domingo, 31 de agosto de 2014

Arte digital - por Anto Machado (Cruzine)

Um em dois - por Janio de Freitas (Folha de São Paulo / Tijolaço)

     O catatau dado como programa de governo de Marina Silva e do PSB, mas que contraria tudo o que PSB defendeu até hoje, leva a uma originalidade mais do que eleitoral: na disputa pela Presidência, ou há duas Marinas Silvas ou há dois Aécios Neves. As propostas definidoras dos respectivos governos não têm diferença, dando aos dois uma só identidade. O que exigiu dos dois candidatos iguais movimentos: contra as posições refletidas nas críticas anteriores de Marina e contra a representação do avô Tancredo Neves invocada por Aécio.

     Ao justificar sua proposta para a Petrobras, assunto da moda, diz Marina: “Temos que sair da Idade do Petróleo. Não é por faltar petróleo, é porque já estamos encontrando outras fontes de energia”. Por isso, o programa de Marina informa que, se eleita, ela fará reduzir a exploração de petróleo do pré-sal.

     Reduzir o pré-sal e atingir a Petrobras no coração são a mesma coisa. Sustar o retorno do investimento astronômico feito no pré-sal já seria destrutivo. Há mais, porém. Concessões e contratos impedem a interferência na produção das empresas estrangeiras no pré-sal. Logo, a tal redução recairia toda na Petrobras, com efeito devastador sobre ela e em benefício para as estrangeiras.

     Marina Silva demonstra ignorar o que é a Idade do Petróleo, que lhe parece restringir-se à energia. Hoje o petróleo está, e estará cada vez mais, por muito tempo, na liderança das matérias-primas mais usadas no mundo. Os seus derivados estão na indústria dos plásticos que nos inundam a vida, na produção química que vai das tintas aos alimentos (pelos fertilizantes), na indústria farmacêutica e na de cosméticos, na pavimentação, nos tecidos, enfim, parte do homem atual é de petróleo. Apesar de Marina da Silva. Cuja proposta para o petróleo significaria, em última instância, a carência e importação do que o Brasil possui.

     A Petrobras é o tema predileto de Aécio Neves nos últimos meses. Não em ataque a possíveis atos e autores de corrupção na empresa, mas à empresa, sem diferenciação. Que seja por distraída simplificação, vá lá. Mas, além do que está implícito na candidatura pelo PSDB, Aécio Neves tem como ideólogo, já anunciado para principal figura do eventual ministerial, Armínio Fraga — consagrado como especialista em aplicações financeiras, privatista absoluto e presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique, ou seja, quando da pretensão de privatizar a Petrobras.

     A propósito, no debate pela TV Bandeirantes, Dilma Rousseff citou a tentativa de mudança do nome Petrobras para Petrobrax, no governo Fernando Henrique, e atribuiu-a à conveniência de pronúncia no exterior. Assim foi, de fato, a ridícula explicação dada por Philipe Reichstuhl, então presidente da empresa. Mas quem pronuncia o S até no nome do país, com States, não teme o S de Petrobras. A mudança era uma providência preparatória. Destinava-se a retirar antes de tudo, por seu potencial gerador de reações à desnacionalização, a carga sentimental ou cívica assinalada no sufixo “bras”.

     Ainda a propósito de Petrobras, e oportuno também pelo agosto de Getúlio, no vol. “Agosto – 1954″ da trilogia “A Era Vargas”, em edição agora enriquecida pelo jornalista José Augusto Ribeiro, está um episódio tão singelo quanto sugestivo. Incomodado com o uso feroz da TV Tupi por Carlos Lacerda, o general Mozart Dornelles, da Casa Civil da Presidência, foi conversar a respeito com Assis Chateaubriand, dono da emissora. Resposta ouvida pelo general (pai do hoje senador e candidato a vice no Rio, Francisco Dornelles): se Getúlio desistisse da Petrobras, em criação na época, o uso das tevês passaria de Lacerda para quem o presidente indicasse. De lá para cá, os diálogos em torno da Petrobras mudaram; sua finalidade, nem tanto.

     De volta aos projetos de governo, Marina e Aécio desejam uma posição brasileira que, por si só, expressa toda uma política exterior. Pretendem o esvaziamento do empenho na consolidação do Mercosul, passando à prática de acordos bilaterais. Como os Estados Unidos há anos pressionam para que seja a política geral da América do Sul e, em especial, a do Brasil.

     Em política interna, tudo se define, igualmente para ambos, em dois segmentos que condicionam toda a administração federal e seus efeitos na sociedade. Um, é o Banco Central dito independente; outro, é a prioridade absoluta à inflação mínima (com essa intenção, mas sem o êxito desejado, Armínio Fraga chegou a elevar os juros a 45% em 1999) e contenção de gastos para obter o chamado superavit primário elevado. É prioridade já conhecida no Brasil.

     Pelo visto, Marina e Aécio disputam para ver quem dos dois, se eleito, fará o que o derrotado deseja.

Comentário
Tudo muito bem, tudo muito bom, somos cientes da história do comando do PSDB na Petrobrás (onde se incluem não só a tentativa de privatização da empresa, mas o afundamento da então maior plataforma de petróleo do mundo, a P-36; os desastres ambientais da Baía de Guanabara e do rio Iguaçu, o completo sucateamento da empresa com vistas a provar que ela era ineficiente e, em seguida, vendê-la a preço de banana), etc. 
Porém, um problema de memória teima em suscitar: quem foi o preposto do PSDB na Petrobrás responsável por este desastre administrativo? Resposta: o senhor Philipe Reichstuhl. E não foi a própria Dilma a nomeá-lo um dos membros do tal "Conselho de Governo", oriundo da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC)?
Então a própria presidente não parece tão desagradada com as ações do neoliberal assumido, pois o chamou para trabalhar no planalto ao lado dela.

Uma Jornada Noturna - por Evgeny Lushpin (Pintura / lushpin.com)

Partido político, um negócio melhor que tráfico de drogas - por J. Carlos de Assis (Jornal GGN / Blog do Nassif)

     Pastor Everaldo, aquele que se for eleito presidente vai vender a Petrobrás para combater a corrupção, comprou no próprio nome o PSC-Partido Social Cristão por R$ 20 milhões, a pedido e financiado pelo então governador Garotinho, que queria ter uma legenda auxiliar na sua candidatura à Presidência. Os dois brigaram algum tempo depois e o pastor ficou com o partido apenas para si na condição formal de vice-presidente. É negócio como poucos no Brasil. O investimento inicial foi dinheiro desviado de obras públicas e, no caso do PSC, dá um retorno só de Fundo Partidário a pequena fortuna de R$ 32 milhões anuais.

     De dois em dois anos, nos períodos de eleição, a fortuna partidária cresce exponencialmente. Pastor Everaldo, como os donos de todos os partidos que se coligam em eleições proporcionais ou majoritárias, vende “seu” tempo de televisão para o líder da coligação. Às vezes a negociação não se completa por causa da ganância. De fato, Pastor Everaldo pediu ao PT R$ 20 milhões para se coligar com Dilma. A proposta foi recusada porque pareceu um excesso. (Aliás, R$ 20 milhões foi o que o PT na eleição de 2004 havia prometido a Roberto Jefferson, que disse ter recebido apenas R$ 4 milhões. A cobrança da diferença gerou um transtorno que veio a ser nacionalmente conhecido como mensalão!)

     Indignado com a recusa do PT em comprar “seu” tempo na televisão para a disputa majoritária, o bravo pastor decidiu ele mesmo, a despeito de nunca ter tido cargo eletivo, lançar-se candidato nada menos do que à Presidência da República. Isso não diminui em nada sua renda. É que ele não tem só o Fundo Partidário e a venda de legenda para candidatura majoritária como fonte de renda pessoal na qualidade de dono absoluto do partido. O tempo de televisão é vendido também em todo o país para as eleições majoritárias e proporcionais locais, e parte da receita, milhões, vem para a presidência.

     E não é só isso. O presidente do PSC em nível municipal contribui com R$ 5 mil para o presidente da legenda no nível estadual. No Estado do Rio, isso representa R$ 450 mil por mês. Desses, R$ 100 mil são encaminhados religiosamente para o presidente nacional, a saber, para o pastor Everaldo. E ainda não é só isso. Com o dinheiro do Fundo Partidário e da venda da legenda para a propaganda eleitoral, o partido nos últimos anos fez um considerável patrimônio imobiliário para suas sedes e outros serviços. Tudo está em nome do presidente ou de laranjas. O dinheiro reflui para o caminho certo, na forma de aluguéis, mês a mês.

     Alguém poderá perguntar: como um presidente de partido em nível municipal consegue R$ 5 mil mensais para alimentar as caixas estadual e nacional? Muito simples, ensina o pastor Everaldo: nas eleições, os partidos “emitem” dinheiro, ou seja, bônus para contribuição por parte de empresas e pessoas físicas os quais podem ser abatidos do imposto de renda. Talvez você pergunte qual seria o interesse maior de uma empresa ou de uma pessoa física em contribuir para um partido em época de eleição, mesmo abatendo essa contribuição no imposto. Elementar, meu caro Watson. Como o bônus é deduzido do imposto de renda, nada impede que o “doador” compre 100 e o partido lhe devolva 50 na forma de dedução do imposto de forma a que ele embolse pessoalmente os outros 50 sacado diretamente do imposto pago ou a pagar.

     O que estou contando é a história relativa a apenas um partido. Foi-me relatada por quem a ouviu diretamente do pastor Everaldo. Não lhe direi o nome, por enquanto, podendo revelá-lo em juízo na hipótese de o pastor Everaldo me processar por difamação. Quanto aos demais partidos, disse o que afirmou Marx em outro contexto: não investiguei os detalhes, mas de te fabula narratur (a fábula trata também de ti). Sim, porque todas as complexas negociações de alianças envolvendo 36 partidos políticos existentes no país, em época de eleição, é um festival inacreditável de patifarias com privatização de dinheiro público que acaba por financiar barbaridades inacreditáveis em tempo pago pelo povo para se fazer, por exemplo, a “promessa” em tempo nacional de televisão de vender a Petrobras.

     Insista-se. O tempo de televisão que esses mercadores de legenda vendem uns para os outros é bancado diretamente pelo povo, pois as emissoras (e rádios) cobram as maiores tarifas pelo tempo de horário nobre transcorrido na propaganda eleitoral e as rebatem diretamente do imposto de renda. Aliás, é justamente porque isso se tornou uma fonte fácil de negócios da mídia, em horário nobre apresentado como “gratuito”, que praticamente não existe na imprensa crítica a esse sistema absolutamente imoral. É esse sistema espúrio, não o voto obrigatório, não a escolha entre parlamentarismo e presidencialismo que deveria ser visado numa reforma partidário. A rigor, teria que ser extinto, em nome da moralidade política brasileira. Do jeito que está é uma indecência, um acinte ao povo, e um estupro contra a democracia brasileira. Muitos se perguntam, ingenuamente, por que temos 36 partidos políticos no Brasil. A resposta é simples: porque ter partido, quando transformado em propriedade privada fora do controle de um diretório autêntico, dá a seus donos mais dinheiro que tráfico de drogas, sem os inconvenientes da ilegalidade.

J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

Cenas da vida - por Lucie & Simon (Fotografia - site homônimo))

domingo, 24 de agosto de 2014

Fotografia - por Elizabeth Gadd (site homônimo)

As diferenças entre as políticas econômicas dos períodos FHC e Lula-Dilma - por Antonio José Alves Jr. e Lucas Teixeira (Brasil Debate)

Graças às estratégias adotadas no período 2003-2014, atravessamos a maior crise internacional desde os anos 1930 empregando políticas anticíclicas que nos garantiram a continuidade da distribuição de renda, a criação de empregos e a manutenção dos investimentos 

     No período 2003-2014, a economia brasileira gerou mais de 18 milhões de empregos formais, a desigualdade da distribuição de renda foi reduzida, o consumo das famílias aumentou, o investimento também cresceu e as reservas internacionais aumentaram na ordem de dez vezes.

      A despeito desse desempenho, críticos aos governos Lula e Dilma os acusam de não terem dado continuidade às reformas liberalizantes e de terem abandonado as políticas ditas responsáveis.

      Para eles, o baixo crescimento dos últimos três anos é sinal de que o atual modelo, baseado no “consumismo” e no “dirigismo”, estaria se esgotando.

     E, o que seria pior, arriscando as bases econômicas sólidas, construídas por meio da introdução de reformas da década anterior. O Brasil estaria dando um passo para trás no desenvolvimento.

      Curiosamente, muitas análises descartam a Grande Recessão Mundial em que vivemos.

      Não é difícil pinçar artigos que, para testar relações entre variáveis, utilizam metodologias sofisticadas lado a lado a crenças de que “a crise de 2008 não afetou as economias emergentes” ou que “foi rapidamente superada”. E, com base nessa miopia analítica, afirmam que as estatísticas de crescimento brasileiras são decepcionantes.

      O fato é que, quando examinados em perspectiva, os mesmos dados demonstram que o Brasil foi muito bem-sucedido diante da economia mundial e das economias avançadas desde 2003, período em que foram colocadas em prática as políticas distributivistas e o papel do Estado foi fortalecido.

      Os gráficos abaixo comparam a evolução do PIB mundial, das economias avançadas e do Brasil, no período das reformas liberais (1990-2002) e no atual (2003 em diante). Tornando o PIB real dessas economias, no início de cada período igual a 100, fica evidente que o Brasil perdeu espaço na economia mundial no “período liberal”.

      Precisamente o oposto do que se desejava e previa. Esperava-se que o engate do Brasil na economia global pela adesão ao consenso de Washington seria o caminho mais óbvio para o desenvolvimento. Não obstante, testemunhou-se o contrário.
     Observa-se que, no “período liberal”, a economia brasileira conseguiu acompanhar a economia mundial apenas entre 1992 e 1997, período de crescente liquidez na economia internacional.

      Quando ocorreu a crise da Ásia, ficou evidente que a tentativa de se enganchar na economia mundial pela via da liberalização e do enfraquecimento do Estado resultou em fragilidade financeira externa. A economia nacional ficou à deriva, frustrando aqueles que acreditavam ser esse o caminho para desenvolvimento.

      A utopia liberal se revelou uma miragem. A estratégia adotada de se acoplar na economia mundial resultou em perdas de graus de liberdade para a política econômica.

      As crises internacionais, ao longo desse período, afetaram pesadamente a economia brasileira. Não por causa das crises propriamente, com potencial destrutivo muito menor do que a quebra do Lehmann, em 2008, mas porque as repercussões locais foram exacerbadas.

      De um lado, a fragilidade financeira externa do País não nos dava proteção quanto a choques. De outro, as políticas de austeridade adotadas no País provocaram desemprego e atrasaram o crescimento.

      Para piorar, o racionamento de energia elétrica de 2000/2001, fruto do abandono do planejamento do setor elétrico que nos deixou fragilizados diante da escassez de chuvas, mais uma vez atrasou o crescimento.

      De 2003 em diante, a lógica da política mudou. Sem provocar ruptura institucional ou econômica, o governo aproveitou a fase ascendente do ciclo internacional para aumentar os graus de autonomia de política econômica.

      Essa estratégia foi articulada em três frentes. A primeira foi baseada na intensa acumulação de reservas internacionais para mitigar a fragilidade externa que, com frequência, assombrava o País, interrompendo ciclos de crescimento.

      A segunda consistiu no fortalecimento do mercado interno. Os programas de transferência de renda, dentre eles, o Bolsa Família, a política de recuperação do salário mínimo e a ampliação do crédito pessoal fortaleceram o consumo na economia.

      Por último, a política de fortalecimento dos investimentos, com programas como o PAC, o Minha Casa Minha Vida, e o Programa de Sustentação do Investimento do BNDES, tornou o investimento mais robusto, contribuindo para reforçar a demanda e ampliar a capacidade produtiva.

      O Brasil aproveitou a onda das commodities para aumentar seu raio de manobra em relação à economia mundial.

      Graças a essa estratégia, atravessamos a maior crise internacional desde os anos 1930 empregando políticas anticíclicas que nos garantiram a continuidade da distribuição de renda, a criação de empregos e a manutenção dos investimentos, além de um desempenho superior ao das economias avançadas e alinhado à economia mundial.

      O sucesso dos últimos anos não foi um golpe de sorte nem a perseguição de uma miragem. Também não foi a solução de todos os problemas. Mas aumentou a capacidade do País de enfrentar os grandes desafios da modernização do sistema produtivo, do fortalecimento da infraestrutura econômica e social e do avanço na inclusão social. De continuar caminhando. 

*Antonio José Alves Jr. é Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
** Lucas Teixeira é aluno de doutorado no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Arte digital - por Lie Setiawan (Site homônimo)

O desafio do emprego no novo mundo dos serviços - por Marcio Pochmann (Rede Brasil Atual)

     Se a economia debilitar a qualidade e a importância dos empregos na indústria, a precariedade se refletirá também nos empregos criados do setor de serviços, o que mais cresce no mundo do trabalho

     Nas antigas sociedades agrárias, a ocupação agrícola chegou a representar quatro em cada cinco postos de trabalho. Com a passagem para a sociedade urbana e industrial, a partir do século 19, o emprego da mão de obra no setor secundário das economias (construção civil e manufatura) chegou a alcançar quase dois quintos do total da ocupação, especialmente nos países de industrialização madura.

     E desde a segunda metade do século passado a nova transição da sociedade industrial aponta para a concentração dos postos de trabalho no setor terciário (serviços e comércio). Nas economias desenvolvidas, o setor de serviços responde por 83% do emprego da mão de obra.

     Na passagem do século 19 para o século 20, por exemplo, o esvaziamento relativo e absoluto dos postos de trabalho na agropecuária foi acompanhado simultaneamente pela expansão das vagas criadas com a maior dinâmica na economia urbana (setor secundário e terciário). Os Estados Unidos servem de exemplo, uma vez que no final do século 20 o país limitou a empregar apenas 2,2% do total dos postos de trabalho na agropecuária e mineração, enquanto que 100 anos antes registravam mais de um terço das ocupações no setor primário de sua economia.

     Nos dias de hoje são 2 milhões de trabalhadores no campo que conseguem manter uma das agriculturas mais avançadas e produtivas do mundo. Já a construção civil responde atualmente por um terço dos empregos do setor secundário, sendo a manufatura responsável pela absorção de menos de 14 milhões de trabalhadores.

     Para o Brasil, a trajetória da composição ocupacional tendeu a ser a mesma, porém distinta na intensidade ao longo do tempo. Pela demora de sua industrialização, o Brasil conviveu até a década de 1950 com o setor primário sendo o principal absorvedor de mão de obra.

     Somente no ano de 1960 os postos de trabalho urbanos tornaram-se majoritários. Nos dias de hoje, o país possui comparativamente aos Estados Unidos quase dez vezes mais ocupados em relação ao total dos empregos no setor primário, não obstante a pujança da agropecuária nacional.

     Também no setor secundário residem diferenças significativas. De um lado, o Brasil não conseguiu apresentar a mesma importância relativa da manufatura e da construção civil no total da ocupação verificada nos Estados Unidos. A melhor posição ocorreu ao final da década de 1970, com um quarto de todos os postos de trabalhos situados no setor secundário – diferente dos Estados Unidos, que chegaram a registrar na década de 1920 quase um terço da ocupação associada a construção civil e manufatura.

     Desde a década de 1980 o Brasil passou a perseguir rapidamente o movimento equivalente ao verificado lentamente nos Estados Unidos desde a década de 1920. Ou seja, perda de importância relativa do setor secundário no total da ocupação.

     A tendência de expansão dos empregos no setor terciário parece ser comum nos dois países em consideração. Atualmente, os Estados Unidos possuem 83% dos empregos nos serviços e comércio, enquanto o Brasil, um pouco mais de 66%.

     Em virtude disso, convém atentar apara o fato que o setor terciário da economia não detém dinâmica própria na propulsão quantitativa e qualitativa de suas ocupações. O segmento produtivo (primário e secundário) exerce influência decisiva sobre a quantidade e qualidade sobre os postos de trabalho no terciário. Isso porque o mundo dos serviços (trabalho imaterial) resulta heterogêneo, comportando tanto postos de trabalho de grande qualidade, com remuneração associada a elevação da qualificação profissional, como de extrema precarização (baixo rendimento independente da qualidade da mão de obra existente).

     Os exemplos podem ser obtidos na estrutura ocupacional dos Estados Unidos e do Brasil. Se for ocupação originada no setor de serviços de produção e sociais, por exemplo, a remuneração tende a refletir a qualificação da força de trabalho, diferentemente dos empregos nos serviços pessoais e de distribuição que geralmente não conectam a qualificação profissional com o predomínio da desvalorização do trabalho.

     A determinação do mundo dos serviços depende, em síntese, da qualidade e importância da manufatura no interior do sistema econômico. Sem isso, os serviços tendem a expandir muitas vezes sustentados pelo trabalho precário, aprofundando a separação entre ocupações nobres e pobres e demarcando uma estrutura social ainda mais iníqua.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas

Fotografia - por Peter Zeglis (behance.net/peterzeglis)

sábado, 23 de agosto de 2014

Fausto e o moralismo - por Luiz Gonzaga Belluzzo (CartaCapital)

O neoliberalismo é também um projeto de retorno a uma ordem alicerçada exclusivamente em fundamentos econômicos

     Fausto vendeu-se ao demônio. Para adquirir poder e dinheiro entre os mortais, hipotecou a alma pela eternidade. Tamanha era a força da sua cupidez, a fome da riqueza abstrata, que, diante dela, a eternidade parecia durar apenas um segundo.


     Vai pela casa da tonelada a quantidade de tinta gasta para deplorar o poder do dinheiro, a sua força para corromper as consciências, desfigurar as almas e os sentimentos. Contra esse poder e essa força, lançaram-se poetas, filósofos, teólogos e até os moralistas de folhetim.

     George Simmel, em seu livro A Filosofia do Dinheiro, mostra que o sujeito atacado pelo amor “doentio” ao dinheiro não é uma aberração moral, mas o representante autêntico do indivíduo criado pela sociedade argentária. As qualidades dos bens e o gozo de suas utilidades tornam-se absolutamente indiferentes para ele. Suas preferências,  sentimentos,  desejos, são totalmente absorvidos pelo impulso de acumular riqueza monetária.

     É curioso observar como a sociedade argentária, ao transformar violentamente os indivíduos e suas subjetividades em simples coágulos monetários, pretenda ao mesmo tempo colocar barreiras, ensinando-lhes as virtudes da moderação, da frugalidade,  da solidariedade. Então, como podemos falar de sentimentos como honradez, dignidade, autorrespeito numa sociedade em que todos os critérios de sucesso ou insucesso são determinados pela quantidade de riqueza monetária que cada um consegue acumular?

     É difícil escapar da sensação de que a contenção desse impulso é impossível sem a coação e a intimidação crescentes. As leis devem se tornar cada vez mais duras e especializadas na tentativa de coibir o enriquecimento “sem causa” e a qualquer custo. Verdade? A experiência contemporânea parece demonstrar que os circuitos de enriquecimento ilícito – apesar do grande número de prisões e condenações – não fazem outra coisa senão aumentar, multiplicando-se mundo afora. As drogas e seus sistemas de produção e comercialização, a espionagem industrial e tecnológica, a corrupção política, a compra e venda de informações e de “desinformação” da opinião pública formam uma rede formidável e em rápido crescimento de circulação de dinheiro “sujo”.

     Esse dinheiro transita e é “esquentado” e “esfriado” nos mercados financeiros liberalizados. Negócios legais são muitas vezes fachadas para “branquear” dinheiro de origem ilícita. Os sistemas fiscais – diante dos circuitos financeiros que permitem a livre movimentação de capitais – perdem o seu caráter progressivo e passam a depender cada vez mais dos impostos indiretos e da taxação dos assalariados.

     Daí o enfraquecimento sem precedentes da esfera pública, a desmoralização dos poderes do Estado, a crescente onda de moralismo que revela, aliás, mais impotência do que indignação. Os perdedores desse jogo entregam-se a lamentações e ondas de protesto que se esgotam rapidamente entre o escândalo do momento e o próximo. Sem tempo para raciocinar, entregam-se ao consumo de fatos sensacionais e escabrosos.

     Nessas situações crescem os clamores por medidas “salvacionistas”, apoiadas na invocação da própria santidade, honestidade ou bons propósitos. Em geral, esses movimentos de opinião voltam-se contra o “formalismo” dos procedimentos legais. Os grandes pensadores da modernidade encaravam com horror a possibilidade de vitória dos grupos que veem no direito e na formalidade do processo judicial obstáculos ao exercício da moral. Para eles, tais protestos não são apenas errôneos, mas revelam apego malsão à sua própria particularidade,  desfrutada narcisisticamente sob o disfarce da moralidade.

     No capitalismo realmente existente são os negócios que invadem a esfera estatal. A concorrência entre as grandes empresas impõe a presença do Estado nos negócios e envolve a disputa por sua capacidade reguladora e por recursos fiscais. Isso significou  abrir as portas para a invasão do privatismo nos negócios do Estado.

     O neoliberalismo também pode ser entendido como um projeto de retorno a uma ordem jurídica alicerçada exclusivamente em fundamentos econômicos. Para tanto, é obrigado a atropelar e estropiar, entre outras conquistas da dita civilização, as exigências de universalidade da norma jurídica. No mundo da nova concorrência e da utilização do Estado pelos poderes privados, a exceção é a regra. Tal estado de excepcionalidade corresponde à codificação da razão do mais forte, encoberta pelo véu da legalidade.

     Seria uma insanidade, no mundo moderno e complexo, tentar substituir os preceitos e a força da lei pela presunção de virtude autoalegada por qualquer grupo social ou, pior ainda, por aqueles que ocupam circunstancialmente o poder.

Fotografia - por Lukas Holas (behance.net/Lukas_Holas)

Pedágio Urbano Inteligente: a alternativa ao rodízio de veículos - por Olimpio Alvares (EcoDebate)

     O veto do Prefeito à extinção do Rodízio pela Câmara Municipal, em meio ao caos da mobilidade de São Paulo, fez lembrar o esgotamento dessa medida "extrema" de restrição ao uso do carro particular. Seria razoável insistir com esse Rodízio primitivo, que não reverte um tostão para a mobilidade e o Transporte Público? Seguiremos amargando esse Rodízio, com fronteiras ampliadas, de dois, três ou mais finais de placa, e este cenário sufocante de horas a fio dentro do carro, ou massacrados nos ônibus, respirando concentrações de poluentes cancerígenos de oito a dez vezes maiores que os já altíssimos níveis de poluição que contaminam os pedestres? Não seria o momento de debater, sem preconceito, e afastados da política, o Pedágio Urbano Inteligente (PUI), como alternativa racional a esse modelo impossível de imobilidade urbana?

     A cobrança pelo uso da via na cidade sempre gerou certa controvérsia inicial onde implementada, mas nunca depois de sua consolidação. A experiência mostra que o maior aliado do Pedágio Urbano é a sua própria existência. A opinião pública foi sempre revertida para uma boa aceitação após a constatação de suas muitas virtudes.

     O PUI não é o que cerca a área central como o Rodízio ou o Pedágio Urbano de Londres. É uma forma bem mais elaborada de restrição, por meio da detecção e identificação eletrônica do veículo e cobrança proporcional ao tempo de permanência nos trechos congestionados. A arrecadação deve ser integralmente aplicada no desenvolvimento da mobilidade sustentável local (ciclovias, calçadões, parklets etc) e do Transporte Público de qualidade. O PUI tem notáveis vantagens sobre essas alternativas. Vejamos.

     É amplamente democrático e socializante: onera com justiça e parcimônia o uso individual e abusivo do limitado espaço viário público, tornando-o mais eficiente, limpo e produtivo. Mas, o usuário do automóvel dificilmente enxerga além de "direitos individuais". Ao arcar com um custo de deslocamento em vias congestionadas menor do que o real - que incluiria necessariamente o custo socioambiental da imobilidade - ele é indevida e sutilmente incentivado pelo Poder Público a ter um comportamento perdulário, fazendo mais viagens motorizadas e usando mais espaço viário do que poderia numa economia eficiente e socialmente equilibrada.

     O PUI é uma espécie de política de Robin Hood: tira do transporte individual, espaçoso e contaminante, e dá mais mobilidade para os cidadãos sustentáveis que usam outros meios alternativos e o Transporte Público – estes sempre muito mais comedidos, por passageiro transportado, nas emissões de poluentes, no consumo de combustível e no uso do espaço viário comum.

     Ele é flexível: de adoção gradativa, tem tarifas básicas progressivas e diferenciadas por tipo de corredor viário e categoria de veículo, ajustadas conforme os níveis típicos de emissão e consumo de cada modelo - e pelo valor do IPVA - sem causar impacto relevante na população de menor renda, especialmente no início do processo. A progressividade é ajustada ao ritmo da expansão da oferta de Transporte Público. Assim, levará alguns anos antes de apresentar os melhores resultados, é preciso deixar isso claro.

     Em dez anos de PUI, podem ser levantados em São Paulo recursos da ordem de 30 bilhões de Reais, o que dá para construir 70 km de Metrô, 500 km de VLT (bondes modernos) ou mil km de BRT (corredores de ônibus com operação avançada). Daí, vem uma outra pergunta: o que o Rodízio fez em prol do passageiro do Transporte Público - maior vítima dos congestionamentos - durante seus quase vinte anos de existência?

     Mas as virtudes não param por aí. A operação do PUI, além de flexível, é generosa. Ele é ativado apenas nos trechos e horários onde se observam congestionamentos e permite que em situações de emergência individual, as pessoas usem seus carros, sem serem severamente penalizadas com multas abusivas (mais de 90 reais) e perda de quatro pontos na carteira, como no caso do truculento Rodízio - um programa governamental de “queixo duro” que castiga impiedosamente usuários em emergências ou quando presos em congestionamentos inesperados próximo aos horários-limite.

     De natureza evoluída e sem o extremismo do Rodízio, o Pedágio Urbano Inteligente é uma forma tranquila de mitigar o caos do tráfego motorizado e a poluição urbana. Mas, para que se torne realidade, autoridades e políticos devem por de lado o cego apego às urnas e abrir os olhos para a qualidade da mobilidade na obstruída metrópole.

Olimpio Alvares, 57, é Engenheiro Mecânico da Poli-USP, especialista em emissões e controle de poluição do ar, consultor em Meio Ambiente e Transporte Sustentável e colaborador do Instituto Saúde e Sustentabilidade.


Comentário
Resta saber qual será a autoridade que terá a audácia de cobrar pedágio nas regiões metropolitanas e investir a quantia arrecada em transporte público.
A pauta esta aí, ¿quem se habilitará?

Ilustração - por David Lopez (davidjulianlopez.daportfolio)

Eduardo Giannetti e a intolerância de um liberal - por Luiz Gonzaga Belluzzo, Ricardo de Medeiros Carneiro, André Biancarelli e Pedro Rossi (Brasil debate)

     Em evento organizado na última segunda-feira pela consultoria Empiricus (que vem se notabilizando pelo pessimismo militante e previsões sobre o “fim do Brasil”), o porta-voz econômico da candidatura do PSB afirmou: “A Unicamp é um produto típico do regime militar”. O professor Eduardo Giannetti é um intelectual sofisticado, filósofo e economista, assumidamente um liberal – que a princípio defende e respeita a pluralidade de pontos de vista. Nesse episódio, esteve mais próximo de gente bem menos refinada, como o blogueiro Rodrigo Constantino.

     De acordo com o relato da Rede Brasil Atual, quando questionado sobre a formação dos economistas do governo, suas palavras foram: “O regime militar é culpado disso (…) um grupo que se fecha religiosamente em torno de um pensamento desconectado do mundo”.

     Indo além, sacou da cartola um suposto seminário “em 1978” em que Celso Furtado teria sido desqualificado em Campinas, com suas ideias consideradas “de interesse da ‘burguesia’, enquanto a preocupação dos presentes ao encontro seria‘a luta de classes, o imperialismo’”. Como cereja do bolo, teria afirmado que “o bolchevismo não aparece em países democráticos”.

     Salvo algum engano do repórter, lamentamos o tom e os termos. Mas antes de tudo não conseguimos compreender o raciocínio do especialista em ideias econômicas. A desqualificação que procura obstruir o debate vem baseada em desconhecimento da instituição que critica de forma rasteira.

     Celso Furtado foi o ponto de partida das reflexões originais dos fundadores do instituto, é Doutor Honoris Causa por esta instituição e parece pouco provável que suas ideias tenham algum dia sido contestadas aqui com este nível de argumento. Nem por este lado. A propósito, falar em “bolchevismo” e recorrer a este suposto episódio levanta a dúvida sobre quem está de fato com a cabeça em décadas passadas.

     A Unicamp foi um dos centros que aglutinou o pensamento crítico brasileiro durante o período militar. Assim como outros economistas hoje no campo liberal – como Edmar Bacha e Pedro Malan, por exemplo – seus professores discutiram rigorosamente o significado das opções econômicas da ditadura e denunciaram seu caráter excludente. Ao contrário de “fechamento”, o que marcou a instituição naquele período de pouca abertura para a contestação foi sempre a busca do debate público, a explicação da realidade brasileira e de seus problemas reais. E assim se manteve ao longo das décadas seguintes, em vários outros temas.

     Se o conteúdo destas explicações hoje desagrada a quem não participou daquele debate, é outro problema. Discordamos de Giannetti e do discurso do “Estado que não cabe no PIB”, da privatização dos bancos públicos e da redução dos gastos sociais. Mas jamais vincularíamos suas ideias à falta de inteligência ou a motivações religiosas. Muito pelo contrário, são claros os interesses econômicos e financeiros a sustentar tais posicionamentos.

     Além disso, a pluralidade política dos economistas da Unicamp desautoriza qualquer generalização ou associação direta. No instituto estudou a presidenta da República, mas também quadros que serviram a outros governos antes de 2003. São professores da casa o atual presidente do BNDES e o ministro da Casa Civil, mas também tiveram grande importância em sua história José Serra e Paulo Renato Costa Souza.

     Do ponto de vista teórico, o curso de Economia, conhecido por apresentar Marx e Keynes a seus alunos, também estuda obviamente Hayek, Friedman e seus discípulos mais recentes. A existência de um eixo teórico que organiza o curso não significa bloqueio ou desconhecimento de outras abordagens.

     Quem faz isso, aliás, é a maioria das escolas convencionais de economia, em atitude muito questionada nos últimos tempos. Se estar “conectado” significa este tipo de postura, agradecemos mas rejeitamos o conselho.

     No final das contas, a caricatura geralmente feita dos economistas da Unicamp revela uma vontade de reinar sozinho em um debate onde só há uma alternativa, a do liberalismo econômico. E que todos que pensem diferentes sejam desqualificados. A “nova política”, no caso específico da política econômica, tem como ingrediente principal um velho conhecido: o Estado Mínimo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Logro pirata - por Jonny Duddle (Arte digital - Coolvibe)

Picadinhas

Brasileiro ganhou o Nobel da Matemática após conseguir calcular a idade da Glória Maria.
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NOVA: Mulheres, desconfiem. Se há somente comentários de mulheres em suas fotos dizendo que você tá linda, muito provavelmente você não está!
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Pela minha pesquisa Levy Fidelix vence Eymael com 67% e o bigode foi um grande fator de escolha.
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No Dia dos Pais eu dou parabéns pra minha mãe, só pra mostrar pro sistema quem é que manda.
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Dizem que a água potável será a causa da III Guerra Mundial. Alckmin faz a parte que lhe cabe para sua eclosão.
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Fernandinho convocado... Alemanha curtiu isso!
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Tem motorista A-DO-RAN-DO esta ideia de ciclovias. Desde que não mexam em suas faixas e suas vagas, é claro!
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Aécio pode ficar tranquilo. Malafaia é o pastor dele. E nada lhe faltará.
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Roger é um ultraje! A rigor. (Marcelo Rubens Paiva)
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"O medo corta mais profundamente do que as espadas" - Game of Thrones
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O herói dos nossos coxinhas é o célebre personagem de Chico Anysio: “nos EUA até mendigo fala inglês”.
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Marina Silva não voou no jatinho de Eduardo Campos pra não encontrar Alckmin em SP. O nojo dela pelo PSDB salvou sua vida.
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Da série curiosidades: pessoas com Miopia tem um QI mais elevado que a média.
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Muitas vezes as palavras de um bêbado são os pensamentos de quando ele esta sóbrio e não teve coragem de dizer.
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Vou ali imprimir a matéria da Veja, pois acabou o papel higiênico aqui em casa.
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O Flu tem torcedor Que atende por Érica
Enquanto você lia isso
Mais um gooooooooooooooool do América!
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É preciso um grau especial de sociopatia pra dizer para um parente de vítima da ditadura que esta foi executada por estar “fazendo merda”.
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E foi o dia do Canhoto. Parabéns aos que, assim como eu, não fazem nada direito.
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Fluminense, Internacional e São Paulo foram eliminados bem cedo na copa do Brasil. 2014 o ano anti-bolão.
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Vou ali "adulterar" meu perfil na Wikipédia. Depois conto a gravidade desse escândalo.
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Glauber Rocha, no auge do sucesso de Henfil, brinca nas páginas do Movimento: "Não adianta, Henfil, o homem mais inteligente do Brasil é o Millôr Fernandes".
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Brasileiro ganhou Nobel de matemática ao explicar como se elimina um time numa Copa nacional e ele vai parar numa Copa internacional.
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O coordenador da campanha de Marina, Walter Feldman, passou um ano em Londres, a mando de Kassab, pra observar preparativos das Olimpíadas. Uma trabalheira danada.
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Mais fácil eu virar namorado da Madonna do que o Petros não ter tido a intenção de bater no árbitro.
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Fluminense entra com recurso para garantir vaga na Copa do Brasil: "Jogamos com um cone no lugar do centroavante e isso é proibido".
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As voltas que o mundo dá: imagine que agora Obama "defende" o Iraque.
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Fernando Henrique Cardoso está uma arara com o pastor Everaldo que pretende atuar no seu nicho de mercado privatizando até Jesus.
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Depois do sucesso que ocorreu com o San Lorenzo, Palmeiras investe na base de escola católica para formar padre palmeirense e futuro Papa.
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Percebo inegável evolução de Felipão a cada jogo: 7×1, 3×0, 2×0 !!!
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"Datatrolha: Marina tem 97% das intenções de voto entre as pessoas imbecis o suficiente para tirar selfies e soltar fogos em um funeral." (Trolha de S. Paulo)
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Sem autorização de Alexandre Schwartsman e Carlos Alberto Sardenberg, Petrobras volta a ser a maior empresa da América Latina.
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Navio-escola da Marinha espanhola carregava 127kg de cocaína. Bobinhos, tem muito o que aprender. O helicóptero dos Perella carregava mais de 400kg. E de pasta de coca.
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Parem de ficar falando tantas mentiras na internet, se eu quisesse ler mentiras compraria uma Veja!!!
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O cravo brigou com a rosa e agora a rosa fica postando "HOJE TEM" nas redes sociais pra fazer ciúmes no cravo.
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Maitê Proença e Lucélia Santos se afeiçoaram uma época dos rituais da ayahuasca no Acre. Levaram a coisa tão a sério que passaram a conversar com as árvores. Que iam desabando uma a uma. De tédio.
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O ônibus que invadiu o Templo de Salomão está sendo chamado de inconsciente coletivo.
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"Desde a chegada de Pedro Álvares Cabral, só quem desistiu do Brasil foram os holandeses, em 1654." (Elio Gaspari)
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Tenho duas certezas na vida, a da morte e a de que gente chata vai ficar de mimimi carente no facebook.
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No caso de FHC, Aécio deixou claro no horário eleitoral que amigo é coisa pra se guardar bem escondido.
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"Fazem de imbecis, gênios; de gênios, imbecis; trabalham para a seleção das mediocridades." (Lima Barreto – tão atual quanto nunca – sobre a imprensa familiar do começo do século 20)
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Cantadas Cretinas: "Você não é o Google, mas tem tudo que eu procuro!"
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Partidos da direita entraram no TSE com recurso pedindo a manutenção do JN (e assemelhados) como o único horário eleitoral.
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João Ubaldo, Rubem Alves, Ariano Suassuna. Pelo visto, Sarney é o único imortal de verdade da ABL.
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Da série curiosidades: quando você se isola por muito tempo, seu cérebro muda e passa a ser mais difícil socializar novamente.
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Aguarda-se com ansiedade o encontro de Marina com lideranças socialistas, tais como Severino Cavalcanti, Jorge Bornhausen, Heráclito Fortes e Geraldo Alckmin.
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Não pode sobrevoar o Iraque, não pode sobrevoar Israel, não pode sobrevoar a Ucrânia. Os aviões vão voar em ziguezague!
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Contigo: Como o Zé Mayer já pegou todas as mulheres possíveis da Globo, a partir de agora só fará papel de gay para pegar todos os homens também.
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Se assistir a Série A do Brasileirão já é tortura, assistir a Série B é praticamente uma tentativa de suicídio.
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Pessimismo com a economia diminui, diz Datafolha. Aquele pessimismo que o próprio Datafolha fabrica.
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Estudantes da área de exatas fazem menos sexo que os que estudam humanas. Exato?
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"Com a mesma ternura com que fechamos os olhos dos mortos, devemos abrir os olhos dos vivos." (Jean Cocteau)
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A turnê mundial do fim do mundo está de volta ao Iraque, sem prejuízo para as temporadas que se estendem na Ucrânia e na Faixa de Gaza.
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-- Moço, como é que eu faço pra chegar na terceira via?
-- Siga sempre à direita.
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Não entendo pq mulher fácil é associada a galinha. Já tentou pegar uma galinha? É difícil pra caramba, meu...
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Tô mais cansado que o elástico da calcinha da Preta Gil.
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Intérprete de sinais de Obama na África do Sul chega para os próximos pronunciamentos de Marina. Mas no caso dela ele traduz tudo certinho, inclusive já veio com o discurso pronto.
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Segunda = Depressão
Terça = Solidão
Quarta = Tristeza
Quinta = Expectativa
Sexta = Alegria
Sábado = Alívio
Domingo = Desespero.
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Feliz é a nação cujo Deus não é usado para ganhar votos.
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"Estamos caindo no perigoso terreno da galhofa!" (Stanislaw Ponte Preta)
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Gosto que me enrosco de candidatos moderninhos que atraem incautos com discurso em aramaico, mas sendo contra qualquer modernização da ciência e do comportamento.
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Imprensa boa é assim, em MG 70% das pessoas nem sabem do Aécioporto....
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A mina me pediu pra eu dar um tempo e espaço. Acho que ela quer calcular a velocidade.
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Em São Paulo a continuidade é perfeitamente normal. Como dizem os anormais.
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Roberto Carlos revela que vai escrever uma autobiografia não autorizada dele mesmo.
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Aécio foi um governador tão bom que gastou 5 milhões na ampliação do aeroporto de Itabira. Que não existe.
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No Iraque atual quem tem curdo tem medo.
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"Era tão babaca, mas tão babaca, que começou a falar pensaram que era colunista da Veja."
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Na margem de erro, pra cima ou pra baixo, o 7 a 1 poderia virar 4 a 4.
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"É, não é mole, não" serve como resposta pra qualquer problema que a pessoa lhe conte.
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CRISE!!! Última postagem do Eike Batista foi em 29 de maio de 2013. O cara está economizando até tweets!
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-- Foi a Veja que deu?
-- Foi.
-- Então a verdade se... Deixa pra lá.
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ESPN: Depois de 14 rodadas do Brasileirão, o Fluminense é o único time com 100% de aproveitamento no STJD.
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Fico imaginando um executivo da Globo num centro espírita pressionando o Senna: ou você ressuscita ou vamos tirar essa porra de F1 do ar.
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Vou ali mostrar o crescimento do candidato pra vizinha. Volto.
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By Zombozo Kropotkin, Palmério Dória e adicionais.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Fotografia - por William Albert Allard (National Geographic)

A atualidade do pensamento de Milton Santos - por Assis Ribeiro (Blog do Nassif / Jornal GGN)

Civilização

     "Teríamos que retomar o debate da civilização, que foi substituído pelo debate do crescimento econômico: se vamos aumentar os juros, se vamos facilitar um pouco de inflação. Mas a civilização, ela própria, não é objeto de discussão. E isso abre espaço para uma série de barbáries." 



Sobre a globalização

      “É preciso perceber três espécies de globalização se queremos escapar à crença de que este mundo, assim como nos é apresentado, é a única opção verdadeira:     Há o mundo tal como nos fazem vê-lo, com a globalização como fábula; o segundo é o mundo como ele é, com a globalização como perversidade; e o terceiro, o do mundo como ele pode ser, o da outra globalização.     A globalização tem três faces, portanto: é uma fábula, na medida em que fantasia-se acerca de mitos como a comunicação universal, o fim do Estado e a aldeia global.

     O outro lado é a globalização perversa, que ataca a maioria dos países pobres, trazendo miséria, fome e doenças. Mas as mesmas técnicas que permitem em países ricos a proliferação da ideologia perversa permitirão aos países pobres um movimento de baixo para cima, que imporá uma nova ideologia mais humana.”


A imprensa como instrumento de propaganda a serviço de grupos específicos


      “A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado, por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.     Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.     Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde a competitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência sobre os outros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer normais as exclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de nosso tempo, mas esquece-se que as violências que mais percebemos são apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado puro, da competitividade, da potência e do dinheiro. A essência da perversidade é a competitividade, uma guerra em que tudo vale para conquistar melhores espaços no mercado.”


A gestão do “novo”


      “... A gestação do novo, na história, dá-se frequentemente, de modo quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante. É exatamente por isso que a “qualidade” do novo pode passar despercebida... A história se caracteriza como uma sucessão ininterrupta de épocas. Essa ideia de movimento e mudança é inerente à evolução da humanidade. É dessa forma que os períodos nascem, amadurecem e morrem...”     “... Uma outra globalização supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem: a precedência do homem. Sem dúvida, essa desejada mudança apenas ocorrerá no fim do processo, durante o qual reajustamentos sucessivos se imporão. Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro sustentado por uma informação ideológica, com a qual encontram simbiose...”     Os atores que vão mudar a história são os atores de baixo. Vão agir de baixo para cima. Os pobres em cada país, os países pobres dentro dos diversos continente, os continentes pobres em face dos continentes ricos. De tal forma, não teremos uma revolução sincronizada: haverá explosões aqui e ali em momentos diferentes, mas que serão impossíveis de conter.


O Estado


      O Estado é indispensável porque as chamadas organizações do terceiro setor não são abarcativas, não podem cuidar do conjunto das pessoas que precisam de cuidados. Já o Estado tem a tendência de cuidar de todos, de todas as pessoas. Essa produção democrática que as ONGs ou o terceiro setor – por suas limitações de origem, financiamento, objetivos – não podem fazer. Então, o Estado torna-se algo cada vez mais indispensável, porque as fontes criadoras de diferenças e desigualdades são muito mais fortes que no passado.


Democracia vazia


      A gente esvaziou a palavra democracia de conteúdo. Continua-se falando em uma democracia sem saber muito bem do que se esta falando. Nós utilizamos uma série de conceitos que vêm de um outro tempo – e que tornam vazios, porque o tempo mudou! – da maneira que é conveniente. Usa-se o conceito de democracia com referência ao meramente eleitoral. O resto – a representatividade, a responsabilidade, tudo isso – perdeu força.


Responsabilidade da educação


      "A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico."


O tecnicismo engessador


      "Em nome do cientismo, comportamentos pragmáticos e raciocínios técnicos, que atropelam os esforços de entendimento abrangente da realidade, são impostos e premiados. Numa universidade de ‘resultados’, é assim escarmentada a vontade de ser um intelectual genuíno, empurrando-se mesmo os melhores espíritos para a pesquisa espasmódica, estatisticamente rentável. Essa tendência induzida tem efeitos caricatos, como a produção burocrática dessa ridícula espécie de ‘pesquiseiros’, fortes pelas verbas que manipulam, prestigiosos pelas relações que entretêm com o uso dessas verbas, e que ocupam assim a frente da cena, enquanto o saber verdadeiro praticamente não encontra canais de expressão."


Sobre a violência atual


      “O caldo de cultura que baliza a vida já é violento em si. A globalização exige de todos os atores, de todos os níveis e em todas as circunstâncias, que sejam competitivos. Esse processo exige que empresas, instituições, igrejas sejam competitivas. A competição estimula a violência porque a regra que vigora é a regra do resultado. Não existe ética. Quando, por exemplo, se privilegia, no ensino secundário, a formação técnica, sem nenhum conteúdo humanístico, está se criando mais um caldo de cultura que estimula atitudes violentas.”

Fotografia de Urso Polar - por AFP/Yahoo!


São Petersburgo - Urso polar Uslada se sacode para se secar após mergulho no zoológico de São Petersburgo

Por que a segurança nacional dos EUA nada tem a ver com segurança - por Noam Chomsky* / Tom Dispatch (Carta Maior)

Como observou o general Lee Butler, é quase um milagre que tenhamos escapado da destruição total, via armas nucleares, até agora.
 
     Se alguma espécie extraterrestre estivesse compilando uma história do homo sapiens, ela poderia muito bem dividir o seu calendário em duas eras: AAN (antes das armas nucleares) e EAN (a era das armas nucleares). Esta última era, claro, foi aberta em 6 de agosto de 1945, o primeiro dia na contagem regressiva para o que pode ser o fim desta estranha espécie, que encontrou os meios efetivos para destruir a si mesma, mas – como sugerem as evidências – não a capacidade intelectual e moral de controlar seus piores instintos. O dia um da EAN foi marcado pelo “sucesso” de Little Boy, uma simples bomba atômica. No dia quatro, Nagasaki experimentou o triunfo tecnológico de Fat Man, um design mais sofisticado de bomba.
 
     Cinco dias depois, veio o que na história das Forças Aeronáuticas dos EUA se chama “grand finale”, o ataque dos mil aviões – de maneira alguma uma grande conquista logística -, sobre as cidades japonesas, matando centenas de milhares de pessoas, com panfletos caindo junto a bombas com os dizeres “o Japão se rendeu”. Truman anunciou a rendição antes que o último B-29 retornasse a sua base.
 
     Esses foram os anos auspiciosos da EAN. Como agora entramos no ano 70, deveríamos contemplar criticamente como sobrevivemos. Podemos apenas chutar quantos anos ainda faltam.
 
     Algumas reflexões sobre esses prospectos sombrios foram oferecidas pelo general Lee Butler, ex-chefe do Comando Estratégico dos Estados Unidos (STRATCOM, na sigla em inglês), que controla armas nucleares e estratégia. Há vinte anos, ele escreveu que tínhamos sobrevivido até então, na EAN, “por uma combinação de habilidade, sorte e intervenção divina, e eu suspeito que a última em grande proporção”.
 
     Ao refletir sobre a longa carreira do desenvolvimento das estratégias de armas nucleares e organizar as forças para implementá-las eficientemente,  ele descreveu a si mesmo cruamente como estando “entre os mais ávidos guardadores da fé nas armas nucleares”. Mas, continuou, ele tinha chegado ao entendimento de que agora “a sua missão era declarar com toda a convicção que devo que em meu juízo elas nos serviram extremamente mal”. E perguntou: “com que autoridade as gerações posteriores de líderes de estados que têm armas nucleares usurparão o poder de ditar as chances da vida continuar em nosso planeta? Mais urgentemente, por que essa audácia de tirar o fôlego persiste num momento em que deveríamos tremer diante de nossa loucura de nos comprometer a abolir as suas manifestações mais mortais?”.
 
     Ele chamou o plano estratégico dos EUA, de 1960, que pedia uma retirada total do conflito com o mundo comunista de “o documento mais absurdo e irresponsável que jamais li em minha vida”. Seu adversário soviético era provavelmente ainda mais insano. Mas é importante ter em mente que estavam em competição, e nem lhes passava perto a hipótese de aceitar facilmente as ameaças extraordinárias de sobrevivência.

A sobrevivência nos primeiros anos da Guerra Fria
 
     De acordo com a doutrina dominante na universidade e no discurso intelectual em geral, o principal objetivo da política de estado é a “segurança nacional”. Há uma ampla evidência, no entanto, de que a doutrina da segurança nacional não acompanha a segurança da população. Os registros revelam que, por exemplo, a ameaça de uma destruição instantânea não ocupava o centro das preocupações dos grandes dirigentes e planejadores. E isso foi demonstrado desde o início, e assim persevera, até o presente momento.
 
     Nos primeiros dias da EAN, o EUA gozava de uma segurança irresistivelmente poderosa e notável: o país controlava o hemisfério, os oceanos Atlântico e Pacífico, e os lados opostos a esses oceanos, também. Muito antes da Segunda Guerra, já tinha se tornado o país mais rico do mundo, com vantagens incomparáveis. Sua economia bombou durante a guerra, enquanto outras sociedades industriais foram devastadas ou severamente enfraquecidas. Com o começo da nova era, os EUA possuía aproximadamente metade de toda a riqueza mundial e até mais do que isso em capacidade industrial. Havia, no entanto, uma ameaça potencial: os mísseis intercontinentais com ogivas nucleares. Essa ameaça foi discutida no estudo de referência para políticas nucleares a que fontes de alto nível tinham acesso: Perigo e Sobrevivência: escolhas a respeito da bomba nos primeiros cinquenta anos, de McGeorge Bundy, conselheiro de segurança nacional durante os governos Kennedy e Johnson.
 
     Bundy escreveu que “o desenvolvimento veloz dos misseis balísticos durante a administração Eisenhower é uma das maiores conquistas desses oito anos. Ainda assim, esta na hora de se começar a reconhecer que tanto os EUA como a União Soviética poderiam estar em perigo nuclear muito menor, hoje, se [esses] mísseis jamais tivessem sido desenvolvidos”. Ele então acrescenta um comentário instrutivo: “Estou ciente de que não há qualquer proposta séria, contemporânea, dentro ou fora de nosso governo, de que os mísseis balísticos de alguma maneira deveriam ser banidos por acordo”. Numa palavra, não se cogitava, aparentemente, tentar prevenir uma só ameaça séria aos EUA, a ameaça de uma futura destruição numa guerra nuclear com a União Soviética.
 
     Será que essa ameaça poderia ter sido afastada? É claro que não podemos ter certeza, mas seria dificilmente concebível. Os russos, muitíssimo atrás em desenvolvimento industrial e em sofisticação tecnológica, estavam muito mais cercados de ameaças. Eram, portanto, significativamente mais vulneráveis a esses sistemas de armas dos EUA. Deve ter havido oportunidades de explorar essas possibilidades, mas na histeria extraordinária daqueles dias isso dificilmente teria sido percebido. E essa histeria era na verdade extraordinária. Um exame da retórica utilizada em documentos oficiais centrais da época, como o Artigo NSC-68 do Conselho de Segurança Nacional, permanece bastante chocante, chegando até a se discutir a injunção do Secretário de Estado Dean Acheson, de que seria necessário “ser mais claro que a verdade”.
 
     Uma indicação de possíveis oportunidades para golpear a ameaça foi uma proposta notável feita por Joseph Stalin, em 1952, oferecendo a permissão da unificação alemã, com eleições livres, sob a condição de, a partir de então, não houvesse mais alianças militares hostis. Essa era uma condição dificilmente extrema, à luz da história dos últimos 50 anos, durantes os quais somente a Alemanha tinha destruído a Rússia duas vezes, cobrando um alto custo ao país.
 
     A proposta de Stalin foi levada a sério pelo respeitável analista político James Warburg, mas foi amplamente ignorada ou ridicularizada, na época. Estudos acadêmicos recentes começaram a fornecer uma visão diferente das coisas. O acadêmico veementemente anticomunista, estudioso da União Soviética, Adam Ulam, tomou a proposta de Stalin como um “mistério não esclarecido”. Washington “fez pouco esforço para rejeitar solenemente a iniciativa de Moscou”, escreveu ele, com base no fato de essa ser “embaraçosamente inconvincente”. O fracasso político, intelectual e acadêmico em geral deixou aberta a “questão fundamental”, acrescentou Ulam: “Stalin estava realmente pronto para sacrificar a recém-criada República Democrática Alemã (RDA) no altar da democracia real”, com consequências para a paz mundial e para a segurança americana, que poderiam ter sido enormes?
 
     Resenhando pesquisa recente nos arquivos soviéticos, um dos mais respeitáveis acadêmicos da Guerra Fria, Melvyn Leffler, observou que muitos acadêmicos se surpreenderam em descobrir que “[Lavrenti] Beria – o sinistro, brutal e comandante da polícia secreta soviética – tinha proposto que o Kremlin oferecesse ao Ocidente um acordo para unificação e neutralização da Alemanha”, concordando em “sacrificar o regime da Alemanha Oriental comunista e reduzir as tensões entre Oriente e Ocidente” e melhorando as condições políticas e econômicas internas à Rússia – oportunidades que foram desperdiçadas em benefício da presença assegurada da Alemanha na OTAN. Sob essas circunstâncias, não é impossível que tenha havido acordos que podiam ter sido obtidos e que teriam assegurado a tranquilidade da população americana das ameaças sombrias no horizonte. Mas essa possibilidade aparentemente não foi considerada, o que indica, notavelmente, o quão pouco o papel de uma segurança nacional autêntica pesa na política de estado.

A crise dos mísseis cubanos e além
 
     Essa conclusão foi subestimada repetidamente nos anos seguintes. Quando Nikita Khruschev tomou o controle da Rússia soviética em 1953, depois da morte de Stalin, ele reconheceu que a URSS não poderiam competir militarmente com os EUA, o país mais rico e poderoso na história, com vantagens incomparáveis. Se o país tinha esperança de escapar do colapso econômico e dos efeitos devastadores da última grande guerra, seria necessário reverter a corrida armamentista.
 
     Assim, Khruschev propôs um acordo claro de redução mútua nas ofensivas armadas. O enviado da administração Kennedy considerou a oferta e a rejeitou, e esse governo passou à rápida expansão militar, mesmo já bastante à frente. O finado Kenneth Waltz, baseado em outra análise estratégica com conexões próximas à inteligência dos EUA, escreveu então que a administração Kennedy “tinha levado a cabo o mais estratégico e convencional tempo de paz militar desenvolvido no mundo até então... mesmo quando Khruschev tentava, por sua vez, levar a cabo uma grande redução nas forças convencionais e seguir uma estratégia de dissuasão mínima, e nós o fizemos apesar de o equilíbrio das armas estratégicas favorecerem enormemente os EUA”. De novo, ferindo a segurança nacional enquanto fortalece o poder do estado.
 
     A inteligência dos EUA verificou que grandes cortes tinham sido feitos nos ativos das forças militares soviéticas, tanto em termos de aeronaves, como de soldados. Em 1963, Khruschev mais uma vez pediu novas reduções. Como um gesto de demonstração de suas intenções, retirou tropas da Alemanha Oriental e convidou Washington a fazer o mesmo, reciprocamente. Essa proposta também foi rejeitada. William Kaufmann, um ex-conselheiro do Pentágono e analista consagrado em questões de segurança, descreveu o fracasso dos EUA em responder às iniciativas de Khruschev como, em termos de sua biografia, “o único arrependimento que tenho”.
 
     A reação soviética ao desenvolvimento armamentista dos EUA nesses anos foi situar mísseis em Cuba, em outubro de 1962, para tentar retomar o equilíbrio, ao menos discretamente. O movimento também foi incentivado em parte pela campanha terrorista de Kennedy contra Fidel Castro, programado para levar à invasão naquele mesmo mês, como Cuba e a Rússia devem ter ficado sabendo. A “crise dos misseis” que se seguiu foi “o momento mais perigoso da história” nas palavras do historiador Arthur Schlesinger, conselheiro e confidente de Kennedy.

Quando a crise chegava ao apogeu, no fim de outubro, Kennedy recebeu uma carta de Khruschev oferecendo um termo para o imbróglio, por meio de uma retirada simultânea, tanto dos mísseis russos em Cuba como dos misseis Júpiter dos EUA, da Turquia. Estes últimos eram mísseis obsoletos, já com ordem de retirada pela administração Kennedy porque estavam sendo substituídos pelos muito mais letais submarinos Polaris, que estacionariam no Mediterrâneo.
 
     A avaliação subjetiva de Kennedy, naquele momento, era que se ele recusasse a oferta do premiê soviético, havia uma probabilidade de 33 a 50% de guerra nuclear – uma guerra que, como o presidente Eisenhower havia alertado, teria destruído o hemisfério norte. Kennedy, no entanto, rejeitou a proposta de Khruschev de retirada pública dos misseis de Cuba e da Turquia; somente a retirada dos mísseis de Cuba poderia ser pública, tanto para proteger o direito dos EUA a situar mísseis nas fronteiras da Rússia, como em qualquer lugar que escolhesse.
 
     É difícil pensar numa decisão mais horrenda na história – e por isso ele é ainda celebrado por sua coragem tranquila e como estadista.
 
     Dez anos depois, nos últimos dias da guerra árabe-israelense, em 1973, Henry Kissinger, então assessor do Secretário de Segurança Nacional do Presidente Nixon, chamou um alerta nuclear. A proposta era advertir os russos a não interferirem nessas delicadas manobras diplomáticas designadas para garantir a vitória israelense, mas por pouco, de modo que os EUA mantivesse ainda o seu controle unilateral da região. E as manobras eram de fato delicadas. Os EUA e a Rússia tinham imposto, conjuntamente, um cessar-fogo, mas Kissinger informou, secretamente, aos israelenses, que eles poderiam ignorá-lo. Assim, a necessidade do alerta nuclear servia para afastar os russos para longe. A segurança dos americanos permaneceu no seu status padrão.
 
     Dez anos depois, a administração Reagan lançou operações para testar as forças aéreas soviéticas, simulando ataques aéreos e navais e um alto nível de alerta nuclear, o suficiente para os russos detectarem. Essas ações foram levadas a cabo num momento muito tenso. Washington estava desenvolvendo os mísseis estratégicos Pershing II, na Europa, a cinco minutos de tempo de voo para Moscou.
 
     O presidente Reagan também tinha anunciado o programa Iniciativa de Defesa Estratégica (“Star Wars”), que os russos entenderam como, efetivamente, o primeiro ataque, uma interpretação padrão da defesa dos mísseis de todos os lados. E outras tensões vinham aumentando.
 
     Naturalmente, essas ações causaram grande alarde na Rússia, a qual, diferentemente dos EUA, estava bastante vulnerável e tinha repetidamente sido invadida e virtualmente destruída. Isso levou a uma guerra de escala maior em 1983. Arquivos recentemente abertos revelaram que o perigo era ainda mais severo do que aquilo que historiadores tinham pensado. Um estudo da CIA intitulado “O Medo da Guerra era de verdade” concluiu que a inteligência dos EUA pode ter subestimado as preocupações russas e a ameaça de um ataque nuclear preventivo soviético. Os exercícios “quase se tornaram um prelúdio para uma batalha preventiva nuclear”, de acordo com uma passagem do Journal of Strategic Studies.
 
     Era ainda mais perigoso que isso, como aprendemos no último setembro, quando a BBC reportou que, exatamente em meio ao desenvolvimento dessas ameaças, o sistema de alarme da Rússia detectou um ataque de míssil oriundo dos EUA, levando o seu sistema de radar ao alerta máximo. O protocolo do exército soviético era retaliar com o seu próprio ataque nuclear. Felizmente, o oficial encarregado, Stanislav Petrov, decidiu desobedecer às ordens e não reportar os alertas aos seus superiores. Ele recebeu uma reprimenda oficial. E graças a essa indolência, ainda estamos vivos para falar a respeito.
 
     A segurança da população não era mais uma alta prioridade para os estrategistas da administração Reagan, do que era para os seus predecessores. E assim continua, mesmo deixando de lado os numerosos e quase catastróficos acidentes nucleares que ocorreram ao longo dos anos, muitos deles analisados no assustador estudo de Eric Schlosser, Command and Control: Nuclear Weapons, the Damascus Accident and the Illusion of Safety [Comando e Controle: Armas Nucleares, o Acidente de Damasco e a Ilusão da Segurança]. Em outras palavras, é difícil contestar as conclusões do general Butler.

Sobreviência na era pós-Guerra Fria
 
     Após a guerra fria, os registros das ações e doutrinas adotadas tampouco é reconfortante. Todo presidente que se preze tem de ter a sua doutrina. A Doutrina Clinton estava encapsulada no slogan “multilateral quando pudermos, unilateral quando devermos”. No testemunho congressual, a frase “quando devermos” foi explicada plenamente: os EUA estão autorizados a dispor “do poder militar unilateral” para assegurar “acesso desimpedido a mercados chave, fornecimento de energia e recursos estratégicos”. Enquanto isso, o STRATCOM na era Clinton produziu um importante estudo, intitulado “Fundamentos da dissuasão no pós-Guerra Fria”, lançado bem depois de a União Soviética ter colapsado, quando Clinton estava estendendo o programa de expansão da OTAN, de George H.W. Bush para o oriente, numa violação às promessas feitas ao premiê soviético Mikhail Gorbachev – com reverberações para o presente.
 
     Esse estudo do STRATCOM estava preocupado com “o papel das armas nucleares na era pós-Guerra Fria”. Uma conclusão central: que os EUA devem manter o direito de lançar o primeiro ataque, mesmo contra estados não-nucleares. Mais ainda: armas nucleares devem estar sempre prontas porque elas “representam uma sombra em qualquer crise ou conflito”. Isso quer dizer que elas estavam constantemente sendo usadas como se estivessem apontando uma arma, não para atirar, mas para roubar uma loja (um ponto que Daniel Ellsberg enfatizou, repetidamente). O STRATCOM vai adiante, para advertir que “os estrategistas não deveriam ser muito racionais em determinar... quais dos oponentes valem mais”. Tudo deveria ser simplesmente marcado como alvo. “Machuca essa atitude de nos portarmos como plenamente racionais e de cabeça fria... que os EUA possam se tornar irracionais e vingativos se os seus interesses vitais forem atacados deveria ser uma parte da persona nacional que projetamos”. É “benéfico [para a nossa postura estratégica] que alguns elementos possam aparecer como potencialmente ‘fora de controle’”, representando assim uma ameaça constante de ataque nuclear – uma severa violação da Carta da ONU, se alguém liga para isso.
 
     Não há muito aqui a respeito dos nobres objetivos constantemente proclamados – ou, no caso, sob o Tratado de Não-Proliferação de Armas, para atestar a “boa fé” dos esforços para eliminar esse flagelo da terra. O que isso soa, antes, é a uma adaptação dos famosos versos a respeito do Maxim (para citar o historiador africano Chinweizu):

O que quer que aconteça, nós temos,
A Bomba Atômica e eles, não
”.
 
     Depois de Clinton veio, é claro, George W. Bush, cujo amplo aval à guerra preventiva facilmente abarcou o ataque japonês em dezembro de 1941, em duas bases militares de ultramar, dos EUA. Neste momento, os militaristas japoneses estavam bastante cientes de que os B-17 estavam apressados nas linhas de montagem, com o intento de “queimar o coração industrial do império com ataques a bomba nos altos de Honshu e Kyushu”. É assim que os planos pré-guerra foram descritos pelo seu arquiteto, o general da Aeronáutica Claire Chennault, com a aprovação entusiasmada do presidente Franklin Roosevelt, do secretário de estado Cordell Hull e do comandante em chefe general George Marshall.
 
     Então veio Barack Obama, com palavras aprazíveis a respeito do trabalho para abolir o arsenal de armas nucleares – combinado com planos de gastar 1 trilhão de dólares no arsenal nuclear dos EUA nos próximos 30 anos, um percentual do orçamento militar “comparável ao gastos para a aquisição de novos sistemas estratégicos nos anos 80, sob a administração Ronald Reagan”, de acordo com um estudo do Centro James Martin para os estudos de não-proliferação, no Instituto Monterrey de Estudos Internacionais.
 
     Obama também não hesitou em jogar com fogo para ter ganho político. Tome-se, por exemplo, a captura e assassinato de Osama Bin Laden, pela marinha americana e pelos SEALs. Obama comprou com orgulho a ação, num importante discurso sobre segurança nacional, em maio de 2013. Foi amplamente coberto, mas um parágrafo crucial foi ignorado.
 
     Obama celebrou a operação, mas acrescentou que ela não poderia ser a norma. A razão, disse ele, é que os riscos “eram imensos”. “Os SEALs poderiam ter sido envolvidos num extenso tiroteio”. Embora, por sorte, isso não tenha acontecido, “o custo para a nossa relação com o Paquistão e a regressão de nossa imagem dentre o público paquistanês diante da invasão sobre o seu território tenha sido... severa”.
 
     Vamos acrescentar alguns poucos detalhes. Os SEALs tiveram a ordem de bombardear o que vissem pela frente. Não teriam sido deixados à própria sorte, “envolvidos em tiroteios extensos”. Todas as forças do exército dos EUA teriam sido usadas para retirá-los de situação difícil. O Paquistão tem um exército poderoso e bem treinado, altamente protetor de sua soberania estatal. E tem também armas nucleares, e os especialistas paquistaneses estão preocupados com as possíveis penetrações em seu sistema de segurança nuclear por elementos jihadistas.
 
     Também não é segredo que a população tem sido empurrada para a radicalização por meio da campanha de terror com drones, de Washington, e por outras políticas.
 
     Enquanto os SEALs ainda estavam na agenda Bin Laden, o comandante em chefe do Paquistão, Ashfaq Parvez Kayani, foi informado da ação e comandou o exército para “confrontar qualquer aeronave sem identificação”, que ele pensava seriam de origem indiana. Enquanto isso, em Cabul, o comandante de guerra general David Petraeus, ordenou que “aviões de guerra” respondessem, caso os paquistaneses “usassem seus jatos de ataque”. Como disse Obama, por sorte o pior não ocorreu, embora tivesse podido ser bem feio. Mas os riscos eram vistos sem preocupação séria. Ou tampouco qualquer comentário subsequente.
 
     Como observou o general Butler, é quase um milagre que tenhamos escapado da destruição total até agora. E quanto mais tentarmos o destino, menos provável é que tenhamos esperança na intervenção divina para perpetuar o milagre.

*: Noam Chomsky é linguista, professor emérito aposentado do Massachussets Institute of Technology – MIT. É autor de vários livros e artigos sobre política internacional e questões sociais e políticas.

Tradução: Louise Antônia Leon