segunda-feira, 30 de abril de 2012

Fotografia - por Edgar "Eddyzone" Berg (Inspiration Hut)


STF mostra abismo entre elite e o país – por Paulo Moreira Leite (Época)

A decisão do Supremo sobre cotas marca um momento histórico. A mais alta corte de Justiça do país admitiu não só que existem brasileiros tratados como cidadãos de segunda classe, mas que eles têm direito a um tratamento especial para vencer a desigualdade.

A votação unânime mostrou, do ponto de vista jurídico, que as cotas são um projeto compatível com a Constituição.

Do ponto de vista histórico, é a decisão mais relevante sobre o assunto desde a Lei Áurea. Pela primeira vez o Estado brasileiro não se limita a punir o racismo, como se faz desde  os anos 50, mas pretende tomar medidas efetivas para beneficiar a população negra e ajudá-la a vencer uma perversidade histórica. Sai de uma perspectiva formal para assumir as funções concretas de combater a desigualdade na vida cotidiana.

A decisão mostrou, do ponto de vista político, um abismo entre nossa elite econômica e política e o conjunto do país.

O STF uniu-se para defender as cotas. Ministros chamados conservadores e progressivas responderam, cada um à sua maneira, às alegações dos adversários das cotas.

Embora tenha usufruído de um espaço imenso nos meios de comunicação, no placar do Supremo o combate às cotas ficou ainda menor do que o partido que a patrocinou, o DEM, cada vez mais insignificante na definição dos rumos do país. Mas um partido político pode ser desfeito, incorporado a outro, reformado e assim por diante.

Mas o que faz uma elite que não consegue compreender para onde vai o país onde ocupa o topo da sociedade, dirige a economia e tem uma influencia importância na ação do Estado, mesmo que o governo não esteja nas mãos de seus representantes prediletos?

Essa é a pergunta.

Ficou claro que, do ponto de vista dos ministros, nos últimos anos o Brasil foi inundado por argumentos retóricos, falsas questões, ginásticas verbais e até teses desqualificadas demais para serem levadas a sério.

Vários ministros ensinaram aos interessados que a principal tese contra as cotas – de que elas ameaçam a igualdade entre os cidadãos – é puro improviso jurídico.

Para começar, vários grupos sociais diferenciados – mulheres, crianças, deficientes físicos – têm direito a preferências negadas aos demais. Ninguém, nunca, achou ruim.

Vários ministros lembraram Ruy Barbosa, que ensinou que é preciso tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade.

Cezar Peluso explicou que só é possível falar em disputa pelo “mérito individual” para ingresso nas universidades públicas entre pessoas que competem em situação de igualdade ou pelo menos “assemelhada.”

Marco Aurélio Mello disse que o combate às cotas se alimenta de uma visão preconceituosa da própria Constituição. Lembrou que dez anos de experiência com o sistema em nada contribuíram para transformar o Rio de Janeiro num estado “racialista”, um dos fantasmas originalíssimos dos adversários, que querem nos fazer acreditar que o racismo brasileiro teria início com as políticas de ação afirmativa – e não seria fruto de um passado perverso, onde a escravidão foi abolida sem que se tomassem medidas coerentes para integrar os negros ao conjunto da sociedade.

Celso Mello lembrou que o país se libertava, naquela votação, do pensamento que havia criado a “ideia, ou mito, da democracia racial” de Gilberto Freyre, para aderir a visão do professor Florestan Fernandes, autor do clássico A Integração do Negro na Sociedade de Classes, e seu aluno, Fernando Henrique Cardoso.

Celso Mello ainda homenageou uma militante aguerrida do movimento negro, Edna Roland, uma das principais ativistas no combate ao racismo.

Mencionando ironicamente um fato ocorrido durante a ditadura militar, Celso Mello lembrou que, ao ser questionado em organismos internacionais sobre medidas que havia tomado para enfrentar a discriminação racial, o governo dos generais escreveu a seguinte resposta: “não há medidas a relatar porque não há discriminação racial no Brasil.”

Essa feia realidade começou a se transformar em entulho após a decisão do Supremo.

O Brasil está mudando e tem gente que não percebe. Vários ministros falaram sobre a necessidade de modificar e ajustar a política de cotas, em particular na forma que ela assumiu na Universidade de Brasília, que foi o foco do julgamento.  Este é o debate para o futuro.

A lição de ontem foi vencer o passado, mostrando que não é possível manter eternamente um sistema de opressão e preconceito que prejudica e humilha 51% dos brasileiros.

Quem queria, de verdade, que a desigualdade fosse vencida por idéias clássicas que nunca foram implementadas – como escolas melhores nos bairros pobres — deve reconhecer que o tempo histórico para iniciativas convencionais já passou. Foram décadas e décadas de promessas jamais cumpridas.

Também cabe perguntar: se as escolas públicas ficaram piores até mesmo em bairros de classe média, por que se deveria levar a sério a promessa de ocasião de que irão melhorar na periferia?

Vamos combinar: seria até falta de respeito pedir aos cidadãos negros que aguardassem o tempo histórico de várias gerações em nome da promessa de que, um dia, seus bisnetos e tataranetos quem sabe poderiam disputar um lugar ao sol como os demais brasileiros.

Seria lhes pedir — olha o tamanho da indignidade — que aceitassem a posição subalterna por muitos e muitos anos ainda, concordassem com a cidadania de segunda classe em nome do conforto alheio. Em resumo: o que se queria é seguissem concordando com a própria discriminação.

Isso é até possível sob uma ditadura. Mas é difícil sob uma democracia, onde os homens e mulheres não são iguais mas, a cada quatro anos, cada um vale um voto.  Essa é, no fundo, a grande mensagem da votação.  Quem não entendeu, não entendeu o país.

Comentário: acho que o Ali Kamel acabou deixando escapar este texto...

Ilustração de Myoe Win Aung

Procurador Gurgel reluta em se declarar impedido no caso Cachoeira – por Wálter Maierovitch (Terra)

A correta decisão do ministro Ricardo Lewandowski de liberar, – para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e o Conselho de Ética do Senado –, todas as peças da investigação policial sigilosa sobre o chamado caso Carlinhos Cachoeira resultou em uma enxurrada de vazamentos à imprensa. As peças se referem às operações Vegas, – que apesar da gravidade dormiu no gabinete de Gurgel de 2009 a 2012 –, e Monte Carlo.

Na essência, o sigilo é imposto no interesse da investigação. Um vazamento, – como sabem até os rábulas de porta de cadeia de periferia –, pode prejudicar uma apuração criminal. Por isso, e finda a investigação, o inquérito deveria, mas isso não acontece no Brasil, ser levantado.

......Entre nós e infelizmente ,o sigilo visa manter distante do conhecimento público falcatruas apuradas por poderosos e potentes que gozam de foro privilegiado. Por evidente, as increpações,– contidas no inquérito policial e se objeto de ação penal–, ficam sujeitos à confirmação no devido processo legal, que tem na ampla defesa a sua pedra angular e na presunção de não culpabilidade (não se confunde, como já escrevi milhões de vezes, com a presunção de inocência, não acolhida na Constituição brasileira) uma garantia fundamental.

Das várias interceptações telefônicas realizadas, uma chama a atenção em especial. Ela mostra como a organização criminal de Carlinhos Cachoeira era tentacular, como a Cosa Nostra, quer a siciliana, quer a siculo-norte-americana. Ambas têm o polvo (la piovra) como símbolo.

De pronto, friso, que me refiro, – sobre a atenção especial– , ao teor da interceptação publicada hoje na coluna do Ilimar Franco do jornal O Globo e sobre a conversa entre Cachoeira e o governador Marconi Perillo.

Antes da divulgação da peça, Perillo sustentava que apenas uma vez atendeu Cachoeira e por ter ele pedido uma audiência. A revelação contida na supramencionada coluna do Ilimar Franco mostra a mentira de Perillo. E basta atentar para a consideração de Perillo para com Cachoeira, na conversa interceptada e que segue: “Parabéns. Que Deus continue te abençoando ai, te dando saúde, sorte. Um grande abraço prá você, viu”.

Não me refiro, ainda, à “cachaçada” relatada por Demóstenes, num jantar entre ele, Cachoeira e Perillo, tudo conforme contado, ainda, na citada coluna do Ilimar Franco e publicada na edição de hoje do O Globo.

Também não me refiro à gravação que revela mais uma das mil farsas do senador Demóstenes Torres. O senador, quando divulgado o escândalo, sustentou que havia conversado para Cachoeira para ajudar numa pendência entre o seu suplemento no Senado e o bicheiro. Na coluna do Jorge Bastos Moreno, intitulada “Nhenhenhém” e publicada no O Globo de hoje, está revelado que a companheira e convivente de Cachoeira, Andressa Mendonça, era casada com Wilder Pedro de Morais, ex-sócio de Cachoeira e suplemente do senador Demóstenes Torres. Como se percebe, Demóstenes até aceitou, como suplemente de senador, pessoa da organização delinquencial de Cachoeira.

O fato grave a chamar a atenção diz respeito ao litígio pouco digno, segundo os dados revelados, entre o procurador geral da República, Roberto Gurgel, e o senador Demóstenes.

Gurgel, como circulou por todo ministério Público, teve a recondução no cargo de procurador-geral da República cuidada por Antonio Palocci, então ministro-chefe da Casa Civil.

Quando estourou o escândalo Palocci, o procurador Gurgel, inusitadamente, enviou-lhe um ofício para explicar as gravíssimas suspeitas que pesavam contra ele.

Palocci, que preferiu silenciar sobre os clientes da sua imobiliária (ele tinha uma imobiliária que não cuidava de imóveis), respondeu que tinha feito fortuna com assessoria dada na sua empresa e quando estava fora do governo. Gurgel, por incrível que possa parecer, não requisitou inquérito apuratório e determinou o arquivamento do escândalo Palocci.

Sobre essa conduta de Gurgel, o senador Torres, com o discurso correto e apoio da sociedade civil que luta pela restauração da moralidade pública, criticou o procurador geral da República (a escolha para a função é do presidente da República pela nossa Constituição) com veemência.

Na interceptada conversa entre Cachoeira e Demóstenes, publicada na edição de hoje do jornal O Estado de S.Paulo, ficou clara a verdadeira razão do protesto de Demóstenes contra Gurgel, do plenário do Senado: -“Se não der nele, ele (Gurgel) começa a pegar a gente , entendeu ? (a interceptação é de 7 de julho de 2011).

Trocado em miúdos essa conversa entre Demóstenes e Cachoeira, fica patente a pressão em razão de Gurgel estar com o inquérito Vegas, que apurou a atuação criminosa de Cachoeira e já envolvia Demóstenes.

Não passou muito tempo para Demóstenes concordar, no Senado e expressamente, com a recondução de Gurgel. E Gurgel, por coincidência ou não, ficou com o inquérito Vegas no seu gabinete de 2009 a 2012. Só mexeu nele quando pressionado por cobrança de parlamentares baseada na Operação Monte Carlo.

Ontem, Gurgel informou, com relação a Demóstenes e envolvimento no esquema Cachoeira, “que R$1 milhão foi depositado” na conta do senador.

Gurgel fez a afirmação sem ainda ter a movimentação da conta-corrente de Demóstenes, que nega haver recebido.

Com a experiência que possui, Gurgel deveria esperar para verificar a movimentação bancária de Demóstenes, pois, se não verdadeira o mencionado, acaba por favorecer, “encher a bola” o senador, ou melhor, de um farsante do tipo tartufo de Molière.

De boa cautela, até porque “embalou” e fez adormecer no seu gabinete o caso Vegas, que Gurgel se desse por impedido e deixasse de atuar, com o caso sendo passado ao seu substituto. Afinal, Gurgel atua como representante da sociedade civil e é, pelo forro privilegiado de Demóstenes, o único que poderá propor ação penal pública contra ele.

Nesse quadro de “bas-fond” do Irajá, pontifica, também, o petista Humberto Costa, relator na Comissão de Ética no processo por quebra de decoro parlamentar contra Demóstenes. Costa anunciou que não irá usar dados de interceptações telefônicas colhidas na operação Monte Carlo. Em outras palavras, vai aliviar para o lado de Demóstenes, ou seja, se contentará, no relatório, com fatos indecorosos menores, como o exuberante presente de casamento escolhido pelo senador Demóstenes e pago e importado por Cachoeira.

Pano rápido. Viva o Brasil.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O horror


O fotógrafo afegão Massoud Hossaini captou esta imagem (ganhadora do prêmio pulitzer) de uma menina desesperada com a morte de familiares e amigos, depois de um ataque suicida em um templo lotado em Cabul, capital do Afeganistão, que matou mais de 70 pessoas.
Faltam até palavras para descrever.

A política brasileira, a virtude e a fortuna – por Maria Inês Nassif (CartaMaior)

Houve um tempo em que a desenvoltura de velhas raposas da política tradicional, e uma vocação dessas lideranças para remar a favor da maré, davam a impressão, para quem as assistia do lado de fora do palco institucional, de que elas tinham um quase monopólio, um poder ilimitado de construir a história. Depois de 27 anos de redemocratização do país, e de um período prolongado de luta aberta entre forças que se opõem no cenário político, talvez seja conveniente lembrar Maquiavel também no nosso pedaço de mundo, onde atribuímos à velha ordem excessivo poder para decidir nosso futuro.

Dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva e pouco mais de um ano com Dilma Rousseff – três gestões onde a disputa política saiu dos porões do poder e se escancarou para outros setores sociais – mostraram que o jogo político, mesmo quando escamoteado, é virtude e fortuna. Ou seja, nunca é produto exclusivamente da vontade de um governante, embora a virtude seja fundamental para mover um governo, e a fortuna, isto é, a roda da história, nunca acontece descolada da virtude.

As virtudes de um e outro governante não são iguais, mas já se pode dizer, com um alto grau de certeza, que o correr dos acontecimentos – a fortuna – foi adequada às diferenças entre Dilma e Lula. Dilma está no lugar e na hora onde tem que estar; Lula cumpriu o seu papel no seu momento. E o processo histórico, como se move, saiu de uma realidade onde o governo era defensivo e tinha como contraponto um presidente com raras qualidades de conciliação; para uma outra, em que o governo é ofensivo e a presidenta, sem habilidades específicas para manobrar a política institucional, encontra terreno para exercer a sua vocação maior, que é a de se contrapor.

A rápida intervenção de Dilma nos juros domésticos (o pesadelo para todos os governantes das últimas duas décadas) tanto pela via institucional, o Copom, como da pressão direta sobre os bancos, é o estilo Dilma, beneficiado pelo gradual abandono da ortodoxia econômica iniciada no governo Lula e pela crise mundial. A volta por cima da crise política do chamado “mensalão” de 2005, via apoio popular, é estilo Lula.

Nos mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), exceto em um breve primeiro ano de lua-de-mel com as elites políticas brasileiras, o governo foi mantido acuado na política institucional por uma minoria oposicionista amplificada por uma mídia hegemônica; e, no plano da sociedade civil, manteve uma aproximação permanente com setores não organizados, beneficiados pelos programas sociais e/ou atraídos pelo carisma do chefe do Executivo.

Com os movimentos sociais organizados o governo Lula não teve sempre um bom diálogo, mas o fato de ser entendido como um mal menor, contra um partido, o PSDB, que criminalizou a ação política desses setores, poupou-o de uma oposição forte à esquerda. O MST, por exemplo, nunca se declarou feliz com o PT no governo federal, mas foi atraído pelas suas próprias bases e pela opção do “mal menor” a se encontrar com o partido em períodos eleitorais, e a aliviar a pressão quando os setores conservadores tocavam fogo na política institucional.

O governo Dilma Rousseff mostrou algumas coisas mais. Primeiro, que no final das contas os estilos diferentes dos dois presidentes petistas vieram na hora certa. Em segundo, que a vontade pessoal de um mandatário popular conta, mas desde que ele entenda, conflua e aproveite o processo histórico que o levou ao poder.

Dificilmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria chegado ao final de seu mandato, se não tivesse algumas qualidades essenciais: a habilidade e pragmatismo de negociador sindical e uma grande facilidade para se fazer ouvir pelas massas, que deram a ele a sustentação política necessária para se contrapor a uma oposição fraca, porém associada a uma mídia tradicional hegemônica. Suas duas administrações, exceto a trégua inicial – necessária para atenuar os efeitos da investida especulativa do mercado financeiro no ano eleitoral de 2002 – ocorreram sob forte ofensiva. A pequena oposição falou grosso pela voz da mídia.

Dilma Rousseff tem outro perfil. Não teria cintura para sobreviver numa conjuntura política tão desfavorável como a enfrentada por Lula, mas o fato é que o governo de seu antecessor, os compromissos políticos assumidos por ele e a montagem de seu palanque permitem, ironicamente, que ela seja ela mesma. Se tivesse tentado ser Lula, teria fracassado. Além disso, uma gestão econômica que é continuidade do governo Lula, mas que é a sua praia, numa conjuntura que o mundo chafurda na lama do neoliberalismo, simplesmente desmonta qualquer oposição significativa às orientações de governo, e dão a ela dimensão própria no âmbito internacional, mesmo fazendo uma política externa de continuidade à anterior.

Dilma falou de igual para igual na Cúpula das Américas porque sabe ser positiva; mas tem o respeito da comunidade internacional não apenas porque é positiva, mas porque o ex-presidente Lula, que atuou com desenvoltura nessa área, deixou no passado o complexo de vira-lata neoliberal. Antes disso, a elite brasileira tomava como referência os países ricos nas formulações econômicas externas e extasiada, olhando para fora, deixava visível a enorme vergonha do próprio país.

Os êxitos do governo Lula encheram o palanque de Dilma e sua base aliada. A habilidade política de Lula costurou o resto. Sem isso, no entanto, dificilmente a presidenta teria condições de tentar mudar os termos de relacionamento com a sua base parlamentar. E sem o estilo Dilma, seria complicado levar essa tentativa muito longe.

Também seria difícil manter o estilo Dilma nas relações políticas institucionais se a oposição, menor ainda do que era no governo Lula, não tivesse sido severamente atingida pela enorme crise decorrente das denúncias contra seu principal porta-voz, o senador Demóstenes Torres, envolvido com uma quadrilha comandada pelo contraventor Carlinhos Cachoeira. Não foi apenas a oposição que perdeu a credibilidade, mas a banda de música do DEM e do PSDB passou a ser menos crível numa mídia que acuou o governo passado, mas está acuada agora. Por mais irônico que seja, fica mais fácil agora para Dilma definir novas relações com o Legislativo. Ela não está na posição permanente defensiva em que Lula foi mantido nos seus dois governos, não tem as dívidas de gratidão que seu antecessor tinha com políticos tradicionais da base aliada e lida numa situação em que foi escancarado não apenas o uso da máquina administrativa pelos aliados, mas pelos próprios oposicionistas, ao que tudo indica um avanço sobre território alheio obtido pelo expediente da chantagem.

O momento é outro e o processo histórico anda, sempre. Qualquer análise política sobre o Brasil de hoje tem que se livrar dos fantasmas do passado e dar a eles sua devida dimensão. Esta é a condição para virtude e fortuna.

Assassins creed (por Coolvibe)

Caça aos corruptores – por Maurício Dias (CartaCapital)

Na palestra que fez para uma plateia de estudantes na Universidade de Harvard, durante a recém-concluída viagem aos Estados Unidos, a presidenta Dilma Rousseff apontou o dedo num equívoco da sociedade brasileira: “Olhar só para quem é corrupto, sem olhar para o corruptor”.

Eis um expressivo suporte para essa afirmação de Dilma. Dados da Controladoria-Geral da União mostram que, nos últimos nove anos, mais de 3,6 mil agentes públicos da administração federal foram demitidos. O tempo abrange a data de criação da GGU e coincide com a existência dos governos petistas.

Talvez por isso a presidenta, que já afastou meia dúzia de ministros acusados de ilícitos, tenha citado o sábio Montesquieu – “os homens não são virtuosos, as instituições têm de ser virtuosas” – para, em seguida, concluir: “Temos de garantir o controle institucional dos processos, das práticas”.

Mas vem um antídoto aí, se ele saltar as barricadas que forem erguidas ao longo da tramitação no Congresso.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) já concluiu o relatório do Projeto de Lei enviado pelo governo Lula em 2010, que, entre outras medidas, responsabiliza as “pessoas jurídicas pelos atos praticados por qualquer agente ou órgão que as represente”.

Esse é um ponto-chave da questão nessa terra de ninguém.

“É difícil responsabilizar o agente corruptor. A empresa sempre argumenta que o funcionário agiu sem autorização. E se livra do problema”, explica Zarattini, relator da Comissão Especial da Câmara, formada para analisar a proposta do Executivo.

No relatório, o parlamentar inclui mais um dado que remete ao problema apontado por Dilma. Segundo ele, o Brasil, no campo do direito internacional, é um dos três países signatários da Convenção Anticorrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sem legislação que responsabilize pessoas jurídicas por atos de suborno contra autoridades públicas. Os outros dois são a Argentina e a Irlanda.

O projeto, além de prever a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, não exclui “a responsabilidade de seus dirigentes” do ato ilícito “ainda que tenha agido sem poderes de representação ou sem autorização superior”. E, mais, cria punições administrativas com multas que variam de 6 mil a 6 milhões de reais e bloqueia por dez anos qualquer relação da empresa corruptora com órgãos públicos ou instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público.

Cria ainda um cadastro nacional de empresas corruptoras, punidas pela administração pública. Obviamente, todo o procedimento se dará com amplo, porém rápido, direito de defesa.

A proposta enviada pelo Executivo sofreu 35 emendas na Comissão Especial criada em 2011 na Câmara. Além de algumas supressões, sofreu acréscimos que ampliaram o poder e o alcance do projeto original, segundo o relator.

É uma arma de efeito letal para funcionários corruptos e para empresários corruptores. “Onde há corruptos há corruptores”, deduziria o redundante Conselheiro Acácio, sabedor de que esse crime tem sempre dois agentes: o ativo e o passivo.

“A meu ver, essa proposta é mais importante contra a corrupção do que a Lei da Ficha Limpa”, afirma Carlos Zarattini.

Wolverine X Dentes-de-Sabre

ANPR repudia críticas levianas ao trabalho do MPF na Operação Monte Carlo

A Associação Nacional dos Procuradores da República vem a público repudiar veementemente decisão desta semana do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que condenou um membro do MPF à pena de demissão, convertida em suspensão de 90 dias, por ter vazado informações alegadamente sigilosas em entrevista coletiva. Durante o julgamento, proferiram-se críticas levianas e irônicas não somente ao procurador da República envolvido no caso, como àqueles responsáveis pelas investigações da Operação Monte Carlo. Sob a exaurida cantilena de que estaria  ocorrendo uma “espetacularização” da atuação do Ministério Público Federal, decidiu-se de forma a se tentar amordaçar, de maneira generalizada, os responsáveis por investigações que desmantelaram organizações criminosas poderosas.

Para os procuradores da República, o entendimento majoritário do Conselho é um insulto à atuação idônea, austera e transparente dos membros do MPF. Ex-assessor do senador Demóstenes Torres, o conselheiro Tito Souza do Amaral Amaral, na sua manifestação, sugeriu “pena de morte” aos procuradores da República que atuam na operação Monte Carlo, em face de vazamentos à imprensa. Vale ressaltar que o próprio Ministério Público Federal em Goiás já requisitou inquérito policial para investigar os vazamentos. É importante deixar claro, porém, que após o desencadeamento da ação, as informações foram destinadas a todas as partes envolvidas, num total de 80 investigados.

É insólito que justamente um membro do Ministério Público (do Estado de Goiás) com assento no Conselho tenha escolhido desacreditar o trabalho de procuradores da República, que conseguiram desmantelar um grupo extremamente profissionalizado e infiltrado nas entranhas do Estado de Goiás. Neste furacão de denúncias por que passa o país, o correto seria que um membro do CNMP buscasse mostrar aos cidadãos que ainda há instituições que, a despeito dos mais diversos percalços, encontram-se atuantes na desarticulação de organizações criminosas, e por maioria de razão quando se suspeita de infiltração da atividade criminosa até mesmo no âmbito do próprio Ministério Público. Indignar-se contra vazamentos de atividades ilícitas deveria ficar a cargo da defesa do criminoso; a sociedade indigna-se com as atividades ilícitas.

Para os membros do Ministério Público Federal, é irrelevante conferir um viés sensacionalista a um caso tão grave, em que o Estado - e, em consequência, a sociedade - encontravam-se à mercê de um grupo criminoso. Os procuradores da República não irão retroceder nem se intimidar por manifestações avessas ao espírito republicano e, sem jamais secundar atividades escusas ou adotar expedientes diversionistas, continuarão, dentro de suas atribuições, a defender inflexivelmente a ordem pública, lutando pela defesa da sociedade.

Alexandre Camanho de Assis
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR

terça-feira, 24 de abril de 2012

Arte digital - por Michael Komarck (Inspiration Hut)

De Quem É a CPI? - por Marcos Coimbra (Correio Braziliense)

Faz tempo que, na política, não temos um caso tão estranho como esse da CPI do Cachoeira. Quanto mais se leem os jornais, menos se compreende o que está acontecendo.

Dão voltas extraordinárias.

Não faz mais que dias, a CPI era apresentada como fruto exclusivo das movimentações dos partidos governistas.

Como em um passe de mágica, no entanto, na foto dos congressistas saudando a coleta do número suficiente de assinaturas para instalá-la, só havia figuras da oposição. E todas sorriam, com cara de quem celebrava uma vitória.

Primeiro, diziam que PT e PMDB estavam unidos na disposição de viabilizá-la. Atualmente, o que se lê é que o PMDB foge da CPI. Que pretende, mantendo-se distante, garantir-se como aliado de Dilma (estaria, por acaso, arriscado a perder essa condição?).

Em um esforço de imaginação, pintam agora um quadro em o PMDB teria decidido permanecer na espreita, apostando no “desgaste do PT” (?) junto à presidente, para assim “aparecer como salvador da Pátria”. Que suas principais lideranças planejam carimbar a CPI como “invenção do PT”.

Por que precisariam fazê-lo? Não foi o próprio Lula quem, pessoalmente, pôs a Comissão em marcha?

Passaram dias apregoando que o PT tinha entrado em pânico e estudava a melhor opção para se desembaraçar dela. Na hora em que os votos da bancada foram contados, o que se viu foi que a endossava por unanimidade.

Quem procura entender o caso recorrendo à leitura de alguns colunistas famosos fica perplexo. Chegam a caracterizar a CPI como uma espécie de apocalipse petista, sua “hora da verdade”, o momento em que se defrontará com tudo que evitou em sua história.

Afinal, a CPI é a “cortina de fumaça” que o lulopetismo inventou para esconder os malfeitos do mensalão - como estampou, na capa, a revista Veja -, ou o Dia do Julgamento Final para o PT?

São análises engraçadas. Por elas, parece que Lula não passa de um principiante, um aprendiz de feiticeiro, que deixa livres forças que é incapaz de controlar. Que teria cometido um erro infantil, ignorando a verdade acaciana - que muitos adoram repetir - que “todo mundo sabe como começa uma CPI, mas ninguém sabe como termina”.  

Achar isso de alguém como Lula - que já deu as mais óbvias provas de que é tudo, menos tolo -, é pura pretensão. E não há, na política, erro maior que subestimar o outro lado.
E os rostos dos parlamentares da oposição? De onde vinha tanta alegria?

Do fato de que o inquérito que envolve Demóstenes Torres se tornará público? De que as relações entre Cachoeira e o PSDB de Goiás serão reveladas?

Ou será da satisfação de saber que as conversas entre Cachoeira e a redação da Veja serão conhecidas? Que o papel do bicheiro na fabricação de dossiês usados para criar crises políticas será exposto?

Pelo que se sabe até agora, há muita gente e algumas grandes empresas envolvidas nos negócios de Cachoeira. Alguns são petistas de alto coturno. Entre as empresas, estão fornecedores graúdos do governo federal (assim como de governos estaduais e prefeituras administradas por quase todos os partidos).

Só um ingênuo imaginaria que Lula e as lideranças petistas ignoravam isso quando resolveram criar a CPI. E só quem não conhece Brasília supõe que deixarão que ela seja transformada em palco para que sejam questionados.

Quando Lula afirma que a CPI deve ser feita “doa a quem doer”, podemos apostar que sabe o que diz. E que já calculou em quem doerá mais.

Em matéria de previsões políticas, a taxa de acerto de Lula é muitas (mas muitas) vezes maior que a de nossos comentaristas e colunistas.

domingo, 22 de abril de 2012

Anjo - por Hgjart (Coolvibe)

Os truques na edição jornalística – por Alexandre Tambelli (Blog do Nassif)

Deu na telha, após ler um comentário aqui no Nassif de enumerar situações que acontecem no telejornalismo da Rede Globo. Como estamos falando do Poder da velha mídia vou postá-las aqui. Foram feitas de lembranças e a partir das ideias difundidas aqui no Blog e em outros blogs e portais da "mídia alternativa". FALTA MUITA COISA, MAS CREIO QUE VALE POSTAR.

A seletividade da denúncia e da informação na Rede Globo sempre existiu. (Eu não assisto mais a Rede Globo).

Métodos básicos, que sempre assisti nos seus telejornais (lembrando-me, de memória, do tempo em que assistia com meu pai, já falecido, e em locais públicos, onde acabo assistindo A Rede Globo, porque está a TV ligada no canal):

1. Seleção. Corrupção no Governo, hospitais públicos com pessoas em leitos nos corredores, obras superfaturadas, etc. só existem, praticamente, nos Governos que ela não apoia; Os telejornais da Rede Globo selecionam os estados das matérias. Quanto mais perto das eleições mais evidente fica este modo de agir. Elogios são para administrações do DEM, PSDB, PPS e demais opositores do Governo Federal. Toda a reportagem negativa está situada em um Estado que ela não apoia ou na técnica de mostrar problemas em obras ou estabelecimentos "FEDERAIS" no Estado oposicionista.

Na eleição passada, vendo o Jornal Nacional, próximo do dia do voto, observei uma reportagem, apontando problemas estruturais no Hospital São Paulo da capital paulista, ele é administrado pelo Governo federal, pois, pertence à Unifesp - Universidade Federal de São Paulo. Fica a impressão de que a Rede Globo faz reportagens investigativas, denúncias em todos os estados e que só se encontram erros em obras e estabelecimentos do Governo Federal no Estado de São Paulo.

1.1. Seleção do comentarista. Todo comentarista e especialista defende a mesma posição. A emissora tem um grupo de pessoas, que revezam nos seus microfones. Eles aparecem umas 8, 10 vezes ao ano, para dar uma disfarçada. No Jornal Nacional, de vez em quando via um Economista, homem de estatura média para alta, utilizava óculos, cabelo branco, peso normal e fala mansa. Vinha para dar respaldo a toda tese econômica da emissora.

1.2. Seleção da pergunta. Todo apresentador e repórter tem um tipo de pergunta e de atitude para com o entrevistado. Se for seu aliado, ameniza todas as críticas e faz perguntas para "encher a sua bola". Se tiver outro pensamento político, aterroriza nas perguntas, não dá trégua ao entrevistado e busca emparedá-lo.

Em 2010. É só lembrar o tratamento dado pelo JN e seus apresentadores, nas entrevistas da campanha eleitoral. A DILMA quase foi fuzilada pelo apresentador e o SERRA parecia íntimo da casa.

1.3. Seleção do momento de exposição. Alguns políticos, opositores às ideias da emissora, tem vez e voz na Rede Globo, em determinados momentos.

Se surgir uma denúncia contra o Governo Federal, um político da extrema-esquerda pode ser entrevistado, para falar mal do Governo. Não para expor suas ideias, estas não possuem espaço nos microfones da emissora.

Se for útil, em determinado momento, a exposição de um político e suas ideias, de um movimento social contrário às suas ideias, a emissora aceita sua presença diante de seus microfones, e depois, ao bel-prazer a emissora colocará o político ou o movimento social em total descrédito, como é o caso do MST, que do nada ficou, respeitado e conhecido no Brasil todo, por uma novela e foi para as páginas policiais da emissora algum tempo depois.

Como é o caso da Marina Silva e da Heloísa Helena, espécies de "quarentena" da emissora para atacar seus opositores, por terem saído do PT, seus adversários máximos, segundo a lógica da emissora. Quando precisaram delas para atacar o Governo LULA foi só tirá-las da quarentena e colocar na caixa de entrada. Depois, é só jogá-las na quarentena novamente. Marina Silva, que teve até suas ideias políticas veiculadas, para tirar votos de Dilma Rousseff em 2010.

2. Omissão. Quando existe uma denúncia grave de corrupção no Governo, seu aliado, diz-se o nome do denunciado, mas se evita falar a sigla partidária; ou simplesmente, ignora-se o fato. E ainda, se acusam envolvidos, o Governante é poupado; já na corrupção dos seus opositores, o Governante opositor, tem partido e é suspeito de prevaricação.

Certo dia no Jornal local da noite, assisti no médico, houve duas reportagens distintas, com dois prefeitos que foram pegos em atos ilícitos. Um recebia propina, outro não prestara socorro a vitima que atropelou e, ainda, tentou subornar o delegado para sair da cadeia. O prefeito da propina era do PMDB (a reportagem veio antes e o apresentador do telejornal falou a sigla do partido); o da omissão de socorro não foi dito o partido dele. Como sou curioso e atento eu fui à internet e vi, era do PSDB. PMDB - aliado do Governo Federal; PSDB - oposição.

Obras inauguradas da oposição têm partido, belas imagens, sorrisos e discurso; quando é do Governo federal geralmente a Globo não anuncia, como foi o caso da criação do SAMU 2003, em que mostraram o LULA em uma fábrica automotiva do ABCD paulista discursando, mas não disseram o que ele tinha ido fazer lá: criar o SAMU; ou no caso da inauguração em SUAPE, Pernambuco, do Petroleiro Almirante Negro, um momento histórico de recuperação da Indústria Naval brasileira, que não foi motivo de reportagem para a Rede Globo.

3. Edição. Escolha de imagens para ilustrar um ponto de vista da emissora. Subjetividade e propaganda subliminar. A técnica dessa emissora é apurada.

Lembro-me da eleição de 1989, onde, na véspera da eleição, colocaram a imagem do Collor sentado em uma poltrona de couro, dentro de uma biblioteca, lendo um livro; e colocaram a imagem do LULA jogando bola na rua com o filho. Mais editado impossível, aquele era homem culto, preparado, este, um ignorante, que ocupa seu tempo livre jogando bola e pouco preocupado com o cargo que pleiteava de Presidente da República.

Na última eleição, calhou de estar na padaria comendo Pizza, bem na hora do JN. E era uns três dias antes da eleição. Outra edição. Aparecia a DILMA toda suada em cima de uma caminhonete, de baixo de um sol enorme - parecia uma pessoa desesperada a caça de votos; enquanto isso o SERRA aparecia numa moderna sala de reuniões, discutindo "questões importantes" com uma bela assessora, se não falha a memória, sobre o escândalo da licitação combinada do metrô. Moral da história, idêntica a de Collor e de LULA - o SERRA com a imagem de quem decide as coisas, um homem preparado, sábio e sanando questões de corrupção; a DILMA, em desespero, buscando um último suspiro para ganhar alguns votos, uma candidata derrotada.

4. Divisão. Outro truque da Rede Globo é o truque da divisão. Ela coloca o Brasil, quando não gosta de uma decisão do Governo Federal em âmbito internacional, ao lado dos países que ela considera ser ditaduras, sempre as mesmas: Cuba, Venezuela e Bolívia (principalmente) + o Irã, País da Ásia. Em um assunto que casa as posições desses três países e a do Brasil, dá-lhe divisão. De um lado a Europa, os Estados Unidos e o Japão; do outro o Brasil e as supostas ditaduras.

Pense em qualquer tema: o Irã e a bomba atômica. Quando o Brasil, no Governo LULA, defende que o Irã poderia utilizar a energia nuclear para fins pacíficos, fomos colocados no grupo dos países que defendem ditaduras e citaram os três países de sempre, como, também, partidários do direito do Irã utilizar do enriquecimento do urânio para a produção de energia nuclear. Nesse truque existe a omissão inclusa. Países como Israel, já possuem, até a bomba atômica, e são uma ameaça à paz no Oriente Médio, e não existe nenhuma menção do fato e grita para com eles, talvez, porque são aliados dos Estados Unidos.

É clássico o que vou dizer: em Países da África e a da Ásia há ditaduras, se forem aliados os Governantes aos Estados Unidos, mesmo que seja uma ditadura sanguinolenta, a Rede Globo não coloca estes Países no grupo seleto das ditaduras, omite ou fica do lado do Ditador.

E a técnica da divisão tem o truque da não citação. Se Países de distintas bandeiras políticas possuem uma posição semelhante em determinado assunto e a Rede Globo tem outra, se calhar de fazer uma reportagem dirá assim: Brasil, Cuba, Venezuela, Grécia (está caindo pelas tabelas, inclui para dar um ar de diversidade) são favoráveis; Japão, EUA, Dinamarca são contrários. Só que no grupo em que se encontra o Brasil, podem estar: França, Alemanha, Canadá e a Rede Globo engambela quem assiste o seu telejornal, omitindo a informação. Fica sempre parecendo que o Governo do PT está do lado de ditaduras e/ou de países subdesenvolvidos.

5. Acusação. A emissora decide fazer uma acusação grave contra uma pessoa, partido político, etc.

Exemplo: um Ministro de Estado. O acusado se tem direito de resposta, não é o último a falar. Vem depois dele a personalidade que respalda a acusação. Geralmente, colocam um político da oposição. As figuras "carimbadas" - os "supostamente" paladinos da moralidade e incorruptíveis, de sempre, aqueles políticos que vivem dos holofotes da mídia, para referendar a matéria acusativa. O acusado, por exemplo, de corrupção, está, quase sempre, numa pose desesperada e quem respalda a notícia (o último a falar) muitas vezes aumenta a voz e diz: - são fatos gravíssimos e devemos apurar o mais breve possível! Já parece, de antemão, o julgamento final e a culpabilidade do acusado.

6. Reputação. É clássico na emissora o derrubar de reputações por interesses escusos. Eles dão aos seus opositores políticos um tratamento desrespeitoso.

Quando quiseram atingir o Governo Dilma, as ONGS e por tabela o PCdoB, dá-lhe atacar o Ministro Orlando Silva por todos os lados, sem nenhuma prova contundente. É interessante, que jogam a reputação da pessoa, partido político, País, etc. no chão, sem o menor constrangimento. E qualquer acusado fica marcado como corrupto e mesmo que consiga provar sua inocência e honestidade a Rede Globo não faz nenhuma retração pública.

No quesito reputação é praxe se dizer: Fidel castro, Evo Morales, Hugo Chaves são uma ameaça para a Democracia. Insistem, nos mesmos inimigos, dia e noite. E vivem propalando que qualquer tentativa de se buscar uma moralização da Profissão de Jornalista em suas redações, tendo um código de ética e conduta, uma Lei que garanta ao acusado, o direito de resposta às acusações; que as reportagens se pautem pela verdade dos fatos; que sejam realizadas de uma maneira correta, sem ilicitudes, com o equilíbrio da informação, não tendendo a mostrar a ilicitude só de seus opositores seria um cerceamento à liberdade de expressão e uma afronta à Democracia.

7. Investigação. Quando um político opositor aos seus interesses é acusado de algo, imediatamente a Rede Globo repercute, investiga e condena de antemão; mas quando se trata de um aliado político ela não condena, de antemão, e coloca alguém para falar: - só ao término do inquérito policial, do Processo na Justiça é que poderemos dizer se o Réu é culpado ou inocente.

Geralmente, a emissora, desqualifica a denúncia e dá toda voz do mundo para o acusado se defender.

8. Postergação. Um fato de relevância pulula no País e investigações e mais investigações acontecem. A população toma partido e fica do lado da oposição às suas convicções e parceiros, a Rede Globo finca o pé nas suas convicções até o instante que não dá mais para segurar, então, ela posa de partícipe da causa defendida pela população, a um bom tempo.

Nas Diretas Já e no impeachment do Collor demorou a estar do lado vencedor. E será assim, na CPI do Cachoeira. Quando ela sentir que não dá mais para defender o indefensável, irá posar de defensora da verdade desde o limiar do fato e execrar os culpados, que até bem pouco tempo, eram defendidos ardorosamente.

9. Criação. Uma ideia, um personagem é criado no decorrer do tempo. Os dois, ideia e personagem caminham juntos.

A. Vai sendo moldada uma ideia: a do Mensalão do PT, do PT criador de dossiês contra a oposição, etc. Ideia - mensalão, personagem - PT.

B. Vai sendo moldado um político: Collor, o caçador de marajás; Serra, o grande gestor, criador dos medicamentos genéricos, etc. Ideia - Caçador de marajás, personagem - Collor. Ideia - grande gestor, personagem - Serra.

9.1. Apartação. A ideia e o personagem podem ser abandonados no decorrer dos meses, anos.

Exemplos clássicos de apartação: o caso do Senador Demóstenes Torres e do Ex-senador José Inácio Arruda, além do Ex-presidente Fernando Collor. Do nada, a intimidade da emissora com o personagem desaparece e o mesmo some de seus holofotes. Parece que o personagem só serve para garantir os interesses de momento da emissora, são como robôs, descarta-se se tornar obsoleto. E ao haver a apartação, outro personagem ocupa o espaço daquele que não serve mais à emissora.

10. Diferenciação. Tratamento desigual para situações semelhantes. Cai um enorme temporal com várias vítimas fatais, em dois estados distintos, um de seu aliado político outro de um opositor às suas ideias. O tratamento é diferenciado.

Em 2010 choveu uma barbaridade na cidade de São Paulo e na cidade de Niterói. Em São Paulo, o Governador sequer apareceu para dar entrevistas, visitar os locais afetados, após as enormes enchentes nas avenidas marginais e outros locais. A Rede Globo culpou as chuvas torrenciais e a população pelas enchentes, por jogar lixo nas ruas. A emissora não exigiu do Governador, seu aliado, explicações para o ocorrido e nem reclamou de sua conduta, um tanto estranha, de se esquivar de ir aos locais afetados.

Já na cidade de Niterói que fica no Estado do Rio de janeiro, o Governador do Estado, opositor da Rede Globo, foi acusado dos transtornos, das enchentes e das mortes ocorridas, naquele ano, por exemplo, no Morro do Bumba, onde aconteceu grande tragédia. Foram pedidas explicações imediatas para ele das chuvas e não se utilizou em defesa do governador do Rio de janeiro, a quantidade de chuvas e nem o lixo jogado pelos moradores da cidade, bem como a população não foi considerada culpada.

No Rio de janeiro parecia um jornalismo policialesco, o fato ocorreu pelo descaso do poder público. Em São Paulo, a culpa foi de São Pedro.

Aqui cabe o tratamento desigual da notícia e do acusado. Os 3 mil reais de propina do Waldomiro valem muito mais que os 1,4 bilhões de reais desviados da Sudene no Governo FHC, seu aliado, e o primeiro caso, merece muito mais apuração, mais reportagens da emissora, só pelo fato de ser uma corrupção que pode incriminar e desmoralizar seus opositores.

11. Desqualificação e inversão. Se surge uma notícia (denúncia) que não seja favorável aos seus aliados de momento, a emissora corre logo para desqualificar a denúncia e provar que não é verdade o que está sendo denunciado. A Rede Globo pode até inverter a situação, acusar quem fez a denúncia e provar a inocência do denunciado.

Na Operação Monte Carlo está bem claro este processo. Pegaram o Deputado Protógenes Queiroz e começaram a acusar a pessoa que primeiro quis investigar numa CPI o Cachoeira e suas ilicitudes e tentaram incriminá-lo como parte integrante do grupo do contraventor.

11.1. Desqualificação com mudança de foco. Se surge uma notícia (denúncia), impossível de ser contestada, muda-se o foco das reportagens da emissora e aparecem denúncias outras, envolvendo seus opositores.

Na Operação Monte Carlo está bem claro, também, este processo. Deputado Protógenes, Governo Federal, Governo do PT do Distrito Federal, Governo do PMDB do Rio de janeiro são colocados no meio das denúncias, enquanto os agentes principais são esquecidos. Fica a impressão de que políticos de todos os partidos estão envolvidos com as ilicitudes do Carlinhos Cachoeira.

Se não tem como envolver seus opositores na denúncia com provas robustas, cria-se outra denúncia explosiva, mesmo sem prova alguma, e centram todas as reportagens nela. Até o esquecimento, quase total, da denúncia com provas robustas.

Arte digital - por Scott Marr (Inspiration Hut)

Caso Demóstenes/Cachoeira/Veja - por blog do Nassif


Cachoeira e Delta: o todo e a parte – por  Luis Nassif
Tome-se a gravação em que o presidente da Delta fala sobre subornos. Apareceu em todos os jornais e mereceu menção no Jornal Nacional. A fonte era o jornalista assessor de Carlinhos Cachoeira.

A rigor, o diálogo não significa nada. O executivo fala em hipóteses: "se eu" colocasse tantos milhões nas mãos de fulano, ganharia a obra; "se eu" colocasse tantos milhões nas mãos de beltrano, e assim por diante. Ele não falou "eu coloquei" tantos milhões nas mãos de fulano.........

Tem o mesmo valor de uma declaração tipo "se eu fosse Onassis, conquistaria Jackie Kennedy".

Não se tenha a menor dúvida de que a Delta está atolada até o pescoço em subornos e falcatruas. Transformar em mote de cobertura geral um diálogo absolutamente insosso chama atenção.

Mas faz parte de uma estratégia de fogo de encontro que foi bastante utilizada na CPI dos Precatórios, de tirar o foco do todo e colocá-lo na parte. Na época, o todo era Paulo Maluf, Gilberto Miranda e companhia. A parte era o Banco Vetor, elo menor da corrente.

Focando-se no todo, pegar-se-iam todos, incluindo o Vetor; focando-se na parte, apenas o Vetor, livrando Paulo Maluf e companhia.

Durante um mês, toda a cobertura de Brasília focou na parte. E aí se entra no efeito-manada.

Havia uma sucursal específica empenhada em livrar Maluf. Ela assumiu a liderança da cobertura e o restante da mídia foi atrás, pelo efeito-manada.

Vai se tentar repetir o estratagema, agora, em relação ao todo Cachoeira e a parte Construtora Delta. Focando-se na Delta, deixam-se de lado as relações de Cachoeira com políticos de vários estados e funcionários de vários ministérios, com os dossiês, com seus investimentos em genéricos e com suas parcerias na mídia. E fica-se apenas com a parte Delta.

Nessa guerra retórica e de cobertura, um segundo recurso tem sido a insistência nessa versão de que o Planalto teme a CPI e está manobrando para minimizar os estragos. Não teme, mas tem sua estratégia que consiste, justamente, em colocar o foco no todo.
Portanto, o jogo político-midiático em torno da CPI é simples de entender: o Planalto quer apurar o todo Cachoeira; a cobertura da mídia quer apurar apenas a parte Delta.


Veja e a CPI de Cachoeira – por Luis Nassif
A tentativa da Veja e do PT de contrapor a julgamento do “mensalão” à CPI de Cachoeira interessa apenas a ambos, não ao conjunto da opinião pública e, principalmente, aos poderes constituídos – Judiciário (incluindo Ministério Público), Legislativo.

O “mensalão” já são cartas dadas. Já houve o impacto político em 2006, as investigações,  um inquérito volumoso que já está no STF (Supremo Tribunal Federal). Provavelmente a maioria dos ministros tem opinião formada e não vai se deixar influenciar pelo noticiário.

Daí o inusitado da capa da revista Veja, insinuando que a CPI de Cachoeira visa jogar cortina de fumaça sobre o “mensalão”.

Na verdade, o que está em jogo é algo suprapartidário e muito mais grave do que denúncias políticas: a parceria entre Veja e o bicheiro Carlinhos Cachoeira, ao longo dos últimos oito anos.

Na matéria de capa, Veja compara-se ao promotor que propõe ao réu a “delação premiada”. Trata-se de um instituto, previsto em lei, pelo qual o réu tem abrandamento de pena se se dispuser a entregar escalões mais altos da organização criminosa.

No caso de Cachoeira, tal não ocorria. As matérias fornecidas pelo bicheiro serviam para detonar quadrilhas rivais, fortalecendo seu poder. Mais que isso, juntos, Cachoeira e Veja transformaram o senador Demóstenes Torres no político mais influente da oposição. Graças ao prestígio bancado pela revista, Demóstenes conseguia penetrar nos diversos departamentos da administração pública, defendendo pleitos do bicheiro.

A revista sustenta que a parceria com o bicheiro visou levantar denúncias que permitissem limpar o país.

A história não mostra isso.

No caso do grampo sobre a propina dos Correios, houve o claro propósito de beneficiar Cachoeira. O diretor da revista supervisionou pessoalmente o grampo, até julgar que estava eficiente. Depois disso, segurou a notícia por um mês, dando tempo ao esquema Cachoeira fazer o uso que bem quisesse. Publicada a denúncia, conseguiu-se o afastamento do esquema Roberto Jefferson dos Correios, e seu lugar ocupado novamente por esquema ligado ao próprio Cachoeira – que, dois anos depois, foi desbaratado pela Polícia Federal.

No episódio Satiagraha a revista usou os mesmos métodos. Para paralisar as investigações – que levariam inevitavelmente a Daniel Dantas -, a revista soltou uma série de matérias montadas.

Foi assim com a capa “O país do grampo”, que juntava um conjunto de informações desconexas, para passar a impressão que a Polícia Federal estaria grampeando meio mundo. Na verdade, a usina de grampos era do próprio Cachoeira.

O mesmo ocorreu com o “grampo sem áudio” – o falso grampo que teria interceptado uma conversa entre o Ministro Gilmar Mendes, do STF, e o senador Demóstenes Torres.

A falta de limites era tal que a revista publicou um dossiê contra o Ministro Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça, que havia dado uma sentença contra Dantas.

Era uma armação tão descarada, que a reportagem anunciava uma representação de uma ONG junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), contra Vidigal. A representação baseava-se na própria reportagem da revista – que ainda nem tinha sido publicada.


As manobras do esquema Cachoeira – por Luis Nassif
Na condição de réu, o senador Demóstenes Torres teve acesso às peças do inquérito Monte Carlo.

Agora, está selecionando informações para, em conluio com jornalistas do esquema Cachoeira, jogar o foco das investigações na Construtora Delta.

Sabendo-se das ligações de Cachoeira com a Delta, é até risível matéria informando sobre as tratativas do bicheiro para conseguir acesso a altos executivos da empresa - como se fosse uma figura menor aproximando-se da toda poderosa Delta.

A lógica da estratégia Cachoeira-Demóstenes-aliados é simples. A Delta é parte do universo a ser investigado; Cachoeira é o todo. Focando na Delta, tenta-se tirar do foco o chefe da quadrilha, Cachoeira, seu principal lugar-tenente, Demóstenes, assim como as ligações midiáticas da estrutura criminosa.

De quebra, desestimulam-se peemedebistas - já que a Delta tem relações com o governador Sérgio Cabral Filho - e petistas - relações com o governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz.

Nos próximos dias, haverá um aumento da chantagem de alguns veículos sobre políticos. É um jogo intimidatório pesado. Parlamentares escolhidos para a CPI serão alvo de represálias do esquema criminoso. Haverá também a estratégia de misturar factóides com fatos objetivos, visando embolar o entendimento da opinião pública.

A CPI de Cachoeira mostrará se o país poderá aspirar a um lugar no mundo moderno, se dispõe de instituições capazes de enfrentar toda sorte de poderes - do Executivo, Judiciário, Legislativo ao até agora intocado poder midiático.

Se se quiser, de fato, passar o país a limpo, o Congresso terá que pagar para ver, assim como parece estar sendo a posição do Executivo.

Seria medida de prudência jornais e jornalistas se darem conta de que rompeu-se a muralha do silêncio e do medo. Veículos e jornalistas que entrarem no esquema correrão o risco de serem indiciados pela Justiça.

Está chegando ao fim a era da plena impunidade para o mau jornalismo e para o uso de dossiês criminosos.



A capa da veja – por Foo (Blog do Nassif)


Eu li o artigo da Veja, e só tenho uma observação: a Veja quer enterrar a CPI, custe o que custar.

O caso Cachoeira pega diretamente o senador Demóstenes Torres (DEM/Goiás), o governador Marconi Pirilo (PSDB/Goiás), o deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB/GO) e o editor-chefe da revista Veja, Policarpo Jr.

A primeira reação da mídia, diante do escândalo, foi tentar envolver todo mundo: Agnelo (PT/DF), Protógenes (PCdoB/SP), e a construtora Delta -- que, segundo a imprensa, "faz negócios com o Governo Federal" -- convenientemente omitindo o fato de que a Delta faz negócios com todas as esferas do governo, em diversos estados, inclusive São Paulo!!!

Notícias recentes da Folha, do Estadão, e da Globo, dizem que a CPI preocupa a Dilma e setores do PT; quando os mais preocupados, obviamente, devem ser o DEM e o PSDB.

Mas vamos assumir que as acusações sejam verdadeiras, e que Agnelo, Protógenes, e o próprio Governo Federal estejam envolvidos no escândalo. Este seria, sem dúvida nenhuma, o maior escândalo da história recente do país. Maior do que o mensalão, que segundo a Veja foi "o maior escândalo de corrupção da história do país".

A Veja não quer investigação, e usa todos os artifícios que têm à sua disposição para isso: apela para a PT-fobia, para o "risco para a liberdade de expressão", para a imagem de Hitler e Mussolini... nenhum recurso é deixado de lado no objetivo de demonstrar, por A+B, que a CPI será péssima para o Brasil.

Vamos a alguns trechos do artigo (em negrito, intercalado com meus comentários):

"Com o julgamento do mensalão pelo Supremo a caminho, os petistas lançam uma desesperada ofensiva para tentar desviar a atenção dos crimes cometidos por eles no que foi o maior escândalo de corrupção da história brasileira"

Mas quem está fazendo "uma desesperada ofensiva para desviar a atenção dos crimes cometidos" é a própria Veja. (Apenas como exemplo, além dos mais de 200 telefonemas entre Policarpo e Cachoeira, agora temos evidências de que a gravação do Hotel Nahoum -- naquela fatídica capa contra "o poderoso chefão" José Dirceu -- foi feita pelo bicheiro.)

E a Veja continua, dizendo que "o PT espera desmoralizar na CPI todos que considera pessoal ou institucionalmente responsáveis pela apuração e divulgação dos crimes cometidos pelos correlegionários no mensalão — em especial a imprensa."

A imprensa não precisa do PT para se desmoralizar. Ela tem feito isso por conta própria.

"Esse truque funcionou na União Soviética, funcionou na Alemanha nazista, funcionou na Itália fascista de Mussolini, por que não funcionaria no Brasil?". E responde: "Bem, ao contrário dos laboratórios sociais totalitários tão admirados por petistas, o Brasil é uma democracia, tem uma imprensa livre e vigilante"

O Brasil é uma democracia, e a liberdade de imprensa não está sob ameaça. Qualquer um pode escrever o que quiser, e sites na internet começam a dar furos em tempo real -- antes mesmo que as revistas possam chegar às mãos dos assinantes. Isso não significa que a imprensa possa se associar ao crime, ocultar a existência de uma quadrilha por 8 anos em troca de informações privilegiadas, obtidas de maneira ilegal, e promover membros desta quadrilha a "mosqueteiros da ética".

O delírio prossegue: "Uma CPI dominada pelo PT e seus mais retrógrados e despudorados aliados é o melhor instrumento de que a falconaria petista poderia dispor — pelo menos na impossibilidade, certamente temporária para os falcões, de suprimir logo a imprensa livre, o Judiciário independente e o Parlamento."

Aqui a Veja deixa bem claro -- na sua opinião, a CPI é um instrumento para suprimir a imprensa livre, o judiciário independente, e o parlamento. É um instrumento para transformar o Brasil em um ditadura. É uma simplificação grosseira -- como outras que aparecem no artigo -- com o objetivo de causar um mal-estar com relação à CPI.

A essa altura o leitor típico de Veja deve estar pensando: "esta CPI é um perigo!"

"Enquanto o triunfo final não vem, os falcões petistas vão se contentar em usar a CPI para desmoralizar todos os personagens e forças que ousem se colocar no caminho da marcha arrasadora da história, que vai lançar ao lixo todos os que atacaram o PT e, principalmente, seu maior líder, o ex-presidente Lula."

O mais curioso, de acordo com a tortuosa lógica da Veja, é que -- mesmo que a rede de corrupção de Carlinhos Cachoeira seja "suprapartidária", isto é, envolva diretamente o PT -- esta CPI seria de interesse do partido.

"Lula viu na CPI a oportunidade política de mostrar que todos os partidos pecam. Que todos são farinha do mesmo saco e, por isso mesmo, o mensalão não seria um esquema de corrupção inaudito, muito menos merecedor de um rigor maior por parte do Judiciário e da sociedade. Para os petistas, apagar a história neste momento é uma questão de sobrevivência."

Questão de sobrevivência? A presidenta Dilma tem o maior índice de aprovação de toda a história do país, superando até mesmo o Lula; a oposição está desorientada; a própria Veja diz que o PT estaria caminhando rumo ao poder absoluto. Por que esta seria uma "questão de sobrevivência"? O artigo da Veja não consegue manter-se auto-coerente; a única coisa que está perto de se extinguir é a credibilidade da revista.

"É tamanha a ânsia de Lula e dos mensaleiros para enterrar o escândalo que, se preciso, o PT rifará o governador do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz, que também aparece no arco de influência dos trambiques da máfia do jogo."

É tamanha a ânsia da Veja para enterrar a CPI que, se preciso, deixará o petista Agnelo Queiroz livre, junto com Cachoeira, Demóstenes, Pirilo, Leréia, e, é claro, o editor-chefe da revista, Policarpo Jr.

Para defender Policarpo, sem citar o seu nome, a revista diz: "A oportunidade liberticida que apareceu agora no horizonte político é tentar igualar repórteres que tiveram Carlos Cachoeira como fonte de informações relevantes e verdadeiras com políticos e outras autoridades que formaram com o contraventor associações destinadas a fraudar o Erário."

É uma simplificação grosseira. Policarpo Jr. fez muito mais do que apenas usar Carlos Cachoeira como fonte. Ele usou e foi usado. Durante mais de 8 anos, em mais de 200 telefonemas gravados e reuniões presenciais, Policarpo Jr ajudou a promover os interesses da quadrilha, enquanto a quadrilha satisfazia os interesses da Veja.

A Veja sabia das relações de Demóstenes com Carlinhos Cachoeira, e nunca falou nada. Ou melhor: enalteceu Demóstenes, chegando ao ponto de dizer que ele era um dos "mosqueteiros da ética" do senado. A Veja também ajudou a melar uma CPI contra Cachoeira em 2004. Em troca, Cachoeira foi responsável por inúmeros "furos" da revista, em gravações ilegais que envolviam terceiros.

Mas a Veja prossegue com a seguinte lição sobre a ética jornalística:

"Os petistas acham que atacar o mensageiro vai diminuir o impacto da mensagem. Pelo que disse Marco Maia, eles vão tentar mostrar que obter informações relevantes, verdadeiras e de interesse nacional lança suspeita sobre um jornalista. Maia não poderia estar mais equivocado. Qualquer repórter iniciante sabe que maus cidadãos podem ser portadores de boas informações. As chances de um repórter obter informações verdadeiras sobre um ato de corrupção com quem participou dele são muito maiores do que com quem nunca esteve envolvido. A ética do jornalista não pode variar conforme a ética da fonte que está lhe dando informações. Isso é básico."

Se Cachoeira tivesse feito gravações de suas conversas com Demóstenes e Pirilo, isto estaria dentro da ética jornalística.

Mas Cachoeira fez gravações contra terceiros -- pessoas que não estavam envolvidas com eles. Para citar um exemplo, hoje sabemos que as filmagens no Hotel Nahoum foram obra da quadrilha. A reportagem de capa de Veja foi ironicamente intitulada "O Poderoso Chefão".

A Veja tinha acesso ao verdadeiro "chefão" -- e nunca falou nada.

A Veja teve acesso a todas as informações sobre a máfia de Goiás e nunca denunciou o esquema.
 Durante 8 anos a Veja usou e foi usada por Carlinhos Cachoeira. E é por isso que estão com medo.  Mas não é só isso:

"Motivo mesmo para uma CPI seria investigar os milionários repasses de dinheiro público que o governo e suas estatais fazem a notórios achacadores, chantagistas e manipuladores profissionais na internet. Fica a sugestão."

A Veja está com medo porque não controla mais a informação. Se a CPI sair, não haverá como filtrar as informações.

Viva os blogs sujos!

Viva a internet!

O medo da Veja (3) - por Oswaldo Alves (Blog do Nassif)
Comentários ao post "A capa de Veja"

É caso pra se rir. Mas também é caso de repousar a cabeça sobre as mãos e pensar no ponto do absurdo a que se chegou. Este movimento estava sendo ensaiado ao longo da última semana: matérias tratando de Cachoeira isoladamente, da Delta como empresa que presta serviços para o PAC, um senador Demóstenes aparecendo pequenininho como "mais um" que caiu na rede do bicheiro. O nome da presidenta surgindo em contextos que não se relacionavam com a matéria. O nome de Demóstenes minguando em certos órgãos de imprensa. O de Agnelo Queiroz vindo à tona. Que mais? Matérias dizendo que a CPI, que tem Demóstenes no centro das questões, seria, na verdade, um revanchismo orquestrado por Lula e pelo grupo petista ligado ao Zé Dirceu contra a digníssima revista que denunciou o mensalão. E agora, esta capa, a cereja do bolo! E a isto querem que uma parte da sociedade acredite se tratar de pura e simples liberdade de imprensa.

A cortina de fumaça existe sim.  Mas não do jeito que esta capa nos quer fazer ver. Uma qualidade ela tem: a auto-ironia.

Me pergunto o escândalo nacional que seria se, num estado governado por um adversário político, num estado onde um réu que mantinha relações com um senador deste mesmo estado, que também exercia influência sobre a polícia militar e sobre altos representantes do judiciário, se neste estado, a Revista Veja fosse, inexplicavelmente, tirada de circulação. Não é preciso muita imaginação para acreditar que, antes mesmo de apurar qualquer fato e qualquer suspeita, um enorme arsenal de imprensa seria colocado em ação para defender a liberdade de imprensa, um alarde seria criado para informar aos brasileiros que o partido político em questão é uma verdadeira máfia que pretende instituir práticas violentas e autoritárias, que pretende banir a imprensa livre. O espetáculo da demonização seria bem previsível. No entanto, tudo isso aconteceu na realidade. Mas como a revista era a Carta Capital, como o governador era do PSDB, como o senador era (e, neste caso, literalmente era) do DEM, o fato foi considerado irrelevante, indigno de uma pequena nota, muito menos de uma ação solidária por parte dos defensores da liberdade de imprensa. Palavras como censura, máfia, autoritarismo, corrupção, escândalo, entre outras não servem se não puderem, em lugar de descrever fatos, atacar desafetos políticos.

Por Rafael Wuthrich
 É simplesmente inacreditável isso. Não é só ridículo: é uma afronta à nossa inteligência. Ora, vamos pensar pelo lado prático: o famoso Mensalão, existente ou não, já foi investigado e logo será julgado. O STF tem tudo em mãos. Mas e os escândalos de agora? Não serão sequer discutidos?

Me surpreende não a defesa incondicional desses bandidos, o que aliás já era esperado, mas o esforço de se requentar uma situação que já está em curso de ser resolvida. Um dos nossos companheiros colocou um comentário perfeito aqui: se fosse para fazer isso, o melhor era ter ligado a Delta a Agnelo e a Sergio Cabra e feito matéria de capa os ligando a Cachoeira - mesmo sendo inverossímil, assim como as 6 ligações de Protogenes (Policarpo teve mais de 200).

Mas não. A Veja prefere atacar o governo com algo que nem ele mais teme. Por que? Ora, Lula já não é mais o presidente, Marcos Valério está preso por vários outros crimes e os Ministros e políticos envolvidos já não estão mais no governo, Dirceu inclusive. Dilma e o PMDB Nacional hoje é quem dão as cartas junto com o PSB, e não me parece que o PT, que anda se fortalecendo sem aparecer demais - vale lembrar que nenhum de seus políticos hoje tem grande exposição no partido, fora Haddad que concorre à Prefeitura -  então me parece não apenas inoportuna, mas também sem resultado prático nenhum. A própria população já está cansada do tema. Ou seja, é um duplo erro estratégico: não defende a revista e tampouco ataca o governo.

Eu poderia pensar que é desespero, mas creio que outro dos comentaristas entendeu a mensagem: não podendo atacar Cachoeira ao ligá-lo ao governo - o que poderia complicar ainda mais sua situação - nem Demóstenes - que aparentemente possui força imensa na revista (embora tenha ouvido ontem em Brasilia, ao conversar com um colega que trabalha lá, que na capital ele está sem força nenhuma e completamente desesperado) -, a revista optou por requentar um assunto já sem apelo nenhum e colocá-lo na capa, quando a população inteira discute quem é Demóstenes e como ele se tornou amigo do bicheiro (quer saber se a população sabe de algum tema? Pergunte aos taxistas. Se mais de um tocou no assunto, é porque o tema está na boca do povo - e isso aconteceu comigo e 4 das 5 vezes que tomei taxi nas duas últimas semanas - isso sem contar os jornais tablóides - Expresso, Agora, Meia-Hora - que também tem jogado materiazinhas sobre o tema, expondo os envolvidos e levando a informação ao dito "povão").

Na minha opinião, é mais uma prova que a revista não só perdeu a mão, mas também a própria inteligência.


Resposta de Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados à Veja.

Por que a Veja é contra a CPMI do Cachoeira?

Tendo em vista a publicação, na edição desta semana, de mais uma matéria opinativa por parte da revista Veja do Grupo Abril, desferindo um novo ataque desrespeitoso e grosseiro contra minha pessoa, sinto-me no dever de prestar os esclarecimentos a seguir em respeito aos cidadãos brasileiros, em especial aos leitores da referida revista e aos meus eleitores:

- a decisão de instalação de uma CPMI, reunindo Senado e Câmara Federal, resultou do entendimento quase unânime por parte do conjunto de partidos políticos com representação no Congresso Nacional sobre a necessidade de investigar as denúncias que se tornaram públicas, envolvendo as relações entre o contraventor conhecido como Carlinhos Cachoeira com integrantes dos setores público e privado, entre eles a imprensa;

- não é verdadeira, portanto, a tese que a referida matéria tenta construir (de forma arrogante e totalitária) de que esta CPMI seja um ato que vise tão somente confundir a opinião pública no momento em que o judiciário prepara-se para julgar as responsabilidades de diversos políticos citados no processo conhecido como "Mensalão";

- também não é verdadeira a tese, que a revista Veja tenta construir (também de forma totalitária), de que esta CPMI tem como um dos objetivos realizar uma caça a jornalistas que tenham realizado denúncias contra este ou aquele partido ou pessoa. Mas posso assegurar que haverá, sim, investigações sobre as graves denúncias de que o contraventor Carlinhos Cachoeira abastecia jornalistas e veículos de imprensa com informações obtidas a partir de um esquema clandestino de arapongagem;

- vale lembrar que, há pouco tempo, um importante jornal inglês foi obrigado a fechar as portas por denúncias menos graves do que estas. Isto sem falar na defesa que a matéria da Veja faz da cartilha fascista de que os fins justificam os meios ao defender o uso de meios espúrios para alcançar seus objetivos;

- afinal, por que a revista Veja é tão crítica em relação à instalação desta CPMI? Por que a Veja ataca esta CPMI? Por que a Veja, há duas semanas, não publicou uma linha sequer sobre as denúncias que envolviam até então somente o senador Demóstenes Torres, quando todos (destaco "todos") os demais veículos da imprensa buscavam desvendar as denúncias? Por que não investigar possíveis desvios de conduta da imprensa? Vai mal a Veja!;

- o que mais surpreende é o fato de que, em nenhum momento nas minhas declarações durante a última semana, falei especificamente sobre a revista, apontei envolvidos, ou mesmo emiti juízo de valor sobre o que é certo ou errado no comportamento da imprensa ou de qualquer envolvido no esquema. Ao contrário, apenas afirmei a necessidade de investigar tudo o que diz respeito às relações criminosas apontadas pelas Operações Monte Carlo e Vegas;

- não é a primeira vez que a revista Veja realiza matérias, aparentemente jornalísticas, mas com cunho opinativo, exagerando nos adjetivos a mim, sem sequer, como manda qualquer manual de jornalismo, ouvir as partes, o que não aconteceu em relação à minha pessoa (confesso que não entendo o porquê), demonstrando o emprego de métodos pouco jornalísticos, o que não colabora com a consolidação da democracia que tanto depende do uso responsável da liberdade de imprensa.

Dep. Marco Maia,
Presidente da Câmara dos Deputados
Em 15 de abril de 2012

Comentário
Só é uma grande pena que o dep. Marco Maia não apresente o mesmo afã de instalar a CPI da Privataria Tucana. 


CPI já vira caso de polícia dentro da Câmara - por Leandro Mazzini (Coluna Esplanada)

A CPI mista do Cachoeira nem começou mas já pega fogo nos bastidores – em especial, nos corredores da Câmara. Um roteiro com ingredientes de cena policial ganhou o sétimo andar do Anexo 4 da Casa. Indignados com um cartaz pró-CPI da Privataria Tucana na porta do gabinete do deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), delegado licenciado da PF e entusiasta da instalação das comissões, dois deputados tucanos arrancaram o cartaz da porta e jogaram no chão, irados. Tratam-se de ninguém menos que o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), e o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN).  Protógenes só soube quando pediu ontem à Polícia Legislativa o vídeo do circuito interno de TV do corredor. Mas não prestou queixa à Mesa Diretora.

Constrangido e incrédulo, Protógenes não procurara, até ontem à noite, os parlamentares para pedir explicações. Um assessor acompanhava  os deputados na hora do ‘ataque’.

Pelo vídeo e sequência de fotos, fica clara a atuação do trio na porta fechada do gabinete do deputado, durante o dia. Guerra indica e Marinho puxa o cartaz.

Procurada pela coluna, a assessoria de Guerra ainda não se pronunciou. O deputado Marinho reconheceu que tirou o cartaz e disse que foi um “ato político”, e que isso aconteceu há algumas semanas, embora Protógenes tenha tido acesso aos vídeos ontem. Lamentou que os deputados colem nas portas cartazes “de ataques institucionais”, como o que considerou o do deputado comunista.

Comentário
“Ataques institucionais”? Ah tá.
Compreendo a ira dos tucanos. Afinal de contas, há penas voando pra tudo contra é lado.


Para deputado, revista Veja é “o crime organizado fazendo jornalismo” – por Rede Brasil Atual

Fernando Ferro (PT-PE) considera que publicação tenta evitar que se apure a conexão entre seus jornalistas e a quadrilha de Carlinhos Cachoeira

O deputado adiantou que gostaria de ouvir o presidente do
Grupo Abril, as conexões entre a editora e Cachoeir
a
(Foto: Leonardo Prado/Ag. Câmara)
São Paulo – O deputado federal Fernando Ferro (PT-PT) acusou hoje (17) a revista Veja de se valer de seu espaço midiático para tentar abafar a criação da comissão parlamentar mista de inquérito destinada a apurar a conexão entre políticos e o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

“Na semana passada, tinha afirmado aqui que a revista Veja se associava ao crime organizado para fazer jornalismo. Eu me enganei, acho que a revista Veja já é o próprio crime organizado fazendo jornalismo”, disse o parlamentar na tribuna da Câmara, em Brasília, em referência à reportagem publicada no último fim de semana. Para a revista do Grupo Abril, a CPMI é uma estratégia do PT para desviar o foco do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso do mensalão. “O que ela fez essa semana foi vestir a carapuça e achar como natural e normal utilizar o expediente da informação produzida por bandidos e delinquentes para fazer o seu jornalismo. Então isso não é mais uma associação, mas uma ação de crime organizado.”

A CPMI tomará como ponto de partida as investigações da Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo. Além de mostrar as conexões de Cachoeira com políticos, as escutas promovidas durante a apuração mostraram que o diretor da sucursal de Brasília da revista Veja, Policarpo Júnior, recebia informações do grupo do contraventor para a formulação de reportagens.

O deputado, que já adiantou que gostaria de ouvir o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita, sobre as conexões entre a editora e Cachoeira, considera que a CPMI terá de debruçar sobre as relações entre grupos privados, representantes do Estado e jornalistas. “Não há outro caminho senão o da imprensa assumir o seu papel de denunciar, mas desvinculada do crime organizado”, afirmou.

Caçador de bruxas - por Alex Stratulat (Coolvibe)

Imprensas – por Jânio de Freitas (Folha de São Paulo)

Não há motivo para que a imprensa brasileira seja tão omissa quando se trata da transparência de si mesma

DUAS ESPERANÇAS problemáticas em relação à imprensa brasileira, manifestadas simultaneamente. Uma, de Barack Obama, na Cúpula das Américas, na Colômbia. Mas prefiro começar pela outra, de Suzana Singer, ombudsman (sic) da Folha.

Depois de referir-se às relações de parte da imprensa com o círculo de Carlinhos Cachoeira, citadas nos vazamentos da Polícia Federal, Suzana Singer conclama: a imprensa "tem o dever de apurar tudo -mas sem se poupar. É hora de dar um exemplo de transparência".

Por nossa conta, pode-se encontrar na última frase um segundo sentido, que é o da necessidade de uma transparência ainda ausente das normas. Aqui, é claro. O caso remete, porém, a uma face ainda mais crítica do uso da marginalidade para obter informações.

A depender das circunstâncias, o contato com a marginalidade pode ser jornalístico e legítimo. Não há como saber se o é na maioria ou na minoria das vezes. Mas sempre deveria estar, e não está, submetido ao cuidado de ponderar sobre a finalidade de quem dá a informação.
Na marginalidade, a tendência do propósito é servir à própria marginalidade. E, quando é assim, o jornalista e sua publicação servem também à marginalidade.

Se houver, devem ser poucas as dúvidas sobre a prática mais crítica que é a compra de informações e de documentos, para noticiário denunciante. Esta pode parecer mera transação, mas, ainda que o fosse, jornalista não é negociante de notícias e documentos. No mínimo, porque tal negócio é uma forma de corrupção.

Nos vazamentos da PF não apareceu negócio algum nas conexões de imprensa e Cachoeira. Mas também não há motivo para que a imprensa brasileira seja tão omissa quando se trata da transparência de si mesma. Omissão, aliás, que vem lá do século passado, como uma regra silenciada, mas praticada.

Essa regra já tinha idade na imprensa brasileira dos anos 50, a que Barack Obama se referiu. No relato de Sylvia Colombo, Obama acusou a imprensa latino-americana de ainda "usar a linguagem" daqueles anos "para tratar da relação EUA-América Latina". Em sua reclamação (ou seria apelo?): "É preciso acabar com a mentalidade de que o culpado por tudo o que vai mal na América Latina são os Estados Unidos".

Não são? Ou não são mais? Ótimo. De qualquer modo, Obama se engana quanto à linguagem do jornalismo por aqui, nos anos 50 e em muitas dezenas de anos mais, sobre os EUA. O extremismo da Guerra Fria não permitia que a imprensa nem sequer tivesse, quanto mais usasse uma linguagem criticante dos EUA.

Na eventualidade de palavras que não fossem de inteiro apoio aos americanos, a imprensa estava apenas transcrevendo algum alto mandatário em momento de exceção. E transcrição literal, ou haveria problema.

A censura democrática, sem lei, mas com todos os meios de poder, não tinha limite. Uma ilustração basta. É a do diretor de "Manchete", Justino Martins, que viaja à União Soviética, anos 60 ou 70, para registrar o mal conhecido cotidiano por lá.

Publicada a primeira de três reportagens, a multinacional Rhodia (têxtil, química, indústria farmacêutica, plásticos, múltiplas atividades), maior anunciante do grupo Manchete, faz a Adolpho Bloch, por telefonema de seu presidente brasileiro, este aviso simples: "Se sair a segunda reportagem da URSS, a Rhodia retira todos os anúncios de tudo aí".

Obama não sabe que a América Latina está aprendendo a falar sobre os EUA. Mas o passado não pode apagar-se todo. Nem os EUA se interessaram por fazê-lo.

O Império das Luzes - René Magritte

‘Peluso manipulou resultados de julgamentos’, diz Joaquim Barbosa - por O Globo

Para novo vice-presidente do STF, o ex-presidente foi tirânico e incendiou Judiciário


BRASÍLIA - Dois dias depois de ser chamado de inseguro e dono de "temperamento difícil" pelo ministro Cezar Peluso, o ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa respondeu em tom duro. Em entrevista ao GLOBO, Barbosa chamou o agora ex-presidente do STF de "ridículo", "brega", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano" e "pequeno". Acusou Peluso de manipular resultados de julgamentos de acordo com seus interesses, e de praticar "supreme bullying" contra ele por conta dos problemas de saúde que o levaram a se afastar para tratamento. Barbosa é relator do mensalão e assumirá em sete meses a presidência do STF, sucedendo a Ayres Britto, empossado nesta quinta-feira. Para Barbosa, Peluso não deixa legado ao STF: "As pessoas guardarão a imagem de um presidente conservador e tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade."

O GLOBO: Ao deixar o cargo, o ex-presidente do STF, ministro Cezar Peluso, deu entrevista na qual citou o senhor. Em um dos momentos, diz que o senhor não recusará a presidência do tribunal em circunstância alguma. É verdade?
JOAQUIM BARBOSA: Para mim, assumir a presidência do STF é uma obrigação. Tenho feito o possível e o impossível para me recuperar consistentemente e chegar bem em dezembro para assumir a presidência da Corte. Mas, para ser sincero, devo dizer que os obstáculos que tive até agora na busca desse objetivo, lamentavelmente, foram quase todos criados pelo senhor... Cezar Peluso. Foi ele quem, em 2010, quando me afastei por dois meses para tratamento intensivo em São Paulo, questionou a minha licença médica e, veja que ridículo, aventou a possibilidade de eu ser aposentado compulsoriamente. Foi ele quem, no segundo semestre do ano passado, após eu me submeter a uma cirurgia dificílima (de quadril), que me deixou vários meses sem poder andar, ignorava o fato e insistia em colocar processos meus na pauta de julgamento para forçar a minha ida ao plenário, pouco importando se a minha condição o permitia ou não.

O senhor tomou alguma providência?
BARBOSA: Um dia eu peguei os laudos descritivos dos meus problemas de saúde, assinados pelos médicos que então me assistiam, Dr. Lin Tse e Dr. Roberto Dantas, ambos de São Paulo, e os entreguei ao Peluso, abrindo mão assim do direito que tenho à confidencialidade no que diz respeito à questão de saúde. Desde então, aquilo que eu qualifiquei jocosamente com os meus assessores como "supreme bullying" vinha cessando. As fofocas sobre a minha condição de saúde desapareceram dos jornais.

Qual a opinião do senhor sobre a entrevista dada por Cezar Peluso?
BARBOSA: Eis que no penúltimo dia da sua desastrosa presidência, o senhor Peluso, numa demonstração de "désinvolture" brega, caipira, volta a expor a jornalistas detalhes constrangedores do meu problema de saúde, ainda por cima envolvendo o nome de médico de largo reconhecimento no campo da neurocirurgia que, infelizmente, não faz parte da equipe de médicos que me assistem. Meu Deus! Isto lá é postura de um presidente do Supremo Tribunal Federal?

O ministro Peluso disse na entrevista que o tribunal se apaziguou na gestão dele. O senhor concorda com essa avaliação?
BARBOSA: Peluso está equivocado. Ele não apaziguou o tribunal. Ao contrário, ele incendiou o Judiciário inteiro com a sua obsessão corporativista.

Na visão do senhor, qual o legado que o ministro Peluso deixa para o STF?
BARBOSA: Nenhum legado positivo. As pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade. Dou exemplos: Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento. Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável (o ministro se refere ao julgamento que livrou Jader Barbalho da Lei da Ficha Limpa e garantiu a volta dele ao Senado, no qual o duplo voto de Peluso, garantido no Regimento Interno do STF, foi decisivo. Joaquim discorda desse instrumento); cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, "invadir" a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões...

Quando o senhor assumir a presidência, pretende conduzir o tribunal de que forma? O senhor acha que terá problemas para lidar com a magistratura e com advogados?
BARBOSA: Nenhum problema. Tratarei todos com urbanidade, com equidade, sem preferências para A, B ou C.

O ministro Peluso também chamou o senhor de inseguro, e disse que, por conta disso, se ofenderia com qualquer coisa. Afirmou, inclusive, que o senhor tem reações violentas. O senhor concorda com essa avaliação?
BARBOSA: Ao dizer que sou inseguro, o ministro Peluso se esqueceu de notar algo muito importante. Pertencemos a mundos diferentes. O que às vezes ele pensa ser insegurança minha, na verdade é simplesmente ausência ou inapetência para conversar, por falta de assunto. Basta comparar nossos currículos, percursos de vida pessoal e profissional. Eu aposto o seguinte: Peluso nunca curtiu nem ouviu falar de The Ink Spots (grupo norte-americano de rock e blues da década de 1930/40)! Isso aí já diz tudo do mundo que existe a nos separar...

O senhor já protagonizou algumas discussões mais acaloradas em plenário, inclusive com o ministro Gilmar Mendes. Acha que isso ocorreu devido ao seu temperamento ou a outro fator?
BARBOSA: Alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros. Você já percebeu que eu não permito isso, né? Foi o que aconteceu naquela ocasião.

O senhor tem medo de ser qualificado como arrogante, como o ministro Peluso disse? Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o STF não por méritos, mas pela cor, também conforme a declaração do ministro?
BARBOSA: Ao chegar ao STF, eu tinha uma escolaridade jurídica que pouquíssimos na história do tribunal tiveram o privilégio de ter. As pessoas racistas, em geral, fazem questão de esquecer esse detalhezinho do meu currículo. Insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é mesmo? Aliás, permita-me relatar um episódio recente, que é bem ilustrativo da pequenez do Peluso: uma universidade francesa me convidou a participar de uma banca de doutorado em que se defenderia uma excelente tese sobre o Supremo Tribunal Federal e o seu papel na democracia brasileira. Peluso vetou que me fossem pagas diárias durante os três dias de afastamento, ao passo que me parecia evidente o interesse da Corte em se projetar internacionalmente, pois, afinal, era a sua obra que estava em discussão. Inseguro, eu?

O senhor considera que Peluso tratou seu problema de saúde de forma desrespeitosa?
BARBOSA: Sim.

O senhor sofre preconceito de cor por parte de seus colegas do STF? E por parte de outras pessoas?
BARBOSA: Tire as suas próprias conclusões. Tenho quase 40 anos de vida pública. Em todos os lugares em que trabalhei sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar certas liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto. Sempre a minha resposta veio na hora, dura. Mas isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo.

Da serie "O mundo à noite" - por Laurent Laveder

Grandino Rodas, o bárbaro - por Cynara Menezes (CartaCapital)

Imaginem um lugar com cerca de 110 mil habitantes e quase 5 milhões de metros quadrados, todo cercado, com um administrador que toma decisões sem ouvir ninguém, que recorre à repressão policial e ao banimento de dissidentes e utiliza espiões para se manter informado da atividade dos adversários. Não, não se trata de nenhuma republiqueta de bananas, mas da maior universidade do País, a USP, sob a governança do reitor João Grandino Rodas, também conhecido no campus como “o rei”.

Desde que assumiu a direção da USP, em 2010, uma série de medidas polêmicas tem colocado na berlinda a gestão de Rodas, criticada como pouco democrática, para dizer o mínimo. Em janeiro deste ano, vieram à tona documentos que mostram que o reitor recebe de arapongas relatórios sobre o que se passa nas reuniões dos funcionários, professores e alunos. Confeccionados por certa “sala de crise”, os textos trazem todos os detalhes sobre as assembleias, narradas ponto a ponto, inclusive com os nomes e ligações partidárias dos envolvidos.
Estudante é retirado a força de ocupação na reitoria da USP,
em novembro de 2011. Desde a ditadura, não havia o risco
de tantos alunos serem expulsos como agora
.
Foto: André Lessa/AE

A última das controvérsias envolvendo o reitor ainda está por vir: na semana passada, os 73 alunos presos durante a ocupação da reitoria, em novembro do ano passado, começaram a receber a intimação para apresentarem defesa no processo movido contra eles pela USP. Não se trata apenas de expulsão, mas da “eliminação” dos estudantes, baseada num regimento da época da ditadura: se confirmada, nenhum deles poderá retornar, por meio de vestibular, nem se empregar na universidade. Ou seja, estarão banidos.

Embora a ocupação da reitoria tenha sido considerada desastrada até mesmo por representantes dos alunos, também a punição é vista como digna de quem governa como ditador. Será a primeira vez, desde os anos de chumbo, que a USP expulsa alunos em massa. Em dezembro do ano passado, seis estudantes foram expelidos da universidade por terem ocupado o prédio da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas) em 2010. Se os 73 também saírem, a universidade alcançará o impressionante número de 79 alunos eliminados em dois anos de administração Rodas. É o equivalente a um terço do total de estudantes expulsos durante toda a ditadura no País: 245, segundo cálculos da Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça.

Cinco dos alunos expulsos já estão recorrendo da decisão. No mês passado, o juiz da 10ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, Valentino Aparecido de Andrade, mandou a USP readmitir um deles, sob a alegação de que a pena foi “excessiva”. A universidade anunciou que vai recorrer. Na terça-feira 10, outro expulso, o estudante de Geografia Yves de Carvalho Souzedo, assinou um artigo no jornal Folha de S.Paulo questionando a decisão da USP de defenestrá-lo, às vésperas de receber o diploma de conclusão do curso, sem que fossem apresentadas provas de seu envolvimento na ocupação.

“Acordei com a notícia de que tinha sido expulso. Foi uma cacetada: já havia sido aprovado em concurso para ser professor da rede pública estadual e não posso assumir o cargo porque não tenho diploma”, disse Yves a CartaCapital. Ele afirma que nunca pertenceu a partidos políticos e não ocupou a Coseas. “Estive lá para dar solidariedade aos colegas quando fui avisado de que a polícia estava chegando. Minha expulsão foi uma decisão política do reitor, que esperou o momento certo para intimidar os estudantes. Tanto é que todo mundo pensa que fomos expulsos por causa da ocupação da reitoria.”

Diretor reeleito do Diretório Central dos Estudantes (DCE), o estudante de Ciências Sociais Pedro Serrano acusa o reitor Rodas de seguir uma política de “criminalização” das entidades representativas dos estudantes, professores e funcionários. “Ele não debate. Várias medidas que toma não foram sequer submetidas ao Conselho Universitário. Para nós, a política de militarização da universidade não é motivada pela insegurança, mas um pretexto para o controle ideológico”, diz Serrano.

Em fevereiro, dez diretores da Associação dos Docentes da USP (Adusp) foram interpelados judicialmente pelo reitor por causa de frases atribuídas à entidade em editorial de O Estado de S. Paulo. “É uma tentativa de calar vozes críticas à forma como ele vem administrando, gerindo e representando a USP. Demonstra a opção por um método de viés autoritário, cuja principal característica é a intolerância”, acusa César Minto, vice-presidente da Adusp.

“O consenso não é uma das virtudes do reitor Grandino Rodas. Os conflitos aumentam quando chegam às mãos dele”, opina o professor da Faculdade de Ciências Humanas, Filosofia e Letras Vladimir Safatle, colunista de CartaCapital. “Infelizmente, ele não é a pessoa adequada para ocupar o cargo de reitor. Precisávamos de alguém que diminuísse os conflitos, que tivesse uma ascendência acadêmica clara. Um reitor deve lembrar que a universidade não funciona graças a ele, mas independentemente dele. Não é o caso de Rodas.”

A questionada convocação de policiais militares para cuidar da segurança na USP foi decidida pelo Conselho Gestor, em caráter emergencial, em maio de 2011, após o assassinato de um aluno dentro da Cidade Universitária, em tentativa de assalto. Em outubro, depois que três alunos do curso de Geografia foram presos pela PM por estarem fumando maconha no estacionamento, aconteceu a ocupação da reitoria, que acabou com a chegada de 400 policiais da tropa de choque da PM, expulsando e prendendo os estudantes.
Força Tática em frente a reitoria para cumprir o mandado
de reintegração de posse, em novembro.

Foto: Milton Jung/Flickr
As entidades representativas de alunos, professores e funcionários sempre defenderam que o policiamento deveria ser feito pela Guarda Universitária e que faltou debater o assunto, como ocorre em outros países – no México, por exemplo, um grupo de reitores discute atualmente como resolver o problema dos assaltos, sequestros e do narcotráfico dentro dos campi universitários. Segundo o professor de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura da USP Nabil Bonduki, trata-se de um problema complexo, porque o modelo para as universidades foi pensado nas décadas de 1940 e 1950, e está superado.

“As cidades universitárias são enormes e distantes, uma área cercada que não se integra e não incorpora usos urbanos. Isso leva à desertificação nos horários e dias em que não há aulas”, opina Bonduki, para quem o policiamento é só parte da solução. “Deveria haver novos espaços residenciais, para povoá-la mais, um sistema de transporte público eficiente para reduzir a presença de automóveis no campus, conexão entre a estação de trem próxima e a universidade, e que a USP voltasse a ser um espaço de lazer para a cidade, como já foi. Atualmente está fechada ao público nos fins de semana. Mas tudo isso tem de ser discutido com a comunidade, inclusive com seu entorno.”

Na vizinhança da USP, a Favela São Remo foi recentemente alvo de uma denúncia da TV Bandeirantes: um relatório da Polícia Civil de São Paulo revelou conexões entre o tráfico de drogas ali exercido, e ninguém menos que o batalhão que policia a universidade. Uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha em novembro do ano passado mostrou que 58% dos estudantes da universidade apoiam o policiamento, mas 57% deles também disseram que a presença da PM não havia alterado a sensação de falta de segurança no campus.

Não bastasse ter chamado a polícia para dentro da universidade, há duas semanas foi noticiada a contratação, pela reitoria, de um coronel reformado da PM para ser o responsável pela segurança da universidade, na recém-criada Superintendência de Segurança (SS).

Uma das primeiras polêmicas envolvendo o reitor foi justamente a utilização do termo “revolução de 1964” em uma placa no monumento em homenagem aos mortos e desaparecidos da ditadura que está sendo erguido na Cidade Universitária, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Denunciado o ato pela imprensa, a placa foi retirada, mas o próprio Rodas costuma utilizar a expressão “revolução” em entrevistas. A CartaCapital o reitor se recusou a falar: exigiu que as perguntas fossem enviadas por e-mail, o que se deu, mas elas não foram respondidas até o fechamento desta edição.
Afetado. Souzedo (o tapume existe por
causa dele) atingido pela ira de
Grandino Rodas.

Foto: Olga Vlahou

Outro acontecimento digno de dúvida sobre a visão do reitor em relação à ditadura aconteceu no julgamento, em 1997, do processo da estilista Zuzu Angel pela Comissão de Mortos e Desaparecidos, da qual Rodas era membro. O advogado negou a participação do Estado na morte mal explicada de Zuzu em um acidente de carro em 1976, por considerar que não foram demonstradas conexões do governo da ditadura com sua morte. Foi voto vencido. Em 2007, o futuro reitor da USP seria condecorado com a medalha de mérito Castello Branco da Associação Campineira de Oficiais da Reserva do Exército.

Quando ainda era candidato a reitor, em 2009, O Estado de S. Paulo interpelou Rodas sobre os rumores de que seria ligado às organizações de direita Opus Dei e Tradição, Família e Propriedade (TFP). Dizendo-se “apolítico”, ele respondeu: “Sou católico, mas, embora respeitando movimentos mais específicos dentro do catolicismo, nunca me filiei a nenhum deles”.

A rejeição ao reitor, na verdade, nasceu de uma decisão por si pouco democrática: Grandino Rodas foi o segundo candidato mais votado de uma lista tríplice, mas acabou sendo escolhido pelo então governador José Serra, quebrando uma tradição que vinha desde a volta da democracia. Hoje presidente do CNPq, o físico Glaucius Oliva, que venceu a disputa, mas não levou, chegou a se declarar “desapontado”, e disse na época: “É muito ruim quando as cabeças são pequenas o bastante para contaminar questões acadêmicas com o viés político”. Imediatamente após a decisão de Serra, os estudantes fariam o primeiro protesto contra Rodas, ocupando o prédio da antiga reitoria.

As críticas sobre o “autoritarismo” do reitor vinham, porém, de antes, do período em que foi diretor da faculdade de Direito do Largo de São Francisco (2006-2009) e terminou como persona non grata. Isso porque, no apagar das luzes de sua gestão, vieram à tona decisões tomadas sem consulta à congregação: uma delas foi a transferência da biblioteca da faculdade para um prédio vizinho, de 11 andares e sem elevador. A outra, dar nomes a salas de advogados ilustres que fizeram doação de 1 milhão reais cada um à faculdade. Uma terceira e prosaica razão foi a doação de dois tapetes persas da faculdade para a reitoria, que iria ocupar em seguida.

“Ele doou os tapetes a si mesmo”, critica o professor Sérgio Salomão Schecaira, porta-voz da Faculdade de Direito no processo que declarou Rodas persona non grata. Em março, o reitor entrou com recurso para revogar o título, mas perdeu. Após pedido da congregação ao Ministério Público Estadual, Rodas mandou devolver os tapetes. Em pé de guerra com sua faculdade de origem, é atualmente alvo de um processo movido pela congregação na Promotoria do Patrimônio Público e Social do MP por suposta malversação de verbas públicas, porque utilizou boletins produzidos pela assessoria de imprensa da USP para criticar os diretores da São Francisco.

Schecaira é irônico ao falar do desafeto. “Não tenho nada pessoalmente contra o professor Grandino. Até porque ele é um diplomata. Diplomata formado na escola americana de diplomacia, que primeiro ataca, mas um diplomata”, provoca. “Ele saiu da São Francisco com uma imagem bastante desgastada no seio da faculdade. O título de persona non grata, concedido por unanimidade, revela que não temos apreço por ele. Não se diz que quando alguém não é querido é porque ‘os santos não batem’? Pois bem, nossos santos estão em desacordo. O professor Grandino conseguiu antipatia total da faculdade de Direito, seja de docentes, seja de alunos ou funcionários.”

Sobre a administração Rodas à frente da reitoria, Schecaira é taxativo. “A gestão dele é catastrófica no aspecto democrático e sem eficiência no aspecto gerencial. No caso da PM, novamente tomou a decisão solitária de fechar o convênio, queimando o cartucho de uma discussão séria sobre a questão da segurança. O professor Grandino, em vez de governar com a comunidade universitária, preferiu assumir o papel de antagonista. Como se o fato de ser reitor o tornasse rei”, alfineta.