terça-feira, 30 de abril de 2013

Inseto com gota de água na cabeça - por Yoav Reinshtein (Macrofotografia - Zupi)

A declaração de amor de Mercadante por ‘Seu Frias’ - por Paulo Nogueira (Diário do centro do mundo)

Mais que bajulação, o que ficou estampado foi a ignorância do ministro da Educação.

Ignorância desumana
Uma das frases de Sêneca que mais me agradam fala o seguinte: “Quando penso em certas coisas que disse, tenho inveja dos mudos.”

Ela me ocorreu ao ter ciência da carta que o ministro Aloízio Mercadante escreveu para a Folha de S. Paulo.

Mercadante fez um desagravo da memória de Octavio Frias de Oliveira, falecido dono do jornal, depois que um delegado dos tempos da ditadura militar disse, na Comissão da Verdade, o que todos sabem, exceto talvez ele mesmo, Mercadante: que Frias colaborou ativamente com a repressão a “terroristas”, “subversivos” e “assassinos”.

Frias foi o chamado colaborador total. De um lado forneceu carros do jornal para a perseguição de “subversivos” pela Oban, Operação Bandeirante, um grupo particularmente selvagem dedicado a exterminar a resistência à ditadura.

De outro, usou sua empresa jornalística para publicar conteúdos pró-ditadura.

Meu pai, editorialista e com carreira na Folha estabelecida antes que Frias comprasse o jornal em 1961, se recusou a escrever um editorial no qual Frias mandou que fosse dito que não existiam presos políticos – todos eram criminosos comuns.

Frias, nos piores anos da ditadura, manteve um jornal, a Folha da Tarde, que era uma espécie de porta-voz da repressão. (Mercadante poderia conversar sobre isso com Frei Betto, que foi jornalista da FT antes de Frias transformá-la numa extensão da Oban.)

O jornal de Frias para a ditadura, a Folha da Tarde
Num certo momento, com a abertura política, Frias, como empresário, enxergou uma boa oportunidade de negócio ao engajar a Folha na campanha das diretas e deixá-la mais arejada.

Era um movimento óbvio. O concorrente Estadão já estava morto editorialmente, então. E a Globo era, como a FT, porta-voz da ditadura na tevê.

O distanciamento oportunista da Folha em relação ao regime não impediria Frias de acatar servilmente uma ordem de um general para que afastasse o diretor Claudio Abramo depois que o grande cronista Lourenço Diaféria escreveu, com toda razão, que os paulistanos mijavam na estátua do Duque de Caxias, no centro da cidade, perto da Folha.

Bastava passar por lá e sentir o cheiro.

Para Claudio Abramo foi um desdobramento irônico e amargo do editorial que meu pai recusou e ele, Claudio, escreveu, sabe-se lá a que custo emocional e mesmo físico, uma vez que era um homem de esquerda.

Frias pôs imediatamente no lugar de Claudio um jornalista que ele mantinha por causa das relações deste com o regime: Boris Casoy, egresso do Comando de Caça ao Comunista e antigo locutor de rádio. (Anos depois, na televisão, ao falar dos lixeiros, Boris mostrou quão pouco mudou nestes anos todos.)

Como os infames caminhões da Ultragaz, os carros
da Folha foram usados na caça a dissidentes
Assustado, medroso, Frias tratou também de tirar seu nome da primeira página do jornal, como responsável. Boris passou a figurar como o responsável.

Apenas para situar, Boris marcou uma ruptura na Folha. Até ali, os chefes de redação eram jornalistas completos: tinham feito grandes reportagens a partir das quais subiram até serem testados também como editores.

Boris simplesmente não sabia escrever. Ele estava no jornal, e num cargo elevado, por razões políticas, e não jornalísticas.

Isso gerou situações bizarras. Na morte de Samuel Wainer, cabia a Boris escrever um pequeno tributo na coluna “São Paulo”. Boris chamou meu pai para escrever por ele por não ter capacidade para realizar a tarefa.

Mercadante mostrou uma ignorância desumana ao desconhecer tudo isso na carta que mandou à Folha.

A demonstração espetacular de desconhecimento é tanto mais grave por vir do ministro da Educação. Se ele não conhece com alguma profundidade um assunto tão próximo dele, o que ele conhecerá?

Terá lido livros? Quais?

Pela ignorância, mais ainda do que pela bajulação despropositada, Mercadante deveria ser afastado sumariamente do cargo que ocupa. Daqui por diante, ele será sempre lembrado como aquele sujeito que disse que o “seu Frias” foi um quase mártir na “luta pelas liberdades democráticas”.

A carta de Mercadante cumpre o papel inevitável das mensagens estapafúrdias, o de ser alvo de desprezo dos chamados dois lados. É altamente provável que Otávio Frias Filho não tenha enxergado na carta o que todo mundo enxergou.

Se existe um atenuante para Mercadante, é que parece haver no DNA do PT uma espécie de submissão mental aos donos da mídia.

Essa patologia ajuda a entender por que o Brasil não avançou nada, em dez anos de PT, na questão crucial para a sociedade de discutir os limites da mídia, a exemplo do que a Inglaterra acaba de fazer.

O momento simbólico dessa submissão – que o grande Etienne de La Boétie chamava de “servidão voluntária” – é assinado por Lula, ao escrever na morte de Roberto Marinho que ali se ia um, pausa antecipada para rir, um grande brasileiro, merecedor de três dias de luto oficial.

Comentário
É fato que 99% das denúncias feitas contra o PT são calúnias torpes oriundas da pior escumalha da política nacional. Por outro lado, notícias como esta são de matar qualquer homem sério de vergonha.
Mas, como ouvi certa vez, "sente vergonha quem tem vergonha". Não é o caso do senhor Mercadante.

sábado, 27 de abril de 2013

Abdução - por Stahlberg Cgsociety (Ilustração)

Dias de Abril: o piloto sumiu? – por Saul Leblon (Carta Maior)

Há três semanas, o conservadorismo comanda as expectativas do país.

O carnaval do tomate e a furor rentista marcaram a segunda quinzena de abril.

Deu certo.

No dia 17, o BC elevou os juros.

Ato contínuo, vários indicadores desautorizaram as premissas da terapia ortodoxa.

Os preços dos alimentos – não o único, mas um fator sazonal importante na pressão inflacionária – perderam fôlego. O do tomate desabou.

Não apenas isso.

O cenário internacional desandou.

Recordes de desemprego na Europa vieram se somar à deflação das commodities, ademais da decepção com a velocidade da retomada nos EUA.

Tudo a desaconselhar o arrocho pró-cíclico evocado pelos especialistas em incursões aos abismos e às bancarrotas.

Há cinco anos eles advertem que a resistência do Brasil à crise é um crime contra o mercado.

Nenhuma voz do governo ou do PT soube salgar o diagnóstico conservador com a salmoura pedagógica das evidências opostas.

Dilma poderia ter ido à TV. É sua responsabilidade esclarecer a opinião pública quando o futuro do país esta sendo ostensivamente jogado na sarjeta das manipulações.

Não significa mistificar os problemas, que existem.

Mas, sim, separa-los de interesses que não são os do país.

Disputar as expectativas, em certos momentos, é mais decisivo do que acionar medidas no varejo.

Se Lula ficasse mudo em 2008, o jogral pró-cíclico faria do Brasil um imenso Portugal.

O quadro hoje é outro?

Sempre é outro.

É para isso que existe governo. Se a história fosse estável e previsível, bastariam burocracias administrativas.

Veio a terceira quinzena de abril.

Enquanto o PT se preocupa com Eduardo Campos, o verdadeiro partido oposicionista alimentava um clima de dissolução institucional.

É só aquecimento: o lacerdismo togado e seu diretório midiático podem muito mais.

A pauta da ‘caça ao Lula’ voltou às manchetes.

Grunhida pela boca do casal Gurgel e esposa, sub-procuradora Claudia Sampaio.

Em linha com a nova tradição latino-americana, a da implosão institucional de governos progressistas, o lacerdismo togado avança na sua especialidade: a farsa em forma de grave denúncia.

O STF desautorizou o Congresso a analisar a PEC que fortalece o espaço do Legislativo na divisão dos poderes.

A ideia de um Judiciário que determine o que o Congresso pode e o que ele não pode discutir e votar é estranha à democracia.

Mas não ao método conservador.

Que pauta um Brasil cada vez mais explícito, à direita, em seus duetos e sintonias.

Há certeza de uma impunidade consagrada no poder de difusão conservador.

Ela explica a desenvoltura de personagens que se dispensam do recato e da liturgia observada nos velhos conspiradores.

Joaquim Barbosa se manifesta como uma extensão de Merval Pereira.

E vice-versa.

Gurgel acossa Lula e agasalha o líder de Carlinhos Cachoeira no Congresso, Demóstenes Torres, com uma aposentadoria de R$ 22 mil.

E ninguém dá gargalhadas.

Como diz o senador Requião, falta humor à crítica política.

Falta também capacidade de se escandalizar.

Um delegado ex-integrante do aparato da ditadura diz que Otávio Frias e Sergio Fleury eram parceiros de teoria e prática.

Tomavam chá das cinco no DOPS.

Dá para acreditar?

Dá para ter certeza de que as veladas ligações entre o dispositivo midiático e a ditadura precisam ser investigadas. Por uma comissão de verdade.

Quem se dispõe?

Silêncio constrangedor.

O ministro Mercadante defende a Folha e o ‘seu’ Frias – como ele se refere ao falecido pai de Otavinho, em nota tocante.

Toffoli, ministro do Supremo, dá ultimato ao Congresso: os representantes do povo tem 72 horas para explicar o que estão pretendendo discutir...

Paulo Bernardo alia-se ao oligopólio da mídia.

A Secom sustenta a Globo.

E o sub do sub do Banco Central vai discursar no Banco Itaú, espécie de diretório informal do PSDB. Prega o choque de juros.

O piloto sumiu.

Esse filme não é novo.

E nunca acaba bem.

Manipulação de fotografias - por Julie de Waroquier (Cruzine)

A autodesmoralização do Supremo - por (Diário do Centro do Mundo)

Os reais culpados pelo descrédito do STF são os próprios juízes.
Roll Over Fux
Uma das teses mais idiotas que circulam nos círculos de sempre no Brasil afirma haver uma “tentativa de desmoralização” do STF.

Vocês me dão uma pausa para risada?

Ora, não existe propósito em desperdiçar tempo e energia para desmoralizar nada que se autodesmoralize.

Ou alguém afirma que Fux, para ficar num caso, é vítima de uma campanha?

É mentira que ele:

1) Procurou Dirceu?

2) Admitiu que se encontrou com ele em sua campanha patética por uma vaga no Supremo, mas afirmou não saber que Dirceu era réu do Mensalão?

3) Julgou casos em que estava envolvido o escritório de um velho amigo que, não bastasse este vínculo de camaradagem, é patrão de sua filha, num monstruoso conflito de interesses?

Isto se chama “autodesmoralização” em grande escala.

Saiamos de Fux e examinemos seu chefe, Joaquim Barbosa.

Qual a atitude de Barbosa sobre o comportamento de Fux?

Seria muito esperar uma admoestação sobre a busca frenética de apoio político. Afinal, o próprio JB tem uma história não muito edificante neste capítulo. Pobre Frei Betto.

Mas sobre a conexão entre Fux e um grande escritório: nada a dizer? Nenhuma mensagem aos brasileiros?

O silêncio de JB neste assunto – e ele tem conversado com jornalistas como Merval e Mônica Bérgamo para defender a si próprio – é, também ele, desmoralizador.

Desmoraliza a ele mesmo e ao Supremo. (Acrescento aqui que desmoraliza também os jornalistas que o entrevistaram, por deixarem de fazer uma pergunta essencial.)

Gastar 90 mil reais na reforma de banheiros também não contribui para elevar a imagem de JB, e muito menos ele ter chamado de “palhaço” o repórter do Estadão que, ele sim, perguntara o que tinha que ser perguntado.

É importante lembrar, quando se reflete sobre o mensalão e os recursos que vão aparecendo, que os brasileiros não conheciam as monumentais fragilidades dos integrantes do Supremo à época do julgamento.

Vigorava a crença, alimentada pela mídia, de que eram Catões.

A mídia “a serviço do Brasil” não dera a seus leitores as informações mínimas essenciais sobre a natureza real da principal corte brasileira.

Ora, estava escrito num livro de Frei Betto muito anterior ao julgamento como JB chegou ao Supremo – mas nenhuma linha foi dedicada a isso entre as milhares sobre o caso.

Ou não é importante saber que JB foi escolhido não pela excelência e sim porque Lula quis colocar um negro no Supremo?

Diante de tantas informações novas que mostram a face real dos juízes que foram absurdamente incensados, é natural que cresça a pressão para que todos os recursos cabíveis sejam analisados do jeito que devem ser, no Brasil ou no direito internacional.

Havia, antes do julgamento, pistas sobre a debilidade dos juízes, é verdade. Mas eram apenas pistas.

Uma que julgo particularmente forte foi dada por Marco Aurélio Mello.

O discurso que ele fez em maio de 2006, ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, é revelador.

Vou selecionar duas frases que valem por mil:

1) “Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos.”

2) “Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz-de-conta.”

O que está dito aí é que Mello tomou como absolutamente verdadeiras as notícias que leu num momento de acachapante vale tudo jornalístico em que todas as fronteiras éticas foram cruzadas.

O símbolo dessa era foi uma capa da Veja em que se publicou um dossiê com a informação de que Lula tinha milhões no exterior . Ah, sim, os leitores entre vírgulas,  foram avisados de que a revista não conseguira confirmar nem desmentir uma informação de tamanha gravidade.

Foi o boimate na versão política.

Crer cegamente na imprensa – nas manchetes – como Mello pode levar a erros brutais.

E não só no Brasil.

Nos dez anos da Guerra do Iraque, há algumas semanas, a mídia americana foi obrigada a enfrentar os erros colossais que cometeu na época.

O maior deles – que representou o apoio a um ataque que acabaria por destruir virtualmente um país inteiro – foi afirmar que o Iraque tinha, como dissera Bush, “armas de alto poder de destruição”. Não tinha.

Olhando para trás, as marcas da precariedade do Supremo já estavam impressas naquele bestialógico de 2006 – aliás saudado como “discurso histórico” por alguns colunistas.

Pintura - por Marina Podgaevskaja (Blog da Cristina Faleroni)

A ressaca de quem acreditou no próprio eco - por Saul Leblon (Carta Maior)

A campanha midiática pela alta dos juros nas semanas que antecederam a reunião do Copom, do dia 17, foi tão intensa e manipuladora que acabou prejudicando quem pretendia beneficiar.

Vivendo a ressaca agora, o mesmo jornalismo informa discretamente, longe das manchetes arrebatadoras de dias atrás, que apenas um dos muitos iludidos pelo seu jogral, uma financeira conceituada no mercado, embolsou um prejuízo de quase R$ 100 milhões no carnaval do tomate rentista. Um exemplo, entre muitos.

A instituição fixou posições especulativas com base na aposta de que o BC elevaria em 0,5% a Selic, num primeiro estirão de três, até completar 1,5% de alta este ano.

Justiça seja feita, trabalhou-se operosamente para que isso ocorresse.

Diariamente, não raro mais que uma vez ao dia, vendeu-se ‘informação segura’ de que essa seria a dosagem do BC para a taxa básica de juro em 2013.

A ‘formação das expectativas’ tão caras ao cálculo financeiro – e de fato importantes num capitalismo em que as finanças precificam o futuro no presente, condicionando todo o cálculo econômico-- foi modelada ao bel prazer de um jornalismo que divulga interesses como se fosse verdade.

Ao mesmo tempo em que cobra do ‘Banco Central independente’ que ‘ancore as expectativas’ para evitar estouros da manada, esse jornalismo age como carrasco da autonomia que idolatra.

O tomate foi só o porta-estandarte desse jogo ecoado pela menos transparente de todas as esferas da mídia, que, diga-se, não prima por essa qualidade.

O prejuízo colhido por rentistas iludidos com o próprio eco estampado nas manchetes evidencia a precariedade da arena na qual são decididas variáveis de incidência importante no futuro do país.

Uma narrativa ardilosa e comprometida distorce as expectativas e pode, de fato, desencadear uma dinâmica agressiva de preços que transforma profecia em verdade.

É capaz de embalsamar um país num formol de juros e recessão.

A suprema irracionalidade martelada diariamente pauta a agenda do próprio governo, ao mesmo temo em que veta o debate e interdita as soluções dos desafios reais do país.

No episódio recente da Selic de nada adiantou figuras insuspeitas , como a do ex-ministro Delfim Netto, escancarar o jogo pesado em curso.

”Nos últimos 14 anos a taxa média de inflação anual foi de 6,36%. O fato curioso é que uma inflação tão alta durante tanto tempo foi bem suportada pelo setor financeiro enquanto a taxa de juro real era de 7% ou 8%. Agora, com a taxa de juro real de 2%, ela parece insuportável”, disse o ex-ministro em artigo na revista Carta Capital, uma semana antes da reunião do Copom.

Outros lembraram que em 14 anos de regime de meta de inflação o sacrossanto centro da meta só foi cravado em três oportunidades: 2000, 2006 e 2007.

Não tanto pelos efeitos terapêuticos do juro alto.

Induziu-a, de fato, a valorização cambial que promoveu a deletéria invasão de importações baratas –a um custo elevado em termos de desindustrialização.

Ao ceder ao jogral rentista, decepcionando-o na talagada, o Copom do último dia 17 gerou, paradoxalmente, um efeito bumerangue na contabilidade do dinheiro a juro.

No dia seguinte à elevação da Selic em 0,25% as apostas no mercado futuro de juros recuaram.

Quem havia dormido num colchão inflado em uma alta de 0,5% colheu os frutos do próprio veneno.

Morder a própria língua faz parte do jogo especulativo. Punido com prejuízo em espécie.

O incompreensível é que o backing-vocal e alguns dos principais veículos-solistas desse enredo periódico de alarmismo e manipulação persistam com a reputação intocada.

Ancorados em uma capacidade de difusão monolítica, que faz gato e sapato da teoria das expectativas, bem como de governantes e autoridades desprovidos de meios equivalentes, repousam incólumes.

Afinando o tom para o próximo assalto.

domingo, 21 de abril de 2013

Fotografia do Rei Pelé - por Luiz Paulo Machado (Placar)


Não havia photoshop naqueles tempos. O suor desenhou um coração no peito do maior jogador de futebol de todos os tempos.

A dor de Paulo Pavesi - por Leandro Fortes (CartaCapital)

Sozinho, escondido em Londres, na Inglaterra, depois de ter conseguido asilo humanitário na Itália, em 2008, o analista de sistemas Paulo Pavesi se transformou no exército de um só homem contra a impunidade dos médicos-monstros que, em 2000, assassinaram seu filho para lhe retirar os rins, o fígado e as córneas.

Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 anos de idade, caiu de um brinquedo no prédio onde morava, e foi levado para a Irmandade Santa Casa de Poços de Caldas, no sul de Minas, onde foi atendido pelo médico Alvaro Inhaez que, como se descobriu mais tarde, era o chefe de uma central clandestina de retirada de órgãos humanos disfarçada de ONG, a MG Sul Transplantes. Paulinho foi sedado e teve os órgãos retirados quando ainda estava vivo, no melhor estilo do médico nazista Josef Mengele.

Na edição desta semana de CartaCapital, publiquei uma reportagem sobre o envolvimento do deputado estadual Carlos Mosconi (PSDB) com a chamada “Máfia dos Transplantes” da Irmandade Santa Casa de Poços de Caldas. Mosconi, eleito no início do ano, pela quarta vez consecutiva, presidente da Comissão de Saúde (!) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi assessor especial do senador Aécio Neves (PSDB-MG), quando este era governador do estado. Aécio o nomeou, em 2003, presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMG), à qual a MG Sul Transplantes, idealizada por Mosconi e outros quatro médicos ligados á máfia dos transplantes, era subordinada.

As poucas notícias que são veiculadas sobre o caso, à exceção da matéria de minha autoria publicada esta semana, jamais citam o nome de Carlos Mosconi. Em Minas Gerais, como se sabe, a imprensa é controlada pela mão de ferro do PSDB. Nada se noticia de ruim sobre os tucanos, nem quando se trata de assassinato a sangue frio de uma criança de 10 anos que teve as córneas arrancadas quando ainda vivia para que fossem vendidas, no mercado negro, por 1,2 mil reais. Nada. Esse silêncio, aliado à leniência da polícia e do judiciário mineiro, é fonte permanente da dor de Paulo Pavesi. Mas Pavesi não se cala. De seu exílio inglês, ele nos lembra, todos os dias, que somos uma sociedade arcaica e perversa ao ponto de proteger assassinos por questões políticas paroquiais.

Como sempre, a velha mídia nacional, sem falar na amordaçada mídia mineira, não deu repercussão alguma à CartaCapital, como se isso tivesse alguma importância nesses tempos de blogosfera e redes sociais. Pela internet, o Brasil e o mundo foram apresentados ao juiz Narciso Alvarenga de Castro, da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas. Em 19 de fevereiro desse ano, ele condenou quatro médicos-monstros envolvidos na máfia: João Alberto Brandão, Celso Scafi, Cláudio Fernandes e Alexandre Zincone.

Eles foram condenados pela morte de um trabalhador rural, João Domingos de Carvalho. Internado por sete dias na enfermaria da Santa Casa, entre 11 e 17 de abril de 2001, Carvalho, assim como Paulinho, foi dado como morto quando estava sedado e teve os rins, as córneas e o fígado retirados por Cláudio Fernandes e Celso Scafi. Outros sete casos semelhantes foram levantados pela Polícia Federal na Santa Casa.

Todos os condenados são ligados à MG Sul Transplantes. Scafi, além de tudo, era sócio de Mosconi em uma clínica de Poços de Caldas, base eleitoral do deputado. A quadrilha realizava os transplantes na Santa Casa, o que garantia, além do dinheiro tomado dos beneficiários da lista, recursos do SUS para o hospital. O delegado Célio Jacinto, responsável pelas investigações da PF, revelou a existência de uma carta do parlamentar na qual ele solicita ao amigo Ianhez o fornecimento de um rim para atender ao pedido do prefeito de Campanha (MG). A carta, disse o delegado, foi apreendida entre os documentos de Ianhez, mas desapareceu misteriosamente do inquérito sob custódia do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.

Na terça-feira, veio o troco.

A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu as audiências que aconteceriam nesta quarta-feira 17, até sexta-feira, 19 de abril, para se iniciar, finalmente, o julgamento do caso de Paulinho. Neste processo, estão sendo julgados, novamente, Cláudio Fernandes e Celso Scafi, além de outros acusado, Sérgio Poli Gaspar. De acordo com a assessoria do TJMG, o cancelamento se deu por conta de uma medida de “exceção de suspeição” contra o juiz Narciso de Castro impetrada pelo escritório Kalil e Horta Advogados, que defende Fernandes e Scafi. A defesa da dupla, já condenada a penas de 8 a 11 anos de cadeia, argumenta que o juiz teria perdido a “necessária isenção e imparcialidade” para apreciar o Caso Pavesi.

Ou seja, querem trocar o juiz, justo agora que o nome do deputado Carlos Mosconi veio à tona.

Eu, sinceramente, ainda espero que haja juízes – e jornalistas – em Minas Gerais para denunciar esse acinte à humanidade de Paulo Pavesi que, no fim das contas, é a humanidade de todos nós.

Ilustrações surreais - por Anastasia Korochansckaja (Cruzine)

Por que mais uma vez os Estados Unidos são alvo de um atentado? - por Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

Essa é uma pergunta que os americanos terão um dia que enfrentar.

Por que eles?
Só não vi, em todo o copioso material que traguei, uma pergunta.

E é a mãe de todas as perguntas. É a questão essencial.

Por que nós?

Por que, mais uma vez, os Estados Unidos são atingidos por um atentado?

Se e quando esta pergunta um dia for enfrentada, os americanos terão chances de viver com um pouco mais de tranquilidade.

São eles – os americanos – porque a política externa de Washington é absurdamente destrutiva, egoísta e desonesta.

Dadas as ações americanas, seria espantoso que eles não fossem fruto de um ódio universal.

No passado, as coisas ficavam razoavelmente camufladas por trás da embalagem de “campeões do mundo livre”.

Mas hoje, com a internet, as informações se democratizaram, e correm o mundo. Uma bomba americana numa aldeia do Paquistão que mata crianças se torna conhecida rapidamente em todas as partes, num simples tuíte ou o que valha.

Isso – aliado à desclassificação de documentos secretos — mostra quem são, de fato, os Estados Unidos.

O economista americano Thomas Naylor, professor emérito aposentado da Universidade Duke, escreveu um pequeno grande livro que conta muito sobre o caso americano, Manifesto de Vermont.

No livro, Naylor defende a independência de Vermont, o estado em que mora. Um dos argumentos é que, se o estado estiver dissociado do império americano, não será alvo de retaliações de terroristas.

Os vermontianos, consequentemente, poderão viver mais tranquilos. Não precisarão pensar algumas vezes antes de fazer um programa banal como ver uma maratona.

Economista brilhante, autor de 30 livros, Naylor sabe que o custo de manter a segurança interna quando você cria inimigos em escala industrial uma hora fica maior que a capacidade financeira dos Estados Unidos.

Por isso a causa da vida dele é desligar a pacata Vermont dos Estados Unidos. (Cuja desagregação ele compara, com propriedade, à da União Soviética: superpotências que, num determinado momento, foram dominadas por uma desmedido militarismo.)

Imaginava-se que Obama, depois de Bush, trouxesse ao mundo alguma coisa de novo.

Não trouxe.

Obama não foi capaz sequer de criar as condições mínimas para que os americanos se perguntassem: por que nós?

Comentário
De fato, fazer esta pergunta chega a ser cômico. 
Só para citar um exemplo, na mesma semana do atentado em Boston, John Kerry (candidato derrotado a presidência dos EUA em 2006, frise-se), secretário de estado dos EUA (o segundo cargo em importância na administração estadunidense) se referiu a América Latina como "quintal" dos EUA. É com este tipo de postura, prepotente, belicista, insidiosa, que os EUA arrumam tantos inimigos. Eles colhem o que plantam.
E no meio do caminho, sofrendo as consequências nefastas do imperialismo, muitos inocentes têm suas vidas ceifadas, tanto lá quanto no resto do mundo - no último caso, em escala ainda maior.

sábado, 20 de abril de 2013

Fotografia - por Ross Gilmore (Society6)

Para entender a tentativa de golpe de Estado na Venezuela - por Escritor (Blog do Nassif)

Em 2011, o ex-presidente americano Jimmy Carter afirmou que o "Processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo”.

É este processo que está sendo questionado pelo candidato derrotado Henrique Capriles, pelo governo dos Estados Unidos e pela grande mídia nacional.

Como se dá a votação na Venezuela?

1. O teste da realidade.

O país passou por 18 eleições nos últimos 14 anos, todas acompanhadas por observadores internacionais e consideradas “limpas”. Em 2012, na eleição de Hugo Chávez, observadores de 30 países acompanharam o processo.

2. A identificação do eleitor.

O eleitor identifica-se aos mesários primeiro por meio de uma carteira de identidade. Depois, há uma conferência eletrônica dessa identificação através da biometria: o eleitor pressiona o polegar direito num aparelho, e suas digitais acionam uma tela onde aparecem os dados do eleitor, que são conferidos com os dados da carteira de identidade.  Se os dados batem, o eleitor é liberado para votar. Detalhe: a própria urna eleitoral é desbloqueada somente pelas impressões digitais do polegar direito do eleitor.

Essas medidas garantem a equivalência um eleitor – um voto.

3. O voto.

O eleitor dirige-se à cabine indevassável e lá encontra uma grande tela plana horizontal, sensível ao toque, com as imagens e os nomes dos candidatos. O toque nessa tela transmite a informação para um aparelho eletrônico, situado ao lado da tela, em cujo monitor ele pode confirmar que o voto dado é realmente o voto que será registrado na urna. Estando tudo certo, ele aperta, nesse aparelho, a tecla Votar. O aparelho, então, imprime o comprovante do voto individual, que pode ser novamente conferido pelo eleitor.

4. O depósito do voto.

O eleitor leva o voto impresso à urna e deposita-o manualmente, garantia extra para a recontagem de votos.

5. A finalização do processo.

O eleitor assina seu nome no caderno de votação e depois recebe a tinta indelével num dedo mindinho, terceira forma de garantia de que não haverá mais que um voto por eleitor.

6. A contagem dos votos numa urna.

Findo o período de votação numa sessão eleitoral, a máquina de votação imprime uma ata contendo informações sobre a seção eleitoral, a mesa, os nomes dos membros da mesa, além do número de votantes e do número de votos de cada candidato.  Esta ata é conferida e assinada pelo presidente da mesa eleitoral, pelos mesários e por um representante de cada uma das forças políticas na disputa. No caso, um representante do chavista PSUV e do caprilista Primero Justicia. Quem assina (presidente da mesa, mesários e fiscais) também precisa deixar registradas suas impressões digitais.

7. A auditoria.

Ainda nas seções eleitorais, é feita uma auditoria em 54% das urnas convencionais, para certificar-se de que as informações de cada uma das atas respectivas realmente correspondam à verdade dos votos depositados nas urnas. A média mundial é 3%. Se só há uma mesa na seção, ela é auditada. Se há duas, uma é auditada, por sorteio. Se há três, duas são auditadas, por sorteio.

8. A distribuição das atas.

Cada partido recebe uma cópia assinada de cada uma dessas atas – as mesmas que serão usadas para uma possível recontagem pela justiça eleitoral. Os dados de máquina, então, são transmitidos eletronicamente para o CNE (Conselho Nacional Eleitoral).

Na eleição deste ano houve 39.322 atas, correspondentes às 39.322 seções eleitorais.

*

Conclusão de um estudo realizado em 2012 pelo think-tank americano Wilson Center e pelo Idea (Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral):

“Para os autores do estudo, a possibilidade de conferir resultado mesa por mesa torna praticamente impossível forjar resultados desde que a oposição se organize para ter observadores nas 37 mil mesas eleitorais do país.”

Mais de 50.000 fiscais de Capriles acompanharam a eleição.

O PSUV prometeu disponibilizar em seu site (http://www.psuv.org.ve/) todas as atas de votação, digitalizadas, ainda hoje (17/4), para “fechar o circuito”: além do Conselho Nacional Eleitoral e dos partidos, também os cidadãos venezuelanos terão acesso à totalidade das atas, podendo verificar que os fiscais do partido de Capriles abonaram o resultado de cada urna eleitoral.

Se alguém não entendia por que Henrique Capriles ainda não aproveitou o período de 20 dias para entrar com um pedido oficial de recontagem de votos ou de impugnação da eleição, agora deve entender: porque ele tem os dados completos da votação, e certamente sua equipe já fez uma recontagem paralela que confirmou a derrota inquestionável. O pedido feito somente por meio da mídia é demagógico.

A recontagem solicitada por Capriles, e que também foi aceita por Maduro, é justamente de cada um dos comprovantes, a forma prevista para verificar o sistema eletrônico.”

A recontagem por amostragem (de 54% das urnas convencionais, sem nenhuma discrepância, resultado atestado pelos fiscais do próprio partido de Capriles) torna ridícula a exigência da recontagem de 100% das urnas. Não há nenhuma evidência técnica que sustente a solicitação.

Uma das “denúncias” feitas por Capriles refere-se ao mau funcionamento das máquinas de votação (cerca de 500 delas). “Esqueceu-se” de dizer que essa “denúncia” corresponde a somente 1,2% das máquinas usadas no pleito, e que todas foram substituídas rapidamente. Na Venezuela, há um excedente obrigatório de 10% de máquinas eleitorais. No total, são 39.822 máquinas.

Outra “denúncia”: mais de 2000 fiscais do partido de Capriles teriam sido impedidos de cumprir suas funções. Mas os representantes do partido assinaram todas as atas... E não houve nenhuma queixa formal às mesas (que teriam de interromper a votação), nem aos observadores nacionais (mais de 3.000 deles) e internacionais (mais de 170).

O voto assistido (o eleitor incapaz ou muito idoso vota acompanhado de um ajudante treinado pela justiça eleitoral) está previsto na legislação venezuelana.

Resumindo. O que Capriles tem a contestar objetivamente? Nada.

A situação é tão patética que a própria presidenta do Conselho Nacional Eleitoral precisa avisar ao candidato, certamente muito bem assessorado, que, se ele quer mesmo mudar o resultado da eleição, que procure as vias legais.

A vitória que as penas de aluguel da mídia nacional chamam de “derrota moral” e “vitória ilegítima” torna-se cristalina quando se consideram os resultados proporcionais: Nicolás Maduro ganhou em 16 dos 23 estados, em 71% dos municípios, em 74 das paróquias (divisões administrativas dos municípios) e em 70% dos centros de votação.

Vitórias por estreita margem de diferença são comuníssimas na democracia. O próprio Capriles, em 2012, foi eleito governador do estado de Miranda com 50,35% (Maduro ganhou a presidência com 50,75%). A situação, derrotada, não exigiu recontagem de votos e aceitou a vitória de Capriles, conseguida por apenas 47.368 votos.

Em 2007, Chávez perdeu o referendo sobre a reforma constitucional por 124.962 votos (1,5% de diferença). E aceitou o resultado.

Em fevereiro de 2006, o Nobel da Paz costarriquenho Óscar Arias Sánchez ganhou a eleição presidencial por 18.169 votos.

Obama foi reeleito em 2012 com 51% do voto popular.

O peruano Ollanta Humala foi eleito em 2011 com 51.5% dos votos.

Geraldo Alckmin foi eleito em 2010 com 50,63% dos votos válidos.

O estadunidense George W. Bush teve menos votos populares que Al  Gore, em 2000, e somente 5 votos a mais no Colégio Eleitoral. A Corte Suprema votou contra a recontagem de votos.

Uma das intenções da grande mídia, no caso Maduro, é implantar na mente das pessoas a ideia de que um resultado favorável à esquerda, quando apertado, é inválido ou ilegal, ou inviabiliza o governo do vitorioso. Ou seja, políticos de esquerda são “naturalmente” suspeitos de fraude ou incapazes de governar nessa situação. A vitória apertada de um político de direita é sempre “limpa” e garante um governo seguro.

A única via que sobra para a direita chegar ao poder, na Venezuela, é a sublevação social seguida de golpe ou de intervenção “humanitária” dos Estados Unidos, caso o caos se estabeleça no país.  

Esse caminho foi aberto com práticas terroristas como a destruição de centros médicos (implantados no país por cubanos), o incêndio de sedes do PSUV e o assassinato de 7 civis defensores do chavismo. Mais de 60 feridos, todos chavistas. Não há um só caso de destruição de propriedade ligada a Capriles ou de agressão a um partidário do candidato derrotado.

Reparem que não se trata de protestos pacíficos, legítimos numa democracia, mas sim de ações criminosas, sem nenhuma relação com a reivindicação política que supostamente motiva esses protestos.

A mídia brasileira está, mais uma vez, na contramão da civilização: defendendo golpes de estado e ações terroristas, mostrando assim que, para ela, qualquer meio justifica o fim: a conquista do poder por seus aliados.

Os valores, entre eles a verdade e a democracia, são dispensáveis.

Homem de ferro - por Speckyboy (Ilustração)

Os problemas na estrutura da investigação criminal - por eleitor (Blog do Nassif)

O grande problema não reside na aprovação ou não da PEC 37. O problema reside na estrutura da investigação criminal existente no ordenamento jurídico brasileiro. Pra ser direto, vamos focar sobre o famigerado inquérito policial e o seu defensor maior, que é a figura do não menos famoso delegado de polícia, mais conhecido como a jabuticaba brasileira. Não há figura e função similar no mundo inteiro, ou melhor, em dois ou três países. Nos outros países, as polícias são organizadas de tal forma que seus componentes, os quais ingressam na base da estrutura e por méritos, dedicação e conhecimentos, alcançam postos de comando e são portadores de conhecimentos multidisciplinares, enquanto que no Brasil, são apenas bacharéis em Direito, sem qualquer experiência e que já são guindados, por concurso, à condição de comandantes e presidentes do tal inquérito policial.

Pois bem, no Brasil, a estrutura policial é construída para que as investigações, com o infindável papelório do inquérito policial que consome muito tempo e elevados gastos com a sua formalização, pois precisa da figura do delegado, do escrivão, do agente, do papiloscopista, do administrativo, entre tantas outras funções, e que ao final, em 95% (noventa e cinco) são arquivados pelos membros do MP por serem inclusivos e muitas vezes são devolvidos aos delegados para a complementação de novas diligencias, ou seja, comprovadamente inservíveis como meio de prova, e quando o são, quase todos os atos praticados no inquérito policial são repetidas na formalização do processo judicial, ou seja, o mesmo trabalho é realizado DUAS VEZES, pois no inquérito não há o princípio do contraditório e do devido processo legal e não há a figura do defensor (advogado). Outra situação que deve ser clareada é que a figura do delegado de polícia e essa estrutura são invariavelmente áreas de influências dos poderes executivos estaduais e federal vez que os seus chefes querem ter controle sobre a estrutura policial para se defenderem de indesejáveis investigações bem como para atacar seus inimigos, ou seja, são MANIPULÁVEIS.

De outro modo, se implantássemos no Brasil o modelo de investigação criminal que vigora na maioria dos países, a polícia investiga sob o comando do MINISTÉRIO PÚBLICO e não existe a figura tosca do delegado de polícia bacharel em direito, mas ao contrário, uma estrutura policial dotada de policiais com formação multidisciplinar e voltados para o trabalho de investigação e não para mera formalização de peças e de inúmeros inquéritos sem objetividade e resultado prático e isso, onera demasiadamente os cofres públicos e contribuem demasiadamente para a sensação de IMPUNIDADE reinante entre nós.

Por outro lado, o MINISTÉRIO PÚBLICO também não está preparado estruturalmente para receber a exclusividade da investigação criminal, pois é sabido que os promotores não querem investigar todos os casos, mas somente aqueles mais importantes e que lhes deeem maior visibilidade, além do que, igualmente estão atrelados, até politicamente, aos chefes do executivo e são muitos os casos de desvios de conduta.

Resumindo, o problema não está em quem terá exclusividade de investigação, mas antes disso, será necessário discutir outro modelo, tanto de investigação criminal, onde a figura do inquérito policial deverá ser banido, por inservível, bem como a figura do delegado de polícia, coisa do tempo do império, que não atende as reais necessidades do judiciário e das demandas da sociedade.

Será o mundo inteiro está errado na forma de atuação contra a criminalidade? Será que o Brasil, com esse modelo arcaico, está certo? Será que vamos continuar dividindo as instituições públicas ao invés de fortalecê-las em convergências de atividades para a tão sonhada pacificação social, razão primeira da justiça?

É sabido que os chefes dos poderes executivo estaduais e federal querem que a estrutura policial fique do jeito que está por serem extremamente manipuláveis. É sabido que o MP não quer roer o osso, mas somente comer o filé das investigações que lhes deem maior visibilidade e o mesmo poder de barganha que os delegados de polícia hoje detém e lutam desesperadamente para se manterem à frente das investigações. Esse ciclo viciado, oneroso, partidarizado, corrompido e susceptível a más ingerências, só é bom para eles e deletério à sociedade brasileira.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Jogo de Hóquei da NFL entre o Carolina Hurricanes 'Peters e o Montreal Canadiens' Gallagher - Fotografia (Christinne Muschi - Reuters/Totally Cool Pix)

O maior problema da Justiça brasileira chama-se Luiz Fux – por Luis Nassif (Blog do Nassif)

Com seus modos destrambelhados, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa tornou-se especialista em desmoralizar grandes bandeiras que levanta.

Esqueçam-se os modos para se analisar um dos temas que levantou: a promiscuidade entre Ministros do STF e grandes escritórios de advocacia.

O caso Sérgio Bermudes é exemplar. Seu escritório patrocina grandes ações contra o poder público e, ao mesmo tempo, emprega a filha de Luiz Fux, a esposa de Gilmar Mendes e o filho do desembargador Adilson Macabu, que trancou a Satiagraha. Agora, está oferecendo um mega regabofe para o mundo jurídico comemorar os 60 anos de idade de seu amigão, o próprio Fux.

Vamos a Fux e seu ultimo feito: a derrubada da PEC 62/2009 que instituiu regime especial para pagamentos de precatórios emitidos até aquela data.

Sabe-se que parte expressiva dos precatórios está em mãos de escritórios de advocacia, que adquiriram com enormes descontos de clientes que necessitavam de caixa e não tinham esperança de receber o pagamento em vida.

Com o voto decisivo da Fux, o STF votou pela procedência parcial das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425 contra a PEC, ajuizadas, respectivamente, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).

A Emenda havia significado um enorme avanço para o tema.

Sabia-se ser impossível o pagamento imediato do passivo acumulado. Concordou-se então com o parcelamento por 15 anos e com garantias inéditas para os credores. Houve a vinculação de parte da Receita de cada ente para pagamento da dívida; e o instrumental jurídico contra futuros calotes: a possibilidade de sequestro da receita.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), interpretando a Constituição, entendeu que a PEC definia um comprometimento da receita com precatórios que assegurava que, ao final de 15 anos, todos os precatórios seriam liquidados.

Mais que isso: com a previsibilidade instituída pela PEC, alguns governantes – como o prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin – já tinham acenado com a possibilidade de aumentar o percentual de receita vinculada para pagamento.

O Supremo liquidou com tudo.

O padrão Fux de atuação

Fux comportou-se com a mesma leviandade com que atendeu a seu padrinho político, governador Sérgio Cabral, na questão dos royalties.

Na ocasião, para impedir que o Congresso derrubasse o veto da presidência da República à Lei, sem passar pela análise de mérito, Fux decidiu que o Congresso deveria analisar todos os vetos pela ordem cronológica. Paralisou os trabalhos legislativos. Questionado, alegou não ter tomado conhecimento, antecipadamente, das consequências de seu ato. Ora, não se trata de um juizado de pequenas causas, mas da mais alta corte do país.

Agora, repete a irresponsabilidade.

De um lado, reinstituiu uma das maiores jogadas dos precatórios – a correção da dívida por índices extremamente elevados, a propósito de dar isonomia com as correções que o Estado cobra dos seus devedores.

Por outro, paralisou o pagamento geral. Os diversos entes federados deixaram de pagar por impossibilidade de quitar à vista e pelo fim da ameaça de sequestro das receitas. Voltou-se à estaca zero.

Alertado pela OAB, Fux voltou atrás e decidiu suspender a medida para precatórios que vêm sendo pagos, mantendo-a para os novos.

O próprio Marco Aurélio de Mello, que tem um histórico de reação contra abusos do Estado, votou a favor da manutenção da PEC, com um voto que poderia modular eventuais abusos sem comprometer os avanços que ela consolidava. Ocorriam abusos com os leilões, que colocavam na frente os precatórios de quem oferecesse o maior desconto.

Agora, volta-se à estaca zero em relação aos precatórios.

Um STF que não estuda seus casos

Da mesma maneira que no caso da Lei da Imprensa, o STF vota sem analisar consequências. Nos dois casos, Marco Aurélio de Mello alertou para os desdobramentos, para o vácuo jurídico que seria criado.

Mas o lobby foi maior que o bom senso.

Seja qual for sua motivação, é evidente que, à luz do seu histórico nos episódios de indicação para Ministro, do seu contato estreito com grandes escritórios, Fux tornou-se um personagem sob suspeição.

O melhor favor que poderia receber seria o PT entrar com uma ação contra ele, a propósito do mensalão. Seria fornecer a blindagem de que ele necessita.

Fux não é problema do PT: é problema do sistema jurídico brasileiro.


Um Supremo bipolar - por Cristiana Castro

Agora ninguém quer falar mais nada. Depois de arrebatar os prêmios e cargos distribuídos pelas empresas de comunicação, escrever prefácios, carregar repórteres para reunião com associações de classe, pautar um julgamento em pitacos de colunistas, prestigiar lançamento de livros de jornalistas "da casa" esculachando o governo dos réus, seguir cronograma de rede de TV, alimentar agressões a reús e magistrados nas ruas etc... Ninguém mais lê nada, assiste nada, ouve nada e fala nada. Afinal somos membros do STF e não podemos estar por aí dando declarações fora dos autos. Agora, além de tudo são piadistas.

Dirceu mandou muito bem na entrevista e, lembrou detalhes que já havíamos esquecido, tipo as alterações ainda antes do julgamento para forçar sua cassação.

Com relação a Fux, eu nem vou comentar mais nada, em respeito a mãe dele, que todo mundo aqui é testemunha que tentou até o último minuto e deve estar tentando, até hoje transformar  Johnny Bravo em Ministro do STF. O máximo que rolou foi a conversão do magistrado faixa - preta em ministro tarja-preta. Cara, eu não sei mais nem o que pensar. Nem Chapolim Colorado pode nos salvar desse STF.

Derrotada - por Tomasz Jedruszek (Arte digital - Coolvibe)

As manobras jornalísticas de Roberto Gurgel – por Luis Nassif (Blog do Nassif)

A denúncia da revista Época contra o Ministro Ricardo Lewandowski suscita dois pontos importantes.

O primeiro, o próprio comportamento contraditório de Lewandowski em dois casos de extradição.

O Ministro está na obrigação de explicar os critérios distintos utilizados para as duas ocasiões.

O segundo, a comprovação cabal de que a Procuradoria Geral da República recorre sistematicamente a vazamentos para a revista Época e outros veículos, visando inclusive temas de interesse político-partidário do Procurador Geral Roberto Gurgel.

À mesma revista e ao mesmo jornalista na véspera da eleição para presidente do Senado, a PGR vazou o inquérito contra Renan Calheiros - que havia mofado por anos em sua gaveta.

A denúncia contra Lewandowski não foi decorrente de vazamento de inquéritos sigilosos. Bastou um levantamento de seus procedimentos em dois casos.

Em todos os demais episódios, a PGR valeu-se de vazamentos com intenções políticas. No caso da denúncia contra Renan, o de beneficiar Pedro Taques, um procurador que também se candidatara ao cargo. Em lugar de beneficiar, constrangeu-o e prejudicou sua votação, tal a obviedade da manobra.

As jogadas políticas reiteradas de Gurgel se constituem em um mal para o poder que representa.

Deixou o Ministério Público Federal esgarçado com vários setores relevantes da sociedade, que não conseguem diferenciar o poder em si das atitudes personalistas do Procurador Geral.

A falta de contraponto interno aguçou esse desgaste, ao comprovar que o Conselho Nacional do Ministério Público, em que pese sua atuação positiva em vários episódios, não logrou estabelecer limites à atuação do Procurador Geral.

A carreira de Gurgel se encerra nos próximos meses, com sua substituição no cargo e posterior aposentadoria. Ele não tem mais nada a esperar nem da carreira nem do MPF. Poderia apenas ter a dignidade de tratar com lealdade a  instituição que lhe deu nome e carreira, poupando-a dessas jogadas.

Espera-se que o próximo PGR defina, desde o início, métodos mais republicanos de atuação, de divulgação da informação e de procedimentos, acabando com esse estilo atrasado de jogar com as informações.

Montagem: Fotografia & Games - por Aled Lewis (Zupi)

Ataque sem precedentes ao sindicalismo nas Américas - por Artur Henrique (CartaCapital)

Não e só na Europa que o Estado de Bem-Estar social, os sindicatos e os direitos dos trabalhadores vêm sendo atacados. Em recente viagem por vários países das Américas pudemos ver de perto a difícil situação dos sindicatos progressistas e democráticos, atacados sistematicamente por governos de direita e empresas.

Nos EUA, em diversos estados governados pela direita, ou no Canadá, que tem um governo conservador, assistimos uma campanha contra a existência dos sindicatos. A mudança que vem sendo proposta na legislação sindical daqueles países tem como tema: “O Direito ao Trabalho”.

À primeira vista, para nós brasileiros, ler essa frase pode nos fazer acreditar que se trata de uma campanha para fortalecer a luta dos trabalhadores (as). Mas se trata na verdade da mais bem orquestrada campanha já realizada contra a existência dos sindicatos. E com o apoio institucional de governos, e com o uso de ferramentas de marketing e publicidade. Ou seja, uma campanha aberta, nada velada.

A campanha tem como objetivo reforçar o individualismo dos trabalhadores e atacar o papel dos sindicatos e das negociações coletivas. O tal “direito ao trabalho” quer dizer: você tem direito a trabalhar sem a “interferência” de um sindicato; você tem o direito de trabalhar quanto tempo você quiser, sem precisar cumprir uma jornada máxima; você tem o direito de “trabalhar” durante suas férias sem ser pago por isso; você tem o “direito” de trabalhar logo depois de ter um (a) filho (a), se esta for a “sua vontade”, e por aí vai. Ou seja, a mensagem é de que o sindicato atrapalha, não devia existir. A negociação coletiva e os direitos dos trabalhadores deveriam ser decididos por você, individualmente. “Nós” não precisamos “deles”, dos sindicatos, vamos acabar com “eles”. Em se tratando de uma nação em que a legislação trabalhista é totalmente precária – lá não existe, por exemplo, licença-maternidade –, isso configura um escândalo, no mínimo.

O mesmo ataque acontece no México e na Nicarágua, de uma forma um pouco diferente – com toques de filme de gângster – mas com o mesmo objetivo. Nesses países, ouvimos em todos os lugares o conceito de “acordos de proteção”. Mais uma vez, somos levados a imaginar que poderia ser uma campanha em favor dos trabalhadores.

Mas não é nada disso. Trata-se de “proteção” para as empresas contra os sindicatos livres, democráticos e representativos. Se você for um empresário que tem interesse em instalar uma fabrica ou comercio nesses países, pode procurar antecipadamente um “protetor” e fazer um acordo em troca de dinheiro ou outros favores.

Esse “protetor” pode ser um advogado, um escritório, ou mesmo um sindicato fantasma, pelego, que vai “te proteger”, inclusive de forma física e armada, se for o caso, do “perigo” dos sindicatos combativos. De forma fictícia, antes de as operações comerciais terem início, a futura empresa fecha acordos ditos coletivos, a portas fechadas, com esses “protetores”, o que inviabiliza qualquer ação sindical real quando o empreendimento começar a funcionar.  Isso significa falta de direitos, de proteção, de salários dignos.

No México, alguns casos são históricos e simbólicos desse ataque:

No caso dos eletricitários, existia um acordo coletivo para os 40 mil trabalhadores da empresa estatal de energia firmado com o sindicato nacional da categoria, um dos mais importantes do país. O governo então resolveu mudar o nome da empresa (com isso a empresa nova deixa de ter sindicato), demitir todos os trabalhadores e passar a fazer o serviço com outras empresas, com o único e claro objetivo de destruir o sindicato, que continua na luta jurídica e política para recuperar seus direitos.

Já no sindicato dos mineiros, a postura de empresas e governos conservadores e de direita levou à morte de quatro dirigentes sindicais e a expulsão do país do presidente da entidade, que há sete anos vive no Canadá. A denúncia está ainda aguardando encaminhamento na Comissão de Direitos Humanos da OEA e, portanto, a luta continua.

Em todos esses países, centrais sindicais como a UNT-Mexico, a CLC do Canadá, a AFL-CIO dos EUA, filiados à CSA (Confederação Sindical das Américas) e sindicatos independentes vêm se mobilizando para contra-atacar, construir unidade e fortalecer a luta dos trabalhadores e de seus sindicatos. São campanhas publicitárias, pressão sobre deputados e senadores nas suas bases eleitorais, mobilizações de rua, etc.

Para além da solidariedade internacional, que é fundamental nessa luta, a CUT, através do IC-CUT (Instituto de Cooperação da CUT) propôs, em todos os encontros que tivemos com nossos parceiros nesses países, que devemos realizar uma grande campanha continental em defesa da liberdade de organização sindical.

Devemos construir uma grande unidade em torno dessa bandeira, da mesma forma que por razões diferentes nos juntamos na luta vitoriosa contra a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).

Atuar juntos na OIT, na Comissão de Direitos Humanos da OEA, nas reuniões do G-20, nos encontros internacionais de ministros do Trabalho, de presidentes dos nossos países, criar tribunais internacionais independentes, denunciar empresas e fazer uma lista “suja” daquelas que atacam os direitos dos trabalhadores em todo o mundo.

É uma luta em defesa da democracia e da liberdade. Afinal, todo trabalhador tem direito de se organizar livremente em um sindicato e ter direito à negociação coletiva para melhorar as condições de trabalho e de vida, conforme disposto na Convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Temos que praticar a solidariedade internacional e reafirmar que enquanto um trabalhador e seu sindicato estiverem sendo atacado no mundo, não descansaremos e estaremos juntos na luta para defendê-lo.

 Artur Henrique é secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT, presidente do IC-CUT e vice-presidente da CSA

Blake Griffin, ala-pivô dos Los Angeles Clippers - por Alex Gallardo (Reuters / Totally Cool Pix)

Os motivos de Joaquim Barbosa não dar prazo para a defesa – por Luis Nassif (Blog do Nassif)

Não se iludam os Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) com a aparente unanimidade da mídia em relação ao julgamento do mensalão. O enquadramento das redações e colunistas impediu manifestações maiores de dúvida sobre a isenção dos magistrados. Fosse em tempos de maior pluralidade, a mídia teria servido de freio a alguns abusos cometidos.

Além disso, todo tema complexo permite o exercício do arbítrio pelo especialista – pela óbvia dificuldade em se entrar nos meandros da discussão e identificar as vulnerabilidades das conclusões.

Quando os primeiros questionamentos foram feitos – ainda em plena efervescência do julgamento -, não foram levados a sério por indicarem inconsistências tão absurdas, que soavam inverossímeis.

Muitas pessoas com quem conversei, simpáticas a uma condenação exemplar, acreditavam que entre as dezenas de milhares de páginas do inquérito haveria evidências capazes de derrubar as críticas.

A questão é que o tempo passou, houve a oportunidade de trabalhos mais alentados e meticulosos sobre o inquérito. E as críticas, em vez de esclarecidas, foram aprofundadas.

Cada vez mais é evidente que a análise das acusações tem produzido dúvidas cada vez maiores nos colunistas que efetivamente contam.

Mesmo com a imensa dose de cautela, compreensível nesses tempos bicudos, houve a manifestação de Elio Gaspari, avalizando o trabalho em que Raimundo Pereira desconstrói  as acusações contra João Paulo Cunha. Direto, Jânio de Freitas explicita as enormes dúvidas em relação as acusações contra Henrique Pizzolatto.

Nenhum dos dois pode ser acusado de petista, assim como outros jornalistas de renome que, fora das grandes redações, puderam exercitar livremente sua opinião.

A indignação decorre do abuso de poder. E, como tal, são caracterizadas as ações em que os magistrados colocam sua vontade acima dos fatos analisados.

É bem possível que as agências de publicidade tivessem pago pedágio ao PT, pelas contas conquistadas. Mas não foi isso o que a acusação apurou.

Tratou como desvio a verba de publicidade da Visanet ignorando um relatório detalhado do Banco do Brasil indicando todas as fontes de aplicação dos recursos.

Atribuiu a responsabilidade total da destinação das verbas a Henrique Pizzolatto, ignorando documentos que demonstravam expressamente que as decisões eram colegiadas, com a participação de representantes de outros sócios da empresa.

Salta aos olhos de qualquer jornalista o absurdo de considerar, exclusivamente nas operações da Visanet, os BVs (bônus de veiculação, o dinheiro que as agências recebem dos órgãos de mídia onde anunciam) como indício de corrupção. E não estender esse julgamento a todo o universo de BVs. Ou não exigir a devolução do dinheiro dos beneficiados – grandes órgãos de mídia.

No caso de João Paulo Cunha, tratou como ocultação o fato de não ter ido receber pessoalmente os R$ 50 mil do PT, mas enviado a esposa, que apresentou RG e assinou o recibo. E ignorou totalmente a comprovação do uso dos recursos para pesquisas eleitorais.

A postura de Joaquim Barbosa – impedindo prazo maior para a apreciação da defesa – não se deve ao seu conhecido espírito de torquemada. É mais que isso: é receio de que as inconsistências das acusações sejam expostas agora, não mais em matérias de blogs, mas nos próprios autos do processo.

É paura, medo de uma discussão na qual o clamor da mídia não servirá mais de respaldo para o uso do poder imperial.

Arte digital - por Turhan Algan (Inspiration Hut)

O fator Eduardo Campos – por Luis Nassif (blog do Nassif)

O governador Eduardo Campos é uma certeza cercada de inúmeras incógnitas.

A certeza é sobre sua capacidade de gestor. Provavelmente é o melhor gestor que apareceu na política brasileira em muitos anos.

Mas não basta.

As incógnitas são de outra ordem.

Por exemplo, em relação à sua abertura para acolher sugestões externas e formas de participação, encanta  empresários, porque é aberto para o meio empresarial. E para os demais agentes políticos?

Observadores neutros tem-no como implacável para com os adversários, um estilo que consegue sobreviver em Pernambuco, não no Brasil.

Também nada se sabe sobre seu pensamento econômico.

O governo Dilma Rousseff definiu princípios claros desenvolvimentistas e mostrou coragem para enfrentar os dogmas de mercado. É a primeira presidente da era moderna a explicitar e defender esses compromissos com unhas e dentes, rompendo com um rentismo que se iniciou com Marcilio Marques Moreira (no governo Collor), passou por FHC e Lula e só foi enfrentado na histórica reunião do Copom, de fins de agosto de 2011.

É um ativo nacional, mesmo que as políticas mereçam críticas e possam ser aprimoradas.

Até agora, o discurso de Campos é politicamente inócuo. É a favor de governos com visão estratégica, com foco na gestão, na inovação etc. Ora, são princípios que estão acima (ou abaixo) das grandes definições programáticas. Sendo esquerda, direita, liberal ou intervencionista, qualquer governo racional irá defender a gestão, a inovação e a imortalidade da alma.

Mas o que Campos pensa sobre juros, câmbio, sobre o rentismo, sobre o Banco Central, sobre a proteção à indústria nacional ou sobre a abertura para o capital externo, sobre os “campeões nacionais” e sobre concessões? O que pensa sobre a política, as alianças, a abertura para a sociedade civil e para os movimentos populares?

Em suma, ainda há muito a se conhecer até se decifrar o candidato Campos.

A Revolta de Lúcifer - por Kirsi Salonen (Coolvibe - Arte digital)

Considerações sobre a condenação de João Paulo Cunha - por Diogo Costa (Blog do Nassif)

Fragmentos sobre a torpe condenação de João Paulo Cunha 

Rápidas considerações sobre a AP 470 e a condenação de JPC. Ei-las. A Comissão de Licitação, na época dos fatos, era composta por funcionários públicos de carreira. Nenhum deles foi indicado por João Paulo Cunha. Quem autorizou o início do processo licitatório não foi João Paulo Cunha. Quem autorizou foi o então 1º Secretário da Mesa da Câmara dos Deputados, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), em maio de 2003, portanto, mais de 04 meses ANTES do recebimento dos R$ 50.000,00 pela esposa de JPC para custear 04 pesquisas eleitorais.

As notas fiscais que comprovam a utilização do recurso estão lá nos autos do processo e não foram impugnadas por nenhum juiz e nem pelo MPF.

Existe, isto sim, uma flagrante impossibilidade lógica e jurídica nas condenações impostas injustamente contra João Paulo Cunha, que foi condenado com base em odiosas inferências, terrificantes suposições, abomináveis hipóteses e pueris ilações única e exclusivamente por ser quem era na época dos fatos, não pelo que fez ou deixou de fazer... Vamos adiante:

- A licitação vencida pela SMP & B contou com a participação de outras 06 empresas. As empresas que perderam não recorreram do processo licitatório, foram ouvidas em juízo e atestaram a veracidade do processo.

- Os Editais de Licitação não são feitos pelo prefeito, vereador, governador, deputado federal ou estadual, senador ou presidente da república. A lei determina que uma Comissão de Licitação, composta por funcionários públicos concursados, elabore o edital e seja responsável pela licitação em si. Essa Comissão tem total autonomia para validar ou impugnar uma licitação.

- Os contratos do setor público e privado com agências publicitárias tem um percentual entre 80 e 90% de terceirizações (subcontratações). Isso é a coisa mais normal do mundo, afinal de contas, agência de publicidade não tem gráfica, nem cenografia e nem é veículo de comunicação.

- Os serviços foram diretamente prestados no valor de 11% do contrato. Os 89% restantes foram subcontratações, e não há nenhuma ilicitude nisso. Mais de R$ 7.000.000,00 foram pagos, por exemplo, para os veículos de comunicação, notadamente a Rede Globo, para a veiculação da divulgação da Câmara dos Deputados. Isso está fartamente comprovado.

- Bônus de Volume não é dinheiro público e é um adiantamento que os veículos de mídia dão às agências publicitárias em função do volume de campanhas trazidas. O contrato entre a Câmara dos Deputados e a SMP & B previa a devolução de bonificações e de outros valores, ocorre que comparar bonificação de mídia com bônus de volume é a coisa mais estúpida da face da Terra. Uma não tem absolutamente nada a ver com a outra. É como comparar uma maçã com um helicóptero.

- Os R$ 50.000,00 que a esposa de JPC sacou no banco foram utilizados para pagar 04 pesquisas eleitorais. Lá estão as notas fiscais, que nenhum juiz e nem o MPF impugnou, para comprovar.

- Não declarar dinheiro não tem absolutamente nada a ver com o delito de corrupção passiva. Não declarar dinheiro no IR é sonegação fiscal e não corrupção passiva.

As condenações que foram imputadas contra JPC foram torpes e injustificáveis. Nenhuma delas tem sustentação jurídica alguma. Os juízes condenaram por ignorância, desconhecimento absoluto do funcionamento do mercado publicitário, por substituírem as provas por inferências, ilações e suposições vis e mentirosas. Aliás, esperar o que de um Tribunal de Exceção?

Nem o peculato, nem a lavagem de dinheiro e nem a corrupção passiva se justificam no caso do deputado João Paulo Cunha, condenado injusta e arbitrariamente. Foi condenado por ser quem era, não pelo que efetivamente fez ou deixou de fazer.

A vida secreta dos super-heróis: Mulher maravilha - por Greg Guillemin (Ilustração - Zupi)

Questões para os juízes - por Janio de Freitas (Folha)

Elementos novos incidem sobre pontos decisivos no teor da acusação do mensalão

Os ministros do Supremo Tribunal Federal vão deparar com grandes novidades em documentos e dados, quando apreciem os recursos à sentença formal, esperada para os próximos dias, da ação penal 470 ou caso mensalão. Muitos desses elementos novos provêm de fontes oficiais e oficiosas, como Banco do Brasil, Tribunal de Contas da União e auditorias. E incidem sobre pontos decisivos no teor da acusação e em grande número dos votos orais no STF.

A complexidade e a dimensão das investigações e, depois, da ação penal deram-lhes muitos pontos cruciais, para a definição dos rumos desses trabalhos. Dificuldades a que se acrescentaram problemas como a exiguidade de prazo certa vez mencionada pelo encarregado do inquérito na Polícia Federal, delegado Luiz Flávio Zampronha. Inquérito do qual se originou, por exemplo, um ponto fundamental na acusação apresentada ao STF pela Procuradoria Geral da República e abrigada pelo tribunal.

Trata-se, aí, do apontado repasse de quase R$ 74 milhões à DNA Propaganda, dinheiro do Banco do Brasil via fundo Visanet, sem a correspondente prestação de quaisquer serviços, segundo a perícia criminal da PF. Estariam assim caracterizados peculato do dirigente do BB responsável pelo repasse e, fator decisivo em muitas condenações proferidas, desvio de dinheiro público.

Por sua vez, perícia de especialistas do Banco do Brasil concluiu pela existência das comprovações necessárias de que os serviços foram prestados pela DNA. E de que foi adequado o pagamento dos R$ 73,850 milhões, feito com recursos da sociedade Visanet e não do BB, como constou. Perícia e documentos que os ministros vão encontrar em breve.

No mesmo ponto da ação, outra incidência decisiva está revista: nem Henrique Pizzolato era o representante do Banco do Brasil junto à Visanet nem assinou sozinho contrato, pagamento ou aporte financeiro. Documento do BB vai mostrar esses atos sempre assinados pelo conjunto de dirigentes setoriais (vários nomeados ainda por Fernando Henrique e então mantidos por Lula). A propósito: os ministros talvez não, mas os meios de comunicação sabem muito bem o que é e como funciona a "bonificação por volume", em transações de publicidade e marketing, que figurou com distorção acusatória no quesito BB/Visanet/DNA do julgamento.

A indagação que os novos documentos e dados trazem não é, porém, apenas sobre elementos de acusação encaminhados pela Procuradoria-Geral - aparentemente nem sempre testada a afirmação policial - e utilizados em julgamento do Supremo. Um aspecto importante diz respeito ao próprio Supremo. Quantos dos seus ministros serão capazes de debruçar-se com neutralidade devida pelos juízes, sem predisposição alguma, sobre os recursos que as defesas apresentem? E, se for o caso, reconsiderar conceitos ou decisões - o que, afinal de contas, é uma eventualidade a que o juiz se tornou sujeito ao se tornar juiz, ou julga sem ser magistrado.

Pode haver pressentimento, sugerido por ocasiões passadas, mas não há resposta segura para as interrogações. Talvez nem de alguns dos próprios juízes para si mesmos.

O piloto Jorge Lorenzo da Espanha - por Fadi Al Assaad (Reuters / Totally Cool Pix)


O piloto espanhol Jorge Lorenzo, durante a sessão de qualificação de MotoGP do Grande Prêmio da Qatar no circuito Internacional de Losail, em Doha.

Fim da Emenda dos Precatórios ameaça o andamento dos serviços públicos – por Mário Reali (Blog do Nassif)

No dia 14/03 último, o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a uma ação movida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) julgou parcialmente inconstitucional a Emenda Constitucional 62/2009 (EC 62/2009), chamada “emenda dos precatórios”. Em essência, a decisão determina que os entes federados paguem suas dívidas judiciais de uma única vez e não em parcelas como era até então. Essa nova situação jurídica pode resultar mais uma vez na incapacidade de os poderes executivos quitarem o que devem, recolocando em cena o perverso sequestro das dívidas públicas e as piores conseqüências para os cidadãos.

Vivi esta experiência em 2009, como prefeito de Diadema, município que sofreu sequestros da ordem de R$ 40 milhões – correspondentes a 7% do orçamento municipal –, o que acarretou a inviabilidade de novos e importantes investimentos em áreas fundamentais como Saúde, Educação e Habitação, bem como a impossibilidade da própria manutenção plena dos serviços públicos. No enfrentamento daquela situação dramática, o poder público e a sociedade civil organizaram forças no intuito de acelerar a aprovação da Emenda 62/2009. O estrangulamento financeiro provocado pelos sequestros atingia, então, dezenas de municípios e estados pelo país a fora. A partir da articulação da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) a emenda foi rapidamente aprovada no final de 2009.  E o que ela significou?

Em primeiro lugar, ao contrário do que prega a OAB, não houve nenhum calote institucionalizado. A Emenda 62 significou a gestão dos pagamentos, implicando inclusive mais Justiça Social porque priorizou a quitação dos precatórios ditos “alimentares”, ou seja, as dívidas de passivos trabalhistas com funcionários. Se de fato a Emenda 62/2009 for de fato derrubada agora, a situação será revertida em favor, uma vez mais, dos proprietários dos grandes precatórios, os quais novamente estarão na dianteira dos pagamentos. Sabe-se que os grandes escritórios de advocacia no Brasil são os verdadeiros responsáveis pelas negociações destes altos valores.

As dívidas judiciais dos poderes públicos têm origens variadas. Nos municípios, muitas são decorrentes de desapropriações anteriores à Constituição de 88, quando a administração tinha a prerrogativa de desapropriar áreas para a construção de equipamentos públicos. As dívidas criadas sob esta condição eram corrigidas por critérios de reajustes leoninos, o que viria a torná-las praticamente impagáveis. Muitas áreas tiveram seus valores determinados bem acima daqueles praticados no mercado imobiliário.

Foram exatamente os credores das áreas superestimadas que se empenharam em entrar na Justiça para pedir o sequestro dos recursos diretamente dos cofres públicos.  Deste modo, as dívidas referentes a esses grandes proprietários acabaram sendo pagas antes mesmo das dívidas alimentares relativas a idosos e aposentados, estes últimos sempre tratados ardilosamente como as vitimas da EC/62. Prova disto encontra-se na simples análise de quantos e de que tipo foram os processos pagos durante a vigência da Emenda em comparação com a situação anterior a sua existência.

Outra questão que merece ser levantada é que, após a aprovação da Emenda, o pagamento ao credor ficou sob responsabilidade dos Tribunais de Justiça. No entanto, a despeito de os municípios depositarem o percentual devido todo mês, os TJs muitas vezes demoram excessivamente a pagar os credores (em alguns casos, levam um ano para pagar).

Terá sido este um dos motivos que levou o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), a deliberar sobre a continuidade do pagamento parcelado até nova modulação sobre o tema?

Não se pode perder de vista que o grande avanço da EC 62/2009 foi garantir o "princípio da reserva do financeiramente possível", ou seja, foi impor aos entes federados limites de pagamento determinados em um percentual do orçamento público que não prejudicasse o andamento dos serviços e a capacidade de trabalho dos governos.

A decisão do STF, por sua vez, fará o problema regredir ao início da década de 1990, com o retorno dos intermináveis pedidos de intervenção que a história mostrou serem ineficazes.

Será impossível o pagamento do estoque de precatórios sem um mecanismo moderno de gestão dessas dívidas públicas. Como antecipado no voto de alguns ministros, inclusive dos que votaram pela procedência da ação da OAB, há que se desenvolver novo regramento, sob pena de inviabilizar de vez muitos estados e municípios.

Mário Reali, 55 anos, é arquiteto e urbanista pela FAU-USP; foi prefeito de Diadema (2009/2012) e vice-presidente para assuntos de precatórios da Frente Nacional de Prefeitos para aprovação da Emenda 62/2009.

Comentário
No Espírito Santo foram notórias as compras de precatórios por parte de membros do judiciário que, depois de a terem adquirido (¿precatório virou moeda?), passaram a pressionar o governo para recebê-las.
Fariam bem os membros do poder público se recusassem a pagar os precatórios caso eles tivessem sido repassados a outras pessoa (vendidos, alienados), ou o que quer que seja.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Narciso & Echo - por David Revoy (Arte digital - Coolvibe)

Muito mais que bucólicos “paraísos fiscais” - por Nicholas Shaxon (Outras Palavras)

A “City”, distrito financeiro de Londres.
Daqui partem os fios da teia que sustenta a rede global offshore
Autor de livro indispensável para entender finanças offshore sustenta: o sistema bancário das sombras ocupa o centro do capitalismo global

Por Nicholas Shaxon, entrevistado por Christophe Ventura, em Memoire des Luttes | Tradução: Inês Castilho

[Mais: para uma resenha desta entrevista, e uma atualização sobre o grande vazamento de dados que está atingindo o mundo das finanças offshore, leia As caixas pretas do poder global, em Outras Palavras]

Um escândalo mundial – o Offshore Leaks – está revelando, desde o início de abril, a promiscuidade entre os mundos da política institucional, das finanças e da economia off shore, a grande rede dos chamados “paraísos fiscais”. Nesta entrevista, publicada originalmente em novembro de 2012, no site francês independente, “Memoire des luttes”, o jornalista investigativo e escritor Nicholas Shaxson ajuda a entender o que está em jogo.

Autor de um livro produzido a partir pesquisa profunda no mundo paralelo das finanças ocultas – Treasure Islands: Uncovering the Damage of Offshore Banking and Tax Havens1 –, Nicholas Shaxson escreve regularmente no “Financial Times” e no “The Economist”. Em sua obra de referência, ele lança uma nova luz sobre o papel da City de Londres e da rede formada pelas ex-colônias do Império Britânico na galáxia offshore.

Christophe Ventura: Em seu livro, você indica quantias exorbitantes (ativos bancários, investimentos diretos de multinacionais no exterior, frutos da evasão fiscal etc) que transitam pelo sistema internacional dos paraísos fiscais. Segundo você, “mais da metade do comércio internacional (…) passa por ele”. Mas, na verdade, o que é um paraíso fiscal?

Nicholas Shaxson: Podemos explicar facilmente o que é um paraíso fiscal com duas palavras: “fuga” e “outro lugar”. Os paraísos fiscais possibilitam sonegar impostos, certamente, mas também fugir às leis penais, à regulação financeira, às obrigações de transparência etc. Em uma palavra, às responsabilidades civis e sociais. Eles isentam os ricos e as grandes empresas das restrições, dos riscos e das obrigações que a democracia exige de cada um de nós. A tributação é apenas um aspecto da questão.

A palavra “outro lugar” é igualmente crucial. Quem pretende fugir às suas responsabilidades, precisa colocar seu dinheiro (o próprio ou de sua empresa) em outro lugar. Daí a palavra “offshore”, literalmente, em Inglês “fora do país”. Assim, por exemplo, a legislação das Bahamas é concebida para atrair dinheiro não dos habitantes do arquipélago, mas de estrangeiros.

Qual é a função dos paraísos fiscais na arquitetura das finanças internacionais?

Os paraísos fiscais servem a vários objetivos. Seus apologistas dizem que eles permitem corrigir as “deficiências” do sistema financeiro internacional: graças a eles, o capital move-se mais rápido pela economia e enfrenta menos obstáculos. Uma imagem muitas vezes usada é a de grãos de areia numa máquina: os paraísos fiscais forneceriam o óleo que lubrifica o motor. Mas se você olhar mais de perto, tem uma perspectiva completamente diferente. Quais são esses “obstáculos” que supostamente desaceleram as finanças globais e as tornam menos “eficientes”? São os impostos, a regulação financeira e as obrigações de transparência – todas elas, coisas que têm uma boa razão de existir! Não se vê muito bem, por exemplo, como o sigilo bancário pode ser “eficiente”: ele é talvez bem conveniente para pessoas privadas, mas prejudica o sistema como um todo.

Você descreve um dos mecanismos a que recorrem as multinacionais: a “manipulação dos preços de transferência”. Do que se trata?

Os preços de transferência são um recurso usado pelas multinacionais para reduzir o valor dos seus impostos. Basicamente, permite transferir as receitas de uma empresa para um paraíso fiscal – onde ela não é tributadas – e os custos para um país de forte tributação – onde eles permitem redução de impostos. Como procede uma multinacional? Manipulando os preços dos bens e serviços que as suas subsidiárias comerciam. Tomemos, por hipótese, o caso de uma máquina fabricada na França e vendida ao Equador, por meio das Bermudas. O preço de venda no Equador é de 2 mil dólares; os custos de produção, 1 mil dólares. A filial das Bermudas paga para a matriz francesa U$ 1001 dólares pela máquina, que é faturada em seguida à filial equatoriana por US$ 1998. A companhia francesa obtém, portanto, um dólar de lucro (1001-1000 = 1); a subsidiária equatoriana, 2 dólares (2000 – 1998 = 2), o que gera muito pouca receita tanto para o Estado francês como para o Estado equatoriano. Já a filial das Bermudas realiza ela um lucro de 997 dólares (1998 – 1001 = 997), que não é tributado. E pronto! Aí está como desaparece uma nota fiscal! A realidade é, naturalmente, mais complexa, mas o procedimento básico é esse.

O que é o Círculo Mágico Offshore?

Este é o nome dado a um pequeno grupo de escritórios de advocacia que dominam o setor financeiro “offshore”. Eles têm escritórios em múltiplos paraísos fiscais ao redor do mundo e são mestres na arte de elaborar montagens financeiras transnacionais, muito frequentes hoje em dia.

Você analisa a geografia política dos paraísos fiscais em escala internacional e apresenta ao leitor os vários grupos de “jurisdições de sigilo”. Em sua opinião, há uma “teia de aranha” formada por três círculos, dos quais o mais importante e agressivo gravita em torno da City de Londres. Você desenvolve a ideia de que o sistema de paraísos fiscais teria uma filiação à história colonial britânica, mas também francesa. Do que se trata? Como funciona esse novo império financeiro? Qual é o papel atual da City de Londres no mundo “offshore”?

A Grã-Bretanha está no centro de uma rede de paraísos fiscais que abastece a City [distrito financeiro] de Londres de capital e lhe fornece um gigantesco volume de negócios. O primeiro círculo da teia é constituído do que é chamado de dependências da Coroa – Jersey, Guernsey e Ilha de Man –, cuja atividade principal são transações com os países da Europa, África, ex-URSS e Oriente Médio. O segundo círculo inclui territórios britânicos no exterior, incluindo as Ilhas Cayman e Bermudas, voltados principalmente às Américas do Norte e do Sul. Estas entidades (dependências da Coroa e territórios ultramarinos do Reino Unido) são parcialmente britânicos, parcialmente autônomos. A Grã-Bretanha se coloca em sua defesa, assegura a sua “boa governança” e seus governantes são nomeados pela rainha; em troca, sua política interna é independente. Além desses dois círculos, outros paraísos fiscais mantêm relações estreitas com a City de Londres, mas cortaram todos os laços institucionais com a antiga potência colonial. É o c
aso de Hong Kong, por exemplo. Essa rede de paraísos fiscais envolve o planeta: cada link “captura” o capital que transita por sua esfera geográfica e o envia para a City.

E os Estados Unidos?

Particularmente desde os anos 1970, os EUA têm adotado, de forma deliberada, uma legislação que assegura aos fundos estrangeiros o sigilo bancário e vários benefícios fiscais; isso atrai ao país trilhões de dólares de capital flutuante, proveniente do exterior. Certas infraestruturas “offshore” existem num ou noutro Estado norte-americano, mas os mais importantes são diretamente disponíveis em nível federal. Os Estados Unidos também dispõem de uma pequena rede de satélites, tais como o Panamá ou as Ilhas Virgens norte-americanas, mas essa rede nem se compara à britânica.

Ao mergulhar o leitor na história da evasão fiscal e financeira, você indica que o “verdadeiro Big Bang” teve lugar no final dos anos 1950, com a emergência dos eurodólares – dólares detidos fora dos Estados Unidos – e do euromercado. Você pode nos explicar melhor?

É uma longa história, muito emocionante. Resumindo, a City de Londres ofereceu aos bancos um novo ambiente, não regulamentado, que lhes permitiu, desde os anos 1950, contornar a regulamentação financeira estrita praticada nas fronteiras nacionais. Em última análise, graças a este playground “offshore”, Wall Street tem podido crescer extraordinariamente e recuperar todo o seu poder político: ele tem o controle sobre o aparelho de Estado dos Estados Unidos e convenceu o Legislativo de que a única forma de avançar é a que foi escolhida por Londres.

Você propõe enfrentar o “sistema offshore” e apresenta, para isso, diversas propostas específicas. Elas dizem respeito aos países ocidentais (incluindo o Reino Unido), assim como aos do Sul, ao tema das reformas tributárias e ao da luta contra a corrupção. Como seria, a seu ver, um sistema financeiro regulado pelas sociedades?

O sistema de Bretton Woods, praticado nos vinte e cinco anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, é o melhor exemplo de finanças bem regulamentadas. Sob sua égide, diversos países haviam introduzido controles de capital e controles de câmbio. Os intercâmbios financeiros e a especulação internacional eram severamente enquadrados. As taxas de imposto sobre a renda eram muito altas. Alguns hoje consideram esse período como a idade de ouro do capitalismo: o comércio era relativamente livre, mas não as finanças. Houve um forte crescimento econômico, poucas crises financeiras, e redução das desigualdades. É interessante notar que, recentemente, o FMI reconheceu que o controle do capital não era talvez uma ideia tão má…

O que um Estado nacional pode fazer para lutar eficazmente contra os efeitos nocivos das finanças “offshore”?

Não há receita mágica. A primeira coisa a ser feita é compreender bem o papel dos centros “offshore” na economia mundial. É necessário criar uma consciência nova. Em seguida, tomar uma série de medidas específicas – descrevo algumas em meu livro. Deve-se, por exemplo, estabelecer um sistema em que as multinacionais são tributadas em função de sua atividade econômica real, em vez de sua forma jurídica artificial e complicada. Em tal sistema, sua atividade nos paraísos fiscais não seria levada em conta. Se as multinacionais se retirarem dos paraísos fiscais, eles vão perder uma grande parte da proteção política de que desfrutam há anos.

A construção europeia, que tem como dois princípios fundamentais “a livre circulação dos capitais” e “a livre concorrência” não favorece também a “concorrência fiscal” e, portanto, a criação de novos paraísos fiscais dentro de suas próprias fronteiras (Luxemburgo, Países Baixos, Irlanda etc. ), ao lado dos “tradicionais” como a Suíça?

Certamente. Todo o mundo sabe que a Suíça é um paraíso fiscal, mas há outros na Europa: Luxemburgo, em particular, claro, o Reino Unido. A Áustria, os Países Baixos e a Irlanda também desempenham um papel importante. Sempre que a União Europeia tenta resolver o problema, ela enfrenta obstáculos políticos – e isso, desde que existe.

Os países emergentes como a China, a Índia e outros não vão também procurar se aproveitar das facilidades das finanças “offshore”?

Os paraísos fiscais beneficiam as elites ricas de vários países do mundo. Eles causam, sem dúvida, muito mais danos nos países em desenvolvimento do que nos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E, sim, é verdade: as elites chinesas apoiam fortemente Hong Kong (e seu colaborador próximo, as Ilhas Virgens Britânicas), apesar das consequências desastrosas para o resto da população do país.

Nas conclusões do livro, você se dirige também à mídia. Qual é a sua mensagem para os jornalistas e especialistas?

Um consenso conseguiu se impor. E afirma que o sistema é “eficiente” e os paraísos fiscais são uma boa coisa. Comece por questionar este pressuposto. O assunto é tão complexo que muitas vezes, para explicar como as coisas funcionam, os jornalistas recorrem a “especialistas” – na maioria das vezes, os profissionais do “Big Four”, as quatro grandes empresas de auditoria. O problema é que essas empresas de auditoria têm como fonte de suas receitas ajudar seus clientes a sonegar impostos e outras obrigações fiscais. Seu ponto de vista é, portanto, enviesado em favor do sistema. Sempre que jornalistas recorrem a eles, sua visão de mundo perniciosa dissemina-se e coloniza cada vez mais as consciências.

Você considera que é possível atribuir, aos centros “offshore”, alguma responsabilidade nas dificuldades da zona do euro, do sistema bancário europeu e da Grécia?

Aqueles que, nos paraísos fiscais, fazem as leis, são sempre separados daqueles que sofrem suas consequências. Nunca há qualquer consulta democrática real quando essas leis são adotadas. O problema é que este não é apenas um ato deliberado. As coisas vão mais longe. Trata-se da própria essência dos paraísos fiscais. Suas leis são feitas por pessoas iniciadas por iniciados: pessoas que não prestam contas a ninguém, ao contrário do que a democracia exige. Os paraísos fiscais são máquinas legais de uso privado, quase cabines secretas. As conclusões a serem tiradas da recente crise financeira, como da próxima, deveriam ser bastante óbvias.