segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conselhos saramaguianos

A consciência de participar
A participação política deu-me algo muito importante, um sentimento solidário muito forte, a consciência de participar numa luta pela humanidade, com todas as sombras históricas que essa luta teve.

“No me hablen de la muerte porque ya la conozco”, El País (Suplemento El País Semanal), Madrid, 23 de Novembro de 2008

Frente aos exércitos
Jamais nós, escritores, mudaremos o mundo. A arte e a literatura carecem de poder frente aos exércitos. Outra coisa é que o artista, ou o escritor, enquanto cidadãos, intervenham para tornar público o seu protesto, e que as suas palavras possam ter um ou outro eco moral.
Todos os cidadãos, escritores ou não, temos não apenas o dever de dizer mas também de fazer. E não apenas na cara do nosso país. Também de frente para o mundo.

“Israel es rentista del Holocausto”, en ¡Palestina existe!, Madrid, Foca, 2002

Ser impaciente
À paciência divina teremos que contrapor a impaciência humana. Para mudar as coisas, a única forma é ser impaciente.

“La única forma de cambiar las cosas es ser impaciente”, Clarín, Buenos Aires, 23 de Outubro de 2005

De mãos e pés atados
Se o medo, a apatia e a resignação vão ser as constantes deste imenso rebanho da espécie humana, a democracia não tem nenhum instrumento para controlar os abusos do implacável poder económico e financeiro, que comete crimes horríveis. Se não há instrumentos, como se pode continuar a chamar democracia? É uma democracia de mãos e pés atados.
“El paso del gran pesimista”, Semanario Universidad, San José de Costa Rica, 30 de Junho de 2005
In  José Saramago nas Suas Palavras

Tantas palavras escritas
Tantas palavras escritas desde o princípio, tantos traços, tantos sinais, tantas pinturas, tanta necessidade de explicar e entender, e ao mesmo tempo tanta dificuldade porque ainda não acabámos de explicar e ainda não conseguimos entender.
In Manual de Pintura e Caligrafia, Ed. Caminho, 6. ed., 2006, p. 133

A liberdade
A liberdade não é mulher que ande pelos caminhos, não se senta numa pedra à espera de que a convidem para jantar ou para dormir na nossa cama o resto da vida.
In Levantado do ChãoEd. Caminho, 18.ª ed., p. 312

Muito menos que o homem
A propósito, não resistiremos a recordar que a morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito menos que o homem.

O destino das revoluções
O destino das revoluções é converterem-se no seu oposto. As revoluções acabam sempre atraiçoadas por uma simples razão: pela renúncia dos cidadãos a participar […] A doença mortal das democracias é a renúncia do cidadão a participar. Os primeiros responsáveis somos nós ao delegar o poder noutra pessoa que, a partir desse momento, passa a controlá-lo e a usá-lo […].
Andrés Sorel, José Saramago. Una mirada triste y lúcida, Madrid, Algaba Ediciones, 2007
In José Saramago nas Suas Palavras

Promessas e decepções
Nunca ouviremos ninguém dizer que está decepcionado com o capitalismo. Porquê? Porque o capitalismo não promete nada. No entanto, como o socialismo é uma ideologia repleta de promessas também está cheia de decepções.

Essa estranha enfermidade
Nenhuns seres humanos, incluindo aqueles que já atingiram as idades a que chamamos de senectude, podem subsistir sem ilusões, essa estranha enfermidade psíquica indispensável a uma vida normal.
In O Homem Duplicado, Ed. Caminho, 2.ª ed., p. 149

Uma amálgama
Para mim, o importante seria que as culturas da Europa se conhecessem até ao último detalhe, que houvesse uma corrente cultural contínua passando de país em país, quando o que se está a fazer é uma amálgama que diluirá as diferenças para fazer algo que tem um patrão. Quem é esse patrão? Nunca ninguém me responde a essa pergunta.
“José Saramago, un discurso solitario”, La Vanguardia, Barcelona, 13 de Outubro de 1987
In José Saramago nas Suas Palavras 

Os erros de Armínio em 2002 – por Rodrigocg (Blog do Nassif)

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-erros-de-arminio-em-2002

domingo, 21 de novembro de 2010

Comentários casuais

- A CPI da dívida pública finda semana passada, deu com os burros n'água, dado que os que ali estavam para supostamente investigar não tinham absolutamente nenhuma intenção de fazê-lo, de fato. Não me decepciono, dado que não espero nada que preste deste comitê de negócios da burguesia que é o congresso.

- Dilma mantém Mantega no ministério da fazenda. Ponto pra ela. Eu tinha forte receio do retorno do Palocci.

- Falta definir o nome no BC, possivelmente semana que vem. É aí, creio eu, que será definido o bom andamento (ou não) do governo Dilma. Voto no Luiz Gonzaga Belluzo – há outros belos nomes, entretanto. A permanência do Henrique Meirelles, por outro lado, seria péssima.

Henrique Meirelles, o "posudo" de Goiás – por Luis Nassif

Não é de surpreender a entrevista de Henrique Meirelles ao Globo, dizendo ter sido convidado por Dilma Rousseff para continuar no cargo de presidente do Banco Central – mas ter condicionado o aceite à manutenção da autonomia do banco.
Cobrado pela equipe de Dilma sobre a declaração, Meirelles disse não ter conversado com ninguém sobre o assunto – comprometendo a jornalista que deu a matéria.
Conheço Meirelles desde os anos 80. No antigo “Cash”, depois “Dinheiro Vivo", na TV Gazeta, devo ter sido o primeiro jornalista a abrir espaço para ele. Conheci-o quando o procurei para me explicar a matemática financeira do leasing – para a seção “Cartilha do Investidor” que tinha na coluna “Dinheiro Vivo”, da Folha. Ele era o diretor de leasing do banco; posteriormente, tornou-se presidente da filial brasileira.
Inteligente, articulado mas sem nenhum conhecimento mais aprofundado sobre economia e sobre mercados, já era dotado de uma megalomania nítida, que chocava o meio financeiro paulista. Como, por exemplo, sair para compromissos prosaicos – como almoçar em um restaurante – acompanhado por uma comitiva de seguranças, algo que, na época, nem mesmo os presidentes de grandes bancos ostentavam.

O grande vendedor

Reencontrei-o na volta de sua passagem pelos Estados Unidos, em dois seminários dos quais participamos, ele já eleito deputado federal por Goiás e ainda não convidado para o Banco Central.
Surpreendi-me com o jogo de cena de Meirelles. Apresentava-se como o mago das finanças, o sujeito capaz de resolver os problemas nacionais. Todas as matérias sobre ele o apresentavam como o presidente internacional do BankBoston – o Global President.
Em um dos encontros, no Congresso de Fundos de Pensão na Bahia, os organizadores me pediram que participasse do debate, depois da apresentação de Meirelles.
Quando alguém do público pediu a receita para resolver os problemas brasileiros, o mago das finanças foi definitivo:
- Eu juntaria todos os credores e diria: vamos obter o superávit nominal (receita menos despesa incluindo juros). Aí acabaria com o déficit nominal e imediatamente eles baixariam os juros.
Com a taxa de juros em dois dígitos, só mágico para obter superávit nominal da noite para o dia. Perguntaram o que eu achava da proposta de Meirelles. Respondi:
- Temos duas estradas cortadas por uma cordilheira. Como fazer para juntar as duas estradas? Simples: basta remover a cordilheira. Falta responder apenas quem e como a cordilheira será removida.
Houve alguns risos irônicos na plateia, que incomodaram Meirelles.
O segundo encontro foi em um Seminário do Sebrae em Goiás, sobre a “cara” do Estado – em cima de um trabalho do sociólogo italiano Domenico Massi, sobre a cara do Brasil.
Dividi a mesa com Meirelles. Em sua apresentação, ele falou da importância do marketing e contou como fizera carreira internacional no BankBoston.
Quando começou a grande farra financeira com o Real, tentou convencer os velhinhos acionistas do banco a investir mais no país.
Primeiro, organizou um encontro no Rio. Quando os velhinhos chegaram foram recebidas por passistas de escola de samba em trajes minúsculos. Um fiasco total, que chocou as esposas.
Resolveu montar um segundo encontro em São Paulo. Chegaram ao aeroporto, foram recebidos por recepcionista vestidas com sobriedade, suas malas transferidas para o hotel, tudo nos mínimos detalhes. Impressionou os bostonianos e conseguiu que colocassem os primeiros recursos adicionais no Brasil. Com os resultados obtidos, ampliaram os investimentos no país – mas não a ponto do Brasil ter se tornado uma peça importante na estratégia do banco.
Era um autêntico vendedor.

O operador de mercado

As surpresas maiores vieram quando seu nome passou a ser ventilado para presidente do Banco Central.
O mercado reagiu. Presidente do BC deveria ser um “operador”. Escrevi alguns comentários na época mostrando o ridículo de se querer um “operador”. Presidente de BC tem que ter visão ampla de mercado. Para operar, tem diretores e departamentos.
Mas a reação de Meirelles foi estapafúrdia. Deu entrevistas informando que, na grande crise de 1988 a 1990, ele tinha operado pessoalmente a mesa do BankBoston.
Ora, acompanhei de perto essa “operação” dele. Na época, a Dinheiro Vivo já tinha começado a trabalhar com serviço em tempo real. Era período de quase hiperinflação. Duas ou três vezes o financeiro do banco – Marcos Ho – me ligou, colocou o telefone no viva-voz com Meirelles do lado, e perguntou se deviam comprar ou vender ouro.
Era ridículo! Indaguei do Ho se não considerava meio estapafúrdio o presidente do banco ligar para um jornalista para orientar as aplicações de tesouraria da instituição.
Pois era essa experiência insólita de mercado que Meirelles alardeava para se habilitar ao BC.
Não ficou nisso. A megalomania ficou nítida na reportagem da Veja, saudando sua indicação. A reportagem merecia um prêmio IgNobel de reportagem mundial tal a quantidade de sandices da matéria – um prenúncio, aliás, do que a revista se converteria nos anos seguintes.
A reportagem apresentava Meirelles como o executivo estrangeiro que mais sucesso teve na história moderna dos Estados Unidos. Meu Deus! Era apenas o Global President de um banco médio norte-americano. E Alain Belda, o egípcio-brasileiro que chegou a presidente da Alcoa? E Álvaro Souza, o brasileiro que chegou a vice do Citibank, o maior banco do mundo? E Ghosn, que se tornou o mais respeitado executivo do setor automobilístico?
A matéria não ficava nisso. Dizia que a indicação de Meirelles para Presidente Global do BankBoston precisou passar pela aprovação dos bancos centrais de todos os países da OCDE (a organização que reúne as maiores economias do planeta), que Meirelles precisou jurar sobre a Constituição americana e a Bíblia? Não era possível que tanta asneira saísse sozinha da pena de Eurípedes Alcântara. Era evidente que essas maluquices tinham sido passadas por Meirelles.
Um amigo com bom conhecimento de Boston me passou as informações corretas sobre ele. O cargo de Global President se referia à direção da área internacional do banco – constituída pelas operações de dois países, Brasil e Argentina, respondendo por menos de 8% dos ativos do banco. Não era “presidente global” mas apenas “vice presidente para a área internacional”
Quando houve a fusão com um banco maior, Meirelles espirrou.
Antes disso, impressionara os bostonianos pela sua capacidade de venda, mas os chocara por sua vida privada. Mantinha um apartamento em Nova York onde dava festas de arromba que talvez agradassem os cosmopolitas nova-iorquinos, mas não os conservadores bostonianos. Aliás, as festas de Meirelles eram enaltecidas pela revista, que não tinha a menor ideia sobre os requisitos de sobriedade que devem pautar a vida de um banqueiro central.
Escrevi a coluna ironizando as baboseiras da revista e explicando o significado daquele Global President. Meirelles me convidou para almoçar no dia seguinte.
No almoço disse que não tinha nenhuma responsabilidade pelo que saíra na revista e que encaminharia seu currículo oficial para mim.
Era um currículo alguma coisa mais sóbria, mas ainda assim marqueteiro que nem o diabo. Informava os conselhos de universidades dos quais ele fazia parte – informação correta, conforme checamos. Dizia que ele cursou uma cadeira em Harvard acessível apenas aos grandes executivos do planeta. Era cadeira paga: pagou, cursou.
Escrevi uma segunda coluna sobre nossa conversa, ironizando a apologia que constava currículo que me foi enviado.
Um mês depois escrevi algo sobre o BC servir de trampolim para diretores fazerem carreira no mercado financeiro. Meirelles enviou uma carta de protesto para a Folha, assinada por todos os subalternos da diretoria do BC, protestando contra aquela “inverdade”.
Enfim, um “poseur”, como diriam os franceses; um “posudo”, como diriam os goianos.

O estilo pessoal de Henrique Meirelles - por Moita atento da Silva

Meus caros,

Um post como esse, revelador, como sempre nos brinda o Nassif, apesar de tudo não mostra nem metade do problema!

Sou funcionário do BC, e sob a desculpa de melhor proteger o BC após o roubo de Fortaleza, foi criado um departamento de Segurança (pasmem! departamento no BC é coisa pra nível estratégico apenas!), o Deseg, que de novo mesmo só serviu para inchar absurdamente de novos técnicos uma tal divisão afeta à função: "Segurança de Autoridades". Leia-se: segurança pública para o senhor presidente do BC.

Os colegas ficam pasmos com a megalomania do mesmo, associada a uma esquizofrênica mania de perseguição e misto de medo de ser sequestrado. Tiveram que comprar veículos novos, Captiva, e mandar blindar todos eles (12) com sistema que nem os carros do presidente do Brasil possui, porque ele um dia reclamou que a blindagem não era a mesma que ele tinha nos EUA!!!

Até a água que bebe ele teme ser envenenada, já chegou a pedir teste em laboratório de Campinas da água que estava em seu copo, uma vez (pago, o teste, com dinheiro público!). Só bebe Nestlé, vindo diretamente da fábrica para ele... Ensinou aos colegas que o acompanham em viagem um gesto de mãos que faz, momento em que quer que peguem sua mala em menos de 7 segundos, senão o assessor é substituído.

Poderia ficar aqui descrevendo absurdos, mas são apenas exemplos desse ser que Nassif tão bem perfilou.

Percebendo que ia rodar, pois Dilma não precisa mais passar pro mercado os recibos que Lula precisou, em 2002, lançou essa bravata, pra poder sair dizendo que foi ele que quis, por não ter mais o BC a independência que teve com ele - de quebra, já fragiliza na entrada o papel de seu sucessor...

Já vai tarde.

Como a Educação de SP trata (mal) o dinheiro do FUNDEB – por NaMariaNews

http://namarianews.blogspot.com/2010/11/como-educacao-de-sp-trata-mal-o.html

Governo não consegue contratar profissionais para cobrir licenças temporárias – por Talita Bedinelli e Raphael Marchiori (Folha de São Paulo)

Docente prefere esperar vaga com tempo maior de trabalho, pois lei ordena que, após 1 ano, fique 200 dias afastado

A prova do Saresp (que avalia o aprendizado anual de alunos da rede paulista) teve um gostinho amargo para Lia, 13, nesta semana.
Apesar de boa aluna, ela não soube responder a parte das questões de português.
E não foi por falta de estudo. "Foi por falta de professor", diz Cléo, 33, mãe dela.
A professora de português de Lia na Joaquim Leme do Prado, zona norte da capital, está de licença há três meses e nenhum outro docente a substituiu. Os alunos ficam na sala ou no pátio "sem fazer nada", diz a menina. Mesmo sem aulas, ou avaliação, ela teve nota 8 no bimestre.
Lia é uma das vítimas de um problema que aconteceu em muitas escolas estaduais de SP ao longo do ano.
A Folha escutou relato semelhante em outras 11 escolas, de todas as regiões da cidade e da Grande SP. Em algumas, os estudantes chegaram a ficar até seis meses sem uma determinada disciplina.
Em Araraquara, interior do Estado, alunos do 3º ano fizeram um boicote ao Saresp, pois afirmam que não tiveram aulas regulares de química, história e física desde o começo do ano.
A falta de professores é consequência de uma lei estadual, de 2009, que determina que funcionários contratados sem concurso podem trabalhar por no máximo um ano. Depois, eles devem ficar afastados por 200 dias para evitar vínculo empregatício.
Por isso, poucos professores não estáveis (cerca de 10% da categoria) aceitam cobrir licenças temporárias. Preferem esperar por vagas com mais tempo de trabalho ou até desistem da profissão.
A situação deve piorar no próximo ano, pois os professores que deram aula neste ano terão que se afastar até o início do segundo semestre.
A Secretaria Estadual da Educação reconhece o problema e diz que tentará modificar a legislação neste ano.

AULA VAGA

Os alunos dizem ainda que a ausência dos professores não costuma ser suprida por atividades escolares.
"A gente traz jogo e fica jogando dentro da sala", diz Renata, 12, aluna da escola Castro Alves, na zona norte. Ela ficou dois meses sem ter aula de história neste ano.
Na escola, estudantes do 3º ano do ensino médio também ficaram cerca de seis meses sem aula de filosofia.
A vice-diretora de uma escola confirmou aos pais o problema numa reunião que a Folha acompanhou: "Me parte o coração ver crianças assim. Mas nenhum professor quer pegar essas aulas".
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2011201030.htm  

Comentário
É a eficiência tucana que queria se espraiar para o resto do país.
E o senhor Serra pregava dois professores por sala em determinado ano. Não consegue por nenhum em várias escolas.

O prefeito e o coronel – por Leandro Fortes (CartaCapital)

Obcecada por destruir um adversário político, a família do ministro Gilmar Mendes não mede esforços. Vale até arruinar as finanças de sua terra natal

Eleito em 2008 prefeito de Diamantino, a 208 quilômetros de Cuiabá, o notário Erival Capistrano enveredou-se por um pesadelo político sem precedentes. Nos últimos 23 meses do mandato, Capistrano, do PDT, foi cassado e reconduzido à prefeitura três vezes. Ao todo, ficou no cargo apenas nove meses. Os outros 14 foram ocupados pelo candidato derrotado nas urnas, Juviano Lincoln, do PPS, graças a um jogo de manobras judiciais que transformou a vida de Diamantino num caos político e administrativo. A cada troca de prefeito, os cofres municipais sofrem um rombo de, aproximadamente, 200 mil reais. Por conta dessa situação, o lugar caminha rumo ao precipício contábil e social.
Antes como candidato e agora como prefeito eventual, Lincoln é patrocinado politicamente pela oligarquia local, comandada pela família do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mendes usa, inclusive, expedientes do velho coronelismo nativo: vale-se de meios de comunicação sob seu controle para atacar o adversário político. A TV Diamante, retransmissora do SBT no município, virou arsenal de baixarias contra o grupo de Capistrano comandado por um preposto da família, o técnico rural Márcio Mendes. A emissora, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), é uma concessão para fins educativos à União de Ensino Superior de Diamantino (Uned), instituição de ensino superior fundada pelo ministro do STF.
A vida do prefeito eleito de Diamantino se tornou um inferno por ele ter “ousado” vencer as eleições de 2008 contra Lincoln, escolhido para suceder ao veterinário Francisco Mendes, irmão mais novo do ministro. Chico Mendes, como é conhecido na cidade, foi prefeito de Diamantino por dois mandatos, entre 2001 e 2008, pesou a influência política do supremo irmão. Nas campanhas de 2000 e 2004, Gilmar, primeiro como advogado–geral da União do governo Fernando Henrique Cardoso e depois como juiz da Corte, não poupou esforços para eleger o caçula da família. Levou a Diamantino ministros para inaugurar obras, lançou programas federais e circulou pelos bairros da cidade, cercado de seguranças, para intimidar a oposição.
Em setembro de 2008, a família Mendes aliou-se ao grupo político do ex-governador Blairo Maggi, eleito agora para o Senado. Os Mendes migraram do PPS para o PR e engrossaram no estado a base de apoio do presidente Lula. Não adiantou. Um mês depois, seriam surpreendidos pela vitória de Capistrano por pouco mais de 400 votos de vantagem. O prefeito eleito anunciou, de imediato, a contratação de uma auditoria para verificar as contas da administração anterior, alvo de denúncias de má gestão e desvio de dinheiro. Capistrano conhecia o tipo de inimigo que havia vencido, mas não tinha noção da fragilidade de sua vitória.
A primeira cassação ocorreu em 1º de abril de 2009, três meses após assumir a prefeitura. A decisão foi tomada pelo juiz Luiz Fernando Kirche, titular da 7ª Vara Eleitoral de Mato Grosso. Kirche, figura itinerante da Justiça mato-grossense na região, havia acatado uma representação da coligação de Lincoln na qual o prefeito era acusado de aceitar uma doação de campanha de 20 mil -reais feita mediante um recibo com assinatura falsificada. O documento estava em nome do agricultor Arduíno dos Santos. Em novembro de 2008, Santos depôs no Ministério Público Estadual e confirmou a doação. Dois meses depois decidiu mudar o depoimento e negou ter dado o dinheiro para a campanha do PDT. “Ele foi coagido pelos capangas do candidato derrotado”, acusa Capistrano.
À época, a população de Diamantino surpreendeu-se com a rapidez do processo contra Capistrano. Para se ter uma ideia, em oito anos de mandato o ex-prefeito Chico Mendes sofreu cerca de 30 ações em consequência de supostas falcatruas administrativas, mas nunca foi incomodado pela Justiça. O juiz Kirche havia sido transferido de outra comarca, Tangará da Serra, para assumir a vara eleitoral local. No mesmo dia 1º, logo depois de cassar Capistrano, saiu de férias. Coincidentemente, quatro dias antes, o ministro Mendes tinha estado na cidade natal para rever parentes e amigos. O mesmo padrão iria se repetir no futuro.
Capistrano reverteu a decisão e voltou ao cargo em 23 de junho do ano passado, quando o Tribunal Regional Eleitoral acatou, por unanimidade, um recurso do PDT. Passado pouco mais de um mês, os advogados de Lincoln entraram com uma medida cautelar, com pedido de liminar, para que o candidato do PPS voltasse ao cargo. Lincoln contou, desta feita, com a boa vontade do desembargador Evandro Stábile, então presidente do TRE de Mato Grosso. Stábile decidiu, em 18 de agosto de 2009, cassar novamente Capistrano e recolocar no cargo o preferido da família Mendes. O caso foi parar no Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. Nove meses adiante, uma operação da Polícia Federal mudaria novamente o rumo da história.
Em 18 de maio deste ano, a PF deflagrou em Mato Grosso a Operação Asafe, referência a um profeta bíblico, para identificar e prender advogados, juízes e desembargadores envolvidos em uma quadrilha especializada em vender sentenças judiciais. A ação foi ordenada pela ministra Nancy Andrighi, do STJ. Entre os detidos, Evandro Stábile, que foi afastado da presidência do TRE. Seu sucessor, Rui Ramos, derrubou a liminar e reconduziu Capistrano ao cargo em 13 de junho, pela terceira vez. Em seguida, a relatora do processo de Capistrano no TSE, Cármen Lúcia, considerou a medida cautelar impetrada pelo PPS inválida, dada a nulidade geral do processo. A ministra lembrou que a jurisprudência sobre esse tipo de ação determina que os prefeitos permaneçam no cargo até esgotadas todas as instâncias judiciais. Em vão.
A decisão do TRE havia sido tomada por um vício processual detectado pelo desembargador Ramos. A vice-prefeita eleita, Sandra Baierle, também do PDT, não foi ouvida em nenhuma das fases da instrução processual. Como ela também fora cassada, era necessário tomar seu depoimento nos autos. Por conta disso, o processo retornou à origem, a 7ª Vara Eleitoral de Diamantino. Novamente para as mãos do diligente juiz Kirche. Este voltaria a agir, quatro meses depois, para tirar Capistrano outra vez da prefeitura.
A data escolhida pelo juiz não poderia ser mais emblemática: 30 de outubro, um dia antes do segundo turno da eleição presidencial, justamente quando acabara de chegar à cidade seu filho mais ilustre, Gilmar Mendes. Como no primeiro ato de cassação, Kirche fez a Justiça funcionar a todo vapor em Diamantino para sair de férias em seguida. Na mesma noite, enviou um oficial de Justiça para notificar Capistrano e fazê-lo sair da cadeira de prefeito, mas não o encontrou.
Em 1º de novembro, véspera de feriado do Dia de Finados, com a prefeitura de Diamantino em regime de ponto facultativo, novamente o oficial viu-se frustrado. Foi avisado pela família de Capistrano que ele estava em uma pescaria. Na manhã do dia 3, não houve escapatória. Notificado, o pedetista deixou novamente o cargo para dar lugar ao concorrente derrotado nas urnas. Capistrano entrou com novo recurso e espera voltar ao mandato antes do fim do ano. “Não adianta, não vou renunciar e vou até as últimas consequências.”
Para o prefeito afastado, a estratégia política da família Mendes é a de terra arrasada: tornar a administração de Diamantino inviável e as relações políticas locais tensas o suficiente para propiciar, nas eleições municipais de 2011, a volta de Chico Mendes à prefeitura. Seria uma forma de evitar que as investigações sobre as irregularidades nas gestões de Mendes fossem adiante, embora já tenham sido enviadas ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado no ano passado.
A auditoria feita por Capistrano nos dois primeiros meses de mandato revelou um corolário de maracutaias, sobretudo, no setor de compras. Quando as escolhas eram feitas por carta-convite, os produtos eram adquiridos por até 66,13% acima dos preços pesquisados. – Quando eram por tomada de preço, o índice chegava a 90% de superfaturamento. “Todos os processos licitatórios apresentam irregularidades”, concluíram os auditores.
Ao assumir a prefeitura, Capistrano encontrou uma dívida de INSS de 8,2 milhões de reais e outra, de energia elétrica, de 6,2 milhões de reais. Muitos contratos eram feitos sem nenhuma lógica administrativa. De uma papelaria de Cuiabá chamada Mileniun foram comprados fogão, geladeira, máquina de lavar, sofá e televisão para a prefeitura no valor de 267,6 mil reais. Muitas propostas apresentadas pelas empresas eram exatamente iguais, na forma e no conteúdo, mas com diferenças mínimas de preço (cerca de 0,3%), expediente típico de simulação de licitação.
Em meio à disputa judicial, Capistrano e seus aliados têm enfrentado a fúria diária do “jornalista” Márcio Mendes, no comando da TV Diamante desde 2009. Mendes apresenta um programa matutino chamado Comando Geral. Sua especialidade é insultar e acusar diuturnamente Capistrano de malfeitorias. Ao melhor estilo do coronelismo eletrônico.
A Uned, dona da concessão da tevê, foi fundada em 2000 por Gilmar Mendes. Quem operacionalizou a escola foi Marco Antônio Tozzati, acusado de integrar uma quadrilha de fraudadores que atuavam no Ministério dos Transportes na gestão de Eliseu Padilha. Não há como Márcio Mendes agir sem o conhecimento do ministro do STF.
Além da TV Diamante, Márcio comanda um jornal e o site O Divisor. Também nesses veículos seu esporte preferido é atacar Capistrano, chamado por ele de “prefeito interino” ou “o ainda prefeito” toda vez que retorna ao cargo, embora tenha sido eleito. Mendes desenvolveu um ódio especial pelo grupo de Capistrano depois de perder dois contratos de trabalho, firmados na época do prefeito Chico Mendes. Um, de assessoria de imprensa da Câmara de Vereadores, que rendia 3,6 mil mensais. Outro, na prefeitura, via a agência de propaganda Zoomp, custava 15 mil reais por mês aos cofres municipais.
Goiano de Joviana (daí o nome Juviano), Lincoln se diz ofendido quando chamado de usurpador. Segundo ele, as cassações de Capistrano são resultado de decisões da Justiça, e não da família Mendes. Ele reconhece, porém, que o município está se tornando ingovernável. “Sei que atrapalha, seria muita infantilidade minha não reconhecer isso.” Lincoln garante não se subordinar a Gilmar Mendes, embora faça questão de lembrar que é amigo da família desde a adolescência. “Esse processo não tem nenhuma influência do ministro, é idiotice pensar isso”, afirma. “O ministro (Gilmar Mendes) é eleitor do Serra, e os Mendes todos votaram no Serra”, informa Lincoln, ao se declarar apoiador de Dilma Rousseff.
Segundo Lincoln, os custos adicionais, sobretudo com pagamento das rescisões contratuais dos cargos comissionados, todos mudados a cada reviravolta na prefeitura de Diamantino, são naturais, mas reconhece a frustração do adversário. “Eu não queria estar na pele do Erival. Acho até que ele confiou no contador (no caso dos recibos supostamente falsificados) e caiu de inocente.” Apesar da insistência em permanecer no cargo, diz não pensar na reeleição. Prefere apoiar a volta do amigo Chico Mendes. “Por motivos políticos, sou contra a reeleição.”
“Em Diamantino, quando se ouve o barulho de rojão, ou é mudança de prefeito ou é chegada de crack”, ironiza a enfermeira Mônica Gomes, secretária de Saúde do município nos períodos em que Capistrano ocupa a prefeitura. Segundo ela, a descontinuidade administrativa provocada pela mudança de prefeitos está prestes a provocar um colapso no sistema de saúde local, inclusive nos programas de atendimento a drogados e pacientes com Aids. O controle da dengue também estaria sob risco, sem falar nos convênios firmados com o governo do estado e com o Ministério da Saúde. “Temo uma evasão de médicos e outros profissionais de saúde por causa do desencanto provocado por esse caos.”
Secretária de Administração da gestão de Capistrano, Cleide Anzil, servidora do município há 18 anos, afirma que cada mudança de prefeito, além de gerar um custo de 200 mil reais em rescisões contratuais desnecessárias, torna a contabilidade da prefeitura inviável. De acordo com ela, quando Capistrano reassumiu o cargo pela terceira vez, em junho, o orçamento do município para o ano de 2010, de cerca de 50 milhões de reais, havia sido consumido por Lincoln. “Tivemos de pedir uma suplementação (à Câmara Municipal) para pagar as contas, mas depois tivemos de sair de novo”, conta, desanimada. “Não sei onde essa loucura vai parar.”

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Fugindo do tédio – por Miguel do Rosário (Gonzum)

Tento ler os jornais, mas não vou muito longe. Os assuntos parecem repetir-se. A mesma guerrinha de sempre. Ontem, papeei com um amigo sobre os assuntos do dia, sobretudo o surto de racismo & regionalismo observado no período pós-eleitoral. Esta semana, parei de ler uma coluna no segundo parágrafo, quando o autor afirmou não suportar aeroportos porque pareciam uma extensão do churrasco na laje. Se fosse uma piada, tudo bem. Não era. O cara falava à sério.
São atitudes que merecem um desprezo profundo. O que fazer? São lamentáveis e tristes, em alguns casos até trágicas (como o espancamento de gays em São Paulo); marginais, porém. Não creio (ou não quero crer) que refletem nova força racista emergindo na sociedade.
Uma amiga namora um rapaz que conseguiu convites para assistir ao GP de Fórmula I em São Paulo. Ela contou-me, há poucos dias, que ela e o namorado foram várias vezes agredidos, verbalmente e com chuva de objetos, por grupos de jovens. Gratuitamente. Ela relatou, impressionada, que o ingresso custava R$ 600 e os rapazes tinham todos aparência de estudarem em bons colégios e terem uma vida confortável. Esse é o jovem paulistano que estuda em colégio particular e votou em Serra.
Quer dizer, ainda existe, claro, racismo e preconceito na sociedade brasileira. Só mesmo o Ali Kamel – talvez por ter atravessado a juventude protagonizando filmes eróticos, em vez de estudar – que não vê. Mas não acredito que tenha aumentado em relação ao período anterior (ao contrário do que vemos nos EUA e Europa, onde há, de fato, recrudescimento do racismo e xenofobia).
Há, por outro lado, como vemos nesse patético artigo do Pondé, que prefiro nem linkar, uma irritação com a derrota sofrida pelo partido da mídia e das elites. Natural. A maneira como essa irritação tem sido externada, porém, serve apenas para ilustrar porque perderam. E desmoraliza ainda mais o conservadorismo brasileiro, que assume ares melancolicamente terceiromundistas.
O que não podemos fazer, entretanto, é subestimar o poder midiático de construir consensos. Essa é uma das principais lições do grande Noam Chomsky. Quando se põe humoristas, chargistas, colunistas, historiadores, âncoras de tv, todos para afirmar a mesma cosia, é muito difícil, mesmo para um intelectual, fugir da rede armada para capturar as consciências.
Porque uma coisa é o talento, outra a consciência política. É tristemente comum, não só no Brasil e não só hoje, vermos pessoas extremamente talentosas mas desprovidas completamente de senso político. Heidegger, um dos maiores filósofos da modernidade, destacando-se inclusive com um pensamento do tipo progressista, apoiou o nazismo.
E pensando bem, não adianta culpar ninguém.
Por isso gosto tanto do Hegel, porque um dos pontos importantes de sua filosofia da história é não julgar açodadamente nenhum indivíduo ou grupo, visto que os mesmos muitas vezes sequer tem consciência do papel que representam.
Essa menina, por exemplo, Mayara Petruso. Uma boba, que de repente viu-se no meio de um furacão, condenada pela OAB, servindo de bode expiatório num processo onde os verdadeiros culpados eram os meios de comunicação. Claro, ela é maior de idade e responsável por seus atos… mas isso é uma interpretação fria das coisas.
Enfim, a gente dá umas voltas por aí e acaba sempre, ao final do rolé, batendo a cabeça contra a mídia, que se torna como que a origem de todos os males… Afinal, os governos, mesmo os mais ruins, sempre podem ser derrotados nas urnas, ou mediados por um legislativo crítico. A imprensa tornou-se o único poder público que ainda é hereditário e livre das amarras republicanas. Sem contar que há uma contradição gritante no processo de redemocratização: os profissionais que se sentiram prejudicados pela ditadura tem recebido polpudas indenizações e pensões do Estado brasileiro (que tem mais é que pagar mesmo), e ao mesmo tempo toda a sociedade, que também foi vítima, não recebe nada; pior, os jornais que açularam o golpe e que beneficiaram-se enormemente dele (de várias formas, inclusive pelo fechamento de seus concorrentes), sequer pediram desculpas pelo que fizeram. Não pediram desculpas e este ano ainda repetiram os mesmos bordões usados contra João Goulart em 1964.
A história é um todo orgânico, e os contrastes existentes numa sociedade são a própria vida desta sociedade, são eles que a fazem avançar. Marx usaria essa fórmula para viajar em suas teorias de revolução (que se revelaram, apesar de tudo, acertadas; as revoluções aconteceram; falar que o comunismo morreu é simplesmente ignorar a China). Há uma força histórica (o Espírito da história) que ultrapassa a compreensão humana e mesmo as tragédias e vicissitudes são assimiladas por ela, e convertidas posteriormente em etapas para o autoconhecimento do mundo. Pessoas e países ignoram o seu próprio papel na história.
“A crítica subjetiva que apenas visa o particular e seus defeitos, sem aí reconhecer a Razão Universal, é coisa fácil; ela autoriza todas as fanfarronadas de exibicionismo, na medida em que ela confere, com ares de generosidade, a segurança da devoção ao bem geral”, diz Hegel, em A razão na história.
As pessoas condenam o bolchevismo, o código florestal, o nordestino pobre, a Katia Abreu, muito seguras de que estão dando uma grande contribuição à sociedade. E talvez estejam mesmo, mas não da forma que elas pensam. Vide o caso Mayara: ela contribuiu para trazer luz ao racismo que existe concretamente em São Paulo e outras partes do Brasil, ligado à política, mas que ficava enrustido. A emoção da derrota, enfurecendo a cobra, fê-la cometer um erro: mostrar-se. Só assim podemos decepar sua cabeça. Ela fez um bem, e deveria, ao invés de ser crucificada, receber um tratamento, na mesma filosofia com que tratamos os viciados em crack. Taí, o mundo midiático se tornou uma grande crackolândia…
A natureza busca o equilíbrio, o qual se dá através da luta. A postura golpista da mídia brasileira ajudou a construir uma enorme massa crítica, ou seja, acendeu um alerta que ainda é tímido no mundo: numa sociedade globalizada, o poder midiático multiplicou-se e atingiu um patamar inédito, incontrolável, perigoso. O princípio do poder numa democracia emana do povo, e somente do povo; se há um setor corporativo que lida diretamente com o poder, como é a mídia, mas à diferença dos outros poderes, não é regulado democraticamente, temos um problema. Ah, pode-se dizer que o mercado faz o papel de povo, porque as pessoas decidem se assistem ou não determinado canal de TV, ou lêem ou não determinado jornal. Certo. Mas se pensarmos assim, imporemos a lei do mais forte. Com um agravante: sabemos muito bem qual foi a academia onde as empresas brasileiras de comunicação formaram seus músculos. Na academia militar…
Como eu dizia, no entanto, a natureza procura o equilíbrio e cumpre ao Estado proteger essa tendência. Por isso, as verbas de publicidade estatal, hoje, representam um forte fator de injustiça. Ou não dá para ninguém, ou dá para todo mundo. A partir do momento em que eu, como blogueiro, assumo um papel de mediador e uma função de importância pública, não entendo e não quero aceitar que a revista Veja e, por conseguinte, os colunistas e os blogueiros da Veja, recebam ajuda do contribuinte brasileiro (e logo de mim mesmo!) e eu continue a ver navios.
Aos poucos vou desenferrujando e voltando a escrever…

Comentário
Discordo em alguns pontos do escrito, em especial na afirmação de que a China é comunista.
Ao contrário: lá ocorre o capitalismo de estado.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A encrenca de uma coalizão muito ampla - por Maria Inês Nassif (Valor econômico)

Não é bom ter o PMDB como amigo. Pior ainda tê-lo como inimigo. A presidente eleita, Dilma Rousseff, já deve ter percebido o tamanho do barulho que o PMDB faz e a enorme capacidade do partido de desferir golpes rápidos e certeiros em seus aliados, quando o assunto é participação na máquina do governo. Sozinho, o PT, com sua bancada de 88 deputados na Câmara, será incapaz de se contrapor a isso. E não parece ser do perfil da eleita dar nó em pingo d'água, como conseguiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à base da estratégia uma no cravo, uma na ferradura.

Pragmático, o presidente Lula, já na formação de seu primeiro governo, acenou para a sociedade como se sua eleição tivesse sido o produto de uma aliança política mais ampla do que realmente foi. A escolha de ministros comprometidos com a política ortodoxa, no campo da economia, teve a compensação que poderia dar naquele momento, diante da grave crise econômica que o Brasil atravessava: a imediata execução do Programa Fome Zero, posteriormente Bolsa Família, que integrou todos os programas de transferência de renda existentes.

O lado mais curioso dessa ampla coalizão (do ponto de vista da diversidade ideológica dos partidos aliados) foi a solução dada por Lula à Agricultura. Lula tomou o agronegócio como prioridade de governo e manteve o Ministério da Agricultura nas mãos de pessoas ligadas aos grupos ruralistas, que deram ao seu governo mais trabalho do que apoio no Congresso. No outro lado da balança, manteve um Ministério do Desenvolvimento Agrário sempre nas mãos de ministros ligados a movimentos sociais pela reforma agrária. A síntese dessa contradição foi um grande apoio ao agronegócio, mas uma política ativa de crédito e transferência de tecnologia voltada para a pequena propriedade e para a agricultura familiar. O Ministério de Desenvolvimento Social trabalhou articuladamente com o MDA junto a essas famílias, que pelo menos no início do governo estavam inseridas nos bolsões de miséria sob a mira das políticas sociais do governo. Agora já devem ter subido um pouco na escala social.

Lula manteve sob permanente conflito o Ministério da Defesa, no segundo mandato sob a batuta de Nelson Jobim, e a Secretaria Especial de Direitos Humanos, primeiro sob Nilmário Miranda, depois sob Paulo Vannucchi, ambos comprometidos com o "direito à memória e à verdade", ou seja, o esclarecimento das mortes, desaparecimentos e torturas ocorridas durante a ditadura militar (1964-1985). Mais do que seus antecessores, Jobim intermediou as pressões dos militares para deixar as coisas como estão.

No segundo governo, Lula levou às pastas da Economia essa lógica do confronto. Caiu Antonio Palocci, que manteve no Ministério da Fazenda os quadros do governo de FHC e a formulação de política ortodoxa, e colocou Guido Mantega, "desenvolvimentista" - mas com o contraponto de Henrique Meirelles no Banco Central. Acabou dando certo durante a crise a política de forte intervenção do Estado na economia, via Mantega, e de curva muito lenta de declínio dos juros, via Meirelles. Mas o câmbio certamente pagou por isso.

No primeiro mandato, o confronto nas posições de política econômica incluiu também a Casa Civil, sob o comando de José Dirceu. A guerra, aí, não era apenas entre posições sobre política econômica diferentes, mas uma disputa pelo poder no governo e no PT. Com a queda de Palocci e a ascensão de Dilma à Casa Civil, esse foco de conflito diluiu-se e mais tarde, no auge da crise, houve um grande movimento de consenso entre Fazenda, Casa Civil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em torno de medidas anticíclicas que se mostraram mais eficientes do que a política ortodoxa adotada no governo anterior como resposta a sucessivas crises internacionais.

O bloco que está sendo articulado pelo PMDB com os pequenos partidos de direita na Câmara pretende puxar o governo para um ministério não apenas com muitos pemedebistas, mas mais conservador e menos progressista, em relação à dosagem feita por Lula. Para o PT, existe a opção de fazer também um bloco à esquerda, com os pequenos partidos de esquerda, mas ainda assim organizaria um bloco menor do que o conseguido pelo PMDB.

Resta saber como Dilma reage a esse tipo de pressão. Até o momento, pelas notícias saídas da equipe de transição, ela parece não ser partidária da lógica do conflito, que definiram, ao fim e ao cabo, os resultados do governo Lula. Dilma tem feito primeiro as formulações de políticas públicas. Os nomes, ao que tudo indica, virão depois de definido o rumo que ela quer para cada área. Na política econômica, já deixou claro que não trabalhará com a contradição entre política econômica heterodoxa e política financeira ortodoxa. É certo que o Brasil é outro - e Lula assumiu sob um quase default -, mas a presidente eleita declarou, com todas as letras, que perseguirá uma política de juros menores. O presidente do BC terá de se adequar a isso. Tem expressado também que aprofundará as políticas sociais de transferência de renda. Agora, é ver com adequa as políticas à escolha dos nomes.

A articulação de setores do DEM para incorporar o partido ao PMDB é assunto que, nesse momento, voltou para a gaveta. A avaliação feita pelo partido, na reunião da Executiva ocorrida na terça-feira, é a de que a articulação foi comprometida pela precipitação de alguns setores. Isso teria de ser articulado com muita habilidade, sob pena de provocar grandes resistências de diretórios regionais. E foi o que acabou acontecendo.

O interesse mais imediato na história é do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. E a quem a maioria atribui a culpa de ter levado o partido a apoiar José Serra, contra a convicção de quadros políticos importantes, de que o tucano paulista teria poucas chances de vitória. O filme do prefeito está um pouco queimado. E a discussão do que fazer com o partido foi adiada para depois da posse do novo Congresso.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Comentário
A Maria Inês Nassif honra a profissão de jornalista, pela lucidez e imparcialidade.
É por essas e outras que não concordo com a crítica "à imprensa" brasileira. Aqui há, sim, muitos ótimos jornalistas. Eventualmente eles só não estão em determinados veículos (ou lá estão e são tolhidos moral/intelectualmente).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os subterrâneos da guerra de moedas – por Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo (Valor Econômico)

Atribulado pela memória das desordens monetárias e cambiais dos anos 20 e 30 do século passado, Keynes, delegado da Inglaterra em Bretton Woods, propôs a Clearing Union, uma espécie de Banco Central dos bancos centrais. A Clearing Union emitiria uma moeda bancária, o bancor, destinada exclusivamente a liquidar posições entre os bancos centrais. Os negócios privados seriam realizados nas moedas nacionais que, por sua vez, estariam referidas ao bancor mediante um sistema de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis. Os déficits e superávits dos países corresponderiam a reduções ou aumentos das contas dos bancos centrais nacionais (em bancor) junto à Clearing Union.

O plano apresentado por Keynes buscava uma distribuição mais equitativa do ajustamento dos desequilíbrios de balanço de pagamento entre deficitários e superavitários. Isto significava, na verdade - dentro das condicionalidades estabelecidas - facilitar o crédito aos países deficitários e penalizar os países superavitários. O propósito de Keynes era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as economias na trajetória do pleno emprego. Ele imaginava, ademais, que o controle de capitais deveria ser "uma característica permanente da nova ordem econômica mundial".

Mas a utopia da "moeda supranacional" foi derrotada pelo arranjo internacional proposto pelo Estado americano, então superavitário e detentor de mais de 60% das reservas-ouro. Tratava-se, como é óbvio, de preservar o privilégio da seignoriage. Assim, a supremacia do dólar, já no imediato pós-guerra, impulsionou a transnacionalização da grande empresa, a ampliação e a reorientação dos fluxos de comércio, ao promover o investimento "cruzado" entre os mercados dos países industrializados e suscitar a redistribuição geográfica da produção manufatureira para a periferia.

A "metástase" do sistema industrial dos países desenvolvidos, particularmente do americano, foi revigorada pela onda da liberalização financeira e comercial deflagrada nos anos 80 e ganhou força redobrada na década dos 90. Desde então, o investimento manufatureiro concentrou-se na China e na Ásia emergente. A "competitividade" chinesa tornou-se um tormento para os rivais, tanto nos setores menos qualificados tecnologicamente, quanto, em ritmo acelerado, nas áreas de tecnologia mais sofisticada. O país tornou-se grande receptor do investimento direto americano, europeu e japonês e, ao mesmo tempo, ganhou participação crescente no mercado de bens finais, peças e componentes dos Estados Unidos e Europa.

A redistribuição espacial da indústria manufatureira ampliou os desequilíbrios nos balanços de pagamentos entre os EUA, a Ásia e a Europa, bem como favoreceu o avanço da chamada globalização financeira. Os EUA foram capazes de atrair capitais para cobrir os déficits em conta corrente e, assim, mantiveram taxas de juros baixas, dólar valorizado, importações baratas e calmaria inflacionária. A ampliação dos déficits em conta corrente dos EUA teve como contrapartida a rápida acumulação de reservas nos países emergentes - nos manufatureiros e nos exportadores de commodities, aí incluídos os petroleiros. Utilizadas na compra de ativos americanos, as reservas dos "poupadores" ensejaram a espantosa expansão do crédito, fomentaram a inflação de ativos e estimularam o consumo das famílias. A virtude da temperança incitou os destemperos da finança que levaram à crise.

Quando eclodiu a crise financeira, os analistas passaram a buscar os "culpados" pelo desastre. Os partidários dos desajustes entre poupança e investimento repartem a responsabilidade pelos desequilíbrios globais entre dois vícios simétricos: os americanos poupam menos do que investem; os superavitários (sobretudo, os asiáticos - não só a China, mas também o Japão e outros menos votados) investem menos do que poupam. Os que acusam os superavitários de manipular a taxa de câmbio sublinham a importância das estratégias de crescimento dos parceiros emergentes, impulsionadas pela expansão das exportações, ancoradas nas moedas subvalorizadas.

Essa busca de "individualização" de responsabilidades obscurece o mais importante: o caráter "fundamental", constitutivo, dos ditos desequilíbrios globais (bem como dos "excessos" da finança) na determinação das "leis" que regeram o modo de crescimento da economia global nas últimas décadas.

Não é demasiado repetir que, nos últimos 30 anos, ocorreram profundas transformações na morfologia e na dinâmica da economia mundial. Ganharam força três movimentos simultâneos: 1) o avanço da internacionalização financeira escorada na desregulamentação e na abertura das contas de capital urbi et orbi; 2) a aceleração da reestruturação produtiva, mediante as fusões e aquisições e o direcionamento dos fluxos de investimento direto para as regiões de menor custo; 3) as mudanças importantes, daí decorrentes, na divisão internacional do trabalho e nos padrões de comércio.

As transformações financeiras foram acompanhadas, como é sabido, de mudanças na estratégia global da concorrência entre as empresas dominantes, com implicações sobre a natureza e a direção do investimento direto estrangeiro e do progresso técnico. Não se trata apenas de reafirmar a importância crescente do comércio intrafirmas, mas de destacar o papel decisivo do "global sourcing", fenômeno que está presente, sobretudo, nas estratégias de deslocalização e de investimento que alentaram a competitividade da grande empresa e, de quebra, ensejaram o crescimento exuberante das economias asiáticas, a China em particular. Os "desequilíbrios" estão no DNA do exuberante movimento de expansão do capitalismo do final do século XX e da primeira década do Terceiro Milênio. Dificilmente serão revertidos mediante um realinhamento entre o yuan, o dólar e o euro.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Escreve mensalmente às terças-feiras, excepcionalmente nesta quarta-feira.

Principal desafio: redução da Selic - por Amir Khair (O Estado de São Paulo)

Há um compromisso explícito do novo governo de reduzir até o final de 2014 a dívida líquida do setor público (DLSP) dos atuais 40% do Produto Interno Bruto (PIB) para 30%. Para isso existem várias opções de política fiscal e monetária. Vamos admitir para cada ano, de 2011 a 2014, o PIB crescendo 4,5% e a inflação em 4,5%, e considerar dois caminhos para atingir esse objetivo: um, pelo resultado primário (receita menos despesas exclusive juros), e outro, pela taxa básica de juros, a Selic.

Primeiro caminho: ajuste pelo resultado primário. Foi o que vigorou nos governos FHC e Lula. O Banco Central fica livre para determinar a Selic conforme seus objetivos. O mercado financeiro prevê que a Selic seja de 11,75% em 2011. Vamos admitir que permaneça nesse patamar até o final de 2014. Nessas condições, para atingir o objetivo da DLSP de 30% ao final de 2014, o resultado primário necessário nos próximos quatro anos deveria ser de 3,1% do PIB.

Segundo caminho: ajuste pela Selic. Seria uma nova política em que se procuraria aproximar a cada ano a Selic do nível internacional dos países emergentes, de 6%. Neste ano a Selic média será de 10%. Ela cairia um ponto a cada ano: 9%, em 2011; 8%, em 2012; 7%, em 2013; e 6%, em 2014. Nessas condições, para atingir o objetivo da DLSP de 30% ao final de 2014, o resultado primário necessário nos próximos quatro anos deveria ser de 1,7% do PIB.

Esse segundo caminho permite, em relação ao primeiro, uma economia anual de 1,4% do PIB (3,1 menos 1,7). Em ambos os casos, em 2014 acabaria o déficit fiscal.

Atualmente, as despesas com juros atingem 5,4% do PIB. Em 2014 seriam de 3,7% do PIB, pelo caminho de não reduzir a Selic, ou de 1,9% do PIB, reduzindo-a em quatro anos para o nível internacional dos países emergentes. A vantagem fiscal é clara quando a política econômica passa a trabalhar com juros civilizados.

Mas pode-se argumentar que os juros só vão cair quando as despesas de custeio caírem. Será? Não creio. O que importa sob o aspecto macroeconômico é reduzir despesas. E juro é uma despesa que nos últimos 12 meses atingiu R$ 184 bilhões! Caso o País tivesse adotado uma política de taxas de juros civilizadas, essa despesa não existiria. O que diferencia o País em relação ao resto do mundo não são as despesas de custeio, mas as taxas de juros.

As despesas de custeio se destinam fundamentalmente para a área social e as despesas com juros só servem para reduzir os investimentos.

É aí que deverá o futuro governo centrar fogo. Pode, se quiser, seguir uma regra de não elevar as despesas de custeio acima do crescimento do PIB, usando o que sobrar para aumentar investimento. Mas o aumento de investimento é despesa do mesmo jeito e cria novas despesas de custeio para poder funcionar esse novo investimento. Exemplo: gasta-se em um ano com custeio o valor do investimento para construir e equipar um hospital.

Num país com má distribuição de renda, que levou a um elevado déficit social, e com gastos desnecessários com juros, que limitaram os investimentos em infraestrutura, parece natural que o próximo governo saberá tirar vantagem dessa lacuna fiscal herdada da péssima qualidade da política monetária que submeteu o País às maiores taxas de juros do mundo por mais de 15 anos. Além disso, apreciou o real mais do que as outras moedas e com isso está contribuindo para criar o rombo nas contas externas e desindustrializar o País.

Para sair dessa posição incômoda, é necessário que a futura presidente traga para sua responsabilidade a articulação das políticas monetária e fiscal. Baixando a Selic, caem rapidamente a despesa pública e o custo de carregamento das reservas e a apreciação do real deixa de ser tão agravada como foi até agora pela atração dos capitais externos especulativos. Está na hora de fechar as portas do cassino financeiro e concentrar recursos para o desenvolvimento econômico e social.

O TJSP e os cargos de confiança – por O Estado de São Paulo

No final da campanha eleitoral, passou praticamente despercebida a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de São Paulo, do projeto de lei que cria 2.199 cargos em comissão para assistentes de juízes de primeiro grau. O projeto, de autoria do presidente do Tribunal de Justiça (TJ), desembargador Viana Santos, é bastante polêmico.

Com 45 mil funcionários, a Justiça paulista é a maior do País. Totalizando R$ 4,3 bilhões, a folha de pagamentos de ativos e inativos já consome 90% do orçamento anual da instituição. Se for autorizada pela Assembleia, a contratação de 2.199 comissionados aumentará em 5% o quadro de servidores. Para o desembargador Viana Santos, isso vai agilizar a tramitação das ações, desafogando as instâncias inferiores da Justiça. Segundo ele, os juízes de primeira instância não dispõem de "uma estrutura à altura de suas atribuições".

A proposta do presidente do TJSP conta com o apoio da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis). Segundo o presidente da entidade, desembargador Paulo Dimas, cada juiz poderia indicar um assistente, tendo a liberdade de escolher profissionais de dentro ou de fora da carreira judicial, com base em avaliação de currículo ou testes. "A ideia é trazer alguém de confiança para somar e produzir. O comissionado não vai fazer produção burocrática, mas dar apoio diferenciado ao magistrado, que precisa ter uma estrutura maior de trabalho para vencer os processos."

Apesar desses argumentos, a proposta está sendo duramente criticada nos meios jurídicos e governamentais. No âmbito do Executivo, as principais críticas são de que o projeto enviado pelo TJSP para a Assembleia Legislativa representa um retrocesso, pois vai na contramão das políticas de profissionalização e aperfeiçoamento da administração direta. Partindo da premissa de que os cargos de livre indicação permitem o ingresso de servidores despreparados na máquina governamental, além de favorecerem o apadrinhamento, o clientelismo e o fisiologismo, a política de profissionalização tem por objetivo substituir os servidores comissionados por funcionários selecionados por concurso público de provas e títulos.

Nos meios jurídicos, a principal crítica é de que o projeto colide com a Resolução n.º 88 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão encarregado de promover o controle externo do Poder Judiciário. A medida foi baixada em setembro do ano passado, em meio a uma série de providências moralizadoras tomadas para acabar com o nepotismo, e estabeleceu regras rigorosas para o preenchimento dos cargos em comissão nos tribunais e para a requisição de funcionários. Entre outras restrições, a Resolução n.º 88 determinou que pelo menos 50% dos cargos comissionados na Justiça devem ser obrigatoriamente destinados a servidores de carreira, selecionados por meio de concursos públicos. O projeto que está na Assembleia Legislativa passa por cima dessa proibição.

Confirmando que se trata de um retrocesso institucional, a proposta do TJSP favorece o compadrio. Os serventuários judiciais concursados são, evidentemente, selecionados pelo critério do mérito, mas, por isso, não são considerados de "confiança" pelos desembargadores paulistas. Como disse o presidente da Apamagis, eles não teriam como dar "apoio diferenciado" aos magistrados. Daí o projeto que, invocando o critério da "confiança", volta a abrir caminho para a contratação de parentes e apadrinhados, como era comum em todos os tribunais antes das medidas tomadas pelo CNJ para acabar com o nepotismo no Judiciário. Nos dois últimos meses, a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, já concedeu várias entrevistas criticando duramente o corporativismo de juízes e denunciando a tentativa de alguns setores da magistratura de solapar essas medidas.

O TJSP está pressionando a Assembleia Legislativa a aprovar o projeto ainda este ano. Vamos esperar que os deputados não cedam às pressões. Pelo bem do próprio Poder Judiciário.

Comentário
Tanto pela moralização, quanto pelo aspecto dos sempre e sempre batidos “gastos públicos”, tal projeto é uma excrescência.
Mas se forem perguntar a estes que apresentaram o projeto, sobre o que eles acham dos cargos comissionados em qualquer esfera governamental do executivo (municipal, estadual e federal), eles criticarão com toda agressividade, claro, pregando a “moralidade”, a “impessoalidade” no serviço público, etc.
O fato de os apresentadores do projeto não considerarem de “confiança” os funcionários concursados, é de uma tolice e uma safadeza intelectual digna de ser escrita em pedra.

O mundo diz NÃO aos dólares "fake" dos EUA - por Eric Margolis, Huffington Post (blog do Nassif)

Em bofetada que se ouviu em todo o planeta, a agência estatal chinesa de avaliação de créditos acaba de reduzir a avaliação do crédito dos EUA e questionou os EUA como economia líder do mundo.

Em movimento sem precedentes, a China denunciou "a deterioração da capacidade de pagamento" de Washington e previu que a emissão de bilhões em papel-moeda (operação chamada de "flexibilização quantitativa" [ing. quantitative easing] no jargão financeiro) resultará "fundamentalmente em redução da solvência nacional".

Ah, como os tempos mudaram! Quando eu era menino, meu pai, financista em New York, chamava os títulos duvidosos de "papel chinês". Seis décadas depois, é a vez da China zombar dos instrumentos financeiros norte-americanos. A China detém hoje a maior fatia da dívida externa dos EUA.

As monarquias sempre sofreram muito para pagar por suas guerras e conquistas. Os impérios espanhol, francês, holandês e britânico ruíram sob o peso financeiro das guerra e das colônias gigantes. Os EUA hoje padecem da mesma doença imperial.

Desde o Egito antigo, o recurso ao qual tradicionalmente recorrem os impérios com problemas de caixa tem sido reduzir a proporção de ouro na cunhagem das moedas, prática conhecida como "clipping".

Fast forward até Washington, 2010. Hoje, se fala em "flexibilização quantitativa" [ing. "quantitative easing" (QE2)], mas é ainda o mesmo truque tão prestigiado pelos governantes de antigamente.

Washington inundará os mercados financeiros com $600 bilhões de dólares fake, na esperança de que essa maré montante de dinheiro de "Monopólio", o jogo, consiga arrancar os EUA da recessão. É a segunda rodada de "flexibilização quantitativa", chamada hoje de "QE2". E nada tem a ver com transatlântico "Queen Elizabeth 2a".

Os EUA exportam inflação para o mundo inteiro, para reduzir sua gigantesca dívida, pagando os credores com dólares desvalorizados.

Todo o mundo está furioso com Washington, como se viu claramente na reunião do G-20, semana passada na Coreia do Sul e em Yokohama, Japão.

A União Europeia, o Japão, China, Brasil e Rússia uniram-se na oposição à segunda "flexibilização quantitativa" de Washington, vendo nela uma ameaça à estabilidade financeira e ao comércio global. Também muito significativamente, reagiram contra a tentativa, pelos EUA, de culpar a moeda chinesa desvalorizada, pela instabilidade atual. Não se chegou a nenhum acordo na candente questão do câmbio.

Washington acusou a China de manipular sua moeda para mantê-la subvalorizada. Alemanha e Brasil, para grande embaraço dos EUA, acusaram os EUA de também manipular a própria moeda – o que é plenamente verdade.

O dólar depreciado faz crescer as exportações norte-americanas e prejudica as nações que exportam para os EUA. Os economistas chamam isso de "matar de fome o vizinho" – prática comercial destrutiva e predatória que teve papel importante na depressão mundial dos anos 1930.

A onda de dinheiro fake de Washington está provocando erosão no valor do dólar, principal moeda de troca mundial. Nos dois últimos meses, o dólar norte-americano caiu mais de 6% em relação às principais moedas. Investidores assustados estão correndo para o ouro, que já valorizou 17% em 60 dias.

O governo Obama, que acaba de levar "uma surra braba" [ing. "shellacked", palavra que Obama usou em sua primeira fala depois das eleições (NT)] dos eleitores nas eleições de meio de mandato, e precisa desesperadamente reduzir o desemprego, aposta que mais terapia de choque trará a economia de volta à vida. Mas a dívida interna, gigantesca, já levou ao colapso financeiro de 2008, nos EUA.

A dívida interna dos EUA atinge a cifra estratosférica de 14 trilhões de dólares. Ninguém trata vítima de envenenamento com mais veneno. É quimera imaginar que conquistaremos a prosperidade gastando dinheiro emprestado.

Mas políticos em pânico estão dispostos a tentar qualquer remédio econômico à base de mais veneno de cobra, para salvar a própria pele. Antes de 2007, os EUA viveram à larga, crendo em créditos inexistentes. Esse tempo acabou, mas ninguém se atreveu, até agora, a contar aos eleitores.

Além de desestabilizar o câmbio e o comércio, o maremoto de moeda norte-americana jorra sobre os mercados emergentes, onde os investidores norte-americanos vão em busca de melhores taxas de juro que os miseráveis 0,03% que encontram em casa.

Nos anos 1980, frágeis economias asiáticas foram devastadas, quando ondas de investimento norte-americano avançaram sobre elas e rapidamente saíram de lá. Esse processo volta a acontecer agora, devastando a moeda de outros países, cujas exportações perdem competitividade. Barreiras já se erguem contra esse tipo de investimento predatório em todo o mundo, da China ao Brasil.

O presidente Barack Obama recebeu herança muito maldita do governo Bush. Apesar disso, a resposta que dá hoje nada fica a dever aos desmando bushianos: o projeto econômico de Obama ameaça hoje toda a ordem econômica mundial. A moeda é símbolo nacional mais potente que a bandeira.

De fato, é bem possível que os fóruns econômicos da semana passa na Coreia do Sul e no Japão tenham sido o começo do fim da era do dólar norte-americano, que comandou as finanças e o comércio planetário desde 1945. A fonte primária do poder dos EUA é a economia e a força financeira. O dinheiro tem mais poder que aviões bombardeiros e divisões aerotransportadas.

O dólar continua rei, mas a era de sua supremacia internacional parece estar terminando. À medida que o dólar enfraquece, enfraquece o poder dos EUA no mundo. A culpa por tudo isso é, integralmente, dos políticos norte-americanos e dos oligarcas de Wall Street.

Semana passada, Washington foi varrida por rara onda de bom-senso. Painel presidencial bipartidário sobre redução da dívida pública propôs corte de $4 trilhões nos gastos federais.

No alvo dos cortes propostos, todas as vacas sagradas políticas. O corte proposto na carne da mais sagrada delas – o orçamento militar – é da ordem de $700 bilhões. Um terço das bases militares dos EUA pelo mundo terão de ser fechadas. E terá de haver cortes na seguridade social e nos subsídios para hipotecas; aumento na idade mínima para aposentadorias; e congelamento total de vários dos projetos locais dos quais muitos políticos fazem meio de vida. Além de previsível aumento de impostos.

O ranger de dentes já começou. Infelizmente, cortes de gastos drásticos e impopulares são altamente improváveis, sobretudo num Congresso no qual Republicanos e Democratas estarão em eterno empate. Os EUA precisariam de um ditador econômico, para conseguir implementar todo o Plano de salvação proposto pelo Painel.

A China já tem o seu ditador econômico – por ironia, é o Partido Comunista. Os EUA, mortalmente viciados em guerras e dívidas, só têm paralisia política e fiscal.

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Eleições 2010: o velho poeta e a ira dos inconformados – por Ricardo Kotscho (Balaio do Kotscho)

     Eleição para presidente é bom por causa disso: só acontece de quatro em quatro anos, tem dia e hora para acabar. Em pouco tempo, fica-se sabendo quem ganhou e quem perdeu. No dia seguinte, a vida segue seu rumo. Os vencedores escolhem o time que vai governar e os perdedores reorganizam suas tropas para a próxima eleição. Por isso, como vocês sabem, nem pretendia voltar ao assunto.

     Nas democracias costuma ser assim, mas não é bem o que esta acontecendo no Brasil nestas duas semanas que se passaram desde que fomos às urnas. Em alguns “bolsões sinceros mas radicais”, como se dizia nos tempos dos militares, quando não se podia votar para presidente, nota-se um rancoroso inconformismo com o resultado, especialmente na imprensa e nas redes sociais.

     Manifestações diárias deste sentimento podemos encontrar em mensagens e artigos carregados de ira, preconceitos e intolerância que circulam em colunas, editoriais, blogs, celulares, facebooks, twitters e que tais, nas velhas e nas novas mídias impressas e eletrônicas, por toda parte _ hoje como ontem, os mais estridentes redutos do que sobrou da oposição radical. Não são tantos como pensam, mas fazem muito barulho.

     Um exemplo patético do que pensa este tipo de eleitor derrotado é o inacreditável artigo publicado domingo na Folha de S. Paulo pelo poeta Ferreira Gullar, sob o título “Ah, se não fosse a realidade!”. De fato, se não fosse a realidade das urnas, ele talvez estivesse hoje mais feliz, menos amargo, escrevendo novos versinhos, mas o voto digitado não tem volta e os resultados oficiais já foram proclamados pelo TSE.

     A começar pelo trecho destacado no texto _ “Ninguém imagina que Lula deixe dona Marisa em São Bernardo para instalar-se na alcova de Dilma” _ Gullar destila sua bílis num panfleto carregado de ódio e desrespeito, que não deve fazer bem a quem o escreve, muito menos a quem o lê num final de tarde de domingo como aconteceu comigo.

     Viúvo do comunismo de resultados de Roberto Freire, o octogenário poeta ganhou destaque na reta final da campanha eleitoral como uma espécie de líder dos intelectuais de oposição, encabeçando manifestos e abaixo-assinados “em defesa da democracia e da vida”, como se ambas estivessem ameaçadas.

     Fez o que pode e o que não pode, como se pudesse, para impedir a vitória de Dilma Rousseff, candidata de um governo que ele abomina desde que tomou posse, em 2003. Por isso, ele até hoje simplesmente não aceita a derrota.

     “De fato, como acreditar que uma mulher que nunca se candidatara a nada, destituída de carisma e até mesmo de simpatia, fosse capaz de derrotar um candidato como José Serra, dono de uma folha de serviços invejável, tanto como parlamentar quanto como ministro de Estado, prefeito e governador?

     Não obstante, aconteceu (…)”

     Gullar faz parte do elenco fixo de intelectuais e “ólogos” em geral sempre requisitados pela imprensa para escrever artigos ou dar entrevistas contra o governo Lula, a presidente eleita e o PT. Até hoje, tem gente que não admite e não se conforma com as vitórias de Lula em 2002 e 2006, e muito menos com a de Dilma este ano.

     Premiado porta-letras de um setor da sociedade que o venera nos saraus dos salões elegantes, o poeta é figurinha carimbada, mas agora é hora de renovar o plantel, pois ninguém vai conseguir ler sempre os mesmos lamentos e insultos por muito tempo.

     Na semana passada, a mesma Folha recolheu do anonimato dois articulistas do melhor estilo “neocon”, que atribuem aos feios, sujos e malvados as razões de todas as nossas desgraças, e os abrigou em sua terceira página.

     Primeiro, foi um rapaz chamado Leandro Narloch. Em seu breve currículo, ele informa já ter trabalhado na Veja e que é autor do livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”. Sob o título “Sim, eu tenho preconceito”, ele escreveu um texto em defesa da elite branca de Cláudio Lembo e da moça que culpou os nordestinos pela derrota e sugeriu o afogamento deles como solução. É mais um autor “neocon” em busca de um nicho de mercado dominado por “oldcons”.

     Pouco importa que, mesmo sem os votos do Norte-Nordeste, Dilma tivesse vencido as eleições do mesmo jeito, com mais de 1,3 milhão de votos de vantagem. A tese dos neocons é que os pobres, doentes e iletrados das “regiões mais atrasadas” ganharam dos sábios, saudáveis e abonados do Sul-Sudeste maravilha, o que para eles é inconcebível.

     A segunda a entrar em cena foi a professora doutora Janaina Conceição Paschoal, apresentada ao público como professora associada (de quem?) de Direito Penal na gloriosa Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Na mesma linha, ela publicou o artigo “Em defesa da estudante Mayara” e colocou a culpa pela explosão do “racismo regional” em Lula.

     Enquanto a oposição procura juntar os cacos e entender o que aconteceu, sem a participação do seu líder derrotado, que sumiu do mapa e fez apenas uma fugaz e infeliz aparição no Sul da França, o noticiário pós-eleitoral se concentra nas muitas crises entre os partidos aliados na disputa por cargos no novo governo e no superdimensionamento de problemas administrativos enfrentados pela administração federal.

     Pelo jeito, boa parcela do eleitorado mais conservador continua sem lideranças na representação político-partidária e no movimento social, embora tenha mostrado sua força na recente eleição, o que leva bispos, poetas, pastores e setores da imprensa a exercer este papel cada vez com maior furor.

     Como dizia um velho jornalista dos meus tempos de Estadão, o mestre Frederico Branco, ainda nos anos 60 do século passado: eles não aprendem, não esquecem e não perdoam.

Sempre digo que Pelé só teve um; igual a Lula não vai ter – por Eliane Cantanhêde (Folha de São Paulo)

Ainda assim, chanceler diz que Dilma pode fazer um governo "extraordinário", dá como cumprida sua missão no cargo e defende política externa, que definiu como "altiva e ativa"

"Não lamento nada." Com essa frase, dita em francês e emprestada de Edith Piaf, o ministro Celso Amorim, 68, termina oito anos à frente do Itamaraty defendendo de forma enfática sua política, que batizou de "altiva e ativa".
Mantém as críticas aos EUA, carrega nas tintas ao pintar o protagonismo do Brasil no comércio e na política externos e defende a posição que o país teve em casos polêmicos, como mediar o acordo nuclear do Irã.
Ele diz que cumpriu sua missão e que seria "incapaz" de se candidatar a permanecer no governo Dilma Rousseff. Compara o presidente a Pelé e vaticina: "Igual a Lula não vai ter, mas não quer dizer que Dilma não vá fazer um governo extraordinário".

Folha - O sr. é candidato a continuar no cargo?
Celso Amorim - Fiquei muito contente com a vitória da Dilma, mas eu seria incapaz de me colocar como candidato.

Se fosse convidado, ficaria?
Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida. Agora, se me pedirem conselho, estou disposto a dar.

Por exemplo...
Acho que o próximo ministro deve ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na renovação. Precisamos de gente mais nova.

O embaixador Antônio Patriota?
Ele tem plenas condições, mas não é o único.

Como o sr. virou chanceler?
Eu nem conhecia o Lula. Nunca soube por que optou por mim, nunca perguntei.
Ele costumava dizer que eu tinha caspa, então, devia ser um pouco mais popular. Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Foi para o Fernando Henrique Cardoso. Mas o Lula é uma figura excepcional, você conta três ou quatro líderes políticos como ele no século.

E como vai ser sem Lula?
Sempre que me perguntam isso digo que Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão. Igual a Lula não vai ter, mas isso não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa.

Qual foi o maior acerto da política externa?
Quando o presidente me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa. Essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente. Era uma questão de atitude.

Antes não era altiva e ativa?
Tenho 50 anos de Itamaraty e vi gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo". Então, é melhor cuidar da burocracia e evitar bolo.

O que poderia dar bolo?
Quando nós fizemos o G20 comercial em Cancún e quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina. Ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros. Matamos a Alca sem dar um tiro.

Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?
Olhando em retrospectiva, foi melhor mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir na política Sul-Sul.

Mas o Brasil ficou sem Alca, sem a Rodada Doha e sem acordos bilaterais.
Nosso comércio cresceu com o mundo todo, o Brasil é a oitava economia do mundo, está entre os dez maiores cotistas do FMI. Tinha um acordo prontinho entre EUA e União Europeia para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam migalhinhas. Quem disse "não" foi o G20, em 2003, e não há quem não reconheça que quem liderou o G20 foi o Brasil.

E o viés ideológico, as picuinhas contra os EUA?
Logo no início, o presidente Lula condenou a invasão do Iraque, mas sem confrontacionismos inúteis, tanto que ele teve uma boa relação com [George W.] Bush, como tem com [Barack] Obama.

Como foi o início, com o sr., Marco Aurélio Garcia e Samuel Guimarães mandando?
Foi tudo empírico, intuitivo. O presidente muitas vezes tinha uma intuição do que devia fazer, mas foi preciso formular aquilo em termos diplomáticos, e isso exige alguma experiência.

E a questão de princípios, de democracia, de direitos humanos?
Pode ter tido aqui uma repercussão de alguma coincidência infeliz...

O sr. considera coincidência infeliz o presidente e ministros às gargalhadas com os irmãos Castro no dia da morte de um dissidente cubano?
O fato de ele ter morrido quando o presidente estava lá era imprevisível, você chame como quiser chamar.

Não equivale a Lula comparar a resistência iraniana a chororô de time derrotado?
Não me cabe comentar declarações do presidente.

O que o Brasil ganha ao mediar o acordo nuclear do Irã?
Quando o Obama fala na inclusão da Índia no Conselho de Segurança [da ONU] todos captaram que não é possível fazer uma reforma sem o Brasil. Quando se discute clima, comércio, chamam o Brasil, a Índia e a China. O único terreno em que havia ainda uma certa reserva de mercado era a questão da paz e da segurança. Foi por isso que a ação do Brasil e da Turquia no Irã incomodou. Os países ocidentais diziam: "Vai lá". Ninguém acreditava que o Irã aceitasse os três pontos da carta do Obama, e ele aceitou.

Por que o Brasil se omite de condenar países que desrespeitam os direitos humanos?
Eu sei o quanto essas coisas são manipuladas. No ano em que os EUA faziam acordos comerciais com a China, a China desaparecia das resoluções de direitos humanos. Se no ano seguinte não tinha mais acordo comercial com a China, a China voltava para as resoluções. E agora não entra mais. Há sete países que convivem com situações crudelíssimas e jamais são mencionados. Por quê? Porque têm bases americanas ou outros interesses.

O Brasil está exercitando o "soft power" ao financiar países de todos os continentes?
Em geral, está financiando empresas brasileiras, e o que o Brasil gasta é ínfimo. Nossa cooperação técnica é comparável talvez à de um pequeno país europeu, tipo Áustria. Você não pode estar entre as dez maiores economias do mundo, querer uma política ativa na OMC e esperar que esses países te apoiem sem nada em troca. É também querer que esses países assumam um risco na hora de você brigar com os Estados Unidos e com a União Europeia.

A Áustria não tem milhões de miseráveis, como o Brasil.
Uma coisa não elimina a outra. Não vi nenhuma crítica à ajuda ao Haiti.

O mundo vive nova bipolaridade, entre EUA e China?
Não acho que saímos de uma bipolaridade para cair em outra. O mundo hoje é muito mais complexo. Por mais que a China seja importante, precisa do Brasil para discutir clima. Por mais que os EUA sejam importantes, precisam do Brasil e outros para discutir comércio e finanças. Não há mais como haver políticas impositivas.

A China é aliado do Brasil nos Bric, mas ao mesmo tempo competidor comercial direto.
Nosso saldo comercial com a China deve chegar a US$ 7 bilhões neste ano, enquanto temos um deficit de US$ 5 bilhões com os EUA, que é o maior superavit dos EUA no mundo. Então, vamos convir que a China não é o nosso grande problema.

Se o sr. pudesse voltar atrás, o que faria diferente?
Vou falar como a Edith Piaf: "Je ne regrette rien" [Eu não lamento nada].

Comentário
Olha eu, reproduzindo matéria da “jornalista” Eliane Cantanhedê. Ela faz uma matéria como esta, para escrever outras cem criticando e dizer-se imparcial.
Paciência.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Nicolelis: Só no Brasil a educação é discutida por comentarista esportivo – por Conceição Lemes (Vi o mundo)

Desde o último final de semana, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Ministério da Educação (MEC) estão sob bombardeio midiático.

Estavam inscritos 4,6 milhões estudantes, e 3,4 milhões submeteram-se às provas. O exame foi aplicado em 1.698 cidades, 11.646 locais e 128.200 salas. Foram impressos 5 milhões de provas para o sábado e outros 5 milhões para o domingo. Ou seja, o total de inscritos mais de 10% de reserva técnica.

No teste do sábado, ocorreram dois erros distintos. Um foi assumido pela gráfica encarregada da impressão. Na montagem, algumas provas do caderno de cor amarela tiveram questões repetidas, ou numeradas incorretamente ou que faltaram. Cálculos preliminares do MEC indicavam que essa falha tivesse afetado cerca de 2 mil alunos. Mas o balanço diário tem demonstrado, até agora, que são bem menos: aproximadamente 200.

O outro erro, de responsabilidade do Inep, foi no cabeçalho do cartão-resposta. Por falta de revisão adequada, inverteram-se os títulos. O de Ciências da Natureza apareceu no lugar de Ciências Humanas e vice-versa. Os fiscais de sala foram orientados a pedir aos alunos que preenchessem o cartão, de acordo com a numeração de cada questão, independentemente do cabeçalho. Inep é o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, órgão do MEC encarregado de realizar o Enem.

“Nenhum aluno será prejudicado. Aqueles que tiveram problemas poderão fazer a prova em outra data”, tem garantido desde o início o ministro da Educação, Fernando Haddad. “Isso é possível porque o Enem aplica a teoria da resposta ao item (TRI), que permite que exames feitos em ocasiões diferentes tenham o mesmo grau de dificuldade.”

Interesses poderosos, porém, amplificaram ENORMEMENTE os erros para destruir a credibilidade do Enem. Afinal, a nota no exame é um dos componentes utilizados em várias universidades públicas do país para aprovação de candidatos, além de servir de avaliação parabolsa do PRO-UNI.

“Só os donos de cursinhos e aqueles que não querem a democratização do acesso à universidade podem ter algo contra o Enem”, afirma, indignado, ao Viomundo o neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos EUA, e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, no Rio Grande do Norte. “Eu vi a entrevista do ministro Fernando Haddad ao Bom Dia Brasil, TV Globo. Que loucura! Como jornalistas que num dia falam de incêndio, no outro, de escola de samba, no outro, ainda, de esporte, podem se arvorar em discutir um assunto tão delicado como sistema educacional? Pior é que ainda se acham entendedores. Só no Brasil educação é discutida por comentarista esportivo!”

Nicolelis é um dos maiores neurocientistas do mundo. Vive há 20 anos nos Estados Unidos, onde há décadas existe o SAT (standart admissions test), que é muito parecido com o Enem. Tem três filhos. Os três já passaram pelo Enem americano.

Viomundo — De um total de 3,4 milhões de provas aplicadas no sábado, houve problema incontornável em menos de 2 mil. Tem sentido detonar o Enem, como a mídia brasileira tem feito? E dizer que o Enem fracassou, como um ex-ministro da Educação anda alardeando?
Miguel Nicolelis — Sinceramente, de jeito algum — nem um nem outro. O Enem é equivalente ao SAT, dos Estados Unidos. A metodologia usada nas provas é a mesma: a teoria de resposta ao item, ou TRI, que é uma tecnologia de fazer exames. O SAT foi criado em 1901. Curiosamente, em outubro de 2005, entre as milhões de provas impressas, algumas tinham problema na barra de códigos onde o teste vai ser lido. A entidade que faz o exame não conseguiu controlar, porque esses erros podem acontecer.

Viomundo — A Universidade de Duke utiliza o SAT?
Miguel Nicolelis — Não só a Duke, mas todas as grandes universidades americanas reconhecem o SAT. É quase um consenso nos Estados Unidos. Apenas uma minoria é contra. E o Enem, insisto, é uma adaptação do SAT, que é uma das melhores maneiras de avaliação de conhecimento do mundo. O teste é a melhor forma de avaliar uniformemente alunos submetidos a diferentes metodologias de ensino. É a saída para homogeneizar a avaliação de estudantes provenientes de um sistema federativo de educação, como o americano e o brasileiro, onde os graus de informação, os métodos, as formas como se dão, são diferentes.

Viomundo — Qual a periodicidade do SAT?
Miguel Nicolelis – Aqui, o exame é aplicado sete vezes por ano. O aluno, se quiser, pode fazer três, quatro, cinco, até sete, desde que, claro, pague as provas. No final, apenas a melhor é computada. Vários estudos feitos aqui já demonstraram que o SAT é altamente correlacionado à capacidade mental geral da pessoa.
Todo ano as provas têm uma parte experimental. São questões que não contam nota para a prova. Servem apenas para testar o grau de dificuldade. Outro peculiaridade do sistema americano é a forma de corrigir a prova. É desencorajado o chute.

Viomundo — Explique melhor.
Miguel Nicolelis — Resposta errada perde ponto, resposta em branco, não. Por isso, o aluno pensa muito antes de chutar, pois a probabilidade de ele errar é grande. Então se ele não sabe é preferível não responder do que correr o risco de responder errado.

Viomundo – Interessante …
Miguel Nicolelis – Na verdade, o SAT é maneira mais honesta, mais democrática de avaliar pessoas de lugares diferentes, com sistemas educacionais diferentes, para tentar padronizar o ingresso. Aqui, nos EUA, a molecada faz o exame e manda para as faculdades que querem frequentar. E as escolas decidem quem entra, quem não entra. O SAT é um dos componentes para essa avaliação.

Viomundo — Aí tem cursinho para entrar na faculdade?
Miguel Nicolelis — Tem para as pessoas aprenderem a fazer o exame, mas não é aquela loucura da minha época. Era cheio de cursinho para todo lugar no Brasil. Cursinho é uma máquina de fazer dinheiro. Não serve para nada a não ser para fazer o exame. Por isso ouso dizer: só os donos de cursinho e aqueles que não querem democratizar o acesso à universidade podem ter algo contra o Enem.

Viomundo –Mas o fato de a prova ter erros é ruim.
Miguel Nicolelis — Concordo. Mas os erros vão acontecer. Em 1978, quando fiz a Fuvest (vestibular unificado no Estado de São Paulo), teve pergunta eliminada, pois não tinha resposta. Isso acontece desde o tempo em que havia exame para admissão [ao primeiro ginasial, atualmente 5ª série do ensino fundamental) na época das cavernas (risos). Você não tem exame 100% correto o tempo inteiro.
Então, algumas pessoas estão confundindo uma metodologia bem estudada, bastante conhecida e aceita há décadas, com problemas operacionais que acontecem em qualquer processo de impressão de milhões de documentos. Na dimensão em que aconteceram no Brasil está dentro das probabilidade de fatalidades.

Viomundo -- Em 2009, também houve problema, lembra-se?
Miguel Nicolelis -- No ano passado foi um furto, foi um crime. O MEC não pode ser condenado por causa de um assalto, que é uma contingência e nada tem a ver com a metodologia do teste.
Só que, infelizmente, gerou problemas operacionais para algumas universidades, que não consideraram a nota do Enem nos seus vestibulares. Isso não quer dizer que elas não entendam ou não aceitam o teste. As provas do Enem são muito mais democráticas, mais racionais e mais bem-feitas do que os vestibulares de qualquer universidade brasileira.
Eu fiz a Fuvest. Naquela época, era muito ruim. Não media nada. E, ainda assim, a gente teve de se sujeitar àquilo, para entrar na faculdade a qualquer custo.

Viomundo -- Fez cursinho?
Miguel Nicolelis -- Não. Eu tive o privilégio de estudar numa escola privada boa. Mas muitas pessoas que não tinham educação de alto nível eram obrigadas a recorrer ao cursinho para competir em condições de igualdade.
Mas o cursinho não melhora o aprendizado de ninguém. Cursinho é uma técnica de aprender a maximizar a feitura do exame. É quase um efeito colateral do sistema educacional absurdo que até recentemente tínhamos no Brasil. É um arremedo. É um aborto do sistema educacional que não funciona.

Viomundo -- Qual a sua avaliação do Enem?
Miguel Nicolelis -- É um avanço tremendo, porque a longo prazo a repetição do Enem várias vezes por ano vai acabar com o estresse do vestibular. Você retira o estresse do vestibular. Na minha época, e isso acontece muito ainda hoje, o jovem passava os três anos esperando aquele "monstro". De tal sorte, o vestibular transformava o colegial numa câmara de tortura. Uma pressão insuportável. Um inferno tanto para os meninos e meninas quanto para as famílias. Além disso, um sistema humilhante, porque as pessoas que não podiam frequentar um colégio privado de alto nível sofriam com o complexo de não poder competir em pé de igualdade. Por isso os cursinhos floresceram e fizeram a riqueza de tanta gente, que agora está metendo o pau no Enem. Evidentemente vários interesses estão sendo contrariados devido ao êxito do Enem.

Viomundo -- Tem muita gente pixando, mesmo.
Miguel Nicolelis -- Todo esse pessoal que pixa acha que sabe do que está falando. Só que não sabe de nada. Exame educacional não é jogo de futebol. Tem metodologia, dados, história. E olha que eu adoro futebol. Sempre que estou no Brasil, vou ao estádio para assistir ao jogos do Palmeiras [Ninguém é perfeito (rs)!] O Brasil fez muito bem em entrar no Enem. É o único jeito de acabar com esse escárnio, com essa ferida que é o vestibular .

Viomundo — Nos EUA, não há vestibular para a universidade. O senhor acha que o Brasil seguirá essa tendência?
Miguel Nicolelis -- Acho que sim. O importante é o seguinte. O Brasil está tentando iniciar esse processo. Quando você inicia um processo dessa magnitude, com milhões fazendo exame, é normal ter problemas operacionais de percurso, problemas operacionais. Isso faz parte do processo.
Nós estamos caminhando para o Enem ser a moeda de troca da inclusão educacional. As crianças vão aprender que não é porque elas fazem cursinho famoso da Avenida Paulista que elas vão ter mais chance de entrar na universidade. Elas vão entrar na universidade pelo que elas acumularam de conhecimento ao longo da vida acadêmica delas. Elas vão poder demonstrar esse conhecimento sem estresse, sem medo, sem complexo de inferioridade. De uma maneira democrática. E, num futuro próximo, tanto as crianças de escolas privadas quanto as de escolas públicas vão começar a entrar nesse jogo em pé de igualdade. Aí, sim vai virar jogo de futebol.
Futebol é uma das poucas coisas no Brasil em que o mérito é implacável. Joga quem sabe jogar. Perna de pau não joga. Não tem espaço. O talento se impõe instantantaneamente.
Educação tem de ser a mesma coisa. O talento e a capacidade têm de aflorar naturalmente e todas as pessoas têm de ter a chance de sentar na prova com as mesmas possibilidades.