domingo, 31 de janeiro de 2010

Falta espaço

Nenhum veículo de comunicação da imprensa gorda deu destaque à última pesquisa eleitoral que aponta um crescimento expressivo de Dilma Roussef ante uma queda abrupta do senhor José Serra.
Talvez por falta de espaço, dadas as mui relevantes notícias a brilhar com destaque nos respectivos sites.
Faço um breve apanhado (havia outras várias notícias extremamente importantes como estas a serem destacadas destes sites, friso).


Folha - Shumacher admite que pinta cabelo (http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u687218.shtml)

Globo – Um novo talento? Obama comenta jogo de basquete em Washington

Estadão – De volta aos 80, com brilhos e paetês
http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup503647,0.htm

Veja – Diretor fala sobre a nova edição do BBB
http://veja.abril.com.br/noticia/variedades/bbb-seria-eliminado-primeiro-paredao-diz-boninho-tv-globo-529150.shtml



¿¡¿¡¿¡É, ou não é, o reino da alegria?!?!?

Perguntas que não querem calar

Por um lado, o presidente do PSDB, o senador Sérgio Guerra, afirma que o PAC não existe.
Em seguida diz que vai acabar com ele.
Pergunta que não quer calar: ¿como se pode acabar com algo que não existe?

Outra pergunta que não quer calar: ¿se o PAC não existe, por que o PSDB já entrou com inúmeras representações contra o governo sobre a presença da ministra Dilma Roussef nas inaugurações do programa?

Manual para matar urubus – por Miguel do Rosário (Oleo do Diabo)

http://oleododiabo.blogspot.com/2010/01/globo-requenta-materia-para-abafar.html

sábado, 30 de janeiro de 2010

Um prognóstico

São muitas as coisas que melhoraram em nosso país, e muitas as que ainda precisam melhorar. Dentre estas últimas, com certeza estão inseridas as pesquisas eleitorais. Com institutos de pesquisa altamente alinhados a candidatos e partidos, temos dificuldade em discernir o que é verdade do que é bazófia nas pesquisas.

Por um lado, temos o Data folha, do grupo da família Frias. O patrono da família Frias, como é consabido, certa vez afirmou que não morreria antes de ver José Serra presidente.
Ele já está há sete palmos embaixo da terra faz alguns anos.

O Ibope, umbilicalmente ligado à rede globo, tem como presidente uma espécie de Gilmar Dantas dos institutos de pesquisa, o senhor Carlos Augusto Montenegro. Este se porta como um membro da oposição, sem o mínimo disfarce. Há mais de 12 meses do período da eleição afirmou em alto e bom som que a candidata (?) Dilma Roussef não ganharia as eleições. Talvez não seja uma espécie de Gilmar Dantas, mas sim uma mãe Dinah piorada. Exige que o PMDB tenha candidato (“mesmo que para perder”, segundo suas próprias palavras – impedindo assim a aliança deste partido com o PT e prejudicando (?) este último). Dentre outras tantas, para ele, Serra já é o presidente eleito do Brasil. Em outubro de 2010 a população apenas confirmará o que ele vaticinou.

Desta maneira, não conseguimos estudar de maneira adequada as pesquisas eleitorais – temos que considerar esta variável obtusa: os institutos de pesquisa.

Conseguimos, sim, estudar os resultados de eleições que já ocorreram. Ainda assim, apenas baseando-se nos números, conclusões que deveriam ser óbvias saem completamente enviesadas (veja aqui como foram os resultados das duas últimas eleições). A mídia gorda, por exemplo, ainda conseguiu dizer que o PT foi o grande derrotado no último pleito (!).

De todos os institutos de pesquisa, o único em que acredito é o Vox Populi, que tem como diretor uma pessoa séria, o Marcos Coimbra. Pois bem, em seus dois últimos levantamentos para intenção de votos à presidente das próximas eleições, temos como resultado os seguintes números:

Dezembro de 2009

José Serra (PSDB) – 39%
Dilma Roussef (PT) – 17%
Ciro Gomes (PSB) – 13%
Marina Silva (PV) - 8%

Janeiro de 2010:

José Serra (PSDB) – 34%
Dilma Roussef (PT) – 27%
Ciro Gomes (PSB) – 11%
Marina Silva (PV) - 6%

Ou seja, um crescimento de 10 pontos percentuais da ministra Dilma Roussef, enquanto o governador José Serra recuou 05 pontos.

Pano lento

O presidente Lula, possui avaliação de bom/ótimo por parte da população e como avaliação pessoal, incríveis 83% de aprovação. Em 2002, o ex-presidente FHC tinha cerca de 25% de aprovação.
Ainda assim, o PSDB conseguiu levar Serra ao segundo turno, e ele obteve cerca de 40% dos votos. Isto, com o país imerso numa crise econômica que não se resolveu em 8 anos (crescimento anêmico em todo este período), afora todos os outros problemas deste lúgubre período, que não convém aqui citar.

Imagine-se agora, com uma candidata que possui o apoio do presidente mais popular da história e o país vivendo o melhor momento econômico de todos os tempos, (crescimento sustentável, com distribuição de renda e sem inflação)...

Como esta pesquisa tende a amainar o furor eleitoral do Ciro Gomes (por quem nutro respeito), que vem caindo nas pesquisas e deve se bandear para São Paulo, tudo leva a crer que não teremos um segundo turno, tendo o primeiro com apenas dois candidatos competitivos.

Não cairei no mesmo erro do presidente do Globope, de afirmar com certeza o que acontecerá. Também não sei se minha avaliação é prejudicada pelo fato de eu ter uma opção eleitoral, mas acredito que se estes dados da pesquisa se confirmarem, a ministra Dilma Roussef se elege presidente no primeiro turno – e com boa distância de Serra.

O fator MST - por Leandro Fortes (Brasília, Eu Vi)

A prisão de nove lideranças do MST, no interior de São Paulo, algumas das quais filiadas ao PT, foi o ponto de partida de uma estratégia eleitoral virtualmente criminosa e extremamente profissional, embora carente de originalidade. Trata-se de perseguição organizada, de inspiração claramente fascista, de líderes de um movimento que diz respeito à vida e ao futuro de milhões de brasileiros, que revela mais do que o uso rasteiro da política. Revela um tipo de crueldade social que se imaginava restrita a políticos do Brasil arcaico, perdidos nos poucos grotões onde ainda vivem, isolados em seus feudos de miséria, uns poucos coronéis distantes dos bons modos da civilização e da modernidade.
No entanto, o rico interior paulista, repleto de terras devolutas da União griladas por diversas gerações de amigos do rei, tem sido um front permanente dessa guerra patrocinada pela extrema direita brasileira perfilada hoje, mais do que nunca, por trás da bela fachada do agronegócio e sua propalada importância para a balança comercial brasileira. Falar-lhes mal passou a ser de mau alvitre, um insulto a uma espécie de cruzada dourada cujo efeito colateral tem sido a produção de miséria e cadáveres no campo e, por extensão, nas cidades. É nosso mais grave problema social e o mais claramente diagnosticável, mas nem Lula chegou a tanto.
Assim, na virada de seu último ano de mandato, o presidente parece ter afrouxado o controle sobre a aliança política que lhe permitiu colocar, às custas de não poucos danos, algumas raposas dentro do galinheiro do Planalto. Bastou a revelação do pacote de intenções do Plano Nacional de Direitos Humanos, contudo, para as raposas arreganharem os dentes sem medo, fortalecidos pela hesitação de Lula em enquadrá-los sob o pretexto de evitar crises inevitáveis.
A reação do ministro Nelson Jobim, da Defesa, ao PNDH-3, nesse sentido, foi emblemática e, ao mesmo tempo, reveladora da artificialidade dessa convivência entre forças conservadoras e progressistas dentro do governo do PT, um nó político-ideológico a ser desatado durante a campanha eleitoral, não sem traumas para a candidata de Lula, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil.
Com a ajuda de Jobim, a velha sanfona anticomunista voltou a soltar os foles e se engajou nesse desarranjo histórico que tem gerado crises artificiais e um consequente show de péssimo jornalismo. Tocou-se, então, o triste baião anti-Dilma das vivandeiras, a arrastar os pés nas portas dos quartéis e a atiçar as sentinelas com assombros de revanchismo e caça às bruxas, saudosos do obscurantismo de tempos idos – mas, teimosamente, nunca esquecidos –, quando bastava soltar bestas-feras fardadas sobre a sociedade para calá-la. Ao sucumbir à chantagem de Jobim e, por extensão, à dos comandantes militares que lhe devem subordinação e obediência, Lula piscou.
No lastro da falsa crise militar criada por Jobim, com o auxílio luxuoso de jornalistas amigos, foi a vez de soltar a voz o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, cujo arrivismo político iniciou-se na ditadura militar, à qual serviu como deputado da Arena (célula-tronco do DEM) e presidente do INPS no governo do general Ernesto Geisel, até fazer carreira de ministro nos governos Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Essa volatilidade, no entanto, sempre foi justificada por conta de um festejado “perfil técnico” de Stephanes. Trata-se de um mistério ainda a ser desvendado, não a capacidade técnica, mas as intenções de um representante político do agronegócio dentro do governo Lula, uma posição institucional baseada em alinhamento incondicional à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), comandada pelo senadora Kátia Abreu, do DEM de Tocantins.
Com Kátia, Stephanes ensaiou um animado jogral e conseguiu, até agora, boicotar a mudança dos índices de produtividade agrícola para fins de reforma agrária – um tiro certeiro no peito do latifúndio, infelizmente, ainda hoje não desferido por Lula. Depois, a dupla partiu para cima do PNDH-3, ambos preocupadíssimos com a possibilidade de criação de comitês sociais a serem montados para mediar conflitos agrários deflagrados por ocupações de terra.
Os ruralistas liderados por Kátia Abreu e Ronaldo Caiado se arrepiam só de imaginar o fim da tradicional política de reintegração de posse, tocada pelos judiciários e polícias estaduais, como no caso relatado nesta matéria de CartaCapital. A dupla viu na proposta um incentivo à violência no campo, quando veria justamente o contrário qualquer menino bem educado nas escolas geridas pelo MST. São meninos crescidos o suficiente para saber muito bem a diferença entre mediadores de verdade e os cassetetes da Polícia Militar.
O governo Lula já havia conseguido, em 2008, neutralizar um movimento interno, tocado pelo Gabinete de Segurança Institucional, interessado em criminalizar o MST taxando o ato de invasão de terra de ação terrorista. Infelizmente, coisas assim ainda vêm da área militar. O texto do projeto foi engavetado pela Casa Civil por obra e graça da ministra Dilma Rousseff. Lula, contudo, não quer gastar o último ano de uma era pessoal memorável comprando briga com uma turma que, entre outros trunfos, tem uma bancada de mais de uma centena de congressistas e a simpatia declarada do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes.
Assim, distraído, o presidente deixou que Jobim e Stephanes envenenassem o processo político às vésperas das eleições, com óbvios prejuízos para a candidatura Dilma, bem no começo da briga com José Serra, do PSDB, o governador que por ora se ocupa em prender militantes do MST e do PT enquanto toca terror em assentamentos cheios de mulheres e crianças, no interior de São Paulo, com seu aparato de segurança pública.
O MST existe há 25 anos e é o mais importante movimento social de base da história do Brasil. A crítica à sua concepção socialista e a eventuais desvios de conduta de alguns de seus participantes é, deliberadamente, ultradimensionada no noticiário para passar à sociedade, sobretudo à dos centros urbanos, a impressão de que seus militantes são vândalos nutridos pelo comunismo e outras reflexões sociológicas geniais do gênero.
A luta do MST é, basicamente, a luta contra o latifúndio e a concentração fundiária nas mãos de uma elite predatória, violenta e vingativa. Essa é a origem de todos os problemas da sociedade brasileira desde a sua fundação, baseada em capitanias hereditárias, em 1532. Nenhum governo teve a coragem necessária, até hoje, para tomar medidas efetivas para acabar com o latifúndio e, assim, encerrar com esse ciclo cruel de concentração de terras no campo brasileiro, responsável pelo inchaço das periferias e pela violência contra trabalhadores rurais, inclusive torturas e assassinatos, com o periódico beneplácito da Justiça e das autoridades constituídas, muitas das quais com campanhas eleitorais financiadas pelos grupos interessados em manter este estado de coisas.
A luta contra o latifúndio não é a luta contra a propriedade privada, essa relação também foi construída de forma deliberada e tem como objetivo tirar o verdadeiro foco da questão. A construção desse discurso revelou-se um sofisma baseado na a inversão dos valores em jogo, como em uma charada de um mundo bizarro: a ameaça social seria a invasão (na verdade, a distribuição) de terras, e não a concentração no campo, o latifúndio. E isso é vendido, assim, cru, no horário nobre.
É uma briga dura, difícil. Veremos se Dilma Rousseff, em cima do palanque, será capaz de comprá-la de novo.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Discurso em Davos

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, lido pelo ministro Celso Amorim após receber o prêmio “Estadista Global” em nome do Presidente, durante o Fórum Econômico Mundial
Davos – Suíça, 29 de janeiro de 2010


Minhas senhoras e meus senhores,
Em primeiro lugar, agradeço o prêmio "Estadista Global" que vocês estão me concedendo.
Nos últimos meses, tenho recebido alguns dos prêmios e títulos mais importantes da minha vida. Com toda sinceridade, sei que não é exatamente a mim que estão premiando - mas ao Brasil e ao esforço do povo brasileiro. Isso me deixa ainda mais feliz e honrado.
Recebo este prêmio, portanto, em nome do Brasil e do povo do meu país. Este prêmio nos alegra, mas, especialmente, nos alerta para a grande responsabilidade que temos. Ele aumenta minha responsabilidade como governante, e a responsabilidade do meu país como ator cada vez mais ativo e presente no cenário mundial.
Tenho visto, em várias publicações internacionais, que o Brasil está na moda. Permitam-me dizer que se trata de um termo simpático, porém inapropriado. O modismo é coisa fugaz, passageira. E o Brasil quer e será ator permanente no cenário do novo mundo.
O Brasil, porém, não quer ser um destaque novo em um mundo velho. A voz brasileira quer proclamar, em alto e bom som, que é possível construir um mundo novo. O Brasil quer ajudar a construir este novo mundo, que todos nós sabemos, não apenas é possível, mas dramaticamente necessário, como ficou claro na recente crise financeira internacional – mesmo para os que não gostam de mudanças.
Meus senhores e minhas senhoras,
O olhar do mundo hoje, para o Brasil, é muito diferente daquele, de sete anos atrás, quando estive pela primeira vez em Davos. Naquela época, sentíamos que o mundo nos olhava mais com dúvida do que esperança. O mundo temia pelo futuro do Brasil, porque não sabia o rumo exato que nosso país tomaria sob a liderança de um operário, sem diploma universitário, nascido politicamente no seio da esquerda sindical.
Meu olhar para o mundo, na época, era o contrário do que o mundo tinha para o Brasil. Eu acreditava, que assim como o Brasil estava mudando, o mundo também pudesse mudar.
No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria trabalhar para reduzir as disparidades econômicas e sociais, aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e promover, ativamente, os direitos humanos. Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das instituições internacionais de crédito e buscar uma inserção mais ativa e soberana na comunidade das nações.
Frisei, entre outras coisas, a necessidade de construção de uma nova ordem econômica internacional, mais justa e democrática. E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas um ato de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência política.
Ponderei ainda que a paz não era só um objetivo moral, mas um imperativo de racionalidade. E que não bastava apenas proclamar os valores do humanismo. Era necessário fazer com que eles prevalecessem, verdadeiramente, nas relações entre os países e os povos.
Sete anos depois, eu posso olhar nos olhos de cada um de vocês – e, mais que isso, nos olhos do meu povo – e dizer que o Brasil, mesmo com todas as dificuldades, fez a sua parte. Fez o que prometeu.
Neste período, 31 milhões de brasileiros entraram na classe média e 20 milhões saíram do estágio de pobreza absoluta. Pagamos toda nossa dívida externa e hoje, em lugar de sermos devedores, somos credores do FMI. Nossas reservas internacionais pularam de 38 bilhões para cerca de 240 bilhões de dólares.
Temos fronteiras com 10 países e não nos envolvemos em um só conflito com nossos vizinhos. Diminuímos, consideravelmente, as agressões ao meio ambiente. Temos e estamos consolidando uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, e estamos caminhando para nos tornar a quinta economia mundial.
Posso dizer, com humildade e realismo, que ainda precisamos avançar muito. Mas ninguém pode negar que o Brasil melhorou. O fato é que Brasil não apenas venceu o desafio de crescer economicamente e incluir socialmente, como provou, aos céticos, que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza.
Historicamente, quase todos governantes brasileiros governaram apenas para um terço da população. Para eles, o resto era peso, estorvo, carga. Falavam em arrumar a casa. Mas como é possível arrumar um país deixando dois terços de sua população fora dos benefícios do progresso e da civilização?
Alguma casa fica de pé, se o pai e a mãe relegam ao abandono os filhos mais fracos, e concentram toda atenção nos filhos mais fortes e mais bem aquinhoados pela sorte? É claro que não. Uma casa assim será uma casa frágil, dividida pelo ressentimento e pela insegurança, onde os irmãos se veem como inimigos e não como membros da mesma família.
Nós concluímos o contrário: que só havia sentido em governar, se fosse governar para todos. E mostramos que aquilo que, tradicionalmente, era considerado estorvo, era, na verdade, força, reserva, energia para crescer.
Incorporar os mais fracos e os mais necessitados à economia e às políticas públicas não era apenas algo moralmente correto. Era, também, politicamente indispensável e economicamente acertado. Porque só arrumam a casa o pai e a mãe que olham para todos, não deixam que os mais fortes esbulhem os mais fracos, nem aceitam que os mais fracos conformem-se com a submissão e com a injustiça. Uma casa só é forte quando é de todos – e nela todos encontram abrigo, oportunidades e esperanças.
Por isso, apostamos na ampliação do mercado interno e no aproveitamento de todas as nossas potencialidades. Hoje, há mais Brasil para mais brasileiros. Com isso, fortalecemos a economia, ampliamos a qualidade de vida do nosso povo, reforçamos a democracia, aumentamos nossa autoestima e amplificamos nossa voz no mundo.
Minhas senhoras e meus senhores,
O que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o mundo, igual ao Brasil, também melhorou? Não faço esta pergunta com soberba. Nem para provocar comparações vantajosas em favor do Brasil. Faço esta pergunta com humildade, como cidadão do mundo, que tem sua parcela de responsabilidade no que sucedeu – e no que possa vir a suceder com a humanidade e com o nosso planeta.
Pergunto: podemos dizer que, nos últimos sete anos, o mundo caminhou no rumo da diminuição das desigualdades, das guerras, dos conflitos, das tragédias e da pobreza? Podemos dizer que caminhou, mais vigorosamente, em direção a um modelo de respeito ao ser humano e ao meio ambiente? Podemos dizer que interrompeu a marcha da insensatez, que tantas vezes parece nos encaminhar para o abismo social, para o abismo ambiental, para o abismo político e para o abismo moral?
Posso imaginar a resposta sincera que sai do coração de cada um de vocês, porque sinto a mesma perplexidade e a mesma frustração com o mundo em que vivemos. E nós todos, sem exceção, temos uma parcela de responsabilidade nisso tudo.
Nos últimos anos, continuamos sacudidos por guerras absurdas. Continuamos destruindo o meio ambiente. Continuamos assistindo, com compaixão hipócrita, a miséria e a morte assumirem proporções dantescas na África. Continuamos vendo, passivamente, aumentar os campos de refugiados pelo mundo afora.
E vimos, com susto e medo, mas sem que a lição tenha sido corretamente aprendida, para onde a especulação financeira pode nos levar. Sim, porque continuam muitos dos terríveis efeitos da crise financeira internacional, e não vemos nenhum sinal, mais concreto, de que esta crise tenha servido para que repensássemos a ordem econômica mundial, seus métodos, sua pobre ética e seus processos anacrônicos.
Pergunto: quantas crises serão necessárias para mudarmos de atitude? Quantas hecatombes financeiras teremos condições de suportar até que decidamos fazer o óbvio e o mais correto? Quantos graus de aquecimento global, quanto degelo, quanto desmatamento e desequilíbrios ecológicos serão necessários para que tomemos a firme decisão de salvar o planeta?
Meus senhores e minhas senhoras,
Vendo os efeitos pavorosos da tragédia do Haiti, também pergunto: quantos Haitis serão necessários para que deixemos de buscar remédios tardios e soluções improvisadas, ao calor do remorso?
Todos nós sabemos que a tragédia do Haiti foi causada por dois tipos de terremotos: o que sacudiu Porto Príncipe, no início deste mês, com a força de 30 bombas atômicas, e o outro, lento e silencioso, que vem corroendo suas entranhas há alguns séculos.
Para este outro terremoto, o mundo fechou os olhos e os ouvidos. Como continua de olhos e ouvidos fechados para o terremoto silencioso que destrói comunidades inteiras na África, na Ásia, na Europa Oriental e nos países mais pobres das Américas.
Será necessário que o terremoto social traga seu epicentro para as grandes metrópoles europeias e norte-americanas para que possamos tomar soluções mais definitivas?
Um antigo presidente brasileiro dizia, do alto de sua aristocrática arrogância, que a questão social era uma questão de polícia. Será que não é isso que, de forma sutil e sofisticada, muitos países ricos dizem até hoje, quando perseguem, reprimem e discriminam os imigrantes, quando insistem num jogo em que tantos perdem e só poucos ganham?
Por que não fazermos um jogo em que todos possam ganhar, mesmo que em quantidades diversas, mas que ninguém perca no essencial? O que existe de impossível nisso? Por que não caminharmos nessa direção, de forma consciente e deliberada e não empurrados por crises, por guerras e por tragédias? Será que a humanidade só pode aprender pelo caminho do sofrimento e do rugir de forças descontroladas?
Outro mundo e outro caminho são possíveis. Basta que queiramos. E precisamos fazer isso enquanto é tempo.
Meus senhores e minhas senhoras,
Gostaria de repetir que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. Esta também é uma das melhores receitas para a paz. E aprendemos, no ano passado, que é também um poderoso escudo contra crise. Esta lição que o Brasil aprendeu, vale para qualquer parte do mundo, rica ou pobre.
Isso significa ampliar oportunidades, aumentar a produtividade, ampliar mercado e fortalecer a economia. Isso significa mudar as mentalidades e as relações. Isso significa criar fábricas de emprego e de cidadania.
Só fomos bem-sucedidos nessas tarefas porque recuperamos o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e não nos deixamos aprisionar em armadilhas teóricas – ou políticas – equivocadas sobre o verdadeiro papel do Estado.
Nos últimos sete anos, o Brasil criou quase 12 milhões de empregos formais. Em 2009, quando a maioria dos países viu diminuir os postos de trabalhos, tivemos um saldo positivo de cerca de um milhão de novos empregos.
O Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise e um dos primeiros a sair. Por quê? Porque tínhamos reorganizado a economia com fundamentos sólidos, com base no crescimento, na estabilidade, na produtividade, num sistema financeiro saudável, no acesso ao crédito e na inclusão social. E quando os efeitos da crise começaram a nos alcançar, reforçamos, sem titubear, os fundamentos do nosso modelo e demos ênfase à ampliação do crédito, à redução de impostos e ao estímulo do consumo.
Na crise ficou provado, mais uma vez, que são os pequenos que estão construindo a economia de gigante do Brasil. Este talvez seja o principal motivo do sucesso do Brasil: acreditar e apoiar o povo, os mais fracos e os pequenos. Na verdade, não estamos inventando a roda. Foi com esta força motriz que Roosevelt recuperou a economia americana depois da grande crise de 1929. E foi com ela que o Brasil venceu preventivamente a última crise internacional.
Mas, nos últimos sete anos, nunca agimos de forma improvisada. A gente sabia para onde queria caminhar. Organizamos a economia sem bravatas e sem sustos, mas com um foco muito claro: crescer com estabilidade e com inclusão.
Implantamos o maior programa de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família, que hoje beneficia mais de 12 milhões de famílias. E lançamos, ao mesmo tempo, o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, maior conjunto de obras simultâneas nas áreas de infraestrutura e logística da história do país, no qual já foram investidos 213 bilhões de dólares e que alcançará, no final do ano de 2010, um montante de 343 bilhões.
Volto ao ponto central: estivemos sempre atentos às políticas macroeconômicas, mas jamais nos limitamos às grandes linhas. Tivemos a obsessão de destravar a máquina da economia, sempre olhando para os mais necessitados, aumentando o poder de compra e o acesso ao crédito da maioria dos brasileiros.
Criamos, por exemplo, grandes programas de infraestrutura social voltados exclusivamente para as camadas mais pobres. É o caso do programa Luz para Todos, que levou energia elétrica, no campo, para 12 milhões de pessoas e se mostrou um grande propulsor de bem-estar e um forte ativador da economia. Por exemplo: para levar energia elétrica a 2 milhões e 200 mil residências rurais, utilizamos 906 mil quilômetros de cabo, o suficiente para dar 21 voltas em torno do planeta Terra. Em contrapartida, estas famílias que passaram a ter energia elétrica em suas casas, compraram 1,5 milhão de televisores, 1,4 milhão de geladeiras e quantidades enormes de outros equipamentos.
As diversas linhas de microcrédito que criamos, seja para a produção, seja para o consumo, tiveram igualmente grande efeito multiplicador. E ensinaram aos capitalistas brasileiros que não existe capitalismo sem crédito.
Para que vocês tenham uma ideia, apenas com a modalidade de "crédito consignado", que tem como garantia o contracheque dos trabalhadores e aposentados, chegamos a fazer girar na economia mais 100 bilhões de reais por mês. As pessoas tomam empréstimos de 50 dólares, 80 dólares para comprar roupas, material escolar, etc, e isto ajuda ativar profundamente a economia.
Minhas senhoras e meus senhores,
Os desafios enfrentados, agora, pelo mundo são muito maiores do que os enfrentados pelo Brasil. Com mudanças de prioridades e rearranjos de modelos, o governo brasileiro está conseguindo impor um novo ritmo de desenvolvimento ao nosso país. O mundo, porém, necessita de mudanças mais profundas e mais complexas. E elas ficarão ainda mais difíceis quanto mais tempo deixarmos passar e quanto mais oportunidades jogarmos fora.
O encontro do clima, em Copenhague, é um exemplo disso. Ali a humanidade perdeu uma grande oportunidade de avançar, com rapidez, em defesa do meio ambiente. Por isso cobramos que cheguemos com o espírito desarmado, no próximo encontro, no México, e que encontremos saídas concretas para o grave problema do aquecimento global.
A crise financeira também mostrou que é preciso uma mudança profunda na ordem econômica, que privilegie a produção e não a especulação. Um modelo, como todos sabem, onde o sistema financeiro esteja a serviço do setor produtivo e onde haja regulações claras para evitar riscos absurdos e excessivos.
Mas tudo isso são sintomas de uma crise mais profunda, e da necessidade de o mundo encontrar um novo caminho, livre dos velhos modelos e das velhas ideologias.
É hora de reinventarmos o mundo e suas instituições. Por que ficarmos atrelados a modelos gestados em tempos e realidades tão diversas das que vivemos? O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de sonhar.
Não podemos retardar soluções que apontam para uma melhor governança mundial, onde governos e nações trabalhem em favor de toda a humanidade. Precisamos de um novo papel para os governos. E digo que, paradoxalmente, este novo papel é o mais antigo deles: é a recuperação do papel de governar.
Nós fomos eleitos para governar e temos que governar. Mas temos que governar com criatividade e justiça. E fazer isso já, antes que seja tarde. Não sou apocalíptico, nem estou anunciando o fim do mundo. Estou lançando um brado de otimismo. E dizendo que, mais que nunca, temos nossos destinos em nossas mãos. E toda vez que mãos humanas misturam sonho, criatividade, amor, coragem e justiça, elas conseguem realizar a tarefa divina de construir um novo mundo e uma nova humanidade.
Muito obrigado.

A revolta (da direita) contra a democracia liberal - por Luiz Carlos Azenha

Aquela revista de futebol dos Estados Unidos, a Time, em um dos perfis que traçou do então presidente George W. Bush, encaixou o filhinho de papai da Nova Inglaterra transformado pela política em caubói do Texas, na linhagem dos revolucionários estadunidenses. Sim, dizia a revista, Bush não era um conservador tradicional. Não se preocupava com aquela facção do Partido Republicano que se orgulha de fazer concessões, ainda que minúsculas, às massas ou aos projetos doidivanas do liberalismo democrata.
Bush pai era desta cepa. Bush filho, não. Por oportunismo político e claras limitações intelectuais, optou por um certo "populismo de direita", do mesmo tipo daquele que viceja nos programas vespertinos policiais de nossa TV: o "conservadorismo com compaixão", inventado como veículo eleitoral pelo assessor de imagem Karl Rove, propunha soluções de mercado para as aflições sociais, jogo duro com o crime e um tom transformador na política externa.
O fato de que Bush filho se converteu adulto, "viu a luz" depois de enfrentar dramas pessoais, deu a ele credenciais para se apresentar como o candidato da direita religiosa, que é quem fez todas as campanhas bem sucedidas dos republicanos nos Estados Unidos: ela é militante, organizada, suficientemente ampla e geograficamente espalhada para produzir votos e eleitores em todo o país.
Por trás dessa construção eleitoral, no entanto, atuaram os grandes interesses econômicos que privatizaram completamente o estado americano -- ou pelo menos o que restava dele depois dos mandatos de Bill Clinton. Bush filho entregou as embaixadas americanas a amigos, enfraqueceu o Departamento de Estado, transferiu responsabilidades da política externa para o Pentágono, enfraqueceu todas as agências reguladoras, privatizou a segurança pública, as guerras e parte da diplomacia. Hoje, os "empreiteiros" que tiram proveito desses esquemas continuam à solta por aí, sem que se identifiquem abertamente como agentes de Washington, promovendo os interesses dos Estados Unidos em ações de "apoio" e "ensinamento" às sociedades civis locais.
É a crença nesse ativismo transformador que fez a Time dizer que Bush teve uma ação revolucionária. Ele queria, afinal, transformar o Oriente Médio, "implantar" uma democracia no Iraque que teria efeito dominó sobre todos os países da região. Bush queria acelerar a História e é curioso observar que, dentro dos Estados Unidos, não tenha propriamente desmantelado as estruturas estatais. Enfraqueceu algumas. Fortaleceu outras. O nexo entre os grandes conglomerados econômicos e o Pentágono se fortaleceu e o poder relativo dos militares e das chamadas agências de segurança aumentou.
A incentivar Bush filho estava a claque de intelectuais que se convencionou chamar de "neocons", um rótulo abrangente para um grupo diverso. Alguns dos mentores do movimento eram originários da esquerda trotskista e Leo Strauss, o filósofo cujas ideias embalaram o movimento, acreditava na eficácia da mentira como arma política, no papel preponderante de uma "vanguarda intelectual" motivadora, nutria um certo desprezo pelas "massas" e a crença na ordem natural marcada por domínio e subordinação. A democracia, portanto, não é um valor em si, mas algo a ser "concedido". Uma concessão que pressupõe uma elite intelectualmente superior, embora no modelo Bush tenha mandado mesmo o dinheiro grosso. Esse, aliás, é o padrão: o discurso político é uma forma de dissimulação dos verdadeiros objetivos políticos, como em "armas de destruição em massa".
Embora os republicanos tenham perdido o controle da Casa Branca, essas ideias não perderam força, até porque não falta dinheiro para promovê-las, nem espaço na mídia.
Em alguns paises, essas forças "revolucionárias" se aglutinam pela rejeição, pela negação de projetos que representem a inclusão social da maioria, política ou econômica. Notem como a direita ficou excitada com o golpe em Honduras, a eleição no Chile ou a crise na Venezuela. Às favas com os métodos. A direita, ou uma franja dela, já não vê mais méritos na democracia liberal que ajudou a promover quando tinha os meios e os votos para controlá-la. A maioria agora é "cega", é "burra", ou é comprada pelos métodos "populistas" ou "ditatoriais" de Evo, Lula, Correa ou Chávez.
Se o comunismo não deu as respostas que se esperava dele no século 20, se o socialismo real fracassou, a democracia liberal também já era, agora que é crescentemente abandonada pela direita. Nos Estados Unidos, ela está se organizando fora das estruturas do Partido Republicano, a quem acusa de ser elitista. A ação direta está em voga entre os militantes do Tea Party, um movimento que se aglutina em torno da rejeição a Barack Obama, que acusa de "arrecadar demais", "gastar demais", de ser fraco com os inimigos externos, de ser "socialista".
Curiosamente, o fracasso da democracia liberal em dar resposta às demandas da grande maioria da população também criou um caldo de cultura em que vicejam os milenaristas da direita religiosa, aqueles que acreditam que é preciso mais Deus, não menos, em nosso cotidiano, aqueles que acreditam que o estado laico fracassou justamente por ser laico, que crises econômicas, políticas e terremotos são resultado da falta de fé.
É irônico que, por motivos distintos, a coalizão direitista que levou Bush filho ao poder esteja de volta com o mesmo zelo revolucionário: agora, ela se une contra o "socialismo", o "populismo" e a "degradação moral". Na verdade, trata-se de uma ação contra a democracia liberal justamente quando ela "ameaça" promover a inclusão política e social da maioria.

Inundações em São Paulo: o “Titanic” José Serra – por Vermelho (Editorial)

Em 1907, alguns magnatas britânicos decidiram construir os três maiores navios do mundo. Um deles foi o Titanic. Era então o mais moderno, seguro e luxuoso transatlântico do mundo. Cinco anos depois, em 9 de abril de 1912, o Titanic zarpou para sua viagem inaugural. Durou só cinco dias: o navio colidiu com um iceberg, naufragou e mais da metade dos seus 3.000 passageiros morreram.

A história está repleta de exemplos que lembram a saga do Titanic: algo esplêndido e tido como imbatível, mas que acaba derrotado por motivo aparentemente banal.

Coisa semelhante ocorre, hoje, na política brasileira. A iminente candidatura do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), à presidência da República, era tida até poucos meses atrás como fortíssima. Ele é apresentado pela oposição de direita e por parte da mídia burguesa como administrador competente, sério, ilustrado, bom de voto... e os números das pesquisas davam alguma sustentação para este discurso.

Davam. Agora o quadro começa a mudar. Há uma pesquisa recente do Vox Populi que pode indicar o oposto: a erosão da vantagem do tucano paulista. Até agora, só foram divulgados os dados parciais do Rio de Janeiro e de Pernambuco. No Rio, Serra (27%) está empatado com a candidata do PT, Dilma Rousseff (26%). Em Pernambuco, ele tem 23%, contra os 45% de Dilma. Segundo o jornal O Globo da quarta-feira (27), o presidente do DEM, Rodrigo Maia, passou recibo: ao ser informado sobre estes números, teria dito: “Isso é um pesadelo. Deus me livre”.

Dizem que nossos sonhos e pesadelos estão sempre relacionados a algo que nos aconteceu recentemente. Se for isso mesmo, o pesadelo que atormenta a oposição tem motivo. É só listar os últimos acontecimentos da cena política brasileira. Não há quase nenhuma notícia ruim para o governo: Lula continua muito popular, a economia vai bem, os empregos aumentaram, o salário mínimo aumentou, os programas sociais foram consolidados, nossa imagem no exterior é muito positiva e até mesmo a polêmica sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos serviu para mostrar que dentro do governo há muita gente disposta a comprar esta briga com a direita raivosa...

Enquanto isso, sobram constrangimentos para a oposição. Entre eles o mensalão do DEM no Distrito Federal, a entrevista do senador tucano Sérgio Guerra (PE) pregando o fim do PAC, a iminente derrota da ala serrista do PMDB na disputa interna para decidir pelo apoio a Dilma; a desistência de Aécio Neves da disputa presidencial, que saiu da briga querendo distância de Serra. E, por fim, as chuvas em São Paulo, que causaram grandes problemas e provocaram, até agora, 65 mortes no estado.

Entre estes episódios, as enchentes paulistas têm potencial para causar grandes estragos para a candidatura Serra. A forma tímida, praticamente omissa, com a qual ele e seu pupilo, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), lidam com o problema das enchentes revelou a inaptidão com que o tucanato paulista conduz uma administração tacanha, despreparada para lidar com situações de crise e insensível aos problemas que atingem os mais pobres.

As tormentas paulistas nos remetem mais uma vez ao exemplo do Titanic que desapareceu nas profundezas do Atlântico Norte. A pesquisa Vox Populi ainda não foi divulgada na íntegra. Quando isso acontecer, poderá dar uma dimensão mais precisa sobre os reais estragos que ela causou no casco da candidatura tucana.

Seja como for, muita água ainda rolar por baixo da disputa eleitoral até outubro. Portanto, é cedo para cantar a vitória ou a derrota de quem quer que seja. Mas com os dados disponíveis já é possível dizer que há uma grande pedra no caminho de Serra, um "iceberg" que poderá levar a candidatura da direita ao naufrágio. Um afundamento que deve muito à própria soberba, arrogância e desprezo do tucanato pelos dramas reais da parcela mais pobre da população.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A "campanha presidencial da paz" na América Latina - por Noam Chomsky (The New York Times)

Barack Obama, o quarto presidente dos Estados Unidos a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, mantém a tradição de seus antecessores para promover a paz, desde que, é claro, seja conveniente para seu país.
Todos os quatro presidentes deixaram sua marca na "região que nunca incomodou ninguém", como descreveu a América Latina o Secretário da Guerra norte-americano Henry L. Stimson, em 1945.
Levando em conta a postura da administração Obama com relação às eleições de Honduras em Novembro, pode ser interessante rever a história.

THEODORE ROOSEVELT
Em seu segundo mandato na presidência dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt declarou que "a expansão dos povos brancos ou de origem europeia nos últimos séculos resultou em benefícios para a maioria dos países por eles colonizados", apesar dos africanos, Índios norte-americanos, filipinos e outros supostos beneficiários discordarem redondamente.
Foi então "inevitável e altamente desejável para o bem da humanidade em geral, que o povo americano derrotasse os mexicanos", conquistando metade do México, já que "estava fora de questão esperar que os texanos se submetessem à autoridade de uma raça inferior".
Usar a chamada "diplomacia de canhoneiras" para roubar o Panamá da Colômbia para construir o canal também foi considerado um bem para a humanidade.

WOODROW WILSON
Woodrow Wilson foi o mais laureado dos presidentes e talvez o pior para a América Latina.
A invasão do Haiti orquestrada por Wilson em 1915 matou milhares de pessoas, restaurou a escravidão e deixou boa parte do país em ruínas.
Demonstrando seu amor pela democracia, Wilson ordenou a seus fuzileiros que dissolvessem o parlamento haitiano à mão armada, pois o mesmo se negou a aprovar uma lei "progressista" que permitia às empresas dos EUA praticamente comprar o país. O problema foi remediado quando os haitianos adotaram à força uma constituição redigida pelos EUA. O Departamento de Estado, inclusive, garantiu ao povo que o feito seria "bom para o Haiti".
Wilson também invadiu a República Dominicana para garantir o bem estar da nação. Os dois países foram colocados sob a custódia de guardas nacionais perversas. Décadas de tortura, violência e miséria foram o legado do "idealismo de Wilson", um princípio que norteou fundamentalmente a política diplomática dos Estados Unidos.

JIMMY CARTER
Para o presidente Jimmy Carter, os direitos humanos eram "a alma da política de relações internacionais".
Robert Pastor, conselheiro de segurança nacional para a América Latina, explicou algumas diferenças importantes entre direitos e políticas: Infelizmente, a administração precisava apoiar o regime do ditador Nicaraguense Anastasio Somoza e, mesmo quando isso se tornou impraticável, era preciso manter a Guarda Nacional treinada pelos americanos, ainda que ela tenha massacrado a população "com uma brutalidade que as nações normalmente reservam a seus inimigos", matando quase 40.000 pessoas.
Para Pastor, a razão é óbvia: "Os Estados Unidos não queriam controlar a Nicarágua ou qualquer outro país da região, mas também era preciso manter um certo controle sobre seu desenvolvimento. Os norte-americanos queriam que os nicaraguenses agissem de forma independente, a não ser quando isso afetasse os interesses dos Estados Unidos".

BARACK OBAMA
O presidente Barack Obama isolou os Estados Unidos de quase toda a América Latina e Europa quando aceitou o golpe militar que derrubou a democracia hondurenha em junho.
O golpe refletiu uma "separação política e socioeconômica", como relatou o New York Times. Para a "pouco representativa classe alta", o presidente hondurenho Manuel Zelaya estava se tornando uma ameaça ao que eles chamam de "democracia", especialmente para "as mais poderosas forças políticas e corporativas do país".
Zelaya estava levando a cabo medidas perigosas, como o aumento do salário mínimo - isso em um país em que 60% da população vive na pobreza. É claro que ele precisava ser deposto.
Quase sem o apoio de mais ninguém, os Estados Unidos reconheceram as eleições de novembro (em que Pepe Lobo saiu vitorioso), realizadas sob a ditadura militar: "uma grande festa da democracia", como descreveu o embaixador de Obama, Hugo Llorens.
O apoio também preservou o direito de uso da base aérea de Palmerola, mais valiosa do que nunca, já que as forças armadas norte-americanas têm se tornado cada vez menos bem-vindas na América Latina.
Depois das eleições, Lewis Anselem, o representante de Obama na OEA, sugeriu que os países latinos contrários deveriam reconhecer a legitimidade do golpe militar e juntar-se aos Estados Unidos, "no mundo real e não no mundo de realismo fantástico".
O apoio de Obama ao golpe militar foi realmente inédito. O governo dos Estados Unidos financia o Instituto Internacional Republicano e o Instituto Nacional Democrata, duas instituições que teoricamente deveriam promover a democracia.
O Instituto Republicano costuma apoiar golpes militares para depor governos eleitos, como aconteceu na Venezuela em 2002 e no Haiti em 2004.
Mas o Instituto Democrata permanecia em silêncio. Em Honduras, pela primeira vez, o Instituto Democrata concordou em observar as eleições sob o comando militar, ao contrário da OEA e da ONU, que continuavam em um mundo de realismo fantástico.
Levando em conta as ligações entre o Pentágono e o exército hondurenho e as vantagens econômicas descomunais que os EUA têm no país, seria muito mais simples que Obama aderisse à América Latina e Europa na luta para proteger a democracia em Honduras.
Mas Obama preferiu a política tradicional.
Em sua história de relações internacionais com o hemisfério sul, o acadêmico Gordon Connell-Smith escreve que "apesar do discurso pró-democracia na América Latina, os interesses dos Estados Unidos estão justamente direcionados ao oposto", a não ser por "uma democracia artificial, com eleições que na maioria das vezes não passam de puro teatro".
Uma democracia funcional precisa reagir às questões populares, ao passo que "os Estados Unidos estão mais preocupados em estabelecer as melhores condições para realizar seus investimentos".
É preciso muito da chamada "ignorância intencional" para deixar de perceber a realidade.
Essa cegueira deve ser sustentada cuidadosamente se o estado violento pretende manter-se no poder - sempre para o bem da humanidade como declarou Obama no discurso de agradecimento pelo Nobel da Paz.

Link: terra magazine

MST: Serra veste a camiseta do Lula nos sequestradores do Abílio Diniz - por PHA

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=26285 - por Paulo Henrique Amorim.

Luz Para Todos tira mais de 11 milhões de pessoas da escuridão - por Ministério das Minas e Energia

O programa Luz para Todos, do Governo Federal, alcançou a marca de 2 milhões e 235 mil ligações realizadas em todo o país até dezembro de 2009. A energia elétrica chegou gratuitamente para famílias que moram na área rural e tiraram 11,1 milhões de brasileiros da escuridão.
A energia elétrica muda a vida das famílias. Além do conforto como a televisão e a geladeira, leva tranquilidade para pessoas que dependem de equipamentos elétricos para cuidar da saúde. É o caso de dona Aurelina da Conceição, 81 anos, moradora do município de Piranhas, em Alagoas. Ela, que sofre de asma, era obrigada a ir ao hospital, que fica a uma hora de casa, quase todos os dias para fazer nebulizações. Hoje Aurelina tem o aparelho e faz nebulização quando precisa em casa.
O Luz Para Todos vem provocando também uma movimentação positiva na economia, como é o caso das indústrias de materiais elétricos. Estima-se que as obras do programa tenham criado 335 mil novos postos de trabalho diretos e indiretos e utilizado cerca de 5,6 milhões de postes, 1,08 milhão de km de cabos e 824 mil transformadores. São serviços nas obras, nas fábricas de materiais e em escritórios.
Em todos os cantos do Brasil encontramos famílias felizes e exemplos dos benefícios que a energia elétrica leva e as grandes mudanças que ela proporciona. O Luz para Todos também tem o objetivo de promover o desenvolvimento local do meio rural e geração de emprego e renda a partir do uso produtivo da energia elétrica.
O programa, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia – MME -, operacionalizado pela Eletrobrás, é desenvolvido em parceria com as concessionárias de energia elétrica, cooperativas de eletrificação rural e governos estaduais. Até o mês de dezembro, para a execução das obras, o Governo Federal assinou contratos que somam R$ 10,9 bilhões, dos quais liberou R$ 7,8 bilhões.
Dos recursos liberados pela União, 5,8 bilhões foram a fundo perdido. A utilização de recursos públicos subvencionados pelo Governo Federal visa diminuir o valor de possíveis aumentos para os consumidores.
As famílias atendidas não pagam nada pela instalação da energia elétrica e recebem gratuitamente três pontos de luz e duas tomadas em casa. O morador do meio rural que não possui energia elétrica em casa deve procurar o escritório ou representante da concessionária de energia elétrica ou a concessionária de eletrificação rural que atende a sua região e solicitar a instalação da luz. A prioridade das obras é definida pelo Comitê Gestor Estadual e o cronograma, pela concessionária de energia elétrica.

Guerra de travesseiros - André Siqueira

Este artigo é dedicado aos não iniciados em economia. Ou, melhor confessar de cara, tem como alvo quem acredita que há mesmo uma crise institucional envolvendo Ministério da Fazenda e Banco Central – uma hipótese vendida de tempos em tempos pela grande imprensa brasileira. Foi assim na saída de Antônio Palocci da pasta, e depois quando o presidente Lula se reelegeu. E, agora, quando nove entre dez analistas de mercado prevêem que a taxa de juros vai subir no Brasil em 2010, o assunto torna à baila, sem poupar nenhum dos dois lados.

O que se lê é que, antes que se possa comemorar a retomada da atividade econômica, o sisudo Henrique Meirelles vai colocar água no chopp, sob a alegação de que, acima dos 5%, o crescimento traz inflação. A culpa seria de Guido Mantega, o ministro doidivanas, responsável pelo afrouxamento de rédeas que derrubou a arrecadação do governo e deixou a atividade econômica desembestar.

Há erro e exagero nas duas avaliações. Quem pensa assim leva a sério uma discussão que, de tão antiga, já deveria ter caído em desuso. De um lado, estão os que acreditam no uso das ferramentas de política fiscal – o poder do Estado de tributar e gastar – como principal ferramenta para guiar a economia. De outro, a crença de que o equilíbrio e a estabilidade dependem de instrumentos de política monetária – grosseiramente falando, a criação e destruição de moeda, por meio do manejo da taxa de juros.

Um duelo em que os dois lados recebem, quase nunca apropriadamente, as mais diversas nomenclaturas. Em geral, são keynesianos contra neoliberais, ou heterodoxos contra ortodoxos. Historicamente, funciona mais ou menos assim: os primeiros miram apenas o curto prazo, querem criar empregos e estimular setores, sem se importar com as conseqüências, enquanto para os monetaristas a defesa da moeda é sempre desculpa para elevar juros e impedir a economia de deslanchar.

A história mostrou que não há lado 100% correto. E, a esse propósito, o que pouca gente percebe é que um dos segredos do sucesso da política econômica do governo Lula – do qual nem a oposição duvida – foi institucionalizar essa dualidade, e acatar o que há de melhor em cada lado. O freio de mão do BC manteve a atividade econômica em níveis seguros e manteve a estabilidade da moeda. O afrouxamento fiscal conduzido pela Fazenda no ano passado e o reforço dos mecanismos de proteção, como o seguro desemprego, contribuiram para o País virar modelo de retomada no pós-crise (se é que o pior já passou).

Os jornais mostraram, nos últimos dias, Mantega disposto a lançar mão dos mecanismos fiscais para conter o excesso de crescimento e adiar, ou evitar, a alta do juro. Longe de representar uma intromissão na seara do colega, ou uma afronta à autoridade do BC, como se pretende muitas vezes mostrar, medidas como a suspensão de benefícios fiscais seriam uma contribuição valiosa para evitar que Meirelles suje sozinho as mãos ao elevar o juro em ano eleitoral. No lugar do presidente do BC, eu agradeceria.

Se há como azeitar mais a relação entre os dois, restaria apenas cobrar um pouco mais criatividade, de ambos os lados. A Fazenda pode (na medida certa) aumentar impostos, mas também é capaz de frear gastos públicos menos necessários, mesmo em ano eleitoral. Do outro lado, o poder do BC não está reduzido ao manuseio da Selic. A autoridade monetária dispõe de meios para influenciar na distribuição do crédito, por exemplo, de modo a inibir expansões desenfreadas em algumas linhas e manter livre o caminho para o investimento em máquinas, equipamentos e na construção civil.

Mantega e Meirelles ocupam postos complementares, e não opostos, no governo Lula. Devem atuar em conjunto, a despeito do mise-en-scène por vezes necessário, porque só assim se tornam capazes de levar a cabo as duas principais metas da área econômica de qualquer Estado: proteger a própria moeda e estimular a produção de riqueza no País.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Governos do DF e SP irmanam-se e celebram o Pacto dos Esgotos - por Tia Carmela e o Zezinho

http://byebyeserra.wordpress.com/2010/01/26/governos-do-df-e-sp-irmanam-se-e-celebram-o-pacto-dos-esgotos/

Um elogio

O orçamento do governo do estado do Espírito Santo para este ano é de R$ 11.652 bilhões de reais. Deste valor, mais de 1 bilhão de reais refere-se a investimentos (cerca de 10% da arrecadação).
Isto, num estado que anos atrás sequer a folha do funcionalismo conseguia pagar.

Tenho severas críticas ao governador Paulo Hartung – especialmente no que tange a segurança pública, que degringolou de vez em seu governo – porém, devo creditar a ele um especial parabéns por tal prática.
Não pude observar os dados de maneira específica – para onde vão os investimentos – mas já é um alento ver a capacidade administrativo-financeira do estado recuperada.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

De quem é a culpa dos alagamentos em São Paulo? - por Quanto Tempo Dura?

Pouco a comemorar – por Redação CartaCapital

Não fosse um imerecido Nobel da Paz, o presidente dos EUA nada teria a festejar ao cumprir o primeiro ano de mandato. Gastou seu capital político sem obter nada substancial (de uma aprovação inicial de 68%, a maior desde John Kennedy, caiu para 49%) e seu partido sofreu uma derrota eleitoral humilhante.

O republicano Scott Brown ganhou a eleição para substituir o falecido senador democrata Ted Kennedy, um dos maiores defensores da reforma da Saúde, basicamente opondo-se a ela. Brown é menos conservador que a média dos republicanos e é algo excepcional a situação de Massachusetts, que já tem um sistema de saúde estadual, ao qual o federal apenas acrescentaria despesas, mas ainda assim foi uma derrota contundente.

As circunstâncias encontradas por Obama, criadas pelo governo de Bush júnior e pela gestão de Alan Greenspan no Fed, foram muito desfavoráveis, mas a maneira como as enfrentou não foram inspiradoras. Continua no Iraque, enviou mais tropas ao Afeganistão, desistiu de pressionar Israel a suspender as construções em terras palestinas, respaldou um golpe de Estado em Honduras e lavou as mãos em relação à mudança climática.

Mas isso é secundário para o eleitor dos EUA: o que o frustra é a política econômica, balizada pelo temor de desagradar ao setor financeiro. Proporcionou trilhões em ajuda aos grandes bancos sem exigir quase nada em troca e que esse governo, como os outros, é cúmplice de sua exploração.

Eleitores com empregos e moradia em risco veem bancos distribuírem dezenas de bilhões em bônus a executivos que teriam perdido cargos e fortunas, não fosse o socorro estatal. Ao ressentimento racional somam-se preconceitos alucinados de brancos empobrecidos que querem “de volta” o país supostamente tomado por um complô de negros, imigrantes e financistas.

Isso se reflete na reforma da Saúde, que beneficiaria dezenas de milhões, mas pode vir a ser rejeitada. Tantas foram as diluições para tentar agradar aos centristas que se tornou mais tímida e conservadora que a proposta do republicano Richard Nixon, em 1971. Ainda assim, é pintada pelos republicanos como golpe comunista, fascista ou ambos. E os democratas, ante uma oposição disposta a bloquear qualquer política que venha de seu governo, progressista ou não, só sabem reagir ao desafio recuando de suas propostas e desanimando ainda mais quem os ajudou por acreditar em Change e Hope.

O filme que nós estamos fazendo - Ivana Bentes (CartaCapital)

Vi finalmente “Lula o Filho do Brasil”. A biografia do presidente do Brasil pedia, no mínimo, um filme como Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, que entrou para a história do cinema mundial ao contar de forma surpreendente a saga de uma família nordestina. Lula, o filme, poderá entrar (no máximo) para a história das bilheterias (o que já será um feito).

No início da sessão lotada, no Roxy de Copacabana, no Rio, os espectadores se irritaram com a interminável lista inicial de patrocinadores (o filme avisa que não teve patrocínio público) e alguém gritou: “o ingresso é caro e está saindo do meu bolso!”

Mas a comparação com Vidas Secas é meramente retórica e “fora de lugar”. Vidas Secas é um filme sobre o fracasso das vidas severinas, presas em um inferno seco, no limite entre humanidade/animalidade e nesse sentido não poderia inspirar a saga de um sobrevivente-vencedor, capaz de transformar as forças mais hostis num impulso vital.

Vidas Secas é um filme árido, de uma violência surda, fotografado por Luis Carlos Barreto produtor do filme Lula, de Fábio Barreto. Um marco do Cinema Novo e de uma mudança estética e política, traz uma violência subjetiva sem cair numa forma mais que desgastada e conhecida.

Não vale a comparação. Mas fica a questão. Como traduzir, expressar cinematograficamente, a inovação política do governo Lula, suas contradições, limites e impasses, esteticamente?

Obviamente o filme de Fábio Barreto não se propõe a nada disso, aliás haveria “uma” estética Lula? Certamente não. Ainda mais que o filme acaba onde estamos, no olho do furacão e das mudanças políticas pós-Lula e as vésperas de uma eleição para presidente da República.

Mesmo assim, a opção do filme é pobre, pois transforma a trajetória de Lula numa espécie de novela das seis. A questão não é nem o gênero escolhido, drama ou melodrama. O melodrama é poderoso como forma cinematográfica. O cinema hollywoodiano, mexicano, alemão fizeram obras-primas no gênero.

O problema é que o filme de Fábio Barreto é sutil como a prensa que corta o dedo do futuro presidente! Vai “montando” fatos na sua linha de montagem audiovisual. Alguns comoventes, como o início, outros que passam batido, cumprimento burocrático de uma cronologia/biografia.

Vai enfileirando fatos que são, por si só, mesmo lidos numa folha de papel, dramáticos: fome e miséria no Nordeste, abandono, alcoolismo e violência do pai, perda do dedo no torno mecânico, morte da primeira mulher e do primeiro filho, segundo casamento, enfrentamento da ditadura, prisão nas greves do ABC, morte da mãe, eleições perdidas, presidente da República.

Para encadear esses fatos um fio condutor: a mãe dona Lindu, que encarna a força, a superação, a teimosia do povo brasileiro mais humilde. Lula é “apenas” isso, o filho dileto dessa mãe-coragem, tornada mítica também.

Mas e o personagem Lula? Lula-herói na sua saga de menino pobre é esvaziado de qualquer dimensão política. O filme dá a impressão que virou gente e presidente para agradar a mãe. Toda sua entrada no sindicato é “neutralizada” como intenção política. Lula é “desligado” de política, acha sindicato inútil, greve “baderna” e “confusão”, em todas as oportunidades o filme reforça a despolitização de Lula, o que é um feito!

É mostrado como um sindicalista vacilante que, seguindo os conselhos da mãe Lindu, torna-se um negociador cauteloso para quem “os patrões não são nossos inimigos, afinal pagam o nosso salário”. É é pensando na mãe que encerra uma das greves do ABC paulista!

Ou seja, toda a inteligência política de Lula como articulador, negociador, a transformação de uma greve por salário em uma greve contra a ditadura militar, o Lula estrategista, é esvaziada.

É como se a intencionalidade política ou o pensamento radical entrassem em confronto com o desejo de “mitificação”, maculasse o mito, que precisa ser esvaziado justamente daquilo que o constitui em nome de uma “predestinação" (o desejo intenso da mãe de que seja “alguém”, bom filho, bom marido, torneiro mecânico, sindicalista, nem precisa ser “alguém falado”). Lula, no filme, não toma sua vida nas mãos, vai se tornando alguém simplesmente por acaso (ver César Migliorin, em “Lula, um herói por acaso”).

O fato é que as políticas sociais de Lula mais radicais que a elite rejeita (cotas, Bolsa Família, etc.) não serão melhor aceitas porque Lula era o filho dileto de Dona Lindu! Ou seja, o filme sequer funciona como propaganda política!

E haverá claro os que vão acusar e denunciar a “degradação” do mito! Sem os conselhos de Dona Lindu, o Lula “real”, finalmente político, que para governar suja as mãos, este, poderá ser execrado. O problema das “santificações” é que elas abrem caminho para a destruição igualmente violenta do mito! Esse é o processo midiático recorrente na sua bipolaridade esquizo.

Essa operação de esvaziamento do político vem sendo feita em muitos filmes brasileiros com ícones da esquerda. Olga, filme de Jaime Monjardim, Cazuza, de Sandra Werneck, ao fundirem o imaginário rebelde com a estética noveleira de certa higienização, romantização, glamourização, despolitização.

Pois, como é possível (no caso de Olga) fazer um filme sobre líderes comunistas sem falar a palavra “comunismo”, ou fazer um filme sobre um contestador dos costumes como Cazuza sem a palavra homossexualismo? Ou transformar Che Guevara (O “Che” de Walter Salles, um filme cinematograficamente melhor que todos esses) numa espécie de piedosa e inofensiva Madre Tereza de Calcutá?

Como esse cinema aproximaria qualquer jovem de um imaginário de contestação e rebeldia, de desejo de transformação, se não restitui as ambiguidades, contradições, impasses, porosidades, desacertos, vazios que forjaram as vidas e biografias de seus personagens?

Há uma cena particularmente constrangedora no filme, o merchandising da cerveja Brahma, em que os sindicalistas do ABC são transformados em guerreiros “brameiros”!!

Resumindo, poderíamos dizer que “Lula o filho do Brasil” não é marcante como cinema, é fraco como publicidade política, e ótimo como novelão das seis e para vender Brahma!

Agora o filme é o maior institucional de todos os tempos do SENAI. O imaginário do torneiro mecânico que moldou a cabeça do Lula fordista do ABC. O amor ao macacão/uniforme da fábrica, a carteira de trabalho assinada, o trabalho e o emprego como sonhos maiores de qualquer brasileiro. O ideário desenvolvimentista e do pleno emprego que sabemos não dá mais conta dos desafios de um capitalismo do precariado global.

Fora do cinema, Lula teve que encarar essas mudanças radicais: do ideário nacional-soberanista-desenvolvimentista para o mundo pós-fordista, da co-dependência, de um país imerso em um capitalismo mundial integrado, exigindo uma transformação política-existencial-cognitiva, que deixa a direita e a esquerda baratinada, ressentida, perdida.

Como Lula ousou se arriscar tanto e sustentar, com todos os desgastes e equívocos cometidos, a aposta num devir outro do país?

Apesar de tudo, vendo o filme, balancei. Porquê o filme mesmo “descafeínado” nos conecta com um afeto e um "fora" radical. As mudanças que esse país passou, os avanços nas políticas sociais, os projetos inovadores no campo da cultura, o entendimento do país, visto de “baixo”, o transe das alianças e as tentativas recorrentes de desacreditar e esvaziar a dimensão política da nossa existência. Quando essa inteligência política popular brasileira, é o filme que nós, os brasileiros, estamos construindo e que nós eleitores podemos dirigir.

*Ivana Bentes é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ, pesquisadora do CNPQ e diretora da Escola de Comunicação da UFRJ.

Comentário:
É um filme da globo para quem assiste a globo.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Os primeiros responsáveis – por Mino Carta (CartaCapital)

Honra-me ter sido detestado por Ernesto Geisel, ditador de 1974 a 1979. Baseio-me em depoimentos insuspeitos. Um, de Karlos Rischbieter, presidente da Caixa Econômica Federal e, em seguida, do Banco do Brasil durante a ditadura Geisel. Está no livro de memórias de Rischbieter, publicado no começo de 2008. O outro, gravado, é do quinto ditador da casta fardada, João Baptista Figueiredo. Tocou no assunto em 1988, durante um churrasco amigo.

Geisel, no meu caso certamente, desperdiçava seus maus humores. Eu não merecia tanto. Nunca estive com ele, informa-me a seu respeito fluvial entrevista contida em um monumental volume, destes que implodem qualquer criado-mudo. Falava com um grupo de professores do Cepedoc. Primeiro aspecto: ali Geisel em momento algum aponta a “distensão, lenta, gradual, porém segura” como seu trunfo. Praticamente esquece-se dela. Orgulha-se é dos feitos econômicos pretensamente extraordinários, alcançados durante o seu “mandato” (aspas obrigatórias), quando entendia que o Brasil fosse “uma ilha de prosperidade”.

Com isso, tendo a crer que o verdadeiro estrategista da abertura tenha sido Golbery do Couto e Silva, o titereiro. Sabia como lidar com seu títere de estimação, com quem mantinha, aliás, relações bem menos íntimas do que se supõe. Levava devidamente em conta os resultados das eleições parlamentares consentidas de 1974 e o papel de uma oposição concentrada à sombra do MDB do doutor Ulysses. Ou seja, percebia no horizonte sinais de insatisfação, quais fossem as ameaçadoras colunas de fumaça provocadas pelos peles-vermelhas dos filmes do faroeste.

O segundo aspecto diz respeito à tortura. Pois o ditador apresentado como tutor da distensão é a favor da tortura. Quem duvida, se tiver coragem para a empreitada, leia algo em torno de 500 páginas de entrevista. Eis aí uma questão que a mídia nativa não levanta. Qual é a responsabilidade dos ditadores pelos crimes de lesa-humanidade perpetrados pelos seus janízaros?

Branco, aquele general que gozava da fama de intelectual por ter lido alguns livros de Alexandre Dumas pai e de Victor Hugo, donde sorboniano, talvez escape desta no Vale de Josaphat. E Costa e Silva, que assinou o AI-5? E a Junta Militar, encabeçada por um general que escrevia poesias com pseudônimo de Adelita, habilitado, portanto, a figurar na Academia Brasileira de Letras? E Médici e Geisel? E Figueiredo? Durante o “mandato” deste não houve tortura, bombas sim, muitas bombas.

Seria de dever, como aconteceu, por exemplo, na Argentina, definir e condenar os ditadores, primeiros motores da repressão política e do terror de Estado. Ora, direis: estão todos mortos. Vamos condená-los, ao menos, à execração pública.

Está claro, no entanto, que não amadurecemos o bastante. De minha parte, não espero ler ou ouvir referências nesse sentido ao passado ditatorial por parte da mesma mídia que implorou o golpe de 1964 e hoje reage de maneira primitiva, anacrônica, intelectual e moralmente deplorável a um Projeto dos Direitos Humanos que não passa de declaração de intenções.

Em meio à reação descomposta, feroz e até vulgar, apinhada de editoriais que valeria entender como peças de humorismo não fossem tragicamente distantes da contemporaneidade do mundo, um único ponto do Projeto justifica reparo, a parecer saído da pena de redatores milenaristas. Não é digno de uma democracia autêntica atribuir ao Estado a tarefa de determinar quem da mídia age a favor dos Direitos Humanos e quem não.

Falha ululante do Projeto. O presidente Lula não erra quando afirma que o monopólio da comunicação contradiz quaisquer propósitos democráticos. Retruca o Estadão, “alto e bom som”, que o monopólio no Brasil não se dá. Esquece as empresas deste país que enveredam por todos os caminhos midiáticos, sem contar a aliança selada entre elas, às vezes automaticamente, quando divisam o risco comum.

Há 46 anos invocaram o golpe para deter uma marcha da revolução vermelha que nunca deu o ar da sua graça. Hoje preparam-se a sustentar em uníssono o candidato da oposição contra aquele do operário que chegou longe demais. De todo modo, não cabe ao Estado criar mecanismos para impedir este ou outros gêneros de monopólio. É sim da competência do Congresso aprovar uma lei para limitar os poderes dos barões. Que se estabeleçam fronteiras para a ação de cada qual: ninguém tem direito a tudo. Não vale a pena iludir-se, contudo. No Brasil atual, isto é quimera.

FHC e a guerra cultural da CIA – por Argemiro Ferreira

http://argemiroferreira.wordpress.com/2010/01/19/fhc-e-a-guerra-fria-cultural-da-cia/

Os muros de borracha - Wálter Fanganiello Maierovitch (CartaCapital)

No livro que tem como subtítulo Eu e os Criminosos de Guerra, Carla del Ponte, a primeira a assumir o encargo de chefe do Ministério Público no Tribunal Penal Internacional (TPI), usou a expressão “muro de borracha” para definir não apenas a dificuldade da sua transposição em questões judiciais, mas especialmente o retrocesso experimentado quando se tromba contra ele. De fato, jamais foi fácil a tarefa de não deixar impunes os crimes quando, de permeio, os poderosos erguem muros de borracha.

Del Ponte, caso morasse no Brasil, estaria a assistir a paralisação das apurações e dos processos judiciais contra o banqueiro Daniel Dantas nos casos Satiagraha e Kroll, determinados no fim de 2009 e janeiro de 2010, respectivamente. Mais ainda, contemplaria o transporte por caminhão, de São Paulo para Brasília, de todos os documentos relativos à referida Operação Satiagraha, por ordem do ministro guardião Eros Grau. O mesmo que, sem determinar eleição, conduziu, em 2009, Roseana Sarney ao governo do Maranhão e anteriormente, na condição de relator, deu sustentação à escandalosa liminar de soltura concedida ao banqueiro Dantas pelo ministro Gilmar Mendes, em habeas corpus e sem competência.

Na verdade, tratou-se de novos muros de borracha quando o de anos anteriores havia ruído, caso, por exemplo, daquele alicerçado na proibição de perícia nos discos rígidos do Banco Opportunity, determinada por Ellen Gracie. A ministra, em 2009, diminuiu a importância do seu cargo no STF ao querer trocá-lo por um tribunal de comércio sediado nos EUA, onde acabou reprovada no processo seletivo. Assim, faliu, como se diz entre aldeões portugueses, a sua tentativa de passar de cavalo a burro.

O TPI foi instituído, pelo Tratado de Roma, em 18 de julho de 1998. Sua competência decorre da necessidade de punir os responsáveis por atrocidades caracterizadas pela negação da dignidade humana. Como o TPI não conta com jurisdição retroativa, o Brasil, que está entre as 120 nações que o aceitaram (sete ficaram de fora), jamais assistirá a julgamentos de processos criminais contra aqueles que, entre 1964 e 1989, perpetraram terrorismo de Estado, a fim de sustentar uma ditadura.

No Brasil, 144 dos nossos conacionais foram assassinados sob tortura durante o regime de exceção. E o número dos desaparecidos, sob custódia do regime militar, chega a 125. A conspiração militar que resultou no golpe de 1964, e contou com contribuição financeira, doutrinária (Doutrina Mann, do secretário para Negócios Interamericanos), política e bélico-naval dos EUA (Operação Brother Sam, capitaneada pelo porta-aviões Forrestal, que ficou à disposição), foi regida pelo general Humberto Castelo Branco. Antes dela, o general Olympio Mourão Filho, de perfil filo-integralista que comandava a região de Minas Gerais, ensaiara o golpe com a sua abortada Operação Popeye.

A ditadura militar, decorrente de golpe que tirou do poder ao arrepio da democrática Constituição de 1946 o presidente João Goulart, passou, não bastassem os atos institucionais, a calar, pela tortura e prisões, os opositores, num endurecimento iniciado logo em 1965. Com o famigerado Ato Institucional número 5, cujo texto foi da lavra do então ministro da Justiça Gama e Silva, conferiu-se ilegitimamente ao presidente da República poderes para cassar direitos políticos, suspender o remédio heroico do habeas corpus, censurar a imprensa, prender por opinião, aposentar professores incômodos etc.

A luta armada, uma reação legítima contra o golpe e o terror de Estado, começou a ser articulada em 1967 e se mostrou apenas em 1969, sem a participação do Partido Comunista Brasileiro, que adotara a linha da oposição sem violência: a posição do PCB, chamado de Partidão, levou Carlos Marighella a criar e comandar a Ação Libertadora Nacional (ALN).

Apegado à máxima de que a história é escrita pelos vencedores, o regime ditatorial, por perceber que chegava à exaustão e por cautela voltada a conferir um bill de indentidade e impunidade aos agentes do terror, elaborou, em 1979, a chamada Lei da Anistia (Lei nº 6.683). A que concedeu, em plena ditadura, anistia aos autores de crimes políticos, conexos a eles ou por motivação militar. Como se nota, a referida lei representa caso típico de autoanistia, em pleno regime excepcional.

Os ditadores de plantão e seus serviçais olvidaram, à época, que o Direito Internacional e as convenções subscritas pelo Brasil, desde 1964, já criminalizavam os atos de lesa-humanidade, como a tortura, o terrorismo, o genocídio etc. Também não reconheciam prescrição, anistia ou outra hipótese aniquiladora do direito de punir e da efetivação de sanção imposta com observância do devido processo legal.

Esse tiro pela culatra começou a ser percebido, no Brasil, quando a Espanha, que teve lei de anistia promulgada em 1977 (depois da morte do general-ditador Francisco Franco), começou, no governo socialista, a projetar a chamada Lei para Recuperar a Memória Histórica, só aprovada pelo Parlamento em 2007. A meta principal era escrever a verdadeira história. Fora isso, procurou-se (1) restabelecer direito às famílias em face de condenados à morte por infamantes tribunais de exceção; (2) remover símbolos do regime de arbítrio; (3) localizar as fossas onde estavam sepultados os assassinados por delitos de opinião e oposição à ditadura e indenizar sobreviventes de tortura ou seus sucessores.

Recentemente, num escrito de uma ativista de direitos humanos de Madri, quando havia esperança de se encontrar a fossa com os espólios do poeta Federico Garcia Lorca, ficou assinalado que, quando se tenta apagar a memória das vítimas de tormentos, aparece sempre um fantasma para não deixar morrer as lembranças.

No fim de 2009, mais precisamente em 21 de dezembro, o governo Lula deu um passo largo ao anunciar e formalizar o Programa Nacional de Direitos Humanos, que designa um grupo de trabalho incumbido de redigir, até abril de 2010, um projeto de lei a instituir uma Comissão Nacional da Verdade. O referido órgão, com prazo determinado, terá a incumbência de examinar as violações de direitos humanos durante o regime militar (1964-1985). Está previsto também levantamento histórico a respeito da ditadura Vargas, da revogação da Lei da Anistia de 1979 e da edição de lei, a exemplo da Espanha, a proibir manutenção de nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade em logradouros, próprios públicos, ruas, viadutos etc.

Esse fecho de 2009 era animador ao projetar grande progresso no campo dos direitos humanos em 2010, com respeito às famílias das vítimas, e de se poder contar para as novas gerações a nossa verdadeira história. No entanto, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, montou um jogo de cena e até se fala ter Lula assinado, sem ler, o decreto do referido programa.

Por não concordar com a redação, termos e metas do Programa Nacional de Direitos Humanos, o ministro Jobim, que amiúde gosta de envergar uniforme militar, apresentou ao presidente Lula um pedido de exoneração, em 22 de dezembro. Por evidente, contava com o aval dos comandantes das três armas. Tudo que teria sido acertado entre a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério da Defesa, incluído o termo reconciliação e a meta de apuração também de atos dos que optaram pela luta armada para combater o regime, foi glosado, segundo Jobin

Apesar da formação jurídica e do tempo passado no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro embarcou no falso discurso do revanchismo contra as Forças Armadas e da legitimidade da Lei da Anistia. Esqueceu Jobim uma velha lição, ou seja, a responsabilidade criminal, por imprescritíveis crimes de lesa-humanidade e terrorismo de Estado, recai sobre a pessoa do infrator e não na corporação, Exército, Marinha ou Aeronáutica.

Assim, responsabilizar um coronel Brilhante Ustra, apontado como responsável pela tortura de presos políticos nas celas do DOI-Codi, não implica mácula ao Exército Nacional. Quando o Judiciário afasta por corrupção um magistrado ou o Exército expulsa um soldado indigno da farda, alcança-se o aperfeiçoamento, ou melhor, não seriam a Magistratura e o Exército, nos exemplos dados, os punidos, mas membros das corporações que não se mostraram dignos. Membros das Forças Armadas nunca estiveram legitimados a promover terrorismo, torturar, sequestrar, matar e desaparecer com seres humanos.

Vale frisar, ainda, que a autoanistia, em diversas oportunidades, foi declarada ilegítima pelas Nações Unidas e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Não se aceita, em síntese, a autotutela por anistia. Nem benefícios a tiranos são referendados e legitimados pela Corte de Direitos Humanos da União Europeia, sediada em Estrasburgo (França). Os então ditadores Franjo Tudjman, da Croácia, e Slobodan Milosevic, da ex-Iugoslávia, não lograram reconhecimentos espúrios, em detrimento de direitos humanos. A propósito, Milosevic, sob odor de crimes contra a humanidade e genocídios, morreu na prisão, por força de mandado expedido pelo TPI.

A carta-renúncia de Jobin, aquele que confessou em livro laudatório haver fraudado a Constituinte e inserido artigos sem exame dos seus pares, não foi aceita pelo presidente Lula. O ministro luta pela manutenção da Lei da Anistia de 1979. Para torná-la ampla e irrestrita usa como pressão a ameaça contra os que se opuseram ao regime pela via armada, equiparando-os a assassinos e torturadores com o crachá da ditadura.

Para entender melhor o quadro, os comandantes militares, na verdade e pelo porta-voz Jobin, desejam (1) apurar a atuação dos movimentos de resistência de esquerda e, em especial, as condutas da ministra Dilma Rousseff e do ministro Franklin Martins; e (2) não concordam com buscas e apreensões em quartéis e comandos militares, ou seja, pretendem manter arquivos secretos.

A manutenção da Lei da Anistia, avisam os militares, representa “ponto de honra”. Nem tal manutenção, frise-se, favorece os autores ou mandantes de crimes de lesa-humanidade. Em ilustrativo artigo sobre a Lei da Anistia não impedir a punição dos que praticaram tortura e crimes de lesa-humanidade durante o regime militar, os procuradores da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero e Marlon Alberto Weichert, ambos mestres em Direito Constitucional, alertam não ser preciso revogar a Lei da Anistia, pois a punição dos crimes só depende de uma interpretação técnica do seu conteúdo: “Ora, só praticam crimes políticos, ou com motivação política, os que desejam ir contra o Estado. Os atos dos órgãos de repressão visavam o contrário, ou seja, defender o governo”, que, acrescento, era de exceção, golpista, antidemocrático e promotor de terrorismo de Estado”.

A atual postura do ministro Jobim deve arrancar aplausos dos torturadores do DOI-Codi e da Operação Bandeirantes (Oban), dos membros do famigerado Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e do fantasma de Emílio Garrastazu Médici. Em resumo, tenta-se implantar um vergonhoso muro de borracha, a vedar para 2010 as esperanças de fechar, com a marca da verdade, esse período repugnante da nossa história.

No governo, apesar das negativas, existem duas frentes em litígio, ou seja, a do ministro Vannuchi, da Secretaria de Defesa dos Direitos Humanos, e, do outro lado, a encabeçada por Jobin, ministro da Defesa.

Outro aspecto a considerar, no que toca ao tema anistia, diz respeito à morosidade da Justiça na solução sobre a constitucionalidade ou não da Lei da Anistia. Fora dos autos e pela constitucionalidade já se manifestou o presidente do STF, Gilmar Mendes. Em razão disso, estará tecnicamente impedido de julgar. Quanto à arguição de descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, sobre a Lei de Anistia, está a ocorrer descumprimento do disposto no artigo 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.882, de 3/12/1999. Nela se estabelece o prazo de cinco dias para a manifestação da Procuradoria-Geral da República. O prazo findou em 7 de fevereiro do ano passado e os autos continuam com o referido procurador.

Num ano encerrado por dissensos entre Executivo e Judiciário e entre este e o Legislativo, tudo estará mais tranquilo em 2010, quando, em maio, assumirá a presidência do STF o ministro Cezar Peluso, que tem outro estilo, é juiz de carreira tarimbado, jurista e professor de direito sempre muito respeitado. Peluso parece já ter compreendido que o ativismo judiciário (eufemismo que significou, em 2009, a subtração de função constitucional exclusiva do Legislativo) e as precipitações e intromissões ao estilo Gilmar Mendes, só contribuíram para o descrédito da mais alta Corte.

Enquanto o ministro Eros Grau sonha com a aprovação da emenda da bengala, que lhe daria mais cinco anos de STF, esboça-se na sociedade civil um movimento para reformas, a fim de se estabelecer, como nas cortes constitucionais europeias, prazo de sete anos de mandato para ministros, sem possibilidade de recondução. O recall revogação do mandato parlamentar só depende de regulamentação da Constituição, já proposta pelo Conselho Federal da OAB, em projeto da lavra e da autoridade do professor Fábio Konder Comparato.

Censura? Controle? Tribunais? De onde vem tanto medo? - por Ricardo Kotscho

“A mídia está sendo vítima de um surto de pânico: está com horror ao espelho. Berra e esperneia quando alguém menciona a organização de conferências ou debates públicos sobre meios de comunicação, imprensa, jornalismo. Apavora-se ao menor sinal de controvérsia a seu respeito, por mais úteis ou inócuas que sejam. Parece ter esquecido que o direito de ser informado é um dos direitos inalienáveis do cidadão contemporâneo. O Estado Democrático de Direito garante a liberdade de imprensa e o acesso universal à informação”.

Começa assim o primoroso artigo publicado hoje por Alberto Dines, mestre de várias gerações de jornalistas brasileiros, entre os quais me incluo, sob o título “Mídia à beira de um ataque de nervos” (www.observatóriodaimprensa.com.br).

A começar pelo título, Dines resume o estado d´alma da nossa grande e velha mídia nestas últimas semanas, como se o governo federal estivesse prestes a desfechar o ataque final para acabar com a liberdade de imprensa.

Podem todos tirar o cavalinho da chuva porque não há a menor chance disto acontecer _ pelo menos, no atual governo. Quando começou o barulho provocado pelo Plano Nacional de Direitos Humanos, conversei sobre o assunto com um dos ministros mais importantes do governo Lula, que até deu risada diante dos temores expressos em editoriais delirantes.

“Controle social da mídia? Isso não existe. Até porque, é impossível, inexequível, esquece este negócio”, disse-me ele, sem meias palavras.

De fato, alguém já se perguntou como seria executado na prática este controle social da mídia? Assembléias populares reunir-se-iam em algum local secreto para discutir o que pode ou não ir ao ar ou ser impresso, puniriam em tribunais de exceção quem não respeitasse a cartilha, simplesmente fechariam jornais e emissoras se assim lhes desse na telha?

Pelo que se lê e se ouve na nossa grande imprensa nestes últimos dias, parece que este desatino está prestes a acontecer. De onde vem tanto medo? O problema todo é que a mídia não admite que ninguém sequer discuta a mídia, não aceita um debate público, ainda mais que se tenha a ousadia de propor algumas regras básicas de convívio civilizado para esta atividade, como acontece em todas as outras áreas econômicas e sociais da vida brasileira.

Pode-se discutir tudo, propor e defender marcos regulatórios para qualquer coisa, menos para a mídia. Esta histeria começou em 2004 quando, a pedido das entidades representativas de jornalistas de todo o país, o governo encarregou o Ministério do Trabalho de discutir, junto com os representantes dos sindicatos, um projeto de lei para a criação de um Conselho Federal de Jornalismo, a exemplo dos que existem para quase todas as outras profissões.

Antes mesmo que o projeto começasse a ser discutido no Congresso Nacional, houve um massacre na mídia, com os mesmos argumentos agora apresentados: querem controlar a imprensa, acabar com a liberdade de expressão, implantar a ditadura, etc. Sem articulação parlamentar, e nem dos próprios profissionais interessados, o projeto foi retirado da pauta e não se falou mais no assunto.

No final do ano passado, o alvo foi o a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), atacada pelos mesmos baluartes da liberdade de expressão (só deles, claro), antes mesmo de começar. Como todas as outras conferências, também esta não tinha nenhum poder deliberativo, limitando-se a apresentar propostas ao Executivo e ao Legislativo, que podem ou não, futuramente, ser transformados em projetos de lei.

O mesmo aconteceu agora no começo de 2010 quando eles descobriram que a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos, a exemplo das duas primeiras do governo FHC, também tratava de propor algumas regras do jogo para os meios de comunicação, em defesa da sociedade e do que Dines chamou de “acesso universal à informação”.

Gastaram-se quilômetros e horas de palavras em furibundos editoriais, blogs, colunas para atacar algo que ainda nem existe como se um novo AI-5 tivesse entrado em vigor. O mais curioso nisso tudo é que grande parte dos veículos e muitos dos profissionais, que agora bradam aos céus em defesa da liberdade de imprensa, aceitaram docemente a censura prévia imposta pelos militares em 1968, sem falar nos que abertamente apoiaram a ditadura.

Agora, todos viraram heróis da resistência, certamente nomeados por desígnios divinos, como se o Brasil não estivesse vivendo o mais longo e amplo período de liberdades públicas da última metade de século. A quem eles pensam que enganam ou assustam?

Como diria o próprio Lula, nunca antes na história deste país houve um presidente que tivesse sido tão xingado, ofendido, espezinhado, em todas as latitudes da mídia e, no entanto, o governo dele é apontado como a grande ameaça à nossa liberdade. Qual foi até hoje a mínima iniciativa concreta do governo Lula para censurar quem quer que seja?

Ao contrário do que é habitual em outros políticos que conheço, não me consta que alguma vez o presidente Lula tenha reclamado de repórteres ou pedido a cabeça deles aos donos dos veículos. Se o presidente tem queixas da imprensa, assim como a imprensa tem queixas dele, é um direito que assiste aos dois lados. Só não vale criar fantasmas para defender antigos interesses e eternos privilégios.

O passado não consegue passar – por Luiz Gonzaga Belluzzo (CartaCapital)

Em 17 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirmava “que o desprezo e o desrespeito pelos Direitos Humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homen comum. É essencial que os Direitos Humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.

Em 2008, escrevi um artigo para celebrar os 60 anos da Declaração. Naquela ocasião, percebi claramente que os fantasmas dos traumas nascidos das experiências totalitárias dos anos 30 assombram suas linhas e entrelinhas. Por isso, a declaração afirmava que toda a pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. Ninguem poderá ser inculpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

É considerada intolerável a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, (e, atenção!) nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. O cidadão (note o leitor, o cidadão) tem direito à liberdade de opinião e de expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações por quaisquer meios e independente de fronteiras.

Todos têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistências especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. A instrução é um direito de todos e ela será gratuita pelo menos nos graus elementares e fundamentais. O artigo 17 é dedicado a Bush Filho: “Toda pessoa terá direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados”.

Na Europa dos séculos XIX e XX, a consciência dos direitos moveu a luta dos subalternos e transformou o Estado numa instância de “totalização das relações sociais”. Suas intervenções realizam a mediação entre as classes e entre os membros individuais das diferentes classes. O avanço da “totalização das relações sociais” pode ser avaliado de forma mais clara pelo grau de independência adquirido pelas instâncias do poder público e da política diante do poder material da camada dominante. Os sitemas de proteção aos Direitos Humanos nos países mais avançados da Europa assumem que há, sim, contradição entre as exigências de impessoalidade e publicidade dos atos praticados pela autoridade, regulados pela lei abstrata e universal e o exercício do poder real pelas camadas economicamente mais poderosas.

A Declaração dos Direitos Humanos, na esteira do pensamento liberal e progressista dos séculos XIX e XX, imaginou que a igualdade e a diferença seriam indissociáveis na sociedade moderna e deveriam subsistir reconciliadas, sob as leis de um Estado Ético. Esse Estado permitiria ao cidadão preservar sua diferença em relação aos outros e, ao mesmo tempo, harmonizá-la entre si, manter a integridade do todo. Mas as transformações econômicas das sociedades modernas suscitaram o bloqueio das tentativas de impor o Estado Ético e reforçaram, na verdade, a fragmentação e o individualismo agressivo. Assim, a “ética” contemporânea não é capaz de resistir à degradação das propostas coletivas.

O século XXI completou uma década e o Brasil ainda não conseguiu acertar contas com o passado. O passado não passa, lança suas sombras sobre o presente e projeta maus agouros para o futuro. As reações à publicação do decreto dos Direitos Humanos lançaram no ar os odores da famigerada Marcha da Família com Deus pela Liberdade e suas consequências funestas. Sob essas consignas – Deus, Família e Liberdade – os beleguins da ditadura assassinaram religiosos, invadiram os lares de muitos brasileiros que dissentiam, desarmados, aos atropelos da exceção. Para garantir a liberdade de expressão degradaram (algumas) redações com censores de ornamentos culturais que iam do grotesco ao obsceno.

Digo acertar as contas sem ranço revanchista nem propósitos de revigorar a Lei de Talião, mas de abrir aos brasileiros de todas as gerações as portas da verdade. Não entenda o leitor que vamos encontrá-la apenas cavoucando as masmorras da ditadura, indagando os paus de arara, ou até mesmo desencavando e publicando os arquivos da repressão política (vou insistir: da repressão política). A verdade vai chegar a nós na discussão, sem receios nem interdições, acerca das razões e das circunstâncias históricas e sociais que levaram o País a sucumbir diante da inescrupulosa e oportunista violação dos princípios da vida democrática e do Estado de Direito.

Nos anos 60, às vésperas do famigerado golpe de Estado de 1964, surgiu um slogan premonitório: “Basta de intermediários, Lincoln Gordon para presidente”. Gordon era o embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Conspirava abertamente com as “forças democráticas” nativas, aquelas que estão permanentemente arquitetando a supressão da democracia. Da conspiração participavam naturalmente os homens de bem, os mesmos que hoje se arvoram em defensores intransigentes da democracia e do Estado de Direito. Nada mais inconveniente para essa turma do que uma Comissão da Verdade.

O silêncio devotado e cúmplice de muitos protagonistas dos anos de escuridão denuncia a falsidade de suas juras de amor pelos princípios que dizem defender. Não por acaso, depois de 25 anos de vida democrática, as garantias individuais somadas aos direitos econômicos ainda sofrem os ataques e achaques das forças do poder real e mal conseguem sair dos códigos para ganhar vida do povaréu, cotidianamente massacrado pelos abusos dos senhoritos da “ordem” e seus sequazes. Os mais furiosos se apresentam como “humanos direitos”, em contraposição aos defensores dos “direitos humanos”. Fico a imaginar como seria a vida dos humanos direitos na moderna sociedade capitalista de massas, crivada de conflitos e contradições, sem as instituições que garantam os direitos civis, sociais e econômicos conquistados a duras penas. A possibilidade da realização desse pesadelo, um tropismo da anarquia de massas, tornaria o Gulag e o Holocausto ensaios de amadores.

O Haiti antes e depois da tragédia – por Argemiro Ferreira

http://argemiroferreira.wordpress.com/2010/01/17/o-haiti-antes-e-depois-da-tragedia/

Terror de Estado e Resistência – por Wálter Maierovitch (CartaCapital)

A vetusta máxima latina do Divide et impera porta um componente de violência política que, muitas vezes e no curso da história, tipifica o que hoje chamamos de “terrorismo de Estado”. Serve de exemplo o patrocínio financeiro do terror para enfraquecer o Estado rival, por meio de cooptados e “engraxados” políticos ambiciosos ou dissidentes.

O ditador líbio Muammar Kaddafi, nos anos 70 e 80 e com os cofres cheios de petrodólares, financiou o terrorismo internacional. Desde maio de 2006, a Líbia foi excluída da lista dos Estados financiadores do terrorismo. Isto porque o ditador líbio, em razão do bloqueio econômico e do isolamento, mudou de postura. Para se ter ideia, o coronel Kaddafi, em dezembro de 2009, quando estava em Roma para participar de summit na sede da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), contratou modelos e garotas de programa para animação de uma festa, numa das barracas que costuma armar nas cidades. As garotas contratadas podiam usar minissaia, maquiagem e salto alto. Kaddafi só proibiu vestidos colados e, durante a festa, distribuiu o Alcorão.

Como se percebe, Kaddafi mudou. Não fala mais do seu temido Livro Verde, abandonou o papel de protagonista da revolução árabe-islâmica e a grana, antes a terroristas, redirecionou a escort girls e para cobrir as extravagâncias do seu filho, um playboy internacional.

O terrorismo de Estado também pode ser caracterizado pela violência interna contra civis: repressão política. Como anota o sociólogo Domenico Tosini, da Universidade de Trento, o terror de Robespierre tornou-se o protótipo do que chamamos de terrorismo de Estado, em que o uso sistemático e político da violência não advém de grupos clandestinos antigovernamentais, como violência política proveniente de baixo, mas procede do poder central e dominante da sociedade, como violência política vinda do alto.

No Brasil, a partir de 1964, em razão do golpe de Estado militar, tivemos a prática do terrorismo de Estado, como privações de liberdade, torturas, sequestros e assassinatos: violência provinda do alto, para usar a expressão de Tosini. Tudo isso a fim de manter o ilegítimo poder de mando e calar os opositores desse regime de exceção, incluídos os que promoviam a resistência pacífica.

Não bastasse a consumação de crimes de lesa-humanidade, a ditadura deixava as digitais de prática de terrorismo de Estado grafadas em atos institucionais. O denominado AI-5/68 consagrava as prisões sem ordem judicial e impedia, quando entendido por seus agentes tratar-se de custódia por suposto crime político ou contra a segurança nacional, a concessão judicial de ordem de habeas corpus liberatório.

Por outro lado, o terror perpetrado por ações de atores não estatais em democracias (caso de Cesare Battisti, do Proletariados Armados para o Comunismo-PAC, na Itália) é um gênero de crime organizado.

No terrorismo, como explica Alexander Schmid, “o alvo imediato, direto, da violência não é o alvo principal”. Por evidente, o alvo alqaedista não eram as torres gêmeas nem o Pentágono. No Brasil, os agentes da ditadura militar tinham por meta manter o regime de exceção e partiram para atos de terror. Por exemplo: o episódio do Riocentro, o sequestro e desaparecimento de Rubens Beyrodt Paiva, em janeiro de 1971, e a morte sob tortura de Vladimir Herzog. Elas servem para mostrar os referidos alvos de oportunidade ou simbólicos, isso para alcançar o fim da resistência ao regime.

Quando ocorre terrorismo de Estado como no Brasil e em face de regime ditatorial, que durou de 1964 a 1985, qualquer movimento de resistência, ainda que armada e de qualquer ideologia, não pode ser definido como terrorista. O regime militar ditatorial, que permitia aos seus agentes e associados a prática de delitos de sangue, não era legítimo e tal circunstância autorizava posterior reação, pacífica ou armada.

Muitos custam a entender conceitos e observar datas (a luta armada só começou em 1969, com a ditadura instalada em 1964). Por isso defendem a espúria Lei da Anistia, falam em revanchismo, tentam desqualificar a resistência ou partem para os diversionismos, em que indenizações indevidas e elevadas servem para tirar do foco os crimes de lesa-humanidade.

Pior, muitos do atual governo Lula confundem os resistentes da ditadura brasileira com o pluriassassino Cesare Battisti. Este, com o seu grupo, atacou o Estado democrático italiano (alvo mediato) e lesionou e matou pacíficos cidadãos comuns (alvos imediatos). Em outras palavras, os Tarsos Genros não respeitam os que resistiram ao golpe militar, a ponto de compará-los com um pluriassassino de açougueiro de periferia, de joalheiro de subúrbio, de motorista policial e de carcereiro.