e Mussolini. Mas, se isso desapontou a seita ultraneoliberal dos libertarians, amiga dos paraísos fiscais e avessa ao Estado em todos os aspectos, não incomodou os neoconservadores. Sua preocupação era a liberdade das mercadorias, dos dólares e de seus proprietários, não das pessoas que não os têm. A metade do Estado que pretendiam destruir era apenas a esquerda, isto é, os programas e serviços sociais e previdenciários. Nada jamais tiveram contra a repressão de pessoas físicas despossuídas. Haja vista o crescimento sem precedentes do encarceramento e das restrições aos imigrantes.

O garoto-propaganda do neoliberalismo tardio deixou isso claro. Em 2004, quando o filósofo britânico Alain de Botton, em um documentário sobre seu livro Desejo de Status, lhe perguntou por que o Estado não deveria ajudar os necessitados, Norquist não hesitou: “Porque, para isso, é preciso roubar dinheiro das pessoas que o mereceram e dá-lo a quem não mereceu e isso faz do Estado um ladrão”. Então, imposto é roubo? – perguntou Botton. “Com certeza, se for além do necessário para suprir justiça.” – tascou Norquist, que de outra feita comparara os impostos sobre propriedade ao Holocausto.

Mas os sinais de virada da maré, ainda ignorados no Hemisfério Norte, já eram visíveis nos elos mais fracos do sistema internacional. Na Argentina do fim de 2001, o colapso da conversibilidade foi também o das idéias neoliberais e monetaristas, seguido pela ruptura com os credores internacionais e vigorosa intervenção do Estado na economia.

Meses depois, o fracasso do golpe contra Hugo Chávez, seguido pela eleição de governos de centro-esquerda no Brasil e em vários outros países, revelou o desgaste dos modelos neoliberais em quase todo o continente. A virada autoritária e nacionalista da Rússia após a eleição de Vladimir Putin em 2000, seguida até 2003 pela queda e prisão de alguns dos maiores oligarcas surgidos da privatização dos 90, também apontou na mesma direção. Na China, a partir de 2002, Hu Jintao reconheceu os efeitos prejudiciais da anarquia do mercado no desenvolvimento de seu país e sutilmente voltou a introduzir controles estatais e direitos sociais e trabalhistas.

Nos EUA, o primeiro sinal de que a onda neoliberal encontrava seus limites também na margem esquerda esteve, talvez, nas seqüelas da catástrofe de New Orleans. Depois da passagem do Katrina, Thomas Friedman, insuspeito colunista do New York Times, denunciou a mentalidade egoísta por trás dos cortes de despesas que resultaram na deterioração do sistema de proteção da cidade e na falta de recursos para as vítimas. Fez questão de assinalar que gostaria que Norquist estivesse afogando o Estado em alguma banheira de New Orleans quando as represas se romperam.

Alguns ultraliberais atreveram-se a escrever que, mesmo neste caso, o papel do Estado deveria ter sido apenas proteger as propriedades de saqueadores e não prover auxílio, ou mesmo resgate ou evacuação às vítimas. A resposta da opinião pública foi glacial. A popularidade do governo republicano, já abalada pelo fiasco no Iraque, caiu a profundidades inauditas e não mais se recuperou.

Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia desde 2004, foi dos primeiros, ao menos no lado republicano, a dar-se conta. Eleito com apoio dos neoconservadores, como um cruzado contra os gastos públicos disposto a proteger os bolsos da elite californiana das necessidades dos imigrantes pobres, mudou da água para o vinho depois de novembro de 2005, como registrou Mike Davis em Apologia dos Bárbaros (Boitempo, R$ 49, 352 págs.).

Uma greve de professores, bombeiros e enfermeiras o assediou por todo o Estado, protestando contra as propostas de corte de gastos que seriam levadas a referendo. E, para surpresa do governador, a noite da apuração foi uma catástrofe: suas quatro iniciativas foram derrotadas e as pesquisas mostraram uma queda de mais de 25 pontos em sua popularidade.

Mudou de lado de maneira tão inesperada quanto seu personagem nas seqüelas de O Exterminador do Futuro. Para horror de Norquist e similares, trocou a chefe de gabinete republicana por uma democrata e lançou títulos públicos para financiar 68 bilhões de dólares em escolas, rodovias, canais e energia alternativa, coisa para Keynes nenhum botar defeito. Desafiando Bush júnior, lançou um programa de combate ao aquecimento global. Recuperado, chega às eleições de 2008 como um dos principais esteios do centro republicano e da campanha de John McCain.

O ex-presidente do Fed Alan Greenspan, em defesa do seu laissez-faire, ainda insiste em que não deveria ter tentado intervir para conter a bolha imobiliária, argumentando que não há meio-termo entre repressão dos mercados e liberdade total. Como diz Martin Wolf, favorável a mercados livres sob regras robustas, se as pessoas tiverem de escolher depois desta crise que se anuncia onerosa, optarão pela primeira alternativa.

Republicanos ou democratas, trabalhistas ou conservadores, políticos e economistas dos EUA e demais países desenvolvidos estão cada vez mais conscientes da necessidade de que terão de atuar em conjunto entre si e com os grandes países emergentes, principalmente a China, para administrar a crise, remediar a falta de regulamentação do setor financeiro que a provocou, conter a deterioração dos ecossistemas globais e buscar a cooperação entre Ocidente e Oriente na redução dos desequilíbrios globais.

Logo, logo, alguém dirá: “Agora, somos todos pós-keynesianos”. Ou coisa que o valha. Já em janeiro, Ben Bernanke, presidente do Fed, explicitou que acharia uma boa idéia um pacote temporário de estímulo fiscal. No mês seguinte, aprovou-se um pacote de 168 bilhões em tempo recorde – não outro corte nos impostos dos ricos, mas uma restituição a contribuintes com renda até 75 mil dólares anuais e um subsídio aos isentos. Enquanto isso, nos jornais de negócios, os fundos estatais da China, dos Emirados Árabes e Tigres Asiáticos, antes pintados como conspiradores contra o livre mercado e a segurança do Ocidente, viraram cavaleiros de armadura brilhante prontos a salvar os grandes bancos privados, incapazes de administrar seus próprios riscos.

Mais recentemente, o francês Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI, apelou aos demais governos com recursos para tanto para que não se limitem à política monetária e recorram a políticas fiscais anticíclicas: “A necessidade de intervenção pública na economia está ficando mais evidente”, disse ele ao jornal Financial Times em 7 de abril. Já em setembro de 2007, aliás, quando se apresentou como candidato ao conselho executivo da instituição, citara Keynes na primeira reunião do Fundo, em Bretton Woods, em 1944: “Todas as crianças deveriam receber três presentes ao nascer, um dos quais um casaco multicolorido, como lembrança perpétua de que pertencem ao mundo todo”.

Robert Zoellick, paladino do livre-comércio e da finada Área de Livre Comércio das Américas no primeiro governo Bush júnior, tem agora outra prioridade: como presidente do Banco Mundial, apela aos países desenvolvidos por uma ajuda de 500 milhões de dólares para financiar a compra de sementes em países ameaçados de fome. Strauss-Kahn lembra aos ricos que “não é só uma questão humanitária”. Os desequilíbrios comerciais os afetarão (vários países, da Argentina à China, passando por Egito e Índia, já restringem a exportação de grãos) e “esse tipo de problema às vezes acaba em guerra”.

Já a direita brasileira, embora inclua alguns luminares cuja proporção entre músculos e cérebro é supostamente menos desfavorável que a de Arnie, foi menos perceptiva. Mesmo depois que o governador da Califórnia completara sua pirueta política, continuou a bater nas mesmas teclas e nada aprendeu com a segunda derrota. Pelo contrário, seus porta-vozes acadêmicos esbravejam contra qualquer possibilidade de o Banco Central olhar para além das metas de inflação e seus políticos e comunicadores relançaram o discurso do “Estado mínimo”, no exato momento em que os próprios EUA já lhe encomendavam o caixão.

Mínimo inclusive na grafia, pois a revista que melhor expressa suas posições, além de fazer de cada página um editorial em favor do livre mercado – quando não teorias da conspiração dignas de tablóides mais especializados –, chegou ao preciosismo de passar a grafar “estado” com minúscula, acreditando que com isso “demolirá a noção disfuncional de que se pode esperar tudo de um centralismo provedor”. É um discurso que, para usar uma palavra que lhes é muito querida, já começa a soar, digamos assim, jurássico.

sábado, 19 de abril de 2008

Mantida por aparelhos - por Luiz Gonzaga Belluzzo (Cartacapital)

Ao longo do tumultuado período encravado entre a Primeira Guerra Mundial e a vitória dos Aliados em 1945, a fúria e a desordem dos mercados haviam colocado em risco a ordem social e econômica. Esse intervalo histórico foi marcado por instabilidades monetárias e cambiais devastadoras transmitidas por circuitos financeiros internacionais.

As disputas comerciais e as desvalorizações competitivas promoveram a contração do comércio internacional e os países envolvidos tratavam de despejar o desemprego no território do vizinho. Tudo isso em meio à intensificação dos conflitos sociais. A luta política, cada vez mais radicalizada entre a extrema-esquerda e a ultradireita, foi coroada com os espinhos da experiência nazi-fascista. Neste clima cresceu o convencimento de que o capitalismo, entregue à sua própria lógica, era uma ameaça à vida civilizada.

No pós-guerra, para evitar a repetição do desastre era necessário, antes de tudo, constituir uma ordem econômica internacional capaz de alentar o desenvolvimento. Em primeiro lugar, remover os obstáculos à expansão do comércio entre as nações e conceber regras monetárias aptas a garantir a confiança na moeda-reserva e, ao mesmo tempo, impedir o ajustamento deflacionário do balanço de pagamentos. Tratava-se, portanto, de erigir um ambiente econômico internacional destinado a propiciar um amplo raio de manobra para as políticas nacionais de desenvolvimento, industrialização e progresso social.

As novas instituições e as políticas econômicas do Estado Social estavam comprometidas com a manutenção do pleno emprego, com a atenuação, em nome da igualdade, dos danos causados ao indivíduo pela operação sem peias do “mecanismo econômico”. Eric Alliez escreveu que, durante mais de duas décadas, realizou-se a criação de um mundo fundado sobre o direito ao trabalho, que tinha como objetivo o pleno emprego, o crescimento dos salários reais.

Já nos anos 50, tempo de esplendor e glória do ideário keynesiano, o libertarianismo de Friedrich Hayek e, mais tarde, o monetarismo de Milton Friedman desataram a ofensiva contrária “aos inimigos da liberdade econômica”. Não eram ouvidos nem cheirados.

Os libertários saíram da tumba, ressuscitados pelos miasmas da “estagflação” do fim dos anos 60 e início dos 70. A partir de perspectivas teóricas distintas, os espectros do mercadismo passaram a rondar o chamado “consenso keynesiano”.

Para eles, as proezas da “era dourada” revelaram-se um doloroso engano. Engano que fez prosperar o famigerado populismo econômico, uma forma perversa de politização à outrance da economia. Parafraseando Eric Hobsbawm, a recomendação dos conservadores era dar “adeus a tudo aquilo” e, com urgência, empreender as reformas necessárias para restabelecer o funcionamento dos verdadeiros mecanismos econômicos, os únicos aptos a garantir a liberdade do indivíduo e promover a estabilidade e o crescimento a longo prazo.

Na visão liberal-conservadora, os propósitos de proteger o cidadão contra os azares e as incertezas do mercado terminariam por suscitar efeitos contrários aos pretendidos. A despeito das diferenças analíticas e de método, Hayek e Friedman sustentavam que os “anos gloriosos” estavam fadados inexoravelmente ao fracasso em sua insana tentativa de interferir nos movimentos “naturais” dos mercados. As políticas monetárias acomodatícias, combinadas com pactos “corporativistas” entre as classes sociais e grupos de interesses, levariam inevitavelmente ao baixo dinamismo e à inflação crônica e elevada.

Logo depois, os novo-clássicos, escorados na hipótese das expectativas racionais, reforçaram as tropas do reformismo liberal. Expediram uma sentença condenatória ainda mais dura contra a intervenção do Estado, ao proclamar a ineficácia das políticas fiscal e monetária em sua vã pretensão, assim diziam, de limitar a instabilidade cíclica e promover o crescimento da economia.

Os governos logo haveriam de aprender: os agentes racionais que povoam os mercados sabem exatamente qual é a estrutura da economia e, usando a informação disponível, são capazes de antecipar sua evolução provável. Não se deixam enganar, nem por um momento, pelo velho truque de estimular a atividade econômica com os anabolizantes nominais da política monetária leniente. Caso insistam nessa prática, políticos e burocratas voluntaristas, em vez de mais empregos, conseguirão apenas mais inflação, salvo na hipótese improvável de que possam surpreender e tapear permanentemente os sagazes agentes privados, implacavelmente racionais.

No início dos anos 80, a turma da economia da oferta dizia ainda mais: a sobrecarga de impostos sufocava os mais ricos e desestimulava a poupança, o que comprometia o investimento e, portanto, reduzia a oferta de empregos e a renda dos mais pobres.

As práticas neocorporativistas, diziam eles, criavam sérias deformações “microeconômicas” ao promover, deliberadamente, intervenções no sistema de preços, nas taxas de câmbio, nos juros e nas tarifas. Com o objetivo de induzir a expansão de setores escolhidos ou de proteger segmentos empresariais ameaçados pela concorrência, os governos distorciam o sistema de preços e, assim, bloqueavam os mercados em sua nobre e insubstituível função de produzir informações para os agentes econômicos.

Tais violações das regras de ouro dos mercados competitivos culminavam na disseminação da ineficiência e na multiplicação dos grupos “predadores de renda”, que se encastelavam nos espaços criados pela prodigalidade financeira do Estado.

Para acrescentar ofensa à injúria, os mercados de trabalho, castigados pela rigidez nominal dos salários e por regras políticas hostis ao seu bom funcionamento – como a do salário mínimo –, não podem mais exprimir o preço de equilíbrio desse fator de produção, por meio da interação desembaraçada das forças da oferta e da demanda.

Em matéria financeira, a teoria dos “mercados eficientes” pretendia ensinar que todas as informações relevantes sobre os “fundamentais” da economia estão disponíveis em cada momento para todos os participantes dos mercados que avaliam os títulos de dívida e os direitos de propriedade.

A ação racional dos agentes, diante das informações existentes, seria capaz de orientar a melhor distribuição possível dos recursos entre os diferentes ativos. Essa teoria procurava afirmar que, em condições competitivas, não podem existir estratégias “ganhadoras” capazes de propiciar resultados acima da média.

Na última semana, em meio a mais uma hemoptise dos mercados infectados, o consultor Rod Arnott arengava para uma platéia de 200 acadêmicos, gente da área financeira. Perguntou aos ouvintes se acreditavam na Hipótese dos Mercados Eficientes. Ninguém levantou o braço. Em seguida, indagou qual deles utilizava a desditosa hipótese em seus artigos, assumindo que ela seja verdadeira. Quase todos levantaram as mãos.

Nos idos de 1994, Matt Ridley, conhecido zoólogo e economista diletante, autor de vários ensaios científicos, proclamou, em uma de suas inúmeras catilinárias contra o Estado: “A pouco conhecida Nona Lei da Termodinâmica ensina que quanto mais um grupo se apropria do dinheiro do contribuinte, mais ele demanda e mais ele reclama”. Bravo!

Sucessor do pai como presidente do Northern Rock, Ridley foi dispensado da função em outubro de 2007, quando o banco declarou-se insolvente, afogado em empréstimos podres. O governo inglês injetou 16 bilhões de libras nos cofres do Northern e, logo depois, viu-se obrigado a estatizar o falecido.

A revista The Economist rezou o epitáfio do ex-banqueiro Ridley: “Ele seguiu um modelo agressivo de negócios, cruzou os dedos e apostou que a liquidez estaria sempre ali”.

Quando o negócio foi à garra, seu colega de estudos na universidade, o celebrado George Monbiot, não deixou barato: “O libertário foi obrigado a recorrer ao abominável Estado”. Fontes bem informadas atestam que Ridley passou a concentrar suas energias no estudo de animais mais previsíveis do que os enigmáticos mercados superalavancados das “securities” e dos derivativos.

Tal como a Hipótese dos Mercados Eficientes, a ideologia neoliberal estrebucha, alvejada por sua própria fuzilaria. Os tiros ricocheteiam na realidade da finança desregulada. Conservadores e progressistas clamam pela imposição de regras para conter os desvarios dos mercados. As crises financeiras multiplicam-se desde os anos 80. Se a freqüência dos episódios compromete o prestígio dos curandeiros dos mercados desimpedidos, ainda não abalroou o poder dos patrões da finança e de seus aliados nos bancos centrais. É cedo para programar as exéquias do neoliberalismo.

(Eleições 2006 - In Memorian) O 1º golpe de estado já houve. E o 2º? - por PHA

Um golpe de Estado levou a eleição para o segundo turno.

É o que demonstra de forma irrefutável a reportagem de capa da revista Carta Capital que está nas bancas (“A trama que levou ao segundo turno”), de Raimundo Rodrigues Pereira. E merecia um sub-titulo: “A radiografia da imprensa brasileira”.

Fica ali demonstrado:

1) As equipes de campanha de Alckmin e de Serra chegaram ao prédio da Polícia Federal, em São Paulo, antes dos presos Valdebran Padilha e Gedimar Passos;

2) O delegado Edmilson Bruno tirou fotos do dinheiro de forma ilegal e a distribuiu a jornalistas da Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, do jornal O Globo e da rádio Jovem Pan;

3) O delegado Bruno contou com a cumplicidade dos jornalistas para fazer de conta que as fotos tinham sido roubadas dele;

4) O delegado Bruno procurou um repórter do Jornal Nacional para entregar as fotos: “Tem de sair à noite na tevê., Tem de sair no Jornal Nacional”;

5) Toda a conversa do delegado com os jornalistas foi gravada;

6) No dia 29, dois dias antes da eleição, dia em que caiu o avião da Gol e morreram 154 pessoas, o Jornal Nacional omitiu a informação e se dedicou à cobertura da foto do dinheiro;

7) Ali Kamel, “uma espécie de guardião da doutrina da fé” da Globo, segundo a reportagem, recebeu a fita de audio e disse: “Não nos interessa ter essa fita. Para todos os efeitos não a temos”, diz Kamel, segundo a reportagem

8) A Globo omitiu a informação sobre a origem da questão: 70% das 891 ambulancias comercializadas pelos Vedoin foram compradas por José Serra e seu homem de confiança, e sucessor no Ministério da Saúde, Barjas Negri.

9) A Globo jamais exibiu a foto ou o vídeo em que aparece Jose Serra, em Cuiabá, numa cerimônia de entrega das ambulâncias com a fina flor dos sanguessugas;

10) A imprensa omitiu a informação de que o procurador da República Mario Lucio Avelar é o mesmo do “caso Lunus”, que detonou a candidatura Roseana Sarney em 2002, para beneficiar José Serra. ( A Justiça, depois, absolveu Roseana de qualquer crime eleitoral. Mas a campanha já tinha morrido.)

11) Que o procurador é o mesmo que mandou prender um diretor do Ibama que depois foi solto e ele, o procurador, admitiu que não deveria ter mandado prender;

12) Que o procurador Avelar mandou prender os suspeitos do caso do dossiê em plena vigência da lei eleitoral, que só deixa prender em flagrante de delito.

13) Que o Procurador Avelar declarou: “Veja bem, estamos falando de um partido político (o PT) que tem o comando do país. Não tem mais nada. Só o País. Pode sair de onde o dinheiro ?”

14) A reportagem de Raimundo Rodrigues Pereira conclui: “Os petistas já foram presos, agora trata-se de achar os crimes que possam ter cometido.”

Na mesma edição da revista Carta Capital, ao analisar uma pesquisa da Vox Populi, que Lula tem 55%, contra 45% de Alckmin, Mauricio Dias diz: “ ... dois fatos tiraram Lula do curso da vitória (no primeiro turno). O escândalo provocado por petistas envolvidos na compra do dossiê da familia Vedoin ... e secundariamente o debate promovido pela TV Globo ao qual o presidente não compareceu.”

Quer dizer: o golpe funcionou.

Mino Carta, o diretor de redação da Carta Capital, diz em seu blog, aqui no IG (http://blogdomino.blig.ig.com.br/), que houve uma reedição do golpe de 89, dado com a mão de gato da Globo, para beneficiar Collor contra Lula. “A trama atual tem sabor igual, é mais sutíl, porém. Mais velhaca,” diz Mino.

Permito-me acrescentar outro exemplo.

Em 1982, no Rio, quase tomaram a eleição para Governador de Leonel Brizola. Os militares, o SNI, e a Policia Federal (como o delegado Bruno, agora, em 2006) escolheram uma empresa de computador para tirar votos de Brizola e dar ao candidato dos militares, Wellington Moreira Franco. O golpe era quase perfeito, porque contava também com a cumplicidade de parte de Justiça Eleitoral e, com quem mais? Quem mais?

O golpe contava com as Organizações Globo (tevê, rádio e jornal, como agora) que coonestaram o resultado fraudulento e preparam a opinião pública para a fraude gigantesca.

Que só não aconteceu, porque Brizola “ganhou a eleição duas vezes: na lei e na marra”, como, modestamente, escrevi no livro “Plim-Plim – a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”, editora Conrad, em companhia da jornalista Maria Helena Passos.

Está tudo pronto para o segundo golpe.

O Procurador Avelar está lá.

Quantos outros delegados Bruno há na Policia Federal (de São Paulo, de São Paulo !).

A urna eletrônica no Brasil é um convite à fraude. Depende da vontade do programador. Não tem a contra-prova física do voto do eleitor. Brizola aprendeu a amarga lição de 82 e passou resto da vida a se perguntar: “Cadê o papelzinho ?”, que permite a recontagem do voto ?

E se for tudo parar na Justiça Eleitoral? O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello já deixou luminosamente claro, nas centenas de entrevistas semanais que concede a quem bater à sua porta, que é favor da candidatura Alckmin.

E o segundo golpe? Está a caminho. As peruas da GW já saíram da garagem.

Lula se curva diante da Globo (de novo) - por Paulo Henrique Amorim

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias77.asp

Entrevista de Paulo Henrique Amorim à Fórum

Fórum – Quando o senhor identifica o início da degradação da imprensa brasileira?
Paulo Henrique Amorim – Chegamos a um ponto sem precedentes em termos de degradação e corrupção da imprensa brasileira. A imprensa que chamo de Partido da Imprensa Golpista, ou PIG, é, sobretudo, a Globo, a Folha e o Estadão. Não falo da Veja, porque é um caso especial que eu chamo de “a última Flor do Fascio”, nem da IstoÉ, porque não é uma organização jornalística. Quando você compra um jornal, teoricamente, pelos cânones da indústria, vai obter ali um noticiário razoavelmente isento e, nas páginas de opinião, fica aquilo que o dono quer divulgar. Aqui no Brasil, houve uma inversão completa. Hoje, tem opinião na parte informativa, até no horóscopo e na previsão do tempo, e o mais grave de tudo isso é que se disseminou o sistema de cooptação com dinheiro do jornalismo econômico e político. Tenho divulgado no meu site as relações entre o Daniel Dantas e algumas instituições, cuja função é distribuir notícias que influenciam formadores de opinião, a Justiça... É uma degradação sem precedentes.

Meu ex-colega do IG, Luís Nassif, tem feito um trabalho exemplar ao apontar as ligações sórdidas entre a Veja e interesses econômicos constituídos. Não há nenhuma punição, nenhuma reclamação, nenhuma manifestação de indignação, os jornais do PIG não noticiam o que o Nassif está dizendo. É a maior revista semanal do país e ignoram o que fala um jornalista respeitável que trabalhou na Folha durante uma década, do Conselho Editorial da Folha. Ou seja, Nassif não é irresponsável segundo a Folha. E a Folha não dá uma linha!

O Mino Carta, que é o pioneiro nessa batalha para demonstrar a pusilanimidade, o golpismo e agora a corrupção na imprensa, acha que nós não chegamos no fundo do poço, que ainda iremos mais fundo e saberemos mais coisas e a impunidade continuará.

Fórum – O senhor acredita que essa degradação se agravou durante o processo de privatização?
Amorim – O presidente do México, Carlos Salina de Gortari, vendeu a telefonia do México para uma pessoa, que é o Carlos Slim, hoje o homem mais rico do mundo. Salinas de Gortari teve que fugir do México para a Irlanda porque nem em Miami ele podia ficar. O Fujimori, que fez a privatização no Peru, está preso. O Carlos Menem, que fez a privatização na Argentina, tem vários ministros na cadeia e não pode ver um juiz ou policial que sai correndo, pode ser preso a qualquer momento. Aqui no Brasil o Fernando Henrique Cardoso cobra US$ 60 mil por palestra e sai no PIG toda hora. E as pessoas levam o Fernando Henrique a sério, é o herói de uma parcela da população brasileira.

Vou desenvolver essa tese com mais clareza, mas houve, na transição de regime militar para o democrático, a tragédia da dívida nos anos 80. O Brasil quebrou em 1982, o fenômeno da hiperinflação, e o Sarney tentou resolver, o Collor tentou resolver, e o Fernando Henrique tocou o Plano Real. O plano, entretanto, tinha, como base para solucionar ou para auxiliar a equacionar o problema, a privatização, um instrumento pelo qual o sistema político dominante à época – o PSDB e o PFL – encontrou para acomodar os interesses políticos internos, domésticos, da coalizão dominante e os interesses dos bancos. Ela foi o fiel da balança dessa reengenharia que levou ao sucesso o Plano Real.

Agora, temo que a operação de criação da BrOi seja a consubstanciação, aquele quadro do Napoleão sendo coroado, que está na igreja de Notre Dame. O quadro começa a ser pintado a partir do momento em que o Luciano Coutinho, presidente do BNDES, assina o empréstimo para o Carlos Jereissati e o Sérgio Andrade comprarem a Brasil Telecom, sem botar um tostão. Nesse momento, será feita a grande conciliação nacional, os fundos e o Citibank renunciam a toda ação [judicial] que moveram na Justiça contra o Daniel Dantas1 . O governo Lula põe para dentro a corrupção do Dantas e do governo FHC, limpa a pedra e resolve esse problema botando o dinheiro do BNDES nas mãos desses dois subempresários, já que eles compraram a Telemar sem gastar também.

Aí será feita a grande pacificação nacional, que mobilizou essa subimprensa de contratos de prestação de serviços, mas que você nunca sabe que serviços são esses. Então, se houver o Aécio [Neves] candidato em uma chapa que reúna PSDB e PT, como está sendo montada em Belo Horizonte, resolve tudo. Põe todo o Brasil debaixo do tapete. O PSDB esconde ossos do Fernando Henrique no armário do Lula, o Lula esconde no armário seus próprios esqueletos, e o Brasil vai seguir em frente com a conciliação que o Tancredo [Neves] tentou fazer e não conseguiu porque morreu antes.

A privatização é o que define o processo da Nova República no regime pós-militar, é a metástase da corrupção no Brasil. O Daniel Dantas é o maior símbolo, herói e beneficiário desse processo que corrompeu o PSDB, o PFL e o PT. Ele corrompeu o PSDB, financiou a filha do Serra e ele é a grana que está no duto do Valerioduto. Que o procurador-geral da República não procurou e que o ministro Joaquim Barbosa não achou. A grana do Valerioduto veio de onde? Dá em árvore ou o Valério era maluco e colocava dinheiro dele no esquema? Ele era um lavador de dinheiro e ninguém quer dizer isso. Fizeram a CPI dos Correios e não pediram indiciamento do Daniel Dantas, porque a bancada dele tem um líder no senado, que é o Heráclito Fortes, e tem um líder na Câmara, que é o José Eduardo Cardozo.

Fórum – Então a tentativa do PT de incluir o Daniel Dantas na CPI dos Correios foi uma farsa?
Amorim – Foi uma tentativa de última hora, feita depois que o relatório estava escrito e que não resultou em nada. Durante a argüição do Daniel Dantas, o senhor José Eduardo Cardozo fez perguntas que o Dantas esperava que fosse feitas e o Jorge Bittar (PT-RJ) fez perguntas inúteis. Ninguém do PT perguntou se o Dantas colocava dinheiro no Valerioduto. E era a única pergunta que cabia ali. Por que o PT não foi pra cima do Dantas? Porque o cara da bancada do PT não sabe se quem está do lado dele pegou dinheiro do Dantas. O Dantas calou o PT, o Dantas imobilizou o PT, porque o Dantas comprou uma parte do PT. Pode escrever aí.

Fórum – No PT, havia uma disputa que envolvia o Luís Gushiken, os fundos e a participação do Dantas...
Amorim – O Gushiken pagou o preço de ter tirado o Dantas da Brasil Telecom. E outro que pagou o preço foi Paulo Lacerda, homem probo e policial eficiente. Foi tirado da Polícia Federal porque queria prender o Daniel Dantas.

Fórum – O senhor já conversou sobre isso com o Paulo Lacerda?
Amorim – Não posso revelar.

Fórum – Bom, a respeito da sua demissão do IG...
Amorim – Tenho minha coleção de demissões, mas vamos lá. Ali é um processo de “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. O Sr. K [o presidente da Brasil Telecom, Ricardo Knoepfelmacher], como mostro no meu blogue, a letra “K” aponta para direções opostas e esse é seu grande enigma: para que direção o Sr. K aponta? Ele entrou como presidente da Brasil Telecom como representante dos fundos e do Citi para desfazer as falcatruas do Dantas. Ele me contratou porque eu tinha uma história na internet de combater o Dantas. Isso ele me disse.

E por que de repente isso mudou? Essa é a pergunta-chave da história. O Sr. K recebia pressões de diversas áreas, do José Serra, que tem uma tradição de pedir a cabeça de repórteres; do Carlos Jereissati e do Sérgio Andrade; e do Citibank. Porque eu, com o Rubens Glasberg e o Mino Carta fomos os únicos jornalistas que perguntaram: vale a pena fazer a BrOi e passar uma borracha no passado do Dantas? É esse o custo de fazer a BrOi?. Quanto dinheiro do senhor Jereissati e Andrade vai entrar nisso? Entrei com um documento, quero a BrOi, e dou um real a mais do que os dois colocarem do próprio bolso.

No meio do ano passado, o Sr. K tentou montar um conselho editorial para cercear minha opinião. Eu não posso revelar quem eram as pessoas que compunham o conselho, mas digo que eram pessoas que tinham por mim o mesmo apreço que tenho por elas. Consegui impedir que isso acontecesse. E me pergunto para que, já que 95% do conteúdo de um portal é de terceiros? Depois veio uma tentativa de me tirar da capa do IG. Levei seis meses negociando com o Sr. K esse ponto: só vou para o IG se tiver espaço na capa. Sabia, porque no UOL já tinham me feito isso. E ele precisou de seis meses para impor a vontade dele e me colocar na capa. Depois, ele quis me tirar da capa. Foi uma batalha em que o Caio T – de Tartufo – Costa desempenhou um papel nobre e edificante. E eu ganhei.

Finalmente, estávamos na antevéspera da solução do problema da BrOi, na antevéspera da Semana Santa, e ele me tirou do ar. Agora, ele me tirou do ar com uma tecnologia que o Caio T – de Tartufo – Costa conhece muito bem, que é tirar do ar fisicamente. Ele me tirou do ar antes que pudesse ser notificado, estava no segundo bloco de um programa que gravo na Record e a minha equipe já tinha sido escorraçada do IG, os computadores lacrados, os crachás retirados. O Caio retirou meu trabalho de dois anos no ar. Ele apagou o meu passado. Ele fez uma limpeza ideológica.

Por que ele não me avisou e não redirecionou o internauta para o novo endereço? Como a Globo fez com o Franklin Martins, ela não o queria mais, mas redirecionou [o internauta para o endereço novo]. Por que [ele] quis me apagar?

Fórum – Você disse que o Caio Túlio Costa já teria feito coisa semelhante.
Amorim – Estou precisando comprovar casos específicos, mas ele fez comigo no UOL. Uma série de informações que eu dava sobre as relações amistosas e dignificantes entre duas grandes personalidades brasileiras, José Serra e Nizan Guanaes. Não há registro físico, é uma especialidade dele suprimir isso. E olha que dá aula na Cásper Líbero sobre Jornalismo e Ética... Mas ele é um pau mandado, executa com entusiasmo o que o patrão mandou fazer. O Sr. K também serve a vários patrões. Fui demitido porque escrevia contra a BrOi e Daniel Dantas.

Fórum – Seu trabalho na televisão é bem diferente da internet. Por quê?
Amorim – Na televisão, não trato desses assuntos. A internet tem uma vantagem, você pode fazer o que quiser. É o último reduto da liberdade de imprensa e, felizmente, aqui no Brasil, está nascendo algo similar ao que já existe nos Estados Unidos. A blogosfera está se transformando em um espaço de debate político relevante.

Não estou mais interessado em discutir política, economia, essas coisas mais sensíveis na televisão. A televisão brasileira não é o espaço mais apropriado para isso e quando se faz, se faz mal feito. É a Miriam Leitão, William Waack, Arnaldo Jabor, Alexandre Garcia, esses grandes jornalistas que fazem a televisão brasileira. Então, não quero mais tratar disso na televisão. Ali, faço parte do Domingo Espetacular e sou repórter, como fui no Fantástico por seis anos em Nova Iorque, de onde fazia matérias que não tinham nada a ver com política. Cobria incêndio, crime, enchente, guerra civil... Sou repórter, porque esse pessoal que está aí, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, que acham que são jornalistas, não sabem cobrir uma batida de trânsito na esquina. Se mandar cobrir, chegam na redação com informações inverídicas e incompletas. Por isso não trato com esses camaradas, eles não são da minha profissão. Eles vendem a opinião deles. E não troco minha opinião por nada.

Agora não quero saber de portais que só reescrevem o que sai na Agência Estado, Folha e Globo – uma reprodução mal feita.

Fórum – É impossível discutir política e economia na TV? Quando o senhor fazia o Tudo a Ver dava, ao menos, alguns pitacos sobre esses temas.
Amorim – Era muito limitado e foi ficando cada vez mais. Trabalhei na Globo em um período que tinha hiperinflação e chegaram à conclusão de que era necessário ter jornalistas de economia na televisão. E o Delfim Netto diz, com muita propriedade, que no Brasil jornalista de economia não é uma coisa nem outra.Hoje, na Globo acontece o seguinte: o Roberto Marinho morreu e foi substituído por três filhos que não têm curso universitário. Nenhum deles é conhecido pelo nome próprio, são filhos do Roberto Marinho. Colecionam fracassos empresariais. O mais velho, Roberto Irineu, é responsável pelo “grande sucesso” da Tele Montecarlo. Os três, por omissão/incompetência, delegaram o comando das suas redações a alguns prepostos, entre os quais se destaca o Ali Kamel [diretor-executivo da Globo], que escreveu um livro para mostrar que o Brasil não é racista e revelou o Brasil racista. E eles escrevem o que imaginam que o patrão vá gostar de ver. Mas isso tudo carece de um mínimo de sutileza, de argúcia, que o velho tinha. O velho, dificilmente, na base de operações que é o Rio de Janeiro, brigaria com o presidente, com o governador e com o prefeito. Desconfio que o outro Roberto não faria isso, se ele e Antonio Carlos Magalhães estivessem vivos, estariam trabalhando com o Lula. Estariam trabalhando na base do governo, na sombra. Não é muito bom estar brigado com o governo federal por muito tempo.

Fórum – Mas se o presidente Lula está fazendo essa conciliação, por que o PIG quer derrubá-lo?
Amorim – Porque ele é pobre e nordestino, é uma combinação de preconceito de raça com preconceito de classe.

Fórum – A possibilidade de aliança PT-PSDB em Belo Horizonte é resultado dessa conciliação?Amorim – É o resultado físico da conciliação. Com esse mesmo espírito de concertação que uma candidatura Aécio com apoio do PT é um velho sonho da elite brasileira, da qual o Lula quer fazer parte, que é o Pacto de Moncloa2 eterno. Nós não somos a Argentina e lamento profundamente. Gostaria de ser argentino para ser militante peronista. O presidente Néstor Kirchner desfez o Supremo Tribunal e o presidente Lula nomeou para o STF um xiita católico que se posiciona contra as pesquisas com células-tronco. Esse Carlos Alberto Direito, que conheço desde que éramos estudantes da PUC, disse antes que era contra a pesquisa com células-tronco. Tem que tirar o Marco Aurélio de Mello de lá. Ele é um golpista, despreparado, não passa nem em prova de juiz de primeira instância.

Eu tenho a tese: o que o PT de São Paulo mais quer é ser tucano de São Paulo. E acho que uma das grandes coisas que pode acontecer com um grande acordo entre Aécio e o PT é tirar São Paulo do centro. Chega de São Paulo! O Brasil é muito maior que São Paulo.

Fórum – O senhor aponta as contradições do governo Lula, mas também se posiciona como resistência antigolpista.
Amorim – Veja bem, acho Lula melhor do que o Fernando Henrique. Acho os tucanos um conjunto de tartufos, são administradores incompetentes, FHC quebrou o Brasil três vezes. Governam São Paulo há 13 anos, metrô cai, o viaduto cai, você demora uma hora e meia para chegar no trabalho. Dê um exemplo do que os tucanos fizeram aqui? São incompetentes, ineptos. Sou contra os tucanos.

Tenho uma identificação político-ideológica, sou carioca, minha simpatia fica com Leonel Brizola, que dizia que o PT era a UDN de tamancas, o Darcy Ribeiro dizia que o PT era a esquerda que a direita quer... Gosto do Jango [João Goulart], do [Getúlio] Vargas e acho que o PT cometeu um grande erro quando achou que a direita ia vê-lo sob outra perspectiva. A direita os vê da mesma forma que via o Brizola, o Jango e o Vargas, porque o PT é trabalhista como eles. O Lula achou que ia encantar o PIG, a família Marinho e, como dizia o doutor Tancredo, “você vende a mãe mas não vende seus interesses”.

O Lula não caiu porque o Fernando Henrique não deixou. Naquele momento em que o Duda Mendonça confessou que recebia dinheiro do exterior na CPI, se sobe um deputado na mesa da Câmara e na presidência da Casa está o Auro de Moura Andrade3 , o Lula caía. Por que o Lula não caiu? Porque o Fernando Henrique defendeu a tese do sangramento. E o Agripino Maia comprou e convenceu o PFL. Qual a teoria? Deixe o Lula sangrar até o fim, ele chega na eleição derrotado e o povo brasileiro iria buscá-lo [Fernando Henrique] em Higienópolis.

Se tivesse o ACM, o Herbet Levy ou o Padre Godinho, o Lula tinha caído. E o que está por trás disso tudo? O escândalo do Mensalão. Quem está no Mensalão? O Dantas. Disse a um amigo meu quando Lula foi eleito em 2002: “Ou o Lula destrói o Dantas em três meses ou o Dantas destrói o Lula”. Quase destruiu. O presidente de um fundo de pensão disse que participou do acordo da BrOi, porque era o mesmo que negociar a paz com o chefe do tráfico de uma favela. Que país é esse?

Fórum – Não se cria, em torno do Dantas, um poder maior do que ele tem de fato?
Amorim – Dantas enredou Fernando Henrique Cardoso. Agora enredou o Lula. O que ele fez com FHC? Trocou o conselho da Previ4 ... Por quê? Porque o Dantas tem o PSDB na mão.

Fórum – O Dantas tirou o senhor da TV Cultura e do UOL?
Amorim – Tirou, entrou com duas notificações e a TV Cultura e o UOL me pediram para parar de falar dele. Tenho uma luta com Dantas há muito tempo, há muito tempo eu percebo que ele é especial. Mas um dia a gente vai se encontrar no despenhadeiro. Ele grampeou a mim, a minha mulher e a minha filha. Soube disso pela Polícia Federal. Essa conta ele vai acertar comigo. Ele vai acertar comigo. Nós vamos ter um encontro no despenhadeiro e vamos acertar essa conta. No plano privado. O que você acha de grampearem sua filha noiva? O que você faria?


1- A disputa pelo controle da Brasil Telecom é considerada a maior disputa judicial societária da história brasileira. De 2001 a 2005, a Telecom Italia, o banco Opportunity, o Citigroup e os fundos de pensão de empresas estatais disputam, na Justiça, o controle da empresa. Apesar de ter menor percentual de ações, o banco de Dantas detinha o controle da direção da empresa por meio de acordos guarda-chuva, que impediam mudanças. Auditorias posteriores apontaram irregularidades na gestão, incluindo pagamento de despesas do banco com recursos da Brasil Telecom.
2 - Firmado no Palácio de Moncloa, em Madri, capital da Espanha, o pacto entre todos os partidos políticos do país é um marco de acordo político em que todas as forças políticas se alinharam para promover uma nova constituição, em outubro de 1977. A justificação para o pacto era a necessidade de assegurar a democracia na Espanha após 38 anos de regime de Francisco Franco. A Constituição de 1978 instalou uma monarquia parlamentarista.
3 - Presidente da Câmara de Deputados em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou. Setores ligados aos militares defendiam que João Goulart, em viagem à China, não tomasse posse. Auro de Moura Andrade comandou uma junta de deputados e senadores para solucionar a crise. A opção em setembro foi a Emenda Constitucional nº 4, que instalou o regime parlamentarista no Brasil no período pré-Golpe de 1964.

4 - A direção da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil foi trocada em 2002. Segundo denúncias publicadas, a decisão de destituir os dirigentes eleitos à época foi tomada por pressão de Dantas.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Brasil paga por omissão tucana - por José Dirceu

O consumidor paulista vai pagar, e caro, pelos erros e conseqüências das privatizações tucanas. Em São Paulo, o sistema de transmissão e distribuição de energia está sobrecarregado e, segundo os especialistas, não tem flexibilidade para agüentar o crescimento da demanda de 4% a 5% ao ano. A conta vai para o consumidor, na veia, nas tarifas. Parece brincadeira, mas não é.

O marco regulatório da privatização tucana de 2006 não estabeleceu quem é responsável pela chamada rede menor, secundária, ou demais instalações de transmissão (DIT). Acreditem se quiser, mas ninguém é o "pai da criança"! Nem as empresas de distribuição, nem as de transmissão - estas dizem ser responsáveis só pela distribuição e pelas subestações. Nesse quadro, leitores, que temos de lembrar e considerar, também, para se dimensionar bem a gravidade do problema, que as sub-estações pegam fogo e as cruzetas dos postes caem, como vimos recentemente.

Na emergência, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) farão licitações para as obras prioritárias necessárias e gestões para rever o marco regulatório. Tudo para resolver o imbróglio deixado pela venda da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) à colombiana ISA, empresa que, candidamente, já antecipa, agora, que participará das licitações dessas novas obras.

A Secretaria de Energia de São Paulo faz de conta que não é com ela e nem com o governo tucano - há 13 anos no poder no Estado, de Mário Covas a José Serra, passando por Geraldo Alckmin. Ao contrário, exige dos órgãos reguladores urgência e a inclusão e realização de outras obras. Parece mentira, mas é verdade! Coisas da privataria tucana.

...

Já conversei com vocês sobre o preço a pagar, literalmente, pela privatização tucana imposta ao país. Mas quando tratei do assunto - ontem - destaquei que o consumidor paulista vai pagar, e caro, pelos erros e conseqüências desse processo e, hoje, vejo que todo o Brasil também vai pagar. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) esclarece, hoje, na mídia, que "todos os consumidores brasileiros do Sistema Interligado Nacional (SIN) pagarão a conta e não apenas o consumidor paulista", das obras na área de energia em São Paulo.

Isto ocorrerá porque o ONS e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), decidiram tocar imediatamente 8 das 14 obras emergenciais que precisam ser feitas na área para que não haja colapso no sistema - sub-estações tem pegado fogo e cruzetas de postes tem caído em São Paulo - e ele possa fazer frente à demanda de crescimento de 5,5% prevista no consumo de energia.

A ANEEL e o ONS precisaram solucionar a ameaça de crise agora porque o processo de privatização dos tucanos na venda da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) à empresa colombiana ISA não estabeleceu quem é responsável pela chamada rede menor, secundária, ou demais instalações de transmissão (DIT). Nem as empresas de distribuição nem as de transmissão ficaram responsáveis.

O que me deixou mais surpreso, hoje, foi que apesar de ser filiado e uma das principais figuras do PSDB, o partido que fez a privatização com essas lacunas, o governador José Serra se achou no direito de, no último dia 10, entregar ofício ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, cobrando "providências" para agilizar "as obras prioritárias" do sistema elétrico paulista. Vejam, leitores, mais uma vez se repete o joquinho rasteiro, o típico cinismo tucano.


RBS: a gente sabe muito bem o que vocês aprontaram no verão passado - por Luiz Carlos Azenha

http://www.viomundo.com.br/denuncias/rbs-a-gente-sabe-muito-bem-o-que-voces-aprontaram-no-verao-passado/

O desafio do Paraguai - por Rubens Antonio Barbosa

No Paraguai, a animosidade contra o Brasil vem crescendo de forma perigosa.

São ressentimentos antigos, que se agravaram com as frustrações com os parcos resultados comerciais do Mercosul, com os problemas com terras ocupadas por brasiguaios e com o desinteresse por investimentos privados naquele país.

As vantagens decorrentes de facilidades de trânsito de mercadorias na fronteira, os benefícios da construção de uma segunda ponte ligando os dois países e da concessão de portos francos em Santos e Paranaguá são minimizados e ignorados.

Nos últimos meses, do ponto de vista do interesse brasileiro, surgiu um problema mais sério. Cresceu a pressão do Paraguai sobre o Brasil com o objetivo de forçar a revisão do Tratado de ITAIPU, que é o instrumento jurídico que regula o aproveitamento das águas do rio Paraná para a geração de energia elétrica utilizada pelos dois países.

A Hidroelétrica Itaipu é o alvo ideal para o Paraguai, pois se trata de uma área sensível que poderá ameaçar a segurança nacional pelo risco de interrupção do fornecimento de energia para o Centro-Sul.

Estimulado talvez pela reação tímida do Governo brasileiro no tocante à nacionalização de duas refinarias da Petrobrás e ao aumento no preço do gás natural da Bolívia, o Paraguai poderá ser o próximo país vizinho a abrir um contencioso sério com o Brasil.

Altas autoridades do Governo paraguaio e, mais recentemente, candidatos a Presidência da República manifestaram-se fortemente pela modificação do Tratado de Itaipu. Ameaçando levar o Brasil à Corte Internacional, o Paraguai pretende aumentar o preço da eletricidade excedente que vende ao Brasil, quer vender esse excedente a terceiros países e reduzir o valor da dívida paraguaia para com Itaipu.

Ao enfrentar essas questões, é importante não perder de vista que a cooperação energética entre os dois paises é muito positiva para o Paraguai.

O preço da energia de Itaipu

Cada país tem direito a 50% da energia produzida. Como o Paraguai só consome pequena parte desse total, a diferença, conforme disposto no Tratado, só pode ser vendida ao Brasil. Os benefícios para o Paraguai dessa repartição são evidentes. Em 2006, o valor médio da energia adquirida pelo Brasil foi de 31,2 US$/MWh, enquanto que para o Paraguai foi de 18,.2 US$/MWh, ou seja, o Paraguai paga quase metade do que os brasileiros pela energia de ITAIPU e dispõe hoje uma das energias mais baratas do mundo.

O aumento do preço da energia excedente que o Brasil compra do Paraguai, descumprindo o disposto no Tratado, representaria um custo adicional para o setor produtivo e o consumo familiar e será lesivo aos interesses nacionais.

Redução da dívida do Paraguai para com a Itaipu

O Governo brasileiro, depois de rejeitar a proposta de troca de titulos da Eletrobras e do Tesouro por bonus com juros menores, cedeu a pressão do Governo paraguaio e, em março passado, autorizou a renegociação da dívida da ITAIPU (cerca de US$19bi). Como queriam as autoridades paraguaias, Brasília aceitou retirar a correção monetária do dólar americano nos contratos (“fator de ajuste”), o que significou a redução da dívida em mais de US$ 1 bilhão, com perda de receita para o Governo brasileiro.

Embora Brasília tenha aceitado o congelamento dessa correção monetária, a ELETROBRÁS manteve na sua tarifa de repasse da energia de ITAIPU uma parcela para manter os valores pactuados nos contratos de financiamento. Em outras palavras, a eliminação do “fator de ajuste”, que favoreceu o Paraguai, não beneficia o Brasil. Na prática, teremos dois preços da energia de ITAIPU: um menor para os consumidores paraguaios e um maior para os consumidores brasileiros.

Royalties

O Tratado também prevê o pagamento de Royalties pela energia gerada pela ITAIPU ao Brasil e ao Paraguai no montante de U$ 650.00 por Gigawatt-hora e divididos em igual valor aos dois países. Apesar de esses valores também serem reajustados, somente o Brasil continuará a pagar Royalties com a correção monetária.

Incorporação de recursos à economia paraguaia.

A partir de março de 2005, a ITAIPU passou a desenvolver programas de Responsabilidade Sócio–Ambiental e de desenvolvimento regional de maneira muito mais intensa no Paraguai do que no Brasil. Como estes custos estão incluídos nas tarifas e como cerca de 95% dos custos de ITAIPU são assumidos pelo Brasil, o custo desses programas são quase totalmente cobertos pelo Brasil.

Em 2006, ITAIPU injetou diretamente na economia do Paraguai cerca de US$ 460 milhões, dos quais somente US$ 123 milhões foram originados por recursos tarifários aportados por esse país. Acrescente-se ainda a amortização, em 2006, do patrimônio referente à metade paraguaia da usina foi de aproximadamente US$ 900 milhões. O benefício líquido ao Paraguai já sobe a US$ 1.230 milhões, representando 16% de um PIB de aproximadamente US$ 7,7 bilhões.

ITAIPU tem sido altamente benéfica ao Paraguai que, sem nenhum investimento, será dono em 2023 de metade de uma das maiores usinas do mundo.

O Congresso Nacional deverá ser chamado a examinar a legislação que abateu a divida paraguaia ao eliminar a correção monetária. Espera-se que seja promovida uma ampla analise das implicações dessa decisão tomada pelo governo brasileiro.

O Brasil não pode aceitar a politização desse assunto, como ocorreu com o gás da Bolívia. ITAIPU sempre será relevante na relação entre Brasil e Paraguai. É o mais forte elo de ligação entre os dois países e o maior instrumento nessa relação.

95,4% da energia gerada por Itaipu é vendida ao Brasil, o que representa cerca de 20% do consumo nacional. Por isso mesmo, o Brasil deve defender sem rebuços o que é de seu interesse nacional.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Juros X CPMF

Eis que a CPMF tinha de acabar porque com ela a economia perdia, ela ajudava no aumento da inflação (!), os mais pobres a pagavam (!), e outros argumentos infalíveis como este.

No início, a oposição dizia que só aprovaria a CPMF se o governo aceitasse certas imposições. O governo fez tudo, ofereceu a CPMF conjugada a uma reforma tributária, a CPMF por apenas um ano, a CPMF sendo integralmente utilizada na saúde... nada bastou, porque não havia disposição de negociação.Quando a oposição recebeu esta última proposta, o grande senador Demóstenes Torres pegou o documento que oficializava a proposta e dele fez um aviãozinho.

Fato inconteste da responsabilidade de nossa “oposição responsável”.

Pois bem, qualquer pessoa com o mínimo de inteligência e integridade sabe que não era a CPMF a atrapalhar a economia nacional. Mas mesmo que fosse, sigamos o raciocínio da globo, e dos seus acólitos no congresso. Mesmo que fosse por isso, pela CPMF que a economia não crescesse tanto, vejamos: agora, a economia está a crescer demais (segundo os astrólogos do BC, friso) e, já que a CPMF foi-se embora, ¿qual é o outro instrumento para conter a geração de emprego e de renda, qual é a outra forma que os brilhantes do BC encontraram para diminuir o crescimento?
¡¡¡Aumentar os juros!!!

Ou seja, sigamos de acordo com o raciocínio “global”. Nós deveríamos acabar com a CPMF para a economia crescer. Aí a economia cresce demais. Aí nós aumentamos os juros para conter esse crescimento.

¿Não seria mais inteligente, ó grandes sábios, terem deixado a CPMF e não aumentado os juros?
¿Não seria melhor diminuir a dívida pública (que ultrapassa 1 trilhão de reais) com a arrecadação da CPMF do que aumentá-la com o aumento dos juros?

¡Que patriotismo, que inteligência, que integridade!

Os novos terroristas da mídia - por Marcelo Salles

Poucas vezes uma reportagem a respeito do MST foi tão distorcida quanto a do Jornal Nacional da última quarta-feira. Nos dois minutos e vinte e quatro segundos da matéria busca-se a criminalização dos camponeses; para tanto, imagens e palavras são cuidadosamente articuladas para transmitir ao telespectador a idéia de que os militantes do movimento são os responsáveis por todo o medo que ronda os paraenses.

Logo na abertura da matéria, o fundo escurecido por trás do apresentador exibe a sombra de três camponeses portando ferramentas de trabalho em posições ameaçadoras, como a destruir a cerca cuidadosamente iluminada pelo departamento de arte da emissora. Quando os militantes aparecem nas imagens, estão montando o acampamento e utilizando folhas de palmeiras - naturalmente já arrancadas das árvores. Quando a matéria corta para ouvir a opinião de um empresário local, ele tem ao fundo exatamente uma folha de palmeira, só que firme no solo - vistosa e viva. O representante da Vale do Rio Doce é o que tem mais tempo para se manifestar, até gagueja e balbucia: "esses movimentos... estão [nos] impedindo de trabalhar". Em nenhum momento os representantes do MST são ouvidos, o que contraria, inclusive, as próprias regras do manual de jornalismo da Globo. Mas quando os interesses comerciais de empresas amigas estão em jogo essas regras são postas de lado.

Outro dado marcante desta reportagem é a descontextualização dos fatos. O telespectador é apenas informado que o MST “ameaça invadir a Estrada de Ferro Carajás, da Companhia Vale”, mas não se explica que esta ação direta tem uma origem: a privatização fraudulenta da empresa que era estatal. A companhia foi leiloada, em 1997, por R$ 3,3 bilhões. Valor semelhante ao lucro líquido da empresa obtido no segundo trimestre de 2005 (R$ 3,5 bi), numa clara demonstração do prejuízo causado ao patrimônio nacional.

Desde então, cidadãos e cidadãs vêm promovendo manifestações políticas e ações judiciais que têm por objetivo chamar a atenção da sociedade e sensibilizar as autoridades competentes para anular o processo licitatório. Se há uma diferença brutal entre discordar de uma determinada opinião e omiti-la, este caso torna-se ainda mais grave porque não se trata de uma opinião, e sim de um fato político: a privatização da Vale é questionada na Justiça – e com grandes chances de ser revertida. Ao sonegar esta informação, a Globo comete um crime.

Com a mesmíssima parcialidade age o jornal carioca O Globo. A reportagem publicada no mesmo dia sobre o MST não deixa dúvidas quanto a posição contrária do jornal. A chamada na capa diz: “MST desafia a Justiça e volta a ameaçar a Vale”; o pequeno texto, logo abaixo, aprofunda a toada: “O MST ameaça descumprir ordem judicial e invadir novamente a ferrovia de Carajás, da Vale, no Pará. Moradores da região estão atemorizados, com a cidade cercada por mais de mil militantes do MST, a quem acusam de terrorismo”. A reportagem principal, à página 9, é acompanhada de outra de igual tamanho. Ambas ouvem apenas a versão da mineradora privatizada pelo governo tucano de FHC.

Imediatamente abaixo, como a reforçar a visão policialesca, uma fotografia de um homem morto sobre o título: “Em Porto Alegre, um flagrante de homicídio”. Nenhum dos dois veículos (O Globo e JN) registrou o apoio recebido pelo MST por artistas, intelectuais e lideranças partidárias.

Esta falsa preocupação do Globo com a defesa do povo brasileiro não é de agora. O mesmo jornal que sugere que os militantes do MST são terroristas há 44 anos agiu da mesma foram quando um golpe de Estado derrubou o presidente constitucional João Goulart. Em texto editorial do dia 2 de abril de 1964, o “Globo” assinalou:

- Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas (...) para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas (...), o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições (...)

Assim como para o “Globo” os inimigos do passado eram aqueles que se insurgiam contra a ditadura que seqüestrou, torturou e matou milhares de brasileiros, hoje os terroristas são aqueles que lutam contra as multinacionais que roubam o patrimônio público, danificam o meio-ambiente e produzem graves problemas sociais. É por isso que ao interromper o fluxo de exportação de uma dessas empresas os militantes do MST acertam em cheio no sistema nervoso do capitalismo. Dotados apenas de enxadas e coragem, os sem-terra enfrentam jagunços armados, policiais e poderosos grupos de comunicação - esse coquetel que tem como objetivo massacrar o povo organizado. Os militantes do MST ensinam ao povo brasileiro: não é uma luta justa, mas é uma luta que pode ser vencida.

Por outro lado, o jornalismo dos Marinhos mais uma vez revelou seu caráter covarde e submisso. Aliou-se aos poderosos e rasgou o juramento profissional da categoria, sobretudo no seguinte trecho:

"A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na luta por sua dignidade".

Mas não há de ser nada. A História vai se ocupar de reservar a cada qual seu devido lugar.

O Banco central brasileiro é o mais (in)dependente do mundo - por Paulo Henrique Amorim

. O presidente do Banco Central do Brasil se elegeu deputado federal pelo PSDB de Goiás.

. Allan Greenspan foi presidente do Banco Central americano por 19 anos e trabalhou sucessivas vezes para governos Republicanos.

. Quando o Presidente era Republicano, como George W. Bush, Greenspan jogava o peso de sua autoridade para apoiar cortes de impostos irresponsáveis.

. Bush cortou impostos, a quatro mãos com Greenspan, enquanto lutava em dois fronts de guerra: no Afeganistão e no Iraque.

. Greenspan, portanto, contribuiu para um marco na História americana: cortar impostos para financiar duas guerras.

. Deu no que deu.

. Aqui, o presidente do Banco Central Henrique Meirelles e os astrólogos anônimos que com ele trabalham, inventaram uma “inflação de demanda” que justifica esse aumento obsceno de meio ponto percentual na Selic (a taxa foi para 11,75%).

. Nem o “mercado” esperava tanto.

. Felizmente, a taxa de juros das Casas Bahia é mais importante para o funcionamento do varejo do que a decisão do Banco Central.

. Felizmente, a taxa Selic não vai inibir o consumidor de moto Suzuki, que a Sabrina Sato passou a patrocinar.

. O maior impacto dessa decisão desastrosa será o encarecimento da dívida pública.

. O senhor Meirelles é independente do Governo Lula e dependente do “mercado” que ele acaba de presentear com um bônus antecipado.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Os vilões são os alimentos - por Cartacapital

A inflação medida pelo IPCA, índice de referência para o sistema de metas, subiu 0,48% em março e ouriçou os falcões do mercado financeiro. A alta ficou acima da prevista por analistas e praticamente condenou o Banco Central a cumprir as ameaças da última Ata do Copom de elevar a taxa básica de juro, hoje em 11,25% ao ano, no próximo encontro do Comitê, na terça-feira 15 e quarta 16. Isso porque, no acumulado em 12 meses, a inflação está em 4,73%, acima do centro da meta (4,5%).

O principal motivo para o aumento foram os preços dos alimentos, que avançaram 0,89% em março. Segundo a coordenadora de Índices de Preços do IBGE, Eulina Nunes dos Santos, a crescente demanda mundial por comida, especialmente em países emergentes, explica em grande parte a inflação brasileira, uma vez que tais produtos são commodities, com cotação nas bolsas internacionais.

Uma alta do juro agora seria um balde de água fria nos empresários, que colocariam o pé no freio dos investimentos. Justamente em um momento de franca expansão, o que asseguraria o comportamento dos preços nos futuros. Em 2007, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) do País cresceu 5,4% e os investimentos deram um salto de 13,4%.

No mais, de acordo com o modelo seguido pelo BC, existe um intervalo de 2 pontos porcentuais para cima ou para baixo do centro da meta. Há um choque externo, o que justificaria o uso da prerrogativa das bandas cambiais. Ou seja, na pior das hipóteses, não seria nenhum pecado capital a inflação atingir até 6,5% neste ano.

Só que o nome do jogo é outro. O BC ameaçou, o mercado comprou a idéia de que o Copom vai ser durão e as projeções dos juros futuros já embutem uma alta entre 0,25 e 0,5 ponto porcentual na taxa Selic, na quarta 16. Desta vez, porém, o clima político em Brasília não está tão condescendente com Henrique Meirelles. Fontes ouvidas por CartaCapital confiam que, se o juro subir, cabeças vão rolar. A conferir.

Escândalo à moda gaúcha - por Maurício Dias, Cartacapital

Embora seja ignorado pela imprensa do Sudeste, o vento político provocado no Rio Grande do Sul pela CPI do Detran, instalada na Assembléia Legislativa de Porto Alegre a partir das ações da Polícia Federal, sopra tão forte quanto o minuano pelo Pampa gaúcho.

O “silêncio retumbante” no Sudeste talvez se explique pelo fato de o escândalo, um desvio de dinheiro público calculado em quase 45 milhões de reais, em um período de cinco anos, ter como causa mais provável a formação de caixa 2 de campanhas eleitorais, notadamente do PSDB. Eventualmente pode ter propiciado o enriquecimento ilícito de alguns dos atores. Em frase que junta práticas políticas do século XXI com ensinamentos do Padre Vieira (século XVII), o “dinheiro não contabilizado” nem sempre passa das mãos por onde passa.

O esquema foi iniciado em 2003 e desmontado pela Polícia Federal em novembro de 2007. Segundo o Inquérito da PF, o Departamento de Trânsito contratou, sem licitação, uma fundação, a Fatec, ligada à Universidade Federal de Santa Maria para aplicar as provas teóricas e práticas da carteira de habilitação.

Quem mais lucrou com o contrato foram as empresas ligadas à família de Lair Ferst, um dos coordenadores da campanha da atual governadora do estado, a tucana Yeda Crusius. Duas empresas da família Ferst receberam, juntas, mais de 23 milhões de reais. Lair Ferst integrou a direção da vitoriosa campanha do PSDB para o governo do estado, em 2006. Em dezembro de 2007 estava entre os 13 presos apanhados no arrastão da Polícia Federal.

Há mais gente envolvida da base aliada da governadora. Na época em que a roda da fortuna começou a girar, o deputado José Otávio Germano, do PP, era o secretário de Justiça ao qual está subordinado o Detran. Em 2007, com o novo governo, foi estabelecido outro contrato com a Fundae, da mesma cidade. Com a Fatec e a Fundae, o contrato que custava cerca de 900 mil reais por mês chegou perto da casa dos 2 milhões de reais mensais.

Em março, ao encaminhar o inquérito ao Ministério Público Federal, a PF pediu o indiciamento de 39 pessoas, incluindo deputados e secretários de estado que dispõem de foro privilegiado. Os crimes apontados são os de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e peculato, entre outros. Todas elas estão sendo chamadas a depor na CPI do Detran, presidida pelo deputado Fabiano Pereira, do PT.

O episódio mostra o vôo curto e desajeitado da ética tucana. No Sudeste o PSDB acusa. No Sul se defende das denúncias de corrupção. As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

Falta o Bolsa Equilíbrio - por Cartacapital

Não fosse o diário Valor Econômico, uma constatação e uma crítica do Banco Mundial passariam despercebidas de parte da opinião pública. A constatação: o Bolsa Família é um programa social exemplar e deve servir de modelo para futuras experiências internacionais. A crítica: a mídia brasileira faz uma cobertura excessivamente negativa do programa e tem dificuldade em reconhecer seus avanços ou de discutir maneiras de aperfeiçoá-lo.

Os pesquisadores do Banco Mundial analisaram os resultados do Bolsa Família, compararam com o Bolsa Escola, criado no governo Fernando Henrique Cardoso, e cotejaram a cobertura do tema em seis jornais do País. Como se trata de estrangeiros, ninguém poderá acusá-los de “lulistas” ou de serem “chapas-brancas”.

Eis o que concluíram: a imprensa não só dedicou mais espaço ao programa como o fez de maneira mais crítica com a chegada de Lula ao poder. O número de artigos sobre o Bolsa Família foi quase o dobro dos que trataram do Bolsa Escola de FHC.

Nos tempos de Fernando Henrique, apenas 10% das reportagens traziam relatos sobre fraudes ou problemas de controle do programa social. Em geral, a cobertura era positiva às medidas de transferência de renda. O porcentual de espaço dedicado à cobertura de fraudes atingiu 50% sob Lula em 2004. Subiu tambén o tom crítico. Com o passar do tempo, essa porcentagem diminui até chegar a cerca de 20%.

Segundo os técnicos do Banco Mundial, a imprensa nem sempre diferencia entre problemas causados por fraudes e irregularidades burocráticas e os de desconhecimento de regras ou erros em formulário. Concluem que isso dá aos leitores uma impressão equivocada sobre a natureza dos “desafios” do Bolsa Família. Nem toda irregularidade é fraude, anotam os pesquisadores, que classificaram o programa como bem-sucedido.

Ao que parece, os técnicos produziram uma bela peça de crítica à mídia sem mesmo gastar tempo com a análise subjetiva de algumas avaliações produzidas nas páginas dos jornais. Nessa seara, há a imbatível e arguta análise de um dos luminares da imprensa carioca, que apontou desvios no programa pelo fato de os beneficiários usarem parte do dinheiro para comprar eletrodomésticos.

Com direito à chamada de primeira página no jornal por ele profundamente influenciado, o texto do jornalista, que segundo uma revista semanal está “um degrau acima dos pensadores brasileiros”, permite uma única interpretação: o sujeito só pode receber o Bolsa se comer farinha em cuia e mastigar rapadura. Preservar alimentos em uma geladeira ou cozinhá-los é um despropósito, fraude que deveria ser punida com o corte do repasse e o retorno às trevas da indigência por toda a eternidade.

Pouco espanta que a classe média leitora e espectadora não consiga perceber, sem detrimento da vigilância necessária à boa aplicação dos recursos públicos, os ganhos gerais que a redução da miséria traz ao Brasil.

Não faz muitos dias, em carta publicada na Folha de S.Paulo, um leitor sugeriu que os beneficiários de programas sociais fossem impedidos de votar. Nem percebe o indignado leitor que o cabresto que ele imagina nos outros está, na verdade, bem abaixo do seu nariz.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O Brasil da mídia e o Brasil real - por Tarso Genro

Em artigo publicado recentemente, o ex-presidente de Portugal, Mário Soares, apresentou suas impressões sobre a atual situação brasileira. Soares esteve no Brasil em fevereiro e percorreu três das mais importantes cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte e Brasília). Na ocasião, encontrou-se com o presidente Lula e com algumas de nossas mais expressivas lideranças oposicionistas - FHC, Aécio Neves e José Serra. O líder português constatou a existência de duas "realidades" bem distintas: uma encontrada nas páginas de nossos principais jornais e nas imagens da TV (que parece retratar um país "à beira de um colapso"); e outra verificada no cotidiano dos brasileiros (que percebem que seu país "está a dar certo").

São dois "brasis" que não se comunicam e se estranham: um certo Brasil da mídia e o Brasil real. De um lado, na mídia, uma agenda de crise interminável e, de outro, o Brasil retratado pelo otimismo e pela ascendente relevância do país no cenário mundial. É o Brasil, segundo Soares, da "inflação baixa" e "controlada", no qual o "emprego tem subido espetacularmente e a pobreza diminui de forma sensível".

Naquele primeiro Brasil, o governo Lula é retratado com ironia, agressividade e parece não ter orientado um espetacular aumento das reservas internacionais (US$ 162,9 bilhões nos últimos 12 meses) ou uma expansão recorde das exportações. E menos ainda parece ter algum mérito a passagem do Brasil à condição de credor no mercado internacional, resultado obtido pela atual equipe econômica.

A crise da dívida, deflagrada há quase três décadas, encerra-se sob o governo Lula sem que a maioria dos cronistas credite este fato ao acerto do presidente na condução da política macroeconômica. Para o ex-presidente Mário Soares, onde Stefan Zweig enxergava um "país de futuro", hoje é possível identificar uma "incontornável realidade" positiva.

Não se trata, por óbvio, de supor a existência um governo sem defeitos, mas sim de enfrentar um falso nivelamento, através do qual parte da mídia torna-se o centro de elaboração intelectual de um oposicionismo extremo. Vejamos, então, alguns dos principais argumentos que circularam nos últimos dois anos, cuja síntese podemos organizar em alguns breves postulados:

De um lado, uma agenda de crise interminável e, de outro, o Brasil retratado pela ascendente relevância do país no cenário mundial.

1. "O Brasil vai bem porque o cenário internacional é favorável": acadêmicos e técnicos - das mais distintas vertentes ideológicas - são categóricos ao afirmar que o país nunca esteve tão preparado para enfrentar uma turbulência externa como agora. É um cenário decorrente diretamente da redução da vulnerabilidade externa e da ampliação de nossas reservas internacionais - resultado obtido pelo atual governo.

2. "A política internacional de Lula vai fracassar": a postura do Brasil, não apenas no que se refere às relações com o G-8 ou com os EUA, mas também em relação aos demais países de nosso continente, nos situa em uma posição destacada de referência política na América Latina. A posição do Brasil, por exemplo, diante dos incidentes diplomáticos envolvendo o Equador e a Colômbia, bem como os resultados da última reunião do Conselho Permanente da OEA, confirmam o acerto da política externa brasileira, que transforma o país em peça-chave do equilíbrio regional e em importante interveniente no cenário global.

3. "Lula segue fazendo o mesmo que FHC na área econômica, por isto estabilizou a economia": este, sem dúvida alguma, é o mais visivelmente inverídico dos argumentos. A política de recuperação do valor real do salário mínimo, de reestruturação do setor público e a ampliação dos investimentos em infra-estrutura e em políticas sociais posta em prática pelo atual governo levaria, segundo a ortodoxia neoliberal, à elevação da inflação, do desemprego e da informalidade nas relações trabalhistas. Erro: de 2003 a novembro de 2007, foram criados no país 6,6 milhões de empregos com carteira assinada e o salário mínimo teve um aumento real de 46,7%. O país cresce há 23 trimestres consecutivos. O atual desempenho do PIB só encontra paralelo nos anos do "milagre econômico" do regime militar, com a diferença fundamental, agora, de associar crescimento econômico com distribuição de renda e respeito às instituições democráticas.

4. "O governo Lula é conivente com a corrupção": omitem que o combate aos crimes de colarinho-branco teve um grande incremento no atual governo. Somente no ano de 2007, a Polícia Federal totalizou 457 capturas por suspeitas de improbidade, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, além de realizar outras 40 grandes operações. É possível afirmar que o país jamais combateu a corrupção como agora. Dezenas de investigações e operações que buscam "pessoas" - e não "partidos" - em ações delituosas foram promovidas e estão em andamento, cumprindo orientação direta do presidente, de combater sem tréguas à corrupção.

Por fim, cumpre informar que a opinião de Mário Soares encontra eco em outras análises realizadas por diferentes órgãos da imprensa internacional. A revista britânica "The Economist", há algumas semanas exaltou em suas páginas o sucesso do programa Bolsa Família. Da mesma forma, o periódico londrino "Financial Times" dedicou-se, recentemente, a analisar o excelente momento econômico vivido pelo país. O jornal "The Guardian" não poupou elogios ao governo Lula, recentemente. Estas análises contrastam com artigos, veiculados no Brasil recentemente, que inclusive expressam "indignação" diante do fato de que beneficiários do Bolsa Família, com sua renda familiar, adquiram eletrodomésticos. Seria um consumismo absurdo!

Neste ritmo, provavelmente, nossos futuros historiadores terão de recorrer à imprensa internacional caso pretendam analisar, com alguma profundidade, o que sucede atualmente no país. É forçoso reconhecer, no entanto, que somente a liberdade de imprensa nos salva da treva absoluta da desinformação, ainda que as luzes estejam hoje concentradas em alguns periódicos ou páginas e blogs na internet, e mesmo em poucos espaços da chamada grande mídia, como prova a manchete deste jornal no dia 3 de março deste ano, citada como epígrafe.

Tarso Genro é ministro da justiça

Direita procura rumo em SP. Só falta o Le Pen - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias64.asp - por Paulo Henrique Amorim

P.S: (A herança do Farol: a Treva) http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias67.asp

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O rabo preso - por Emir Sader

Houve um jornal que já se jactou de dizer que “só tinha o rabo preso com o leitor”. Era importante essa afirmação, para se livrar de um passado em que a empresa teve vínculos com a Operação Bandeirantes – conforme denuncias contidas no livro “Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988” (Editora Boitempo) -, além de ter participado ativamente no coro que pregou o golpe militar para interromper o processo democrático brasileiro e o mandato de um presidente que exercia legitimamente seu cargo, apoio que se estendeu – conforme os editoriais e a atitude tomada diante da repressão – à ditadura militar.

Durante a transição democrática, o jornal tentou se fazer passar como “representante da sociedade civil”, chegando a fotografar a supostos representantes dela em cima do prédio do jornal, querendo fazer passar a imagem de que até fisicamente o jornal era o suporte da oposição democrática à ditadura que ela tinha pregado –tudo isso sem fazer a mínima autocrítica de suas atitudes passadas.

Mais recentemente, o jornal apoiou abertamente o governo de FHC, estabelecendo estreitos vínculos com os tucanos, particularmente os de São Paulo, tendo reiteradamente ao atual governador não apenas como um colaborador usual do jornal, assim como alguém que tem laços estreitos com a direção do jornal, chegando – segundo declarações de uma fonte segura do próprio jornal – a indicar o editor político do jornal em Brasília, entre outras expressões desses laços.

O jornal é dirigido há décadas por membros de uma mesma família, em que o filho herda – como numa monarquia – a direção do pai, constituindo um Comitê Editorial que – ao que se saiba – não decide quem dirige o jornal ou então é composto por membros admiradores da perpetuação da mesma direção – problema que apontam em regimes com os quais o jornal não simpatiza, como os de Cuba e da Venezuela, entre outros. Trata-se portanto de uma dinastia familiar que, no entanto, se acha no direito de dizer e tentar influenciar a opinião pública sobre quem é democrático e quem não o é, em São Paulo, no Brasil e no mundo.

Colunistas, editorialistas, redatores pretendem ser impávidos defensores das liberdades – de mercado, dos indivíduos, das empresas, etc. No entanto, suas preferências seletivas ficam claras quando colocam as ênfases diárias, reiteradas, nos casos que afetam ao governo – do qual é feroz e obscurantista opositor -, omitindo os casos que afetam a oposição e o próprio jornal.

Dois casos recentes confirmam inquestionavelmente isso: quando Paulo Henrique Amorim foi mandado embora do IG, por um jornalista com evidentes preferências tucanas, o primeiro ombudsman desse jornal, com tentativa – frustrada pela ação da Justiça –de se apropriar de todo o material publicado por PHA quando trabalhava nesse portal. Nenhum colunista – esses impávidos defensores das suas liberdades, mas não das alheias – se pronunciou denunciando a arbitrariedade. O silêncio cúmplice soou ruidosamente.

Poucos dias depois, não foi renovado o mandato do melhor ombudsman que o jornal havia tido, Mario Magalhães, que sistematicamente denunciava a opção claramente tucana do jornal, privilegiando ao governador de São Paulo – candidato da preferência clara do jornal para tentar recuperar para os tucanos a presidência da República -, assim como o tratamento dado ao governo Lula em comparação com a complacência dada ao governo de FHC. Este, protagonista dos maiores escândalos da história brasileira, entre eles a privatização acelerada do patrimônio púbico através do processo de privatizações e a compra de votos para modificar a constituição e conseguir a reeleição durante o seu mandato (denunciando enfaticamente eventual possibilidade de Lula apelar para mecanismo similar como totalitário, inadmissível, etc., quando antes havia sido conivente com mecanismo similar de FHC).

O ombudsman não teve seu mandato renovado, porque o jornal queria retirar da internet as criticas diárias que ele fazia ao jornal, com o que ele não concordou. Claramente incomodada, a direção do jornal – que tem no filho do antigo proprietário sua autoridade máxima, portanto pode-se supor que seja ele o responsável pela decisão ou seria o Comitê Editorial, nenhum esclarecimento foi dado a respeito aos leitores, com os quais o jornal se orgulhava de ter o rabo preso) – optou por não renovar seu mandato, por ele não concordar com essa censura que queriam impor aos leitores do jornal. Estes – cada vez mais escassos, a metade do que foram há uma década, seguindo em acentuado declínio, rumo à intranscendência – protestaram com cartas, sem que nenhuma apoiasse a direção do jornal, mas em vão. O rabo está preso em outro lugar, não com os leitores.

Inútil olhar as colunas dos impávidos defensores das liberdades – supostamente colocadas em risco pelo governo Lula – para ver alguma linha de solidariedade com o colega, que teve sua excelente atuação como ombudsman cerceada pela direção do jornal. Nem é preciso mencionar nomes, todos caíram na vala comum da complacência com a repressão a Paulo Henrique Amorim e depois ao próprio colega da redação. Nem uma palavra, ainda que fosse para justificar sua posição, nada. Vários deles aparecem como membros do Comitê Editorial. Aprovaram a medida? Ou estas foram tomadas sem sequer consulta a eles? Em qualquer dos casos, saem eticamente manchados definitivamente na sua trajetória como jornalistas.

Covardia? Medo de perder o emprego? De cair em desgraça com o dono do jornal? Cada um julgue como queira. Mas é evidente que o jornal e seus colunistas, editores e redatores, confirmaram sua opção de rabo preso com os proprietários e, através destes, com os tucanos e com tudo o que eles representam – a mais rançosa direita brasileira, aquela que produziu o país mais desigual do mundo e que agora resiste ferozmente a um governo que, pela primeira vez – depois de tantos governos apoiados pelo jornal terem reproduzido essa situação – melhorar significativamente a situação do pobres, contra os interesses daqueles com quem o jornal tem seu rabo preso.