segunda-feira, 25 de julho de 2011

Quem fez o atentado na Noruega ? O pessoal do Cerra sabe – por Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada)


domingo, 17 de julho de 2011

Serra acabou, a intolerância persiste - por Luis nassif (blog do Nassif)

Um dos recursos de legitimação mais utilizados pela velha mídia é o da criação de Vampiros: o político que encarna o mal, tem sete vidas, sempre volta para assombrar, deixando a opinião pública assustada e confiante de que apenas a mídia será capaz de defendê-la.

Após a redemocratização, foram candidatos a Vampiro da vez sucessivamente Paulo Maluf, Orestes Quércia, ACM não, Fernando Collor, Renan Calheiros, José Sarney e, mais recentemente, Lula - apesar de sua enorme aceitação popular.

Nos últimos dois anos, porém, a realidade política impôs José Serra como candidato efetivo a vampiro da vez - mesmo tendo o apoio dos caçadores de vampiros. E aí por razões objetivas. Sua vitória nas eleições significaria mergulhar o país em uma noite de São Bartolomeu, em um banho (simbólico) de sangue, em uma guerra que racharia inexoravelmente a vida nacional.

Pois o Vampiro não morreu, porque não era Serra. Este foi apenas um instrumento, um desmiolado de voo curto, um ambicioso sem escrúpulos que colocou biografia, amigos, lealdades a serviço do verdadeiro Vampiro: o clima de intolerância que sacode o Brasil há vários anos, como ferramenta política única de oposição.

Hoje em dia, Serra parece cada vez mais o empregado do vampiro, aquele personagem que frequenta o palácio do Drácula com andar trôpego, pronunciando frases desconexas, se ajeitando sempre que vê uma máquina fotográfica ou uma câmera de TV. Quem conhece os meandros da imprensa sabe que, por trás da suposta blindagem que ainda cerca Serra, ele se tornou o personagem preferencial de fotógrafos e editores para fotos em posição ridícula - é a maneira sutil com que o jornalismo enterra seus mortos.

O enterro simbólico se deu hoje, com a publicação do primeiro artigo de Aécio Neves como colunista da Folha. A empresa deve muito a Serra. O jornal retribuiu durante a campanha. No final, percebeu que Serra tinha se tornado peso excessivo. Quando a atenção total do Brasil se concentrava em sua figura - na qualidade de candidato a presidente - veio à tona o dissimulado, o pregador maluco acenando com o fogo do inferno, invadindo casas simples para ler a Bíblia, pedindo ostensivamente cabeça de jornalistas.

As mudanças de Serra

Antes de expor sua verdadeira personalidade, Serra era um político que conseguia encontrar o eixo nas ideias de meia dúzia de personagens próximos. Na economia, nos desenvolvimentistas da Unicamp e da UFRJ, em Lessa, Conceição, Belluzzo; no campo industrial, em Paulo Cunha, do grupo Ultra; na saúde, colou em David Capistrano que lhe permitiu construir sua grande obra pública; nas finanças públicas, no grande José Roberto Afonso - apesar de Serra ter passado a vida vendendo a falsa ideia de que foi o criador dos modernos modelos de orçamento público (que existem desde 1964); na inovação, em um grupo de tecnólogos da Unicamp.

Enganou a quase todos apresentando-se como o grande campeão capaz de colocar os conceitos em prática, o anti-Malan, o anti-FHC que faria acontecer. Sua frase predileta era: "Eu faço acontecer".

A decepção com Serra surgiu já no governo do Estado. Gradativamente, sua não-atuação passou a expor o vazio de ideias e ação. Em plena crise de 2008, aplicou um arrocho fiscal no Estado. Nos momentos mais graves de seu governo, fugiu.

Foi assim nas enchentes que destruíram São Luiz do Paraitinga e inundaram São Paulo. Não participou de uma reunião sequer - repito, de nenhuma reunião sequer - com a Defesa Civil do Estado. Levou três dias para se pronunciar e o máximo que fez foi uma twittada dizendo estar tomando providências.

Foi Serra o grande responsável pelas enchentes, ao cortar os investimentos no desassoreamento do rio Tietê. Mas fez com que a conta fosse jogada em Kassab e nos munícipes "que jogam lixo nas ruas".

O mesmo aconteceu na crise de 2008. Empresários e centrais sindicais tentando marcar reunião para enfrentar a crise. E Serra isolado no seu gabinete, fugindo, aumentando impostos através da substituição tributária. Só aceitou recebê-los quando veio o aviso de que estava sendo preparada uma manifestação na frente do Palácio Bandeirantes, de industriais e sindicalistas.

No episódio da invasão da USP, revelou-se seu traço mais marcante e negativo: o do valente nas sombras. Definiu-se uma diretriz importante, a de alinhar universidades e institutos com metas do Estado. Faltaram as metas. Em seus quatro anos de governo, em nenhum momento o "desenvolvimentista" Serra, o homem do PPA (Plano Plurianual) logrou construir um documento sequer que definisse diretrizes para São Paulo, vocações, metas.

O que pretendia das Universidades era apenas o de impor seu tacão, mandar, desmontar - como fez na Cultura, com o infeliz João Sayad. Colocou um Secretário truculento, a USP reagiu, Serra estimulou a reitora e chamar a PM. Quando sobreveio o conflito, deixou a reitora exposta aos lobos, tirou o secretário infeliz, colocou um mais jeitoso. Mas abandonou completamente a ideia da coordenação de pesquisas. Bastava surgir um obstáculo para Serra desistir.

O episódio da greve da Polícia Civil foi similar. O embate ocorreu devido à resistência de Serra em receber representantes da categoria. Cortou o diálogo até que explodiu o conflito. Na semana seguinte, o valente Serra concedeu redução de prazo de aposentadoria para os policiais.

Na área de inovação, mesmo tendo como aliados os principais nomes do governo FHC, nada fez. Um dia indaguei de um desses oficiais da inovação a razão de nada andar em São Paulo. E ele, desanimado: "O homem (Serra) tem implicância com a Universidade".

O desmonte atual da TV Cultura e o aparelhamento da Secretaria da Cultura é apenas o ato final de sua participação no governo do Estado.

O comandante das trevas

O único campo em que Serra agia com naturalidade era nos bastidores, articulando as piores baixarias que a política brasileira já testemunhou. Numa ponta, alimentava seus criadores de dossiês. Na outra, se alinhou com o pior esgoto que a imprensa brasileira produziu. Através dessas manobras, conseguiu que blogueiros e parajornalistas de grandes publicações atacassem um a um os "inimigos" criados por sua imaginação: José Anibal, Franklin Martins, Eliane Cantanhede (com quem invocava na época), Kennedy Alencar, Geraldo Alckmin, Aécio Neves.

Ao mesmo tempo, convenceu os jornalões a participarem do episódio mais desgastante da moderna história da mídia: a defesa de Daniel Dantas no caso Satiagraha. Todos os que ousaram apontar Dantas como financiador de Marco Valério foram fuzilados pelos próprios companheiros. Um lobista de quinta categoria foi alçado à condição de "pensador político", para que os podres de Serra, que veiculava, pudessem ganhar eficácia.

Não se poupou nada. Atacaram jornalistas, seus familiares, expuseram suas esposas, espalhando uma infâmia ampla pela rede. E todos os autores eram ligados umbilicalmente a Serra.

A pá de cal na biografia de Serra será a elucidação final de suas relações com Dantas.

A senilidade política de Serra não poupou nenhum dos seus seguidores. Muitos, especialmente os novos aliados da mídia, foram seduzidos pela promessa de serem os novos donos do Brasil. O festival de deslumbramento, o oba-oba recíproco com que se saudavam a cada lançamento de livro da "turma", a facilidade com que montavam redes de assassinato de reputação - não apenas de adversários políticos de Serra, mas de pessoas do meio artístico, escritores, intelectuais com quem tivessem desavenças ou mera inveja - entrará nos anais da imprensa brasileira, como um de seus momentos mais deploráveis.

Mas não apenas eles. Aliados antigos, alguns com bela biografia, acabaram induzidos a atos canalhas, como se a prova de lealdade fosse o de cometer um ato vil em benefício do chefe. O que explica um sujeito com a biografia de Luiz Antonio Marrey Filho, Secretário de Justiça de Serra, pressionar o jornal "Valor" até o limite, para publicar um artigo em que acusava uma jornalista de estar a serviço da indústria do tabaco? O "crime" da jornalista foi ter criticado o instituto da delação na Lei do Fumo. Apenas isso.

Daqui para frente, só restará o Serra "comandante das trevas". Cada vez mais deixará de ser personagem dos jornais, mas continuará alimentando-os com dossiês. Seus comandados, agora, não são mais colunistas da velha mídia, mas "trolls" de Internet - enquanto puder mantê-los com as verbas da Secretaria da Cultura.

Os novos velhos tempos


Não cometerei a tolice de comparar esse clima com o nazismo e Serra com Hitler. Mas mostra com notável didatismo como as circunstâncias geram personagens improváveis.

O que ocorreu com parte do Brasil nos últimos anos espelha de forma ampla a "psicologia de massa do fascismo". Aliás, não apenas com o Brasil. Aqui se repetiu com notável exagero o que foram os Estados Unidos na campanha de Obama, o que são os movimentos xenófobos na Europa. São tempos de profundas transformações que trazem, no bojo, as sementes da intolerância: a resistência dos que não querem ceder aos que sobem; a impaciência dos que querem subir.

Serra foi apenas o ator destrambelhado de um enredo que não foi ele quem criou.

Serve apenas como caricatura para comprovar como as circunstâncias agem sobre a história. De repente, um político que se presumia racional, com história, uma vida política algo medrosa, mas cartesiana, se dá conta das circunstâncias e expõe seu lado mais doentio - que era apenas pressentido de leve no período da suposta "normalidade". Até onde teria ido se uma tragédia o colocasse no comando do país?

Digam aí, Lessa, Conceição, Belluzzo, eu mesmo, quando poderíamos supor que aquele Serra lá de trás, que fazia profissão de fé no desenvolvimentismo, na sensibilidade social, pudessem aflorar dessa maneira?

Serra-FHC

Em todo esse processo, só não consegui entender ainda completamente as relações FHC-Serra. Na entrevista à revista Piauí, em algumas manifestações esporádicas, FHC - com sua inteligência e acuidade - sempre foi a pessoa que melhor entendeu as fraquezas de Serra. Muitas vezes relutou em apoiá-lo. Sequer queria indicá-lo Ministro. Aliás, tenho parcela da culpa com uma coluna de dezembro de 1994, quando critiquei acerbamente FHC por temer Ministros com luz própria no seu Ministério.

Nas eleições de 2002, Serra dizia ter sido boicotado por FHC porque este supostamente saberia que seu (de Serra) governo seria muito melhor que o dele. Puro autoengano.

FHC sabia mais do que ninguém que Serra nunca teve luz própria e possuía características perigosas em um governante – a pior delas, o ódio permanente contra qualquer pessoa que ousasse criticá-lo.

O que teria levado FHC a apoiar Serra como candidato à presidência, em detrimento de um candidato muito mais competitivo, como Aécio Neves? Tenho para mim que foi a herança emocional de dona Ruth Cardoso e a emotividade que a idade traz para as pessoas, as lembranças de exílio, sei lá.

Serra se foi. O clima que o cercou continua.

Nos próximos anos, a intolerância continuará sendo a marca principal da política brasileira, nos dois lados do muro. Qualquer político que se aventure a campeão das oposições, por mais cordato que seja, acabará atraído pela massa crítica da intolerância, pelo menos até que se esgotem os princípios que nortearam a era Lula. Na outra ponta, haverá acirramento das posições políticas de grupos mais à esquerda do governo em relação à própria dinâmica de tentativa de preparar o segundo tempo do modelo. E a fome de sempre dos que rodeiam o poder.

Enfim, um belo desafio para a consolidação da democracia brasileira, com novos personagens vergando o fardão de vampiro.

Mas o verdadeiro vampiro sendo a intolerância que continua permeando a vida política nacional.

José Serra e Abilio Diniz: a onipotência derrotada - por Ricardo Kotscho (Balaio do Kotscho)

No final da noite de terça-feira (12), ao ler o noticiário sobre o fracasso de Abilio Diniz, 71 anos, na tentativa de fusão do Pão de Açucar com o Carrefour no Brasil e o artigo "A ética do vale-tudo" publicado por José Serra, 69 anos, na página de opinião de O Globo, apareceu-me na cabeça uma palavra pouco usual para definir os dois personagens: onipotência. Neste caso, a onipotência derrotada.

Duas definições que encontrei com a ajuda do dr. Google:

* No Dicionário Informal _ onipotência: s.f. todo poder, poder absoluto, todo-poderoso.

* No Dicionário Web _ onipotência: s.f poder supremo ou absoluto; o poder de fazer tudo.

Os dois achavam que nasceram para ser os maiorais, cada um em sua área. Filhos de pequenos comerciantes - Serra, de um feirante; Diniz, de um padeiro - eles acreditaram no destino e jogaram suas vidas para alcançar os mais altos objetivos.

Desde pequeno, José Serra já dizia às suas tias que queria ser presidente da República. Abilio Diniz em algum momento da vida achou que poderia transformar a padaria e confeitaria do pai no ponto de partida para dominar o comércio varejista mundial de alimentos.

Serra optou pelo mundo acadêmico e, antes de se tornar um político profissional, engajou-se na luta contra a ditadura que o levou a um longo exílio. Abilio sempre foi empresário e dedicou todo seu tempo a alastrar seu império de lojas para se tornar o maior supermercadista do país, depois de uma longa disputa familiar, e da conquista, sempre por meios beligerantes, dos seus principais concorrentes.

O político elegeu-se deputado federal, senador, prefeito e governador do Estado de São Paulo, sempre abandonando os mandatos pelo meio para chegar mais rapidamente ao seu objetivo maior, a Presidência da República. Foi também ministro do Planejamento e da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Perdeu sua primeira eleição presidencial para Lula, em 2002; a segunda, para Dilma Rousseff, apoiada por Lula, em 2010.

O empresário, que quase faliu no final dos anos 1990 do século passado, salvou-se ao se associar ao grupo francês Casino. Em 2005, vendeu ao grupo francês o controle acionário do Pão de Açucar, que entregaria em 2012, mas nunca se conformou em perder o comando. Diniz veio daquele mundo em que só há dois tipos de gente: quem manda e quem é mandado.

Por isso, resolveu dar o grande golpe de mestre da sua vida: reaver o controle do Pão de Açucar-Casino com a compra do Carrefour, utilizando para isso U$ 4 bilhões do BNDES, quer dizer, de um banco público.

Apresentados desta forma rápida e singela os dois personagens deste texto sobre a onipotência, vamos ver o que aconteceu na fatídica terça-feira, 12 de setembro de 2011, em que ambos, após tantas conquistas, bateram no fundo do poço.

Vamos começar pelo ex-governador de São Paulo. Os amigos de José Serra, se é que ele ainda os tem, deveriam ficar preocupados com o artigo que ele escreveu no jornal O Globo. No tijolaço que ocupa de alto a baixo o lado esquerdo da página 7, no mesmo estilo tucano-barroco de um acadêmico que escreve todo dia no jornal, Serra joga a toalha.

Mais parece o epitáfio de um político perdedor. Da primeira à última linha, o velho político é incapaz de lançar uma proposta original para o país, qualquer ideia nova, uma utopia, um sonho que seja, como fez Marina Silva na semana passada, ao deixar o PV.

É só porrada em Lula, em Dilma, nos governos e práticas do PT num texto pobre em conteúdo e capenga na forma (repete duas vezes a palavra "malfeitos" nos três primeiros parágrafos), em que repete os mesmos argumentos da sua derrotada campanha de 2010.

Vou dar um exemplo. Só José Serra entre os tucanos ainda é capaz de escrever coisas como no parágrafo reproduzido abaixo:

"Depois de um ano da primeira eleição de Lula (leia-se: e da minha primeira derrota para Lula), analisando o que já se delineava como estilo de governo, qualifiquei o esquema partidário petista como uma espécie de bolchevismo sem utopia, em que a ética do indivíduo é substituída pela ética do partido".

Acho que nem na Albânia se escreve mais essas coisas. É triste. Ao contrário do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que chega aos 80 anos de bem com a vida e ares de vencedor, cercado de amigos e homenagens, o político José Serra ficou falando sozinho. Parece ter envelhecido mal, perdido o bonde no fim do caminho.

Nem o PSDB o leva mais a sério. Depois de perder para Aécio Neves e Tasso Jereissatti todos os cargos que almejou na recente disputa interna dos tucanos, teve que se contentar com a presidência de um até então inexistente Conselho Político que inventaram para ele.

Na semana passada, convocou a primeira reunião em Brasília, e levou pronto um texto desancando Dilma, Lula, o PT e o governo para os outros assinarem. Ninguém concordou, alegando que precisavam consultar primeiro o senador Aécio Neves, ausente da reunião. Serra acabou publicando o texto, muito parecido com o do artigo de O Globo, em seu próprio blog, como se fosse o pensamento oficial do partido.

Em Paris, para onde viajou sozinho e de peito aberto para enfrentar os inimigos franceses do Casino em seu próprio território, Abilio Diniz tomou a maior surra da sua vida: por unanimidade, os conselheiros do grupo francês rejeitaram sua proposta de compra do Carrefour no Brasil.

Antes da reunião, o BNDES, por ordem da presidente Dilma Rousseff, já havia avisado que tiraria qualquer apoio à operação se Diniz não se entendesse com os sócios franceses. Abilio, como Serra, ficou falando sozinho, dependurado na brocha.

Sem perder a pose, segundo o relato da sempre brilhante correspondente Deborah Berlinck, de O Globo, encarou de bom humor os repórteres ao encontrá-los na saída da reunião:

"Não, não estou chorando na calçada. Fizemos uma reunião do conselho e vamos ver o que vai acontecer".

Aconteceu que Abilio Diniz aprendeu tarde demais que ninguém pode achar que pode tudo, nem ele. Talvez pensasse nisso quando o encontrei umas duas semanas atrás na arquibancada de uma festa junina promovida na quadra do Colégio Santa Cruz, onde seus filhos pequenos e minhas netas iriam se apresentar numa dança de quadrilha.

Sentou-se a meu lado com a jovem e bonita mulher. Não conversou com ela, não cumprimentou nem falou com ninguém, não sorriu nenhuma vez. Ficou o tempo todo com o olhar fixo no horizonte. Achei que alguma coisa estranha estava acontecendo com o grande empresário. Vai ver que ele já estava prevendo o desfecho trágico desta história.

Assim como Abilio não virou o dono do mundo, Serra também não será presidente da República do Brasil na marra, xingando os adversários, só porque ele acha que está mais preparado para isso do que os outros _ se é que o PSDB vá cometer o desatino de concorrer novamente com ele.

O PSDB e o fim do modelo político da Nova República - por Luis Nassif

Ontem houve bela discussão no Blog sobre os rumos do PSDB. Primeiro, o artigo do Renato Janine publicado em no Valor, sobre a perda do discurso, que suscitou comentários ricos e variados. Depois, o rebate de Jotavê, tentando definir novas bandeiras para o PSDB.

Em síntese, Jotavê propõe que o PSDB coloque em prática as bandeiras sociais-democratas assumidas pelos governos Lula e Dilma, mas sem o corporativismo que enxerga no PT. É muito pouco para definir um programa de partido.

O que propõe, em suma, é um partido social-democrata sem sindicatos, algo inédito.

Como muitos intelectuais de centro-esquerda, Jotavê é órfão de um PSDB que não aconteceu.

Antes de chegar ao poder, com FHC, o PSDB congregou um grupo de intelectuais, cientistas políticos, jornalistas, que tinham em comum a ideia vaga de uma social democracia inclusiva, com preocupações modernizadoras e sociais, fugindo tanto dos cânones da esquerda tradicional (PCB) quanto da militância exacerbada do PT que emergiu das lutas dos anos 80.

Esse PSDB foi sepultado quando a linha ideológica do partido passou a ser definida pelos financistas, os economistas que fizeram o Plano Real. É neles que FHC vai se basear para desenhar seu governo.

Jotavê supõe que os economistas estavam tão atarefados buscando a estabilização que não tiveram tempo de colocar em prática suas preocupações sociais.

Sinto desapontá-lo, mas essas temas nunca fizeram parte de suas preocupações. É só conferir o discurso atual da "Casa das Garças" e as manifestações esparsas dos principais formuladores do Real. São discursos de guerra, em favor do financismo mais desbragado.

Como detalhei em meu livro "Os Cabeças de Planilha", todo o desenho da remonetização do Real, com apreciação do câmbio - a decisão que criou uma dívida interna imobilizadora, provocou quebradeira generalizada na economia, aprofundou a cartelização do país - não foi um mero acidente, provocado por excesso de cuidados com a inflação. Foi uma estratégia política de tomada do poder através dos novos grupos financeiros que se instalavam.

A estratégia era clara. Supunha que o PT tivesse o domínio da máquina pública. O PSDB passaria a controlar o mercado, através de aliados criados no processo de privatização e nas jogadas de política monetária e de manipulação da dívida externa.

Não se trata de novidade mundial. Historicamente, sempre aconteceu esse conflito Estado x Mercado. O controle do Estado é provisório - a não ser em regimes ditatoriais. Já o controle do mercado é permanente.

A possibilidade de controlar a política através de novos grupos econômico-financeiros já havia sido colocada em prática pelo Visconde de Ouro Preto, último Ministro da Fazenda da Monarquia, e por Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda da República.

Um dos grandes especialistas no Encilhamento (o desastre econômico produzido pela estratégia de Rui Barbosa) foi justamente Gustavo Franco, o principal e mais brilhante ideólogo do Real. E a lógica do Real obedeceu a essa estratégia política, ainda que à custa de sacrificar 12 anos de crescimento brasileiro.

A face mais ostensiva desse pacto é Daniel Dantas.

A paternidade das políticas sociais

O "se" é perigoso na análise histórica. Mas se algum "se" pudesse ter mudado a trajetória antissocial do PSDB, teria sido Covas, não fosse sua morte prematura, jamais os financistas do Real - muito mais empenhados em um jogo de poder e de enriquecimento pessoal.

Ao longo dos dois governos de FHC, o PSDB perdeu totalmente as características socialdemocratas. Não entendeu os novos tempos, manteve-se fechado a qualquer demanda da sociedade civil, que aflorava após a redemocratização.

Foram ensaiadas algumas políticas sociais, especialmente sob dona Ruth, sem jamais terem sido prioridade ou ganhado escala. É ridículo ouvir Serra todo dia querendo se apossar da paternidade de políticas sociais, porque a ideia A ou B foi anterior ao Bolsa Família. Ora, em seu governo Sarney instituiu o Vale-Leite. Depois, houve o Vale Gás e outras formas de políticas assistenciais. O grande feito foi justamente o da massificação das políticas sociais, o fato de terem sido colocadas no centro das políticas públicas.

E esse bonde o PSDB perdeu. Assim como qualquer sensibilidade para governos participativos ou de cunho social.

Como governador de São Paulo, tendo todo o aparato midiático para divulgar cada espirro, qual a política social inovadora implementada por Serra, qual o fórum de debates que abriu para ouvir a sociedade civil, trabalhadores, empresários, organizações sociais? Nenhum. Por que não massificou as ideias de dona Ruth e outras surgidas nos anos 90? Porque ter ideias, até eu tenho. O feito político que conta é colocá-las em prática.

Ora, um partido é um conjunto de princípios mas que, para consolidar-se, dependem fundamentalmente de resultados práticos que constituem a sua história. Como passar uma borracha nas políticas de FHC, da inação de Serra governador de São Paulo?

A privatização como fim

Outras das bandeiras iniciais do PSDB, a ideia de que a privatização seria apenas uma etapa de uma estratégia de tornar o país mais competitivo, foi por água abaixo. A ideia de que seria possível compatibilizar pragmaticamente empresas privadas, empresas públicas atuando em ambiente de mercado, foi completamente abandonada no Brasil de FHC e em São Paulo de Serra e Alckmin.

É o que explica o fato de ter transformado a maior empresa de energia do país - a CESP - em um morto-vivo para ser privatizado, depois de seu valor ter praticamente virado pó. Ou vender a CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica), empresa que seria essencial para integrar a geração de energia do bagaço das usinas paulistas. Ou vender a Nossa Caixa e, depois, criar uma agência de desenvolvimento para emprestar dinheiro - maluquice que só poderia caber na cabeça atrapalhada do neo-Serra.

Nada garante que o governo Dilma dará certo. Mas é evidente que a tomada do poder não pode depender exclusivamente dos erros dos adversários.

Sendo assim, que espaço restará ao PSDB? O de ser um PT sem sindicato? Claro que não. A bandeira social-democrata é dos governos Lula e Dilma e não haverá como arrancar de lá.

O combate ao aparelhamento do Estado poderia ser uma bandeira eficiente. Mas só enquanto se conseguir manter a blindagem sobre o aparelhamento de São Paulo. Recentemente o Estadão se permitiu uma matéria sobre o desmanche da TV Cultura onde se mancionavam salários altos pagos a funcionáriosn da Secretaria da Cultura, de Andrea Matarazzo. Não houve uma suite sequer para levantar o nome dos beneficiados.

Aliás, Jotavê, que é um crítico corajoso do corporativismo universitário, deveria circular por outras bandas do governo paulista, para ter uma ideia pálida do que é aparelhamento.

Partindo-se do pressuposto que o próprio avanço da Internet derrubará gradativamente todas as blindagens, não é por aí que o PSDB conseguirá sua legitimização.

O novo quadro político

As bandeiras disponíveis estão em campos jamais trilhados pelo partido. Talvez na defesa da desburocratização e do empreendedorismo - bandeira de Guilherme Afif Domingos. Mas é uma bandeira que só daqui a alguns anos baterá fundo no coração da atual geração de incluídos por programas sociais.

Há a bandeira da gestão, eficazmente utilizada em Minas Gerais, Pernambuco e Espírito Santo. Mas, se o governo Dilma não se perder no campo político, o modelo apresentado no primeiro mês de governo será imbatível.

De qualquer modo, tudo indica que se esgotou o modelo político pós-redemocratização, no qual PT e PSDB assumiram o protagonismo, sendo apoiados por partidos ônibus, como PFL-DEM e PMDB.

A nova oposição definitivamente não sairá do PSDB, já que esgotou o tempo político para tentar reescrever sua história.

Ainda não se sabe o quadro que virá pela frente. Certamente já começou a ser moldado agora. Mas só daqui a algum tempo se terá clareza sobre esse novo desenho.

Comentário
Penso diferente do Nassif. Se ele não quer que o PSDB seja um partido financista, e, ao mesmo tempo não quer que o partido seja um partido social-democrata, ele deseja que o partido tenha qual ideologia, então?
Bem, não tenho nenhum apreço por esta guinada social-democrata que o PT engendrou, socialista que sou. Porém, é fato que se o PSDB viesse a respeitar o próprio nome e tornar-se um partido social-democrata (fato improvável, dado que possivelmente nenhuma grande liderança sua - com a possível exceção do Anastasia - possui tal bandeira como ideologia), com ênfase na eficiência, a qualidade da oposição brasileira estaria a anos-luz de distância da exercida contra Lula e Dilma.

sábado, 16 de julho de 2011

Ricardo Teixeira para Rei Momo - por Mino Carta (CartaCapital)

Espero que a presidenta e o ministro dos Esportes tenham lido a ótima reportagem de Daniela Pinheiro da revista Piauí sobre a peculiar- figura de Ricardo Teixeira, perfil redondo, identikit. O czar da Copa do Mundo de 2014 impávido avisa que estará habilitado então a fazer “a maldade que for”. E para não deixar dúvidas, exemplifica: “A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Porque eu saio em 2015”. Teixeira fala com a repórter e a chama de “meu amor”.

Está claro que não precisamos convidar o gajo nas nossas casas para tomar um copo de cerveja, talvez melhor de cachaça vagabunda. Sobretudo se houver crianças presentes. Disse gajo, e confirmo. Soa-me como palavra adequada, embora antiga, a definir a personagem, talhada inexoravelmente para encostar a vasta barriga no banco de algum botequim do arrabalde, a rescender a sardinha frita e bebida derramada.

Sobram outras razões de preocupação e constrangimento, a começar pelo fato de que esse indivíduo vulgar, grosseiro até o deboche, e tão visceralmente disposto à maldade, será o mandachuva de uma festa representativa do nosso País- aos olhos do mundo. Mais recomendável seria se o homem fosse escalado para Rei Momo do próximo carnaval carioca, peso para tanto não lhe falta.

Alinho algumas sentenças do extraordinário discípulo de João Havelange e Joseph- Blatter colhidas nas páginas da Piauí. Ao acaso. “Ca… um montão” para as denúncias da mídia. “Só vou ficar preo-cupado, meu amor, quando sair no Jornal Nacional”. A ligação com a Globo-exalta–o-. Ou seria o conluio, a parceria? Nada de surpresas, são estes os donos do Brasil. E ele insiste, altaneiro: “Quanto mais tomo pau da Record, fico com mais crédito com a Globo”. Crédito? Quem sabe valesse apurar a fundo o significado da palavra.

Notável expressão causou-me sua percepção da sociedade brasileira e como enxerga as classes pobres, obviamente negras. Segundo Teixeira “o neguinho do Harlem olha para o carrão do branco e fala: quero um igual”. Aqui na terra ocorre o contrário: “O negro quer que o branco se f… e perca o carro”. Donde a proclamação “é essa coisa de quinta categoria”. Resta verificar em qual categoria há de ser catalogado Ricardo Teixeira.

Agora, vejamos. A mídia o alveja porque as mazelas da CBF e do seu presidente são de domínio público há muito tempo. E o alveja por ser longa manu de uma Fifa cada vez mais podre. E mais, o alveja na inescapável previsão da bandalheira que vem por aí. Deus onipotente e onisciente sabe o que pode acontecer. A presidenta e o ministro dos Esportes parecem não saber. CartaCapital confessa, aliás, sua estranheza diante da cordialidade reinante entre Teixeira e o ministro Orlando Silva. Tanta simpatia, tanta complacência incomodam.

Desde a posse de Dilma Rousseff, a revista permite-se chamar a atenção da presidenta em relação aos efeitos que a organização e a realização da Copa terão aqui e lá fora, tanto mais ao se levar em conta o ano eleitoral. O prestígio do País e do seu governo está em jogo desde logo e estará até lá. O papel determinante reservado a Ricardo Teixeira neste enredo não induz a bons presságios.

O ano do Mundial do Brasil é também o das eleições políticas e é lógico, e do ponto de vista de CartaCapital desejável, que Dilma Rousseff se apresente para a reeleição. Se assim fosse, a candidatura surgiria com naturalidade de um governo feliz, a corresponder, diga-se, à nossa crença. É inegável, porém, que o êxito da presidenta também depende dos passos a caminho da Copa.

Vivemos agora uma fase indefinida, a impor ajustes finos e decisões rápidas e firmes. Transparente o contraste entre a lassidão e a leniência de vários setores e figuras da política, e, de improviso, o desconforto e a descrença de outros tantos da opinião pública, sem falar da ação da mídia nativa, sempre pronta a apostar na crise. Aí está o Teixeira, saído da espelunca periférica. Cuidado com ele.

O desalento da presidente - por Mauro Santayana (JB On-line)

Ao falar, ontem, a emissoras do Paraná, a Presidente Dilma Roussef foi sincera e humana: há muitas coisas no governo que a entristecem. Pode estar certa a chefe de Estado que os brasileiros em sua imensa maioria comungam do mesmo desalento. Os cidadãos entendem que o ato de governar é difícil, e que reclama habilidade e paciência, mas não aceitam - salvo os interessados na instabilidade política – as pressões que se fazem à presidente. Depois de ouvir um correligionário irado, que se queixava do tratamento privilegiado a um aliado do governo, Juscelino gastou meia hora tranqüilizando-o. Quando o reclamante saiu, desabafou-se com seu chefe da Casa Civil, Vítor Nunes Leal:

- Aqui, na Presidência, suporto insolência que não agüentaria, se fosse simples prefeito de Diamantina.

Ele não foi prefeito de Diamantina, mas, os que o conheceram prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas, se lembram de que ele era rigoroso com seus subordinados, e sabia cobrar as tarefas com energia.

Podemos entender as dificuldades da presidente e não podemos negar-lhe solidariedade e apoio. Não lhe serve de consolo, mas de estímulo, saber que os governantes dos principais países do mundo não se sentem tampouco em plena felicidade nestes últimos meses e anos. Estamos em um daqueles momentos históricos em que a ruptura se anuncia, mas pede líderes sensatos, capazes de criar instrumentos políticos hábeis para vencer a conjuntura perigosa.

Não é seguro que a História se repita, embora os seus movimentos de impaciência sempre se pareçam. O grande fermento das mudanças é a informação, que amplia o entendimento dos homens e suscita idéias novas, nas artes, na filosofia e na política. Isso explica que o Renascimento tenha sido contemporâneo da imprensa, e o Iluminismo, sua continuidade, haja trazido ebulição intelectual que não só deflagraria a Revolução Francesa, mas também estabeleceria os fundamentos científicos da tecnologia contemporânea.

A química de Lavoisier abriu a imensa perspectiva da produção de sucedâneos das matérias naturais e sem ela seria impensável a nanotecnologia, entre outras conquistas da ciência de hoje. Mas o excepcional cientista deixou-se seduzir pela corrupção, ao participar de uma empresa concessionária da cobrança de impostos, que lesou as finanças revolucionárias, e foi guilhotinado. Não são raros os casos de corrupção de homens geniais.

O que está ocorrendo em algumas áreas do governo felizmente não chega a anunciar horas tão trágicas como as vividas na França de há 220 anos – mas incomoda principalmente os que têm muito a elogiar na política econômica e social dos últimos oito anos e seis meses. Não se pode perder uma experiência que reduziu drasticamente a desigualdade e promoveu o desenvolvimento do país, de forma tão marcante, em conseqüência dessa promiscuidade entre setores do governo e do parlamento com empreendedores privados.

Um dos mais audaciosos criminosos dos anos 70, o assaltante Lúcio Flávio, ficou famoso por uma sentença óbvia, ao explicar por que não se envolvia com policiais: polícia é polícia, bandido é bandido. A máxima – reduzida a crueza de sua origem e circunstância – pode ser ampliada: governo é governo, empresas privadas são empresas privadas. A realidade – aqui e em todos os países ocidentais, registre-se – mostra que já não há fronteiras nítidas entre a administração pública e os grandes negócios. Os pequenos empresários se candidatam ao poder municipal, e começam a crescer fazendo negócios com a prefeitura. Em seguida se elegem para os parlamentos estaduais e para o Congresso – onde ampliam sua participação nos recursos públicos: mediante suas próprias empresas, ou se associando a grupos nacionais e internacionais. Em alguns casos, preferem ser apenas intermediários. São lobistas privilegiados, com acesso a todos os níveis de poder.

Estamos chegando aos limites da paciência dos povos. Nos Estados Unidos, Obama não consegue taxar os ricos em favor dos pobres, porque a maioria dos congressistas representa ali os grandes interesses financeiros e industriais, entre eles os dos fabricantes de armas. Na Europa, para salvar o dinheiro dos grandes bancos, os estados nacionais estão indo à falência. A razão é simples: são os ricos que financiam as eleições e a eles os governos prestam obediência.

É interessante relembrar que, na França de 1789, o povo foi às ruas e derrubou a Bastilha em favor de um banqueiro que, na administração das finanças nacionais, corroídas pela ladroagem dos nobres, defendia reformas moralizadoras. Necker teve a lucidez que falta aos banqueiros de hoje – e, por isso mesmo, não perdeu a cabeça naquelas jornadas sangrentas.

A presidente está diante de arriscada oportunidade: a de iniciar o processo de saneamento da administração do Estado. Os observadores sensatos contam com sua paciência diante da protérvia e sua firmeza estratégica. É certo que enfrentará inimigos poderosos, internos e externos, mas, se assim agir, a maioria do povo brasileiro estará ao seu lado, como esteve nas eleições do ano passado.

Impunes. Até quando? - por CartaCapital

Em 30 de agosto de 2010, seis procuradores da República em São Paulo assinaram uma ação civil pública que pedia à Justiça Federal a condenação de três ex-agentes da ditadura militar acusados de tortura, abuso sexual, desaparecimento forçados e homicídios, em serviço e nas dependências de órgãos da União durante o regime militar (1964-1985).

O documento, de 59 páginas, era resultado de uma extensa compilação de relatos, retirados de investigações e documentos oficiais – como processos de auditorias militares, arquivos do Dops e livros, entre eles “Brasil: Nunca Mais” e “Direito à Memória e à Verdade” -, sobre as crueldades praticadas pelos policiais nos porões do Doi/Codi, os órgãos de repressão do regime.

Em junho de 2008, CartaCapital publicou a matéria “Impunes, por enquanto”. Nela, os repórteres Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins conversaram com o delegado Dirceu Gravina, um dos réus da Ação Civil Pública do Ministério Público. Leia aqui a reportagem

Em um dos testemunhos contido na ação, uma militante chegou a relatar o dia em que, após tomar choques “nos ouvidos, na boca, nos tornozelos, nos seios, no ânus, na vagina”, caiu numa cama de campanha, quase desmaiada, e acordou sendo observada pelos filhos, de cinco e quatro anos, trazidos pelos torturadores para observá-la em seu estado. “Colocaram-me na cadeira do dragão, toda urinada e suja de vômito e me exibiram as crianças. Jamais esquecerei que Janaína (a filha) perguntou: mãe por que você está roxa e o pai, verde?”.

Com base nesses relatos, e nos reconhecimentos das vítimas dos autores de crimes como este, o Ministério Público Federal iniciou uma batalha na Justiça pedindo o afastamento imediato e a perda dos cargos e aposentadorias de três delegados da Polícia Civil paulista que, segundo a ação, participaram diretamente dos atos. Os procuradores pediam a responsabilização pessoal de Aparecido Laertes Calandra (codinome Capitão Ubirajara), David dos Santos Araújo (capitão Lisboa) e Dirceu Gravina (JC), os dois primeiros aposentados e o terceiro ainda na ativa, além da condenação a reparação por danos morais coletivos e restituição das indenizações pagas pela União. Eles foram reconhecidos por várias vítimas ou familiares em imagens de reportagens veiculadas em jornais, revistas e na televisão.

A ação, no entanto, foi rejeitada em março pela juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Federal Cível, que baseou-se na validade da Lei de Anistia para considerar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ainda não havia se pronunciado sobre o tema e, portanto, não caberia a ela decidir sobre o caso.

O Ministério Público Federal em São Paulo recorreu da decisão. Em maio, o órgão ingressou com embargos declaratórios – recurso interposto ao próprio juiz do caso – visando correção do que classificou como “erro de fato” e omissão da decisão judicial.

Leia aqui a Ação Civil Pública movida pelo MPF

O MPF considerou que a sentença continha “erro de fato”, pois foi proferida em março de 2011, partindo da ideia de que a Corte Interamericana de Direitos Humanos ainda não havia se pronunciado sobre o caso brasileiro de omissão quanto à responsabilização das violações aos direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar.

Os procuradores lembraram que a decisão da Corte já havia sido proferida em novembro de 2010 e que o MPF havia juntado cópia aos autos por ocasião de sua réplica. O MPF espera agora que a sentença seja revista com base neste argumento. O recurso, mais uma vez, foi rejeitado pela juíza, segundo quem não cabe à Justiça Federal de primeira instância discutir questões de direito internacional.

“As decisões proferidas pela Corte Internacional de Direitos Humanos sujeitam-se às regras firmadas em tratado internacional, competindo aos Estados signatários as providências convencionais de seu cumprimento, operando-se aí mecanismos de Direito Internacional”, escreveu.

Diante da nova recusa, os procuradores anunciaram nesta segunda-feira 11 que encaminharam a apelação do caso ao Tribunal Regional Federal (TRF). Está, portanto, nas mãos dos desembargadores federais tomarem providência para que, conforme argumentam os procuradores, ao menos neste caso seja concluída a “transição à democracia e a consolidação do Estado de Direito”. “Certamente, dar um basta a essa intolerável inércia é de interesse de toda a coletividade”, aponta a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, autora da apelação.

Segundo ela, “os órgãos integrantes do sistema de Justiça brasileiro não podem recusar a sentença condenatória da Corte Interamericana sob a alegação de prevalência do direito constitucional interno, pois é este mesmo direito constitucional que vinculou o Estado à autoridade do tribunal internacional”.

A apelação também contesta a afirmação da juíza de que a Lei da Anistia afasta a tese da responsabilização civil por ato ilícito. “Na verdade ocorre exatamente o contrário. As responsabilidades civil, penal e disciplinar convivem de maneira independente no ordenamento jurídico pátrio”, aponta.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Nossos murdochs são piores que o dos ingleses - por Weden (Blog do Nassif)

Revista Veja, Folha de São Paulo, Estadão, Globo e muitos outros poderiam fazer uma pausa para reflexão.

Grampos inventados, matérias de alertas a banqueiros acusados de crimes graves, ilações oportunistas, falsificação de dados, partidarização deslavada, escutas telefônicas, criação de factóides, práticas intensas de difamação, calúnia e injúria, escandalização, acusações sem prova, condenações prévias, chantagem, vingança, uso de reportagens para forçar publicidade.

Essas práticas espúrias, acima de qualquer razoabilidade profissional, não são uma particularidade dos veículos do australiano Rupert Murdoch.

Sabe-se, perfeitamente, que Murdoch é visto como gênio por estas bandas, e um certo dono de revista, por exemplo, sente-se a própria tradução italo-brasileira desse personagem que fez do jornalismo um vale-tudo de sujeiras e apelações.

A murdoquização da imprensa brasileira, principalmente, a partir dos anos 90, chegou para os indefesos leitores/telespectadores/ouvintes num pacote com dois agravantes: primeiro, era muito pouco original, por se inscrever no costume colonizado de tudo copiar do exterior (um certo "exterior") sem a reflexão necessária; segundo, instalava-se num ambiente marcado por enorme concentração de mídias.

Enquanto a sociedade britânica discute a própria mídia, o baronato da grande imprensa brasileira aponta armas fulminantes para qualquer tentativa de questionamento, acusando questionadores e críticos de atuarem contra a liberdade de imprensa.

Isso porque o baronato da midia nacional associou o padrão "vale-tudo" de Murdoch a toda uma tradição de elites econômicas do país, que se acreditam no direito de reprimir, através de suas capatazias, qualquer manifestação em favor da multiplicação das vozes sociais.

Nosso murdochs também trazem outros vícios de berço: são adeptos à malandragem e à esperteza.

O exemplo mais recente foram as acusações levianas contra uma professora e uma pequena editora em relação a um livro didático corretíssimo.

Além de um conhecido capataz da imprensa paulista ter chamado estes educadores de criminosos, sem qualquer prova e sem qualquer pudor, diversos veículos ressoaram o conjunto de injúrias, calúnias e difamações contra os autores, sem, no entanto, se darem ao trabalho de lerem a própria obra acusada de conter erros.

Não houve um pedido de desculpas a essas pessoas feridas em sua seriedade profissional. Ao contrário, criaram pautas atenuadoras, que funcionariam como um mea-culpa velado, como se, malandramente, fosse possível desfazer o flagrante de gatunagem contra a honra alheia.

Espertos, malandros e preguiçosos, os nossos barões não se poriam mesmo a refletir sobre suas práticas.

Pensar dá trabalho e exige um pouco mais de inteligência.

Oportunistas, os seus capatazes jamais retirariam dos seus currículos as citações de exemplos de puxa-saquismo desavergonhado e perseguições aos desafetos dos barões. Não porque acreditam que estas citações enriqueçam os seus currículos. Mas, sim, porque o agregado, historicamente, sempre temeu perder o luxo que representa sentar no colo do patrão.

sábado, 9 de julho de 2011

A gestação do governo de Dilma - por Mino Carta (CartaCapital)

Estamos de volta a um clima político inquieto em que a mídia nativa se alia na mira do alvo único, a evocar os tempos do ataque a Lula e seu governo para culminar com o escândalo do chamado mensalão. A situação é parecida, mas não é igual.

Em primeiro lugar, Dilma Rousseff não é o ex-operário que sentou no trono, embora tenha sido ungida por ele. E nos passos iniciais na Presidência, Dilma contou com a simpatia de boa parte da mídia, por mais medida que fosse e transparentemente voltada a afastar a criatura do criador.

Por outro lado, transparece com a necessária nitidez que tanto o Caso Palocci quanto o do Ministério dos Transportes, recém-eclodido, não mancham a presidenta porque em ambos ela é, de certa forma, a parte ofendida. A boa-fé de Dilma é indiscutível. Resta o fato de que este governo faz água. CartaCapital vive o momento sem maiores surpresas: desde a posse não lhe reconhece a indispensável solidez.

Antes das dúvidas suscitadas pela escalação de alguns ministros, existem problemas endêmicos, digamos assim, próprios da política verde-amarela, inerentes à questão central da governabilidade, a exigir alianças incômodas. O sacrifício obrigatório para harmonizar credos diversos sempre teve na história da República um preço muito elevado. Agregue-se outra característica, daninha e insopitável: o partido do poder torna-se, automaticamente, tocado pela mão do destino, dono da casa-grande.

Partido do poder pelo poder, ideias e ideais, se os houve, vão para o espaço. Assim se porta hoje o PT, completamente- esquecido dos trabalhadores a bem da aplicação febril a favor dos seus próprios interesses, ou melhor, dos interesses dos graúdos do partido e dos petistas habilitados a chantagear os graúdos. Planta-se aí mais um problema para a presidenta, e nesta ótica há de ser encarado o desastrado desfecho do Caso Battisti.

Sobrevém no quadro a influência de Lula na composição do staff da campanha de Dilma e, ao cabo, do governo. Candidatos certos do ex-presidente, Antonio Palocci e Nelson Jobim. Quanto a José Eduardo Cardozo, é possível que sua indicação tenha saído do PT. Palocci, a esta altura, dispensa comentários, dele sabemos o bastante, inclusive das atitudes de primeiro-ministro assumidas na Casa Civil, com a provável responsabilidade de ter encaminhado a discutível fusão Pão de Açúcar-Carrefour.

Na Defesa, Jobim não perde a oportunidade de vestir a farda, na realidade do cotidiano e na metáfora. Parece, de fato, ser o mais denodado intérprete do eterno temor, ou da inextinguível desculpa, das eventuais reações de um exército ainda visto como de ocupação. Jobim é a versão fardada e oblíqua de Cassandra. E no outro dia vai à festa dos 80 anos de Fernando Henrique Cardoso, e diz das suas saudades da Presidência do aniversariante - e da tormentosa injunção do presente, que o obriga a conviver com um bando de parvos, seus colegas de governo.

O desafio à presidenta não precisa ser sublinhado. Resta a pergunta óbvia: por que o general Jobim não se demite? Cabe outra: por que a presidenta não o demite? E se o olhar se dirige para o ministro Cardozo, partidário ardoroso da negativa à extradição de Battisti, o que desperta as dúvidas maiores de CartaCapital é sua relação com Daniel Dantas, um dos senhores credenciados a cometer estripulias impunes no País, enquanto é condenado por cortes estrangeiras. Sempre vale recordar que Cardozo, ainda deputado petista, foi promotor de um jantar do banqueiro orelhudo na casa de Heráclito Fortes destinado ao encontro entre Dantas e o então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, bem como o acompanhou à Itália na tentativa, malograda, de enfrentar em campo alheio a Telecom italiana.

A saída de Palocci foi um passo importante, há outros, contudo, a serem dados, como prova a situação atual. E me ocorre de súbito a carta de Dilma a Fernando Henrique octogenário. No meu entendimento, obra-prima de ironia, e esta não é crítica subdolosa, e sim inspirada por uma análise sem paixão. Não há naquelas linhas uma única em que Dilma acredite.

“Acadêmico inovador, político habilidoso, ministro–arquiteto de um plano duradouro de saída da hiper-inflação, presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica.” Leio no sub-texto: o acadêmico que se exilou sem precisar, o político que toparia ser até ministro de Fernando Collor não fosse a ameaça de Mário Covas de romper com o PSDB, o usurpador do plano batizado por Itamar Franco, o presidente que quebrou o País três vezes.

O toque final, de todo modo, está na frase-chave: “O espírito do jovem que lutou pelos seus ideais, que perduram até os dias de hoje”. Não poderia haver mais ironia na definição de quem recomendou o esquecimento do seu passado para assumir o papel de líder da direita nativa. Dilma esbaldou-se, creio eu, na exploração da monumental vaidade do aniversariante, e com sutileza suficiente para que o próprio não percebesse e, certamente, muitos de sua corte. A ironia nem sempre é bem entendida nas nossas plagas. Raymundo Faoro me aconselhava: “Não exagere em ironia, pensarão que você fala sério”. Eu respondia: “É isso mesmo que busco”.

Permito-me supor que Dilma tivesse também outro objetivo ao escrever a carta, semear a confusão na área tucana e alvejar, talvez mortalmente, José Serra. CartaCapital nunca duvidou que a presidenta saiba atuar com acuidade no jogo da política, muito além das previsões e das esperanças da mídia, e com a devida firmeza no comando. São estas as razões da escolha de Carta-Capital por sua candidatura um ano atrás. É da nossa convicção de que ela saberá superar o momento tenso até inaugurar o seu governo, indiscutivelmente seu, a contar inclusive, como observa um caro amigo e excelente especialista em política, com o vento de cauda que, a despeito da crise mundial, empurra o Brasil por obra da própria natureza.

Aproveito para acentuar o quanto apreciamos o escudo feminino que a presidenta forma à sua volta. Agrada-me dizer que, neste governo, preferimos as damas aos cavalheiros.

Comentário
Quem dera eu ter a sapiência de Mino Carta para ver ironia nos elogios de Dilma à FHC. Vejo tão somente capitulação.
Dilma esta muito mais do lado de lá (dos tucanos, da direita) do que do lado de cá. A presidente faz um dos governos mais conservadores da história do Brasil.
Parece desejar ser a nova Thatcher dos trópicos.
É bom que ela se lembre como a "Dama de ferro" terminou seu governo: no meio de um opróbrio sem fim, por conta dos péssimos resultados alcançados por seu governo economica e politicamente extremamente conservador.
Não creio, entretanto, que ela ouvirá alguém do lado de cá.