Ainda assim, chanceler diz que Dilma pode fazer um governo "extraordinário", dá como cumprida sua missão no cargo e defende política externa, que definiu como "altiva e ativa"
"Não lamento nada." Com essa frase, dita em francês e emprestada de Edith Piaf, o ministro Celso Amorim, 68, termina oito anos à frente do Itamaraty defendendo de forma enfática sua política, que batizou de "altiva e ativa".
Mantém as críticas aos EUA, carrega nas tintas ao pintar o protagonismo do Brasil no comércio e na política externos e defende a posição que o país teve em casos polêmicos, como mediar o acordo nuclear do Irã.
Ele diz que cumpriu sua missão e que seria "incapaz" de se candidatar a permanecer no governo Dilma Rousseff. Compara o presidente a Pelé e vaticina: "Igual a Lula não vai ter, mas não quer dizer que Dilma não vá fazer um governo extraordinário".
Folha - O sr. é candidato a continuar no cargo?
Celso Amorim - Fiquei muito contente com a vitória da Dilma, mas eu seria incapaz de me colocar como candidato.
Se fosse convidado, ficaria?
Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida. Agora, se me pedirem conselho, estou disposto a dar.
Por exemplo...
Acho que o próximo ministro deve ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na renovação. Precisamos de gente mais nova.
O embaixador Antônio Patriota?
Ele tem plenas condições, mas não é o único.
Como o sr. virou chanceler?
Eu nem conhecia o Lula. Nunca soube por que optou por mim, nunca perguntei.
Ele costumava dizer que eu tinha caspa, então, devia ser um pouco mais popular. Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Foi para o Fernando Henrique Cardoso. Mas o Lula é uma figura excepcional, você conta três ou quatro líderes políticos como ele no século.
E como vai ser sem Lula?
Sempre que me perguntam isso digo que Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão. Igual a Lula não vai ter, mas isso não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa.
Qual foi o maior acerto da política externa?
Quando o presidente me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa. Essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente. Era uma questão de atitude.
Antes não era altiva e ativa?
Tenho 50 anos de Itamaraty e vi gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo". Então, é melhor cuidar da burocracia e evitar bolo.
O que poderia dar bolo?
Quando nós fizemos o G20 comercial em Cancún e quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina. Ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros. Matamos a Alca sem dar um tiro.
Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?
Olhando em retrospectiva, foi melhor mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir na política Sul-Sul.
Mas o Brasil ficou sem Alca, sem a Rodada Doha e sem acordos bilaterais.
Nosso comércio cresceu com o mundo todo, o Brasil é a oitava economia do mundo, está entre os dez maiores cotistas do FMI. Tinha um acordo prontinho entre EUA e União Europeia para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam migalhinhas. Quem disse "não" foi o G20, em 2003, e não há quem não reconheça que quem liderou o G20 foi o Brasil.
E o viés ideológico, as picuinhas contra os EUA?
Logo no início, o presidente Lula condenou a invasão do Iraque, mas sem confrontacionismos inúteis, tanto que ele teve uma boa relação com [George W.] Bush, como tem com [Barack] Obama.
Como foi o início, com o sr., Marco Aurélio Garcia e Samuel Guimarães mandando?
Foi tudo empírico, intuitivo. O presidente muitas vezes tinha uma intuição do que devia fazer, mas foi preciso formular aquilo em termos diplomáticos, e isso exige alguma experiência.
E a questão de princípios, de democracia, de direitos humanos?
Pode ter tido aqui uma repercussão de alguma coincidência infeliz...
O sr. considera coincidência infeliz o presidente e ministros às gargalhadas com os irmãos Castro no dia da morte de um dissidente cubano?
O fato de ele ter morrido quando o presidente estava lá era imprevisível, você chame como quiser chamar.
Não equivale a Lula comparar a resistência iraniana a chororô de time derrotado?
Não me cabe comentar declarações do presidente.
O que o Brasil ganha ao mediar o acordo nuclear do Irã?
Quando o Obama fala na inclusão da Índia no Conselho de Segurança [da ONU] todos captaram que não é possível fazer uma reforma sem o Brasil. Quando se discute clima, comércio, chamam o Brasil, a Índia e a China. O único terreno em que havia ainda uma certa reserva de mercado era a questão da paz e da segurança. Foi por isso que a ação do Brasil e da Turquia no Irã incomodou. Os países ocidentais diziam: "Vai lá". Ninguém acreditava que o Irã aceitasse os três pontos da carta do Obama, e ele aceitou.
Por que o Brasil se omite de condenar países que desrespeitam os direitos humanos?
Eu sei o quanto essas coisas são manipuladas. No ano em que os EUA faziam acordos comerciais com a China, a China desaparecia das resoluções de direitos humanos. Se no ano seguinte não tinha mais acordo comercial com a China, a China voltava para as resoluções. E agora não entra mais. Há sete países que convivem com situações crudelíssimas e jamais são mencionados. Por quê? Porque têm bases americanas ou outros interesses.
O Brasil está exercitando o "soft power" ao financiar países de todos os continentes?
Em geral, está financiando empresas brasileiras, e o que o Brasil gasta é ínfimo. Nossa cooperação técnica é comparável talvez à de um pequeno país europeu, tipo Áustria. Você não pode estar entre as dez maiores economias do mundo, querer uma política ativa na OMC e esperar que esses países te apoiem sem nada em troca. É também querer que esses países assumam um risco na hora de você brigar com os Estados Unidos e com a União Europeia.
A Áustria não tem milhões de miseráveis, como o Brasil.
Uma coisa não elimina a outra. Não vi nenhuma crítica à ajuda ao Haiti.
O mundo vive nova bipolaridade, entre EUA e China?
Não acho que saímos de uma bipolaridade para cair em outra. O mundo hoje é muito mais complexo. Por mais que a China seja importante, precisa do Brasil para discutir clima. Por mais que os EUA sejam importantes, precisam do Brasil e outros para discutir comércio e finanças. Não há mais como haver políticas impositivas.
A China é aliado do Brasil nos Bric, mas ao mesmo tempo competidor comercial direto.
Nosso saldo comercial com a China deve chegar a US$ 7 bilhões neste ano, enquanto temos um deficit de US$ 5 bilhões com os EUA, que é o maior superavit dos EUA no mundo. Então, vamos convir que a China não é o nosso grande problema.
Se o sr. pudesse voltar atrás, o que faria diferente?
Vou falar como a Edith Piaf: "Je ne regrette rien" [Eu não lamento nada].
Comentário
Olha eu, reproduzindo matéria da “jornalista” Eliane Cantanhedê. Ela faz uma matéria como esta, para escrever outras cem criticando e dizer-se imparcial.
Paciência.
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