quarta-feira, 29 de junho de 2011

Uma analogia

Lendo o cartapácio que é o livro “Os donos do poder”, de Raymundo Faoro, encontro o seguinte trecho:

Desde a primeira hora da colonização, Portugal, sensível ao plano de governo da terra imensa e selvagem, mandou à colônia, ao lado dos agentes do patrimônio real, os fabricantes de letrados, personificados nos jesuítas. "O gosto pelo diploma de bacharel," — nota Gilberto Freyre — "pelo título de mestre, criaram-no bem cedo os jesuítas no rapaz brasileiro; no século XVI já o brasileiro se deliciava em estudar retórica e latim para receber o título de bacharel ou de mestre em artes.
"Já a beca dava uma nobreza toda especial ao adolescente pálido que saía dos 'páteos' dos jesuítas. Nela se anunciava o bacharel do século XIX o que faria a República, com a adesão até dos bispos, dos generais e dos barões do Império. Todos um tanto fascinados pelo brilho dos bacharéis." O caminho da nobilitação passava pela escola, pelos casarões dos jesuítas, pela solene Coimbra ou pelos acanhados edifícios de Olinda, São Paulo e Recife. O alvo seria o emprego e, por via dele, a carruagem do estamento burocrático, num processo de valorização social decorrente do prestígio do mando político. Educação inútil para a agricultura, talvez nociva ao infundir ao titular o desdém pela enxada e pelas mãos sujas de terra, mas adequada ao cargo, chave do governo e da administração. Os jovens retóricos, hábeis no latim, bem falantes, argutos para o sofisma, atentos às novidades das livrarias de Paris e Londres, com a frase de Pitt, Gladstone e Disraeli bem decorada, fascinados pelos argumentos de Guizot e Thiers, em dia com os financistas europeus, tímidos na imaginação criadora e vergados ao peso das lições sem crítica, fazem, educados, polidos, bem vestidos, a matéria-prima do parlamento. Olhados à distância terão o ar ridículo dos velhos retratos, com os versos finos dedicados a musas e damas mal-alfabetizadas. Falta-lhes a voz áspera, o tom rude, a energia nativa dos colonos norte-americanos e dos políticos platinos, menos obedientes ao estilo europeu, mais homens, menos artistas e mais dotados de encanto poético.”


Por alguma razão, ao ler este trecho do livro, lembrei-me imensamente de FHC e Lula.

Lucro Brasil faz consumidor pagar o carro mais caro do mundo – por Joel Leite (AutoInforme)

"Por que baixar o preço se o consumidor paga?", pergunta um executivo de montadora


O Brasil tem o carro mais caro do mundo. Por quê? Os principais argumentos das montadoras para justificar o alto preço do automóvel vendido no Brasil são a alta carga tributária e a baixa escala de produção. Outro vilão seria o alto valor da mão de obra, mas os fabricantes não revelam quanto os salários - e os benefícios sociais - representam no preço final do carro. Muito menos os custos de produção, um segredo protegido por lei.

A explicação dos fabricantes para vender no Brasil o carro mais caro do mundo é o chamado Custo Brasil, isto é, a alta carga tributária somada ao custo do capital, que onera a produção. Mas as histórias que você verá a seguir vão mostrar que o grande vilão dos preços é, sim, o Lucro Brasil. Em nenhum país do mundo onde a indústria automobilística tem um peso importante no PIB, o carro custa tão caro para o consumidor.

A indústria culpa também o que chama de Terceira Folha pelo aumento do custo de produção: os gastos com funcionários, que deveriam ser papel do estado, mas que as empresas acabam tendo que assumir como condução, assistência médica e outros benefícios trabalhistas.

Com um mercado interno de um milhão de unidades em 1978, as fábricas argumentavam que seria impossível produzir um carro barato. Era preciso aumentar a escala de produção para, assim, baratear os custos dos fornecedores e chegar a um preço final no nível dos demais países produtores.

Pois bem: o Brasil fechou 2010 como o quinto maior produtor de veículos do mundo e como o quarto maior mercado consumidor, com 3,5 milhões de unidades vendidas no mercado interno e uma produção de 3,638 milhões de unidades.

Três milhões e meio de carros não seria um volume suficiente para baratear o produto? Quanto será preciso produzir para que o consumidor brasileiro possa comprar um carro com preço equivalente ao dos demais países?

Segundo Cledorvino Belini, presidente da Anfavea, é verdade que a produção aumentou, mas agora ela está distribuída em mais de 20 empresas, de modo que a escala continua baixa. Ele elegeu um novo patamar para que o volume possa propiciar uma redução do preço final: cinco milhões de carros.

A carga tributária caiu

O imposto, o eterno vilão, caiu nos últimos anos. Em 1997, o carro 1.0 pagava 26,2% de impostos, o carro com motor até 100hp recolhia 34,8% (gasolina) e 32,5% (álcool). Para motores mais potentes o imposto era de 36,9% para gasolina e 34,8% a álcool.

Hoje - com os critérios alterados - o carro 1.0 recolhe 27,1%, a faixa de 1.0 a 2.0 paga 30,4% para motor a gasolina e 29,2% para motor a álcool. E na faixa superior, acima de 2.0, o imposto é de 36,4% para carro a gasolina e 33,8% a álcool.

Quer dizer: o carro popular teve um acréscimo de 0,9 ponto percentual na carga tributária, enquanto nas demais categorias o imposto diminuiu: o carro médio a gasolina paga 4,4 pontos percentuais a menos. O imposto da versão álcool/flex caiu de 32,5% para 29,2%. No segmento de luxo, o imposto também caiu: 0,5 ponto no carro e gasolina (de 36.9% para 36,4%) e 1 ponto percentual no álcool/flex.

Enquanto a carga tributária total do País, conforme o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, cresceu de 30,03% no ano 2000 para 35,04% em 2010, o imposto sobre veículo não acompanhou esse aumento.

Isso sem contar as ações do governo, que baixou o IPI (retirou, no caso dos carros 1.0) durante a crise econômica. A política de incentivos durou de dezembro de 2008 a abril de 2010, reduzindo o preço do carro em mais de 5% sem que esse benefício fosse totalmente repassado para o consumidor.

As montadoras têm uma margem de lucro muito maior no Brasil do que em outros países. Uma pesquisa feita pelo banco de investimento Morgan Stanley, da Inglaterra, mostrou que algumas montadoras instaladas no Brasil são responsáveis por boa parte do lucro mundial das suas matrizes e que grande parte desse lucro vem da venda dos carros com aparência fora de estrada. Derivados de carros de passeio comuns, esses carros ganham uma maquiagem e um estilo aventureiro. Alguns têm suspensão elevada, pneus de uso misto, estribos laterais e para choque saliente. Outros têm faróis de milha e, alguns, o estepe na traseira, o que confere uma aparência mais esportiva.

A margem de lucro é três vezes maior que em outros países

O Banco Morgan concluiu que esses carros são altamente lucrativos, têm uma margem muito maior do que a dos carros dos quais são derivados. Os técnicos da instituição calcularam que o custo de produção desses carros, como o CrossFox, da Volks, e o Palio Adventure, da Fiat, é 5 a 7% acima do custo de produção dos modelos dos quais derivam: Fox e Palio Weekend. Mas são vendidos por 10% a 15% a mais.

O Palio Adventure (que tem motor 1.8 e sistema locker), custa R$ 52,5 mil e a versão normal R$ 40,9 mil (motor 1.4), uma diferença de 28,5%. No caso do Doblò (que tem a mesma configuração), a versão Adventure custa 9,3% a mais.

O analista Adam Jonas, responsável pela pesquisa, concluiu que, no geral, a margem de lucro das montadoras no Brasil chega a ser três vezes maior que a de outros países.

O Honda City é um bom exemplo do que ocorre com o preço do carro no Brasil. Fabricado em Sumaré, no interior de São Paulo, ele é vendido no México por R$ 25,8 mil (versão LX). Neste preço está incluído o frete, de R$ 3,5 mil, e a margem de lucro da revenda, em torno de R$ 2 mil. Restam, portanto R$ 20,3 mil.

Adicionando os custos de impostos e distribuição aos R$ 20,3 mil, teremos R$ 16.413,32 de carga tributária (de 29,2%) e R$ 3.979,66 de margem de lucro das concessionárias (10%). A soma dá R$ 40.692,00. Considerando que nos R$ 20,3 mil faturados para o México a montadora já tem a sua margem de lucro, o Lucro Brasil (adicional) é de R$ 15.518,00: R$ 56.210,00 (preço vendido no Brasil) menos R$ 40.692,00.

Isso sem considerar que o carro que vai para o México tem mais equipamentos de série: freios a disco nas quatro rodas com ABS e EBD, airbag duplo, ar-condicionado, vidros, travas e retrovisores elétricos. O motor é o mesmo: 1.5 de 116cv.

Será possível que a montadora tem um lucro adicional de R$ 15,5 mil num carro desses? O que a Honda fala sobre isso? Nada. Consultada, a montadora apenas diz que a empresa não fala sobre o assunto.

Na Argentina, a versão básica, a LX com câmbio manual, airbag duplo e rodas de liga leve de 15 polegadas, custa a partir de US$ 20.100 (R$ 35.600), segundo o Auto Blog.

Já o Hyundai ix35 é vendido na Argentina com o nome de Novo Tucson 2011 por R$ 56 mil, 37% a menos do que o consumidor brasileiro paga por ele: R$ 88 mil.

Porque o mesmo carro é mais barato na Argentina e no Chile?

A ACARA, Associacion de Concessionários de Automotores De La Republica Argentina, divulgou em fevereiro, no congresso dos distribuidores dos Estados Unidos (N.A.D.A), em São Francisco, os valores comercializados do Corolla nos três países. No Brasil o carro custa U$ 37.636,00, na Argentina U$ 21.658,00 e nos EUA U$ 15.450,00.

O consumidor paraguaio paga pelo Kia Soul U$ 18 mil, metade do preço do mesmo carro vendido no Brasil. Ambos vêm da Coreia. Não há imposto que justifique tamanha diferença de preço.

Outro exemplo de causar revolta: o Jetta é vendido no México por R$ 32,5 mil. No Brasil esse carro custa R$ 65,7 mil.

Quer mais? O Gol I-Motion com airbags e ABS fabricado no Brasil é vendido no Chile por R$ 29 mil. Aqui custa R$ 46 mil.

A Volkswagen não explica a diferença de preço entre os dois países. Solicitada pela reportagem, enviou o seguinte comunicado:

As principais razões para a diferença de preços do veículo no Chile e no Brasil podem ser atribuídas à diferença tributária e tarifária entre os dois países e também à variação cambial.

Questionada, a empresa enviou nova explicação:

As condições relacionadas aos contratos de exportação são temas estratégicos e abordados exclusivamente entre as partes envolvidas.

Nenhum dirigente contesta o fato de o carro brasileiro ser caro, mesmo considerando o preço FOB: o custo de produção, sem a carga tributária.

Mas o assunto é tão evitado que até mesmo consultores independentes não arriscam falar, como o nosso entrevistado, um ex-executivo de uma grande montadora, hoje sócio de uma consultoria, e que pediu para não ser identificado.

Ele explicou que no segmento B do mercado, onde estão os carros de entrada, Corsa, Palio, Fiesta, Gol, a margem de lucro não é tão grande, porque as fábricas ganham no volume de venda e na lealdade à marca. Mas nos segmentos superiores o lucro é bem maior.

O que faz a fábrica ter um lucro maior no Brasil do que no México, segundo consultor, é o fato do México ter um mercado mais competitivo.

City é mais barato no México do que no Brasil por causa do drawback

Um dirigente da Honda, ouvido em off, responsabilizou o drawback, para explicar a diferença de preço do City vendido no Brasil e no México. O drawback é a devolução do imposto cobrado pelo Brasil na importação de peças e componentes importados para a produção do carro. Quando esse carro é exportado, o imposto que incidiu sobre esses componentes é devolvido, de forma que o valor base de exportação é menor do que o custo industrial, isto é: o City é exportado para o México por um valor menor do que os R$ 20,3 mil. Mas quanto é o valor dos impostos das peças importadas usadas no City feito em Sumaré? A fonte da Honda não responde, assim como outros dirigentes da indústria se negam a falar do assunto.

Ora, quanto poderá ser o custo dos equipamentos importados no City? Com certeza é menor do que a diferença de preço entre o carro vendido no Brasil e no México (R$ 15 mil).

A propósito, não se deve considerar que o dólar baixo em relação ao real barateou esses componentes?

A conta não bate e as montadoras não ajudam a resolver a equação. O que acontece com o Honda City é apenas um exemplo do que se passa na indústria automobilística. Apesar da grande concorrência, nenhuma das montadoras ousa baixar os preços dos seus produtos. Uma vez estabelecido, ninguém quer abrir mão do apetitoso Lucro Brasil.

Ouvido pela AutoInforme, quando esteve em visita a Manaus, o presidente mundial da Honda, Takanobu Ito, respondeu que, retirando os impostos, o preço do carro do Brasil é mais caro que em outros países porque aqui se pratica um preço mais próximo da realidade. Lá fora é mais sacrificado vender automóveis.

Ele disse que o fator câmbio pesa na composição do preço do carro Brasil, mas lembrou que o que conta é o valor percebido. O que vale é o preço que o mercado paga.

E por que o consumidor brasileiro paga mais do que os outros?

Eu também queria entender - respondeu Takanobu Ito - a verdade é que o Brasil tem um custo de vida muito alto. Até o McDonald aqui é o mais caro do mundo.

Se a moeda for o Big Mac - confirmou Sérgio Habib, que foi presidente da Citroën e hoje é importador da chinesa JAC - o custo de vida do brasileiro é o mais caro do mundo. O sanduíche custa U$ 3,60 lá e R$ 14,00 aqui. Sérgio Habib investigou o mercado chinês durante um ano e meio à procura por uma marca que pudesse representar no Brasil. E descobriu que o governo chinês não dá subsídio à indústria automobilística; que o salário dos engenheiros e dos operários chineses não é menor do que o dos brasileiros.

Tem muita coisa torta no Brasil - concluiu o empresário, não é o carro. Um galpão na China custa R$ 400,00 o metro quadrado, no Brasil custa R$ 1,2 mil. O frete de Xangai e Pequim custa U$ 160,00 e de São Paulo a Salvador R$ 1,8 mil.

Para o presidente da PSA Peugeot Citroën, Carlos Gomes, os preços dos carros no Brasil são determinados pela Fiat e pela Volkswagen. As demais montadoras seguem o patamar traçado pelas líderes, donas dos maiores volumes de venda e referência do mercado, disse.

Fazendo uma comparação grosseira, ele citou o mercado da moda, talvez o que mais dita preço e o que mais distorce a relação custo e preço:

Me diga, por que a Louis Vuitton deveria baixar os preços das suas bolsas?, questionou.

Ele se refere ao valor percebido pelo cliente. É isso que vale. O preço não tem nada a ver com o custo do produto. Quem define o preço é o mercado, disse um executivo da Mercedes-Benz, para explicar porque o brasileiro paga R$ 265.00,00 por uma ML 350, que nos Estados Unidos custa o equivalente a R$ 75 mil.

Por que baixar o preço se o consumidor paga?, explicou o executivo.

Em 2003, quando foi lançado, o EcoEsport, da Ford, não tinha concorrente. Era um carro diferente, inusitado. A Ford cobrou caro a exclusividade: segundo informações de uma fonte que tinha grande ligação com a empresa na época, e conhecia os custos do produto, o carro tinha uma margem líquida de US$ 5 mil.

A montadora põe o preço lá em cima. Se colar, colou

Quando um carro não tem concorrente direto, a montadora joga o preço lá pra cima, disse um dirigente do setor. É usual, até, a fábrica lançar o carro a um preço acima do pretendido, para tentar posicionar o produto num patamar mais alto. Se colar, colou. Caso contrário, passa a dar bônus à concessionárias até reposicionar o modelo num preço que o consumidor está disposto a pagar.

Um exemplo recente revela esse comportamento do mercado. A Kia fez um pedido à matriz coreana de dois mil Sportage por mês, um volume que, segundo seus dirigentes, o mercado brasileiro poderia absorver. E já tinha fixado o preço: R$ 75 mil. Às vésperas do lançamento soube que a cota para o Brasil tinha sido limitada a mil unidades. A importadora, então, reposicionou o carro num patamar superior, para R$ 86 mil. E, como já foi dito aqui: pra que vender por R$ 75 mil se tem fila de espera pra comprar por R$ 86 mil? A versão com câmbio automático, vendida a R$ 93 mil, tem fila de espera e seu preço sobe para R$ 100 mil no mercado paralelo.

Cledorvino Belini, que também é presidente da Fiat Automóveis e membro do Conselho Mundial do Grupo Fiat, responsabiliza os custos dos insumos pelo alto preço do carro feito no Brasil. Disse que o aço custa 50% mais caro no Brasil em relação a outros países e que a energia no País é uma das mais caras do mundo.

A Anfavea está fazendo um Estudo de Competitividade para mostrar ao governo o que considera uma injusta concorrência da indústria instalada no Brasil em relação aos importadores.

Os fabricantes consideram que o custo dos insumos encarece e prejudica a competitividade da indústria nacional. O aço comprado no Brasil é 40% mais caro do que o importado da China, que usa minério de ferro brasileiro para a produção, revelou Belini. Ele apontou também os custos com a logística como um problema da indústria nacional e criticou a oneração do capital. É preciso que o governo desonere o capital nos três setores: cadeia produtiva, na infraestrutura e na exportação de tributos, disse.

Com a crise, o setor mostrou que tem (muita) gordura pra queimar. O preço de alguns carros baixou de R$ 100 mil para R$ 80 mil. Carros mais caros tiveram descontos ainda maiores.

São comuns descontos de R$ 5 mil, 10 mil. Como isso é possível se não há uma margem tão elástica pra trabalhar?

A GM vendeu um lote do Corsa Classic com desconto de 35% para uma locadora paulista, segundo um executivo da locadora em questão. O preço unitário foi de R$ 19 mil!

As montadoras tradicionais tentam evitar o óbvio, que é a perda de participação para as novas montadoras, disse José Carlos Gandini, presidente da Kia e da Abeiva, a associação dos importadores de veículos. O dólar é o mesmo pra todo mundo. As montadoras também compram componentes lá fora, e muito. Além disso, os importados já pagam uma alíquota de 35%, por isso não se trata de uma concorrência desleal, ao contrário, as grandes montadoras não querem é abrir mão da margem de lucro.

Mini no tamanho, big no preço

Mini, Fiat 500, Smart são conceitos diferentes de um carro comum: embora menores do que os carros da categoria dos pequenos, eles proporcionam mais conforto, sem contar o cuidado e o requinte com que são construídos. São carros chiques, equipados, destinados a um público que quer se exibir, que quer estar na moda. Que paga R$ 60 mil por um carro menor do que o Celta que custa R$ 30 mil e já é caro.

Onde estão os R$ 30 mil que o consumidor está pagando a mais pelo Smart e o Cinquecento e os R$ 70 mil a mais pelo Mini Cooper?

A Mercedes-Benz, importadora do Smart, fez as contas a nosso pedido dos acessórios do minicarro. Ele tem quatro airbags, ar-condicionado digital, freios ABS com EBD, controle de tração e controle de estabilidade. Segundo a empresa, o custo desse pacote seria em torno de R$ 20 mil, considerando os preços de equipamentos para a linha Mercedes, uma vez que o Smart já vem completo e não dispõe dos preços desses equipamentos separados.

Mesmo considerando esses preços ainda não se justifica os R$ 62 mil para um carro que leva apenas duas pessoas.

A Fiat vende o Cinquencento por R$ 62 mil, exatamente, e não por acaso, o mesmo preço do Smart. O carro tem sete airbags, banco de couro, ar-condicionado digital, teto solar, controle de tração, mas é menor que o Celta. Esse pacote custaria, somando os valores dos equipamentos, conforme preços divulgados pela Fiat, R$ 24 mil. Portanto, no preço cobrado, de R$ 62 mil, tem uma margem de lucro muito maior do que a de um carro comum.

E quem comprar o minúsculo Mini Cooper vai pagar a pequena fortuna de R$ 105 mil.

Claro que tamanho não é documento, especialmente quando se fala de carro. Você poderia dizer que o Ferrari é do tamanho de uma Kombi. Mas o fato é que as montadoras posicionam seus produtos num determinado patamar sem levar em conta o tamanho, o tipo de uso ou o custo do produto, mas apenas o preço que o mercado paga, optando por vender mais caro em vez de priorizar o volume, ganhando na margem de lucro.

Essa política pode ser válida para uma bolsa da Louis Vuitton, um produto supérfluo destinado a uma pequena parcela da elite da sociedade, ou mesmo para uma Ferrari, pra não sair do mundo do automóvel. Mas não deveria ser para um carro comum.

Além disso, existem exemplos de carro muito bem equipado a preços bem mais baixos. O chinês QQ, da Chery, vem a preço de popular mesmo recheado de equipamentos, alguns deles inexistentes mesmo em carros de categoria superior, como airbag duplo e ABS, além de CD Player, sensor de estacionamento. O carro custa R$ 22.990,00, isso porque o importador sofreu pressão das concessionárias para não baixar o preço ainda mais. A ideia original - disse o presidente da Chery no Brasil, Luiz Curi - era vender o QQ por R$ 19,9 mil. Segundo Curi, o preço do QQ poderá chegar a menos de R$ 20 mil na versão 1.0 flex, que chega no ano que vem. Hoje o carro tem motor 1.1 litro e por isso recolhe o dobro do IPI do 1000cc, ou 13%, isso além dos 35% de Imposto Importação.

As fábricas reduzem os custos com o aumento da produção, espremem os fornecedores, que reclamam das margens limitadas, o governo reduz imposto, como fez durante a crise, as vendas explodem e o Brasil se torna o quarto maior mercado do mundo.

E o Lucro Brasil permanece inalterado, obrigando o consumidor a comprar o carro mais caro do mundo.

Joel Leite - email: joelleite@autoinforme.com.br

Colaboraram: Ademir Gonçalves e Luiz Cipolli

Comentário
Espero, mesmo, que esta onda chinesa de carros muito mais baratos e equipados arrase esta postura absolutamente inadequada das montadoras nacionais e estrangeiras.

terça-feira, 28 de junho de 2011

O golpe que não foi - por Luiz Alberto Moniz Bandeira (CartaCapital)

A constituição do Brasil, promulgada em 1946, continha todos os elementos da crise política que eclodiu em 25 de agosto de 1961: a contradição entre o Legislativo democrático e o Executivo autocrático, inerente à república presidencialista, cuja proclamação (1889), com um golpe militar, o povo assistiu “bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava”, conforme reconheceu Aristides Lobo (1838-1896), ministro do Interior do governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891).

Durante toda a campanha eleitoral, Jânio Quadros declarou a diversas pessoas que processaria o Congresso perante o povo, culpando-o pela situação do País, caso não lhe desse as leis e os instrumentos necessários para governar. E, depois de eleito, a fim de obter o apoio de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul (1959-1963), argumentou que, “com aquele Congresso”, dominado pelos conservadores, não poderia avançar para a esquerda e tomar iniciativas como a limitação das remessas de lucros para o exterior, a lei antitruste e a reforma agrária. Precisava, portanto, de poderes extraordinários. Brizola, embora do PTB, deixou-se seduzir e comentou com o ex-presidente Juscelino Kubitschek a -pretensão de Jânio Quadros e sua disposição de apoiá-la. A conversa com Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara (1961-1965), era diferente, porém, a conclusão era a mesma: “Com aquele Congresso”, não poderia governar, sem fazer “concessões às esquerdas e apelar para elas”.

Quadros pretendia romper os limites constitucionais, mediante um golpe de Estado, não um golpe convencional, dependente das Forças Armadas, e sim um golpe aceito pelo consenso nacional, que lhe possibilitasse governar acima das classes sociais e dos partidos políticos. E, enquanto favorecia os interesses do grande capital, adulava a esquerda com a chamada política externa independente, necessária desde os anos 1950, quando a complementaridade econômica entre o Brasil, que se industrializava, e os EUA começou a desaparecer.

Na posse, disposto a prescindir dos militares, mas em busca do apoio de Carlos Lacerda

Quadros, no entanto, manipulou, teatralmente, a política externa, para entorpecer aesquerda e, ao mesmo tempo, barganhar com os EUA. Ao embaixador Adolf Berle Jr., que veio ao Brasil, em fevereiro de 1961, pedir apoio para a invasão de Cuba e oferecer um crédito de 100 milhões de dólares, argumentou que o montante era insuficiente e que não podia empreender qualquer iniciativa audaciosa no exterior enquanto não controlasse melhor a crise econômica e social, pois não dispunha de maioria no Congresso. O mesmo disse a Douglas Dillon, secretário do Tesouro dos EUA. Alegou não contar com a maioria no Congresso, razão pela qual somente poderia adotar atitudes mais enérgicas em questões de política externa, na medida em que se fortalecesse, com o sucesso da política econômica e financeira. Dillon percebeu que Quadros usava o neutralismo a fim de robustecer sua posição contra a esquerda e previu que ele iria obter efeitos inesperados e desagradáveis, ao usar a política externa como ferramenta para resolver problemas domésticos.

Quadros estava a justificar, previamente, o golpe com que pretendia compelir o Congresso a conceder-lhe a soma dos poderes, como condição para seu retorno ao governo. Conforme confirmou seu ministro de Minas e Energia, João Agripino, o ministro da Justiça, Oscar Pedro Horta, articulou realmente o movimento para forçar o Congresso a aceitar o princípio da delegação de poderes e conseguiu a concordância de Carlos Lacerda. O plano consistia em renunciar ao governo, comovendo as massas, e compelir as Forças Armadas, sob o comando de ministros conservadores, a admitir sua volta como ditador, para não entregar o poder a João Goulart, reeleito vice-presidente do Brasil.

A construção do Muro de Berlim, em 13 de agosto de 1961, precipitou, porém, a crise. Ao aguçar a Guerra Fria, adensou a histeria contra Cuba, cuja soberania e autodeterminação Quadros defendia desde a campanha eleitoral. Em tais circunstâncias, ele se afigurou para a CIA e o Pentágono perigo ainda maior, se obtivesse poderes extraordinários. Daí que Carlos Lacerda, alinhado com a CIA, traiu e delatou a articulação do golpe, levando Quadros a antecipar a renúncia, em 25 de agosto de 1961. Allen Dulles, diretor da CIA, nesse mesmo dia, enviou ao presidente John Kennedy um memorando, no qual comunicava: “Pensamos que ele (Jânio Quadros) provavelmente renunciou na expectativa de provocar forte manifestação de apoio popular, em função da qual retornaria ao governo em melhor posição contra seus opositores”.

O almirante Sílvio Heck, ministro da Marinha, disse que Quadros “renunciou para voltar na crista da onda com o povo, e tornar-se ditador (…) e que seu erro foi ter renunciado sem antes conversar conosco”. Mas a reação que Quadros esperava não ocorreu. O Congresso acatou-lhe a renúncia, considerado ato de vontade unilateral. A convulsão de massas, provocada pelo suicídio de Vargas, em 1954, não se reproduziu, como Quadros imaginava, ao divulgar um documento, em termos similares ao da carta-testamento, no qual se dizia “vencido pela reação” e acusava “forças terríveis” de se levantarem contra ele. E os ministros militares Odylio Denys (Exército), Sílvio Heck (Marinha) e Gabriel Grün Moss (Aeronáutica), que impugnavam a posse de Goulart, não contaram com a unanimidade das Forças Armadas. O governador Leonel Brizola, que havia mobilizado a Brigada Militar e ocupado as estações de rádio em Porto Alegre para apoiar Quadros, passou a defender Goulart e conseguiu que o III Exército com ele se alinhasse na defesa da legalidade. E a campanha estendeu-se por todo o País. Oficiais e sargentos rebelaram-se e não cumpriram ordens julgadas ilegais. O governador Mauro Borges levantou o estado de Goiás. Greves irromperam nas principais cidades brasileiras. E a maioria do Congresso não acolheu o pedido dos ministros militares para votar o impedimento de Goulart.

Não foi apenas a reação interna que frustrou o golpe. Conquanto a CIA e o Pentágono, por intermédio da Missão Militar no Brasil, encorajassem o golpe contra a posse de Goulart, os ministros militares receberam informe da embaixada americana avisando-os que o presidente John Kennedy teria de suspender o apoio financeiro ao País, caso houvesse ruptura da legalidade, conforme cláusula da Aliança para o Progresso. Esse alerta também contribuiu para conter os ministros militares, que, sem a unidade das Forças Armadas, aceitaram uma solução de compromisso, a ascensão de Goulart ao governo, com a aprovação do parlamentarismo pelo Congresso.

Sem dúvida, o intuito de Quadros consistiu em criar um impasse político e institucional e voltar à Presidência da República com a soma dos poderes (Executivo e Legislativo), como ditador constitucional. Seu secretário de imprensa, o jornalista Carlos Castelo Branco, ouviu-o dizer a Francisco Castro Neves, ministro do Trabalho: “Não farei nada por voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo”. E o próprio Quadros confirmou, na obra História do Povo Brasileiro, escrita em coautoria com Afonso Arinos de Melo Franco, que seu propósito fora constranger o Congresso, diante do impasse, a delegar-lhe as faculdades legislativas, sem prejudicar, aparentemente, “os aspectos fundamentais da mecânica democrática”.

A História Oculta do Sionismo – por Ralph Schoenman (AndrigoMania)

O QUE É O SIONISMO? ENTREVISTA COM O AUTOR DO LIVRO "A HISTÓRIA OCULTA DO SIONISMO".

O escritor, de origem judaica, pede o fim de toda a ajuda ao Estado de Israel e acusa: “A liderança sionista colaborou com os piores perseguidores dos judeus durante o século XIX e o século XX, incluindo os nazistas”.
 
Ralph Schoenman foi diretor-executivo da Fundação pela Paz Bertrand Russel, papel através do qual conduziu negociações com inúmeros chefes de Estado. Com seu trabalho assegurou a libertação de prisioneiros políticos em muitos países e fundou o Tribunal Internacional dos Crimes de Guerra dos Estados Unidos na Indochina, organização da qual foi secretário-geral. Velho militante, fundou o Comitê dos 100, que organizou a desobediência civil massiva contra as armas nucleares e as bases americanas na Grã-Bretanha. Foi também fundador e diretor da Campanha de Solidariedade ao Vietnã e diretor do Comitê “Quem Matou Kennedy?” Tem sido líder do Comitê por Liberdade Artística e Intelectual no Irã e co-diretor do Comitê em Defesa dos Povos Palestino e Libanês e do Movimento de Solidariedade de Trabalhadores e Artistas Americanos. Atualmente é diretor executivo da Campanha Palestina, que clama pelo fim de toda ajuda a Israel e por uma Palestina laica e democrática.
 
Em seu livro The Hidden History of Zionism (A História Oculta do Sionismo),ele descreve quatro mitos sobre a história do sionismo:

Schoenman – O primeiro mito é o da “terra sem povo para um povo sem terra“.

Os primeiros teóricos sionistas, como Theodor Herzl e outros, apresentaram para o mundo a Palestina como uma terra vazia, visitada ocasionalmente por beduínos nômades; simplesmente, uma terra vazia, esperando para ser tomada, ocupada. E os judeus eram um povo sem terra, que se originaram historicamente na Palestina; portanto, os judeus deveriam ocupar essa terra. Desde o começo, os primeiros núcleos de colonos, promovidos pelo movimento sionista, foram caracterizados pela remoção, pela expulsão armada da população palestina nativa do local onde essa população vivia e trabalhava.

Schoenman – O segundo mito que o livro pretende discutir é o mito da democracia israelense. A propaganda sionista, desde o início da formação do Estado de Israel, tem insistido em caracterizar Israel como um Estado democrático no estilo ocidental, cercado por países árabes feudais, atrasados e autoritários.

Apresentam então Israel como um bastião dos direitos democráticos no Oriente Médio. Nada poderia estar mais longe da verdade.

Entre a divisão da Palestina e a formação do Estado de Israel, num período de seis meses, brigadas armadas israelenses ocuparam 75% da terra palestina e expulsaram mais de 800 mil palestinos, de um total de 950 mil. Eles os expulsaram através de sucessivos massacres. Várias cidades foram arrasadas, forçando assim a população palestina a refugiar-se nos países vizinhos, em campos de concentração e de refugiados. Naquele tempo, no período da formação do Estado de Israel, havia 475 cidades e vilas palestinas, que caíram sob o controle israelita. Dessas 475 cidades e vilas, 385 foram simplesmente arrasadas, deixadas em escombros, no chão, apagadas do mapa. Nas 90 cidades e vilas remanescentes, os judeus confiscaram toda a terra, sem nenhuma indenização. Hoje, o Estado de Israel e seus organismos governamentais, tais como o da Organização da Terra, controlam cerca de 95% da terra palestina.

Pela legislação existente em Israel, é necessário provar, por critérios religiosos ortodoxos judeus, a ascendência judaica por linhagem materna até a quarta geração, para poder possuir terra, trabalhar na terra ou mesmo sublocar terra.

Como eu digo sempre, nas palestras em que apresento meus pontos de vista, em qualquer país do mundo (seja Brasil, EUA, onde for), se fosse necessário preencher requisitos parecidos com esses, ninguém duvidaria do caráter racista de tal Estado; seria notória a existência de um regime fascista.

A Suprema Corte em Israel tem ratificado que Israel é o Estado do povo judeu e que, para participar da vida política israelense, organizar um partido político, por exemplo, ou ter uma organização política, ou mesmo um clube público, é necessário afirmar que se aceita o caráter exclusivamente judeu do Estado de Israel. É um Estado colonial racista, no qual os direitos são limitados à população colonizadora, na base de critérios raciais.

O terceiro mito do qual falo em meu livro é aquele criado para justificativa da política de Israel, que se diz baseada em critérios de segurança nacional. A verdade é que Israel é a quarta potência militar do mundo. Desde 1948, os EUA deram a Israel US$ 92 bilhões em ajuda direta. A magnitude dessa soma pode ser avaliada quando observamos que a população israelense variou entre 2 a 3 milhões nesse período. Se o governo americano dá algum dinheiro para países como Taiwan, Brasil, Argentina, e a aplicação desse dinheiro tiver alguma relação com fins militares, a condição é que as compras desse material têm que ser feitas dos EUA. Mas há uma exceção: as compras de material bélico podem ser feitas também de Israel. Israel é tratado pelos EUA como parte de seu território, em todos os assuntos comerciais.

O que motivaria uma potência imperialista a subsidiar tanto um Estado colonial? A verdade é que Israel não pode mesmo existir sem a ajuda americana, sem os US$ 10 bilhões anuais. Israel é, portanto, a extensão do imperialismo na região do Oriente Médio. Israel é o instrumento através do qual a revolução árabe é mantida sob controle. É, portanto, o instrumento através do qual as ricas reservas do Oriente Médio são mantidas sob o controle do imperialismo americano. É também um meio através do qual os regimes sanguinários dos países árabes são mantidos no governo, graças ao clima de tensão gerado por uma possível invasão israelense.

O quarto mito a que me refiro no livro, que tem influenciado a opinião pública mundial, refere-se à origem do sionismo, à origem do Estado de Israel. O sionismo tem sido apresentado como o legado moral do holocausto, das vítimas do holocausto. O movimento sionista tem como que se “alimentado” da mortandade coletiva dos 6 milhões de vítimas da exterminação nazista na Europa. Esta é uma terrível e selvagem ironia. A verdade é bem o oposto disso. A liderança sionista colaborou com os piores perseguidores dos judeus durante o século XIX e o século XX, incluindo os nazistas.

Quando alguém tenta explicar isso para as pessoas, elas geralmente ficam chocadas, e perguntam: o que poderia motivar tal colaboração? Os judeus foram perseguidos e oprimidos por séculos na Europa e, como todo povo oprimido, foram empurrados, impelidos a desafiar o establishment, o status quo. Os judeus eram críticos, eram dissidentes. Eles foram impelidos a questionar a ordem que os perseguia. Então, o melhor das mentes da inteligência judia foi impelido para movimentos que lutavam por mudanças sociais, ameaçando os governos estabelecidos. Os sionistas exploraram esse fato a ponto de dizer para vários governos reacionários que o movimento sionista iria ajudá-los a remover esses judeus de seus países. O movimento sionista fez o mesmo apelo ao kaiser na Alemanha, obtendo dele dinheiro e armas. Eles se reivindicavam como a melhor garantia dos interesses imperialistas no Oriente Médio, inclusive para os fascistas e os nazistas.

Schoenman – Em 1941, o partido político de Itzhak Shamir (conhecido hoje como Likud) concluiu um pacto militar com o 3º Reich alemão. O acordo consistia em lutar ao lado dos nazistas e fundar um Estado autoritário colonial, sob a direção do 3º Reich. Outro aspecto da colaboração entre os sionistas e governos e Estados perseguidores dos judeus é o fato de que o movimento sionista lutou ativamente para mudar as leis de imigração nos EUA, na Inglaterra e em outros países, tornando mais difícil a emigração de judeus perseguidos na Europa para esses países. Os sionistas sabiam que, podendo, os judeus perseguidos na Europa tentariam emigrar para os EUA, para a Grã- Bretanha, para o Canadá. Eles não eram sionistas, não tinham interesse em emigrar para uma terra remota como a Palestina. Em 1944, o movimento sionista refez um novo acordo com Adolf Eichmann. David Ben Gurion, do movimento sionista, mandou um enviado, de nome Rudolph Kastner, para se encontrar com Eichmann na Hungria e concluir um acordo pelo qual os sionistas concordaram em manter silêncio sobre os planos de exterminação de 800 mil judeus húngaros e mesmo evitar resistências, em troca de ter 600 líderes sionistas libertados do controle nazista e enviados para a Palestina.

Portanto, o mito de que o sionismo e o Estado de Israel são o legado moral do holocausto tem um particular aspecto irônico, porque o que o movimento sionista fez quando os judeus na Europa tinham a sua existência ameaçada foi fazer acordos, e colaborar com os nazistas.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Tortura ampla, geral e irrestrita - por Wálter Maierovitch (CartaCapital)

A advocacia-geral da União (AGU), pós-saída do ministro Geraldo Quintão, transformou-se para a sociedade civil numa fonte permanente de desencantos e, também, em trampolim para interessados em se aboletar numa cadeira de ministro no Supremo Tribunal Federal (STF).

Homem de respeito e de trato urbano, Quintão fora transferido pelo então presidente FHC para apagar um incêndio no Ministério da Defesa, em razão do escândalo envolvendo Elcio Álvares, primeiro ocupante da pasta: para os militares, o ocupante de fato da pasta era a secretária capixaba de Elcio.

O sucessor de Quintão na AGU foi Gilmar Mendes, saído dos quadros do Ministério Público Federal e no Palácio do Planalto desde o tempo do presidente Collor de Mello. À frente da AGU, Mendes notabilizou-se pela recomendação aos seus subordinados para deixarem de cumprir decisões judiciais. Como ministro do STF, Mendes abandonou àquela tese incivil e até dá para imaginar sua fúria, caso tivesse sido descumprida a liminar de soltura que concedeu em favor do banqueiro Daniel Dantas.

Como sabem até os reprovados no exame de habilitação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado-geral está, consoante a lei orgânica, “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do presidente da República”, a quem compete, constitucionalmente, a sua nomeação. A propósito, no sítio-web da AGU está destacado ser o advogado-geral da União “o mais elevado órgão de assessoramento jurídico do Poder Executivo”.

No governo do presidente Lula, e já com Gilmar Mendes no STF por indicação do ex-presidente FHC, a AGU ficou sob a responsabilidade de José Antonio Dias Toffoli. Para espanto geral, Toffoli, bacharel com currículo tisnado por uma reprovação no concurso de ingresso à magistratura estadual de São Paulo, defendeu a legitimidade da Lei da Anistia de 1979. Na verdade, uma autoanistia cunhada pela ditadura para encobrir o terrorismo de Estado e conferir impunidade aos seus agentes. Para a sustentação oral no STF, Toffoli designou uma sua subordinada.

Nesta quadra, convém repetir: como sabem até os reprovados no exame da OAB, o advogado-geral está “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do presidente da República”. No caso, Toffoli defendeu a Lei da Anistia de 1979 com o nihil obstat de Lula e o protocolar chiado de Paulo Vanucchi, secretário nacional de Direitos Humanos. Como não desagradou a Lula sobre a Lei da Anistia, Toffoli foi por ele indicado para o STF, onde se encontra e sem corar de vergonha.

Depois de o STF ter, por 7 x 2 votos, conferido um bill de indenidade aos responsáveis por torturas, 144 assassinatos e 125 sequestros com desaparecimentos de corpos, o atual advogado-geral, Luis Adams, nomeado por Lula e referendado por Dilma Rousseff, voltou a surpreender. O termo apropriado é voltou, pois, no caso Battisti, havia elaborado o parecer em que concluiu que a “exuberância da democracia italiana” fazia supor que o extraditando seria perseguido e haveria risco para a sua integridade física. Com um simples aprovo, Lula encampou as razões de Adams e decidiu pela não extradição. Além de rasgar o Tratado de Cooperação Judiciária com a Itália, Lula manchou as mãos com o sangue das vítimas inocentes de Battisti e faltou com respeito humano aos familiares das vítimas.

Poucos dias atrás, quando do julgamento pelo STF de embargos de declaração, ainda referentemente à Lei da Anistia de 1979 e por omissões e enganos no acórdão relatado pelo ministro relator Eros Grau, aquele que subverteu a história e saiu aplaudido pelos torturadores que serviram à ditadura, o advogado-geral, Luis Adams, desconsiderou solenemente a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para a Corte Interamericana, numa apertada síntese, não era legítima a autoanistia preparada pelos ditadores de plantão. Na visão de Luis Adams, que esteve na bica para assumir uma cadeira no STF, a jurisdição do Supremo está acima e prevalece sobre a da Corte Interamericana, tudo como se estivéssemos numa república bananeira ou no Sudão, onde não se cumpre a decisão do Tribunal Penal Internacional, que decretou a prisão do presidente por acusações de crimes de genocídio e contra a humanidade.

Ao sustentar a tese da anistia ampla, geral e irrestrita, Luis Adams conferiu ultratividade, prevalência, a toda a legislação originária do regime de exceção e, evidentemente, não recepcionada pela Constituição de 1988, que veda expressamente anistia a torturadores e condena o terrorismo. Mais, o Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos e, assim, obrigou-se a cumprir as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Pano Rápido. Em janeiro, a presidenta Dilma defenestrou o secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, que falou pelo seu governo sem autorização e inventou como meta a soltura de pequenos traficantes dos presídios. Quanto a Adams, o que fará Dilma?

''O Brasil já vive a sua doença holandesa'' (entrevista com Bresser-Pereira) - por Jamil Chade (O Estado de S. Paulo )

Para ex-ministro. País deveria taxar exportações de commodities para reduzir o impacto na indústria nacional

ENTREVISTA - Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista e ex-ministro da Fazenda

O Brasil já vive sua "doença holandesa". O governo sabe disso e terá de pensar em taxar as exportações de soja, minérios e outras commodities. Quem alerta é Luiz Carlos Bresser-Pereira. Em entrevista ao Estado, o ex-ministro da Fazenda no governo de José Sarney e de Reforma do Estado e Ciência e Tecnologia no governo de Fernando Henrique Cardoso, alerta que a alta no preço das commodities gerou uma situação à qual o Brasil terá de se adaptar.

Se a alta dos preços é positiva para exportadores de recursos naturais, está na hora de o governo pensar em seu impacto para a economia e principalmente para a indústria nacional. Em Genebra para reuniões na ONU, Bresser-Pereira diz que o governo está "empurrando com a barriga" o problema.

A "doença holandesa" é um termo cunhado por economistas após a experiência da Holanda com a exportação de gás natural nos anos 60. A receita que entrava acabou gerando uma valorização cambial que prejudicou o setor manufatureiro e o tornou menos competitivo no exterior. Para Bresser-Pereira, a mesma realidade já ocorre no Brasil com a exportação agrícola. Eis os principais trechos da entrevista:

Como a alta nos preços de commodities tem impactado a economia brasileira?
O Brasil já vive sua doença holandesa. Não há nenhuma dúvida disso. O governo sabe. Tanto a presidente Dilma Rousseff quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, são conscientes disso. Mas não reconhecem.

Por quê?
Porque se reconhecerem terão de tomar medidas para lidar com ela. Por enquanto, o governo tem optado em empurrar esse assunto com a barriga.

Qual seria o remédio?
Hoje, o Brasil poderia tranquilamente aplicar uma taxa sobre exportações de commodities. De uma forma disfarçada, Delfim Neto já havia feito isso no passado com o café. Na realidade, essa taxa ao café vigorou no Brasil entre 1968 e 1991. Portanto, não é algo novo. Agora, precisamos repetir isso com a soja e com os minérios. Mas, neste momento, o governo parece não estar disposto a brigar nem com a Vale nem com os produtores de soja. O que o governo precisa fazer é demonstrar para esses grupos que, diante da alta nos preços internacionais, eles não perderão com a taxa e que a economia nacional ganharia.

Há exemplo de país que adotou a taxa de exportação e conseguiu reequilibrar sua economia?
Os Emirados Árabes taxam a exportação de energia em 98%. E é com isso que conseguem criar internamente um mercado de turismo e garantir a sua indústria tecnologia de ponta.

Qual o risco de demorar para reconhecer o problema?
Existem dois riscos. O primeiro, de uma queda no crescimento, ante o recuo na exportação de industrializados. O segundo é de a economia entrar em crise. Não seria para já. Mas viria de problemas sérios na balança de pagamentos. Em ambos os casos, seriam bolhas na economia brasileira que explodiriam.
A exportação agrícola não é o único motivo da valorização cambial. Há também o ingresso de capital especulativo. O que o governo pode fazer diante disso ?
Só há uma coisa a fazer: taxar a entrada de capital.

Mas o governo já faz isso com o IOF. Ele funciona?
Sim, funciona. Mas precisa ser adotado para todos os capitais. As medidas precisam ser mais drásticas, o governo sabe disso.

Isso não espantaria capital estrangeiro do Brasil?
O Brasil não precisa desse tipo de capital internacional. Hoje, uma multinacional que decide abrir produção no País vai ao BNDES e pega empréstimo. Não precisamos mais do Banco Mundial. Há uma alta taxa de substituição da poupança nacional pela poupança externa. Elas não se somam.

domingo, 26 de junho de 2011

István Mészáros: as contradições dos nossos tempos - por Matheus Pichonelli e Ricardo Carvalho (CartaCapital)


Confira a íntegra da entrevista concedida a CartaCapital pelo filósofo húngaro István Mézáros, um dos mais destacados pensadores da atualidade


Era uma manhã fria de junho quando o filósofo húngaro István Mészáros, 81 anos, apareceu à porta da casa no bairro de Sumarezinho, zona oeste de São Paulo, onde se hospeda quando vem ao Brasil. Desta vez, a viagem tinha como escala, além da capital paulista, as cidades de Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. A ideia era participar de encontros e divulgar o livro István Mészáros e os Desafios do Tempo Histórico(Boitempo, 280 pág., R$ 43), uma coletânea de artigos sobre sua obra – inclusive com um artigo de sua autoria.

Alto, os olhos enormes e azuis, Mészáros não parece, à primeira vista, a metralhadora giratória que se apresenta logo no início da entrevista, quando faz um relato de quase 40 minutos sobre a situação políticas na Europa e nos EUA. “Berlusconi é um palhaço criminoso”; “Obama diz que vê a luz no fim do túnel, mas não vê que é a luz de um trem que vem em nossa direção”; “A Alemanha se engana quando pensa que vive um milagre econômico”; “O partido socialista agiu contra os trabalhadores na Espanha”; “Os políticos na Inglaterra parecem uma avestruz que insistem em esconder sua cabeça debaixo da terra”…

Em cada resposta, o professor emérito de Filosofia da Universidade de Sussex e um dos mais destacados marxistas da atualidade deixa sempre explícita a necessidade de se entender o processo histórico da formação da sociedade atual para que se possa compreender, de fato, qualquer questão dos nossos tempos. Crítico da social-democracia européia, que ao longo do século assumiu um tom reformista dentro do sistema dominante, Mészáros, que foi discípulo de György Lukács (de História e Consciência de Classe), vê com desencanto as opções que hoje se apresentam à esquerda, e também as manifestações populares que estouraram pelo mundo desde o início do ano. O motivo é simples: o discurso funciona, mas a realidade é que o sistema capitalista é cada vez mais inviável, com líderes das nações buscando mais dívidas para cobrir rombos colossais e a necessidade de se produzir cada vez mais num momento de esgotamento de recursos. A chamada crise financeira internacional, portanto, não é cíclica, mas estrutural, conforme pontua.

Mesmo assim, em duas horas e meia de entrevista, Mészáros deixa escapar um certo tom de otimismo em relação ao futuro – “que, infelizmente, não será no meu tempo” – quando fala sobre tomadas de consciência e mudanças que observa na América Latina.

Abaixo, os principais temas abordado durante a entrevista concedida a CartaCapital: 

“O sistema capitalista, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer plenamente as necessidades da população mundial por comida”

As contradições do capitalismo


 E assim as questões imediatas serão priorizadas em detrimento dos reais problemas que assolam a sociedade americana, que nunca serão confrontados. Então por um lado temos a perspectiva de tempo de 50 anos e, por outro, uma trágica realidade de pressões em termos de três, quatro, cinco anos”

As contradições terão de ser enfrentadas por esses movimentos que emergiram no mundo árabe e na Europa. Terá de ser um movimento das massas, sem pequenos grupos de intelectuais se reunindo e tomando as decisões. E sim as massas, que devem estar dispostas a assumir o fardo e as consequencias de realmente fazer alguma coisa. E, ao mesmo tempo, elas devem aceitar as responsabilidades das escolhas que forem feitas. Isso é importante porque, no nosso círculo de decisões políticas existente hoje, ninguém nunca é responsável. Eu lembro que nos Estados Unidos houve uma investigação sobre o  “Iran–Contra Affair”, a cumplicidade de algumas figuras políticas do alto escalão norte-americano com o regime iraniano. Isso foi durante o governo de Ronald Reagan.

Contradições do capitalismo: é preciso produzir cada vez mais num mundo onde recursos estão se esgotando. 
Foto Rodrigo Baleia/ AE

O Congresso chegou a produzir uma resolução em que afirmava que Reagan havia subvertido a Constituição dos Estados Unidos. Ele subverteu a Constituição do seu país e deveria assumir total responsabilidade por isso! Mas o que aconteceu? A resolução tornou-se um punhado de palavras vazias e Reagan quase foi beatificado como um dos grandes estadistas dos Estados Unidos. Isso representa a total subversão dos nossos valores. Porque até mesmo valores sérios do pensamento liberal, como os defendidos por John Stuart Mill no século XIX, que confrontou de maneira inadequada, mas confrontou, a contradição do crescimento ininterrupto da nossa economia, está fora de questão. Ninguém nunca é responsável.

O que acontece nas eleições? Um novo partido continuará a culpar seu antecessor exaustivamente. Isso acontece hoje na Grã Bretanha, onde existe uma coalizão entre o partido conservador e o partido liberal. E eles não fazem mais do que afirmar que tudo o que produzem de negativo é consequência da administração anterior, do Partido Trabalhista. Isso é característico de um avestruz que insiste em esconder sua cabeça debaixo da terra.

Mészáros: "Sistema capitalista, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer plenamente as necessidades da população mundial por comida"

Existe outra característica que precisamos observar, a dimensão de tempo. É completamente absurdo o discurso dos políticos quando afirmam que em 2050 os níveis de carbono estarão reduzidos e nossos problemas ambientais resolvidos. Nós estamos caminhando exatamente na direção contrária. Então por um lado temos uma projeção de tempo que engloba os próximos 30, 40 e 50 anos enquanto nossa cultura defende que encontremos soluções para os próximos quatro ou cinco anos, porque um ciclo político não vai muito além desse tempo. Nos Estados Unidos teremos eleições em breve, quando Obama provavelmente será reeleito. E assim as questões imediatas serão priorizadas em detrimento dos reais problemas que assolam a sociedade americana, que nunca serão confrontados. Então por um lado temos a perspectiva de tempo de 50 anos e, por outro, uma trágica realidade de pressões em termos de três, quatro, cinco anos.

O sistema capitalista não só foi válido por um tempo considerável como foi, de longe, mais poderoso e dinâmico do que qualquer outro sistema. Mas existe um limite para isso e esse sistema está se tornando cada vez mais destrutivo. E esse é o grande problema que os movimentos políticos e sociais terão de enfrentar, a separação da política das dimensões sociais e econômicas. Isso é parte do capitalismo, agrupar essas três dimensões. Se, no passado, o agrupamento dessas dimensões funcionou e possibilitou transformações econômicas violentas, além de transformações políticas, hoje já não surte efeito. E é por isso que quando as demandas desses movimentos sociais chegam aos parlamentos nada ocorre, no círculo de decisões políticas já existe uma inércia e as limitações herdadas do passado.

Pense nisso, o sistema capitalista, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer plenamente as necessidades da população mundial por comida. É calculado que em 20 anos ou menos o preço dos alimentos será absurdamente mais caro do que é hoje. Atualmente ainda existem revoltas promovidas por populações famintas. Nada poderia atestar mais graficamente a falência desse sistema. No Norte da África, essas pessoas que se rebelaram recentemente gastam em média 80% da sua renda apenas para assegurar comida. Com o aumento do preço dos alimentos, como eles vão ficar? E, com esse aumento, algumas pessoas, que se dizem especialistas, já começaram a culpar os chineses e indianos pela alta dos preços. Com o fortalecimento das suas economias, eles começaram a comer. Que ultraje! Populações inteiras que sempre trabalharam como escravos, em jornadas de até 14 horas ao dia, começaram a comer como gostariam? Isso não é um absurdo? E é com desculpas como essa que nossa sociedade se acomodou para afrontar seus problemas. Eu insisto, fechando os olhos e varrendo tudo para baixo do carpete.

O grande dinamismo por trás do sistema capitalista ocorreu no momento em que o valor de troca substituiu o valor de uso. O uso primário de um produto capitalista é a venda, uma vez que você tenha vendido o seu produto, ele cumpriu com o seu objetivo. Não importa para onde ele vá, não importa se ele será utilizado uma, duas ou dez vezes. Isso é totalmente irrelevante.

O sistema capitalista, que possui essa dinâmica, atingiu o limite de suas contradições. O principal ponto do capitalismo é ignorar a necessidade real das pessoas. Prova disso é que ainda hoje as pessoas sofrem enormemente. Elementos da necessidade humana não podem ser considerados porque a natureza do nosso sistema é um crescimento sem limites e sem fim. E nesse sentido o céu é o limite. Não é bem assim. Dizer isso é enganar-se a si mesmo. Existe um limite para os seres-humanos e a maneira como nos relacionamos com a natureza. Nossa existência depende da manutenção de uma relação aceitável com a natureza.

A crise econômica mundial


Engana-se quem acha que esse excedente chinês salvará o sistema, porque são três trilhões de dólares em comparação a 30 trilhões do restante do mundo. Não significa nada”

A crise não caiu do céu, ela foi gerada. Quais são as razões dessa crise? A dívida dos Estados Unidos é hoje algo em torno de 14 trilhões de dólares. E essa é uma das dimensões que foi varrida para debaixo do carpete, 14 trilhões da dívida norte-americana varridos para debaixo do tapete. E ela cresce cada vez mais. Agora eu pergunto, por quanto tempo isso pode seguir adiante? Nos EUA, no último mês, o desemprego aumentou depois que trilhões de dólares foram injetados na economia.

'O presidente Obama não vê que o trem está vindo em nossa direção', diz Mészáros. 
Foto: Pablo Martinez Monsivais/AFP 

O presidente Obama disse certa vez que já podia ver a luz no final do túnel da crise. Eu concordo com ele, também vejo uma luz. Mas é a luz de um trem vindo em nossa direção. Na ocasião, ele disse que o déficit dos EUA seria reduzido pela metade, e eu afirmei que era mais provável que o déficit dobrasse, exatamente o que aconteceu. Agora o Congresso norte-americano é incapaz de estender o próprio limite do endividamento do país. E essa conjuntura é global, está conectada com todos os outros países. Não é um problema da Espanha, ou dos Estados Unidos, ou de Portugal. Pegue a Itália como exemplo, onde um palhaço criminoso governa o país, Silvio Berlusconi.

Eu prefiro chamá-lo de Burlesconi, que é especialista em inventar soluções artificiais e provisórias para os problemas da economia italiana. Ele sofreu importantes perdas eleitorais nos pleitos municipais, mas eu ainda insisto, o que mudará com essas eleições? Muito pouco. Na Grécia, por exemplo, um governo de centro-direita foi substituído pelo Partido Social-Democrata. A única coisa que mudou foi a revelação de uma dívida catastrófica que causou um pedido de resgate de 100 bilhões de dólares para uma economia relativamente pequena. E, para piorar, eles precisam de um novo resgate. Por quanto tempo isso continuará a sufocar o sistema?

Os países encontraram um termo muito bonito para se referir a esse constante endividamento, “endividamento soberano”. Soberano é uma palavra que parece boa, mas estamos falando de algo em torno de 30 trilhões de dólares, que está aumentando inexoravelmente. Os economistas dizem que o único país que não enfrenta isso é a China, que está sentada em um excedente de três trilhões de dólares. Mesmo assim, engana-se quem acha que esse excedente chinês salvará o sistema, porque são três trilhões de dólares em comparação a 30 trilhões do restante do mundo. Não significa nada.

Agora, nenhuma das soluções para a crise virá do liberalismo. Os próprios limites do capitalismo precisam ser considerados, essa necessidade intempestiva por crescimento ilimitado. Isso significa exaurir nossos recursos estratégico-naturais. A própria questão da água, há muitas regiões no globo que a água não é mais apropriada para a produção e para o próprio consumo. Mesmo diante da exaustão gradual dos nossos recursos naturais, um imenso perigo, nós continuamos caminhando para a mesma direção do crescimento incontrolável. A própria solução para a crise financeira é crescer e crescer até superá-la.

As possíveis soluções para essa contradição assumem um caráter caricato. Karl Marx usou uma expressão interessante: “primeiro temos a tragédia, que depois transformamos numa farsa”. Isso se aplica ao capitalismo hoje, porque os especialistas dizem que nós vamos resolver os problemas da nossa relação com a natureza simplesmente reduzindo os níveis de emissão de carbono. Então é assim que vamos resolver o problema catastrófico do meio ambiente? Existe um limite para absolutamente tudo. É uma farsa porque todos os países, embora admitam que existe um grave problema a ser resolvido, continua a consumir energia irresponsavelmente. A população dos Estados Unidos representa 4% do total mundial e consome 20% dos recursos, um absurdo. Essa “solução fácil” é uma farsa, porque a não ser que a humanidade enfrente esse problema de maneira contundente – e aceite as consequencias dessa escolha – nós nos encontraremos em um cenário devastador.

Programas de distribuição de renda e classe média ressentida

 “Talvez os críticos não sejam conscientes o suficiente sobre como a estrutura social é dolorosa para os mais pobres. O sofrimento é geralmente parte de um sistema imposto. A conscientização leva as pessoas a se perguntarem como resolver problemas como a fome. É com repressão?”

Todos esses programas estão ajudando as pessoas que vivem na miséria a saírem dessa situação. Isso é positivo e necessário, mas, sozinhos, não vão resolver os problemas. O Brasil não está imune aos problemas estruturais dos quais falamos. Sempre que programas como esses são criados, a classe média e alta tende a ficar enciumada e ressentida porque acham que estão apenas gastando dinheiro com a população mais pobre. Eu ouvia isso de um jeito muito intenso sobre as reformas promovidas pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela. “Vejam só como estamos gastando com isso”, diziam. Mas vejamos por outro lado: houve uma enchente colossal na Venezuela no ano passado e Chávez mandou os governadores com salas vazias nos prédios oficiais a abrigar pessoas que tinham sido afetadas pelos desastres. Isso é temporário, não resolve os problemas.

Então fizeram um programa para construir 200 mil casas para as pessoas atingidas. E as pessoas diziam: “É uma injustiça ter que ajudar essas pessoas”. Mas o oposto também é verdadeiro, porque muitos dos que reclamavam tinham recebido todo tipo de ajuda e facilidades durante a crise econômica. Agora, quando pensamos nos trilhões de dólares usados para salvar os bancos, quem recebeu esse dinheiro? Não foram essas pessoas que recebem benefícios do governo para sobreviver. Eles talvez tenham alguns milhares de dólares se acumularem por anos. Mas os bancos, as corporações, as grandes empresas receberam trilhões.
Quem salvou a General Motors? O governo dos Estados Unidos. Isso com Bush e com Obama. Colocaram trilhões de dólares em corporações corruptas e irresponsáveis.

Na Inglaterra, logo depois da Segunda Guerra, o governo trabalhista promoveu uma grande nacionalização e muitas pessoas viram aquilo como medidas socialistas. Mas o que eles nacionalizaram?

Todas as áreas falidas da economia. Eletricidade, minas de carvão, empresas de aço, e tudo mais. Todos os setores da economia capitalista que, sem essas medidas, não seriam salvas nem funcionariam. E ninguém fez rejeições. Diziam que eram ações para a garantia da economia.

E agora, recentemente, lemos nas manchetes de jornais as frases “salvando o sistema”, quando se referiam as medidas anti-crise adotadas. As pessoas realmente acreditam que não estão dando dinheiro para essas empresas, mas salvando o sistema. É aí que está o problema. Como você salva um sistema cavando mais buracos? Para fechar um buraco, você constrói outro maior e maior.

Tempos atrás, a Venezuela viveu uma rebelião que ficou conhecida como “Caracazo” (1989). Esse movimento aconteceu quando uma multidão de pessoas foi até a cidade de Caracas protestar contra as políticas econômicas do governo anterior. E o governo mandou suas tropas às ruas e assassinou pelo menos três mil pessoas. Chávez é o resultado das ações contra esse tipo de governo. O mesmo aconteceu durante a Comuna de Paris.

Então, sempre que alguém faz algo em benefício da população, como construir 200 mil casas para desabrigados, é acusado de gastar dinheiro.

Não acho que no Brasil alguém deva levar a sério as críticas aos programas sociais. Talvez os críticos não estão sendo conscientes o suficiente sobre como a estrutura social é dolorosa para os mais pobres. O sofrimento é geralmente parte de um sistema imposto.

A conscientização leva as pessoas a se perguntarem como resolver problemas como a fome. É com repressão? No “Caracazo” houve uma resposta militar. Isso hoje mudou. Não estou dizendo que não haja mais violência no mundo, mas isso hoje é algo inaceitável. No Egito, muitas pessoas foram reprimidas. Mas chegou uma hora que Mubarak, mandante da repressão, viu todos se voltarem contra ele, porque para fazer aquelas pessoas voltarem para casa seria necessário mandar matar todo mundo.

Ao mesmo tempo, ainda existem forças militares que defendem as políticas de ocupação de partes do mundo. E existem até teóricos militares nos Estados Unidos que dizem que não é mais possível para as tropas americanas saírem do Iraque nem do Afeganistão, onde a guerra dura quase dez anos.

István Mészáros, durante palestra em SP

A solução seria fazer com que os 40 mil combatentes fiquem por lá. Outros recomendam o uso de armas nucleares no Irã. Olha o grau da irracionalidade! Enquanto isso, os Estados Unidos têm uma dívida colossal. E estão cobrindo esses déficits tomando mais dinheiro emprestado. Outra dimensão do problema é que todo cidadão americano está endividado. Uma hora ou outra vai acontecer com os Estados Unidos o que acontece na Espanha, na Irlanda, em Portugal, na Grécia.

A Espanha está virtualmente falida, a Itália também. A Inglaterra também. E o que eles estão tentando fazer é justificar os altos a custos que estão submetendo as pessoas, cortando serviços de saúde e educação. Por trás de tudo isso estão as pressões históricas de um sistema anacrônico.

As pessoas ainda criticam os gastos com as pessoas que mais precisam. Depois da Segunda Guerra, surgiu a ideia do Estado de Bem Estar Social, que agora está sendo destruída. A ideia era que os ricos pagassem mais tributos, e a renda fosse distribuída. Agora, o que está acontecendo é o contrário. Nas regiões ricas, o que vemos é a isenção de taxas.

No Brasil a elevação do salário mínimo, por exemplo, foi uma iniciativa importante. Mas é um pequeno passo. Isso não vai mudar as estruturas econômicas que o Brasil terá que enfrentar, como qualquer país do mundo.

A onda conservadora europeia


“O que são esses partidos da social-democracia hoje na Europa? São herdeiros de anos de reformas que os trouxeram cada vez mais para a direita. O que aconteceu com as legendas mais radicais, como o Partido Comunista Italiano, de Gramsci? Suas propostas fundamentais foram completamente diluídas”

A ultradireitista Marine Le Pen, candidata à presidência da França, e símbolo do reacionarismo que toma conta da Europa atual. 
Foto: AFP

Essa é a questão central. Todas as nossas instituições políticas atuais são frutos de um processo histórico. E o horizonte das soluções que podemos adotar por meio dessas instituições está condicionada a esse processo histórico. Os parlamentos dos países que tentam enfrentar essas questões também têm atuação limitada. As pessoas pensam que podem virar as costas para a história. Isso não é possível. Para qualquer compreensão da realidade, é preciso ter uma perspectiva histórica. O que são esses partidos da social-democracia hoje na Europa? São herdeiros de anos de reformas que os trouxeram cada vez mais para a direita.

O que aconteceu com as legendas mais radicais, como o Partido Comunista Italiano, de Gramsci? Suas propostas fundamentais foram completamente diluídas e o PCI se fragmentou. Os verdadeiros partidos de esquerda hoje na Europa são muito pequenos, sem representação. Outro exemplo: na Alemanha, antes da Primeira Guerra Mundial, a esquerda defendia que chegaríamos ao socialismo por meio de pequenos avanços sociais, sem realizar grandes mudanças estruturais. Mas, durante a Guerra, os social-democratas aliaram-se entusiasticamente ao governo imperial.

O que veio depois não foi um lindo governo a promover pequenos avanços rumo ao socialismo, mas sim o surgimento de Hitler e um cenário muito mais catastrófico. As propostas dessas legendas de esquerda foram diluídas historicamente. O próprio partido dito socialista espanhol foi o responsável por adotar, diante da crise de 2008, medidas que puniram os trabalhadores.

As revoltas do mundo árabe

“Há pouco tempo as reuniões políticas estavam repletas de pessoas mais velhas, e agora esses encontros estão repletos de pessoas mais novas”

Esses movimentos estão surgindo lentamente. As pessoas estão começando a ficar extremamente desencantadas com a realidade da situação. No mundo Árabe, as revoltas aconteceram porque a situação simplesmente explodiu.

"Nós falamos de democracia na imprensa ocidental, mas aqueles ditadores eram fantoches que atuavam na lógica norte-americana de governar o mundo"
Foto: Pedro Ugarte/AFP

Em alguns casos, os ditadores foram depostos, mas quem atuava por trás deles? Nós falamos de democracia na imprensa ocidental, mas aqueles ditadores eram fantoches que atuavam na lógica norte-americana de governar o mundo. Por isso que eu digo que essa realidade é uma contradição imensa. No Iêmen, também há um ditador assassinando o seu povo, mas os Estados Unidos não quiseram dizer algumas palavras sobre democracia, eles não disseram que esse ditador deveria deixar o país e seu povo em paz. Simultaneamente, autoridades inglesas declararam que a saída do ditador do Iêmen seria muito perigosa porque poderia significar o controle do país pela Al Qaeda e, portanto, um risco à segurança na Inglaterra. Dá para imaginar isso? A Al Qaeda no Iêmen sendo um perigo para a segurança inglesa? É um absurdo e os políticos se atrevem a dizê-lo em público, mesmo que não acreditem sinceramente numa palavra.

Na Arábia Saudita, existe um regime brutal, praticamente feudal. Mas tudo bem, porque ela é uma aliada fiel das nossas democracias e liberdades. Esse tipo de contradição não pode seguir adiante.

E essas contradições causam a emergência de iniciativas diretas lideradas por pessoas sem ligações com partidos políticos. E isso é um dos sinais mais esperançosos. Há pouco tempo as reuniões políticas estavam repletas de pessoas mais velhas, e agora esses encontros estão repletos de pessoas mais novas.

As manifestações pela Europa


“Nós criamos o hábito de varrer nossos problemas para debaixo do carpete. Só que o nosso carpete histórico se parece cada vez mais a uma montanha, está cada vez mais difícil de caminhar sobre ele. Não há solução imediata”

Milhares tomam as ruas de Madri em protestos contra a situação política.
Fotos: Marta Maeso


Em uma economia capitalista mais estruturada, como a Inglaterra, onde por anos a juventude foi extremamente alienada, houve uma verdadeira rebelião contra o apoio do Partido Liberal ao aumento das taxas para a educação superior. Os liberais opunham-se a esse aumento durante a campanha e a juventude inglesa realizou protestos massivos nas ruas e certamente os punirá nas futuras votações. E então vemos tanto o lado positivo quanto o negativo das nossas estruturas institucionais. O lado bom é que as pessoas revoltadas com a traição de um partido se manifestam e pressionam os partidos. Porém, o que mais podem fazer? Esperar anos pelo próximo pleito e colocar um pequeno pedaço de papel numa urna de votação. E o que um partido diferente pode trazer de novo? Muito pouco, quase nada. Uma vez eu citei a frase do escritor norte-americano Gore Vidal, sobre a situação política nos EUA. Ele afirmou que no seu país havia apenas um partido político com duas alas direitistas. Bem, na Inglaterra, na Itália e na Alemanha ocorre a mesma coisa. Não importa para onde você olhe as opções são limitadas porque a margem para a ação política é muito estreita.

Eu não esperaria grandes mudanças imediatas nas manifestações na Europa. Os problemas do nosso sistema capitalista são tão grandes que levará um grande tempo para que qualquer movimento surta efeito. Mas eu acredito que veremos ainda algumas mudanças fundamentais. Não significa que acontecerá nos próximos dois ou três anos, porque nós criamos o hábito de varrer nossos problemas para debaixo do carpete.

Estudantes protestam na Porta do Sol, em Madri.
Fotos: Marta Maeso

Só que o nosso carpete histórico se parece cada vez mais a uma montanha, está cada vez mais difícil de caminhar sobre ele. Isso ocorreu porque, diante de um problema, temos essa necessidade de encontrar uma solução em curto prazo, para um período de dois ou três anos. Basta se lembrar de quantos milagres econômicos ouvimos falar. Eu me lembro o milagre alemão, o milagre japonês e até o milagre brasileiro. Todos evaporaram, porque milagres não resolvem os problemas da nossa sociedade.

Nossa sociedade deverá se confrontar com problemas estruturais e fundamentais, será uma grande mudança de uma ordem social para a outra. Tente projetar isso para o passado. Do sistema feudal para o sistema capitalista essa transformação levou séculos. Séculos de grandes crises. Imaginar que mudar de uma ordem social que foi dominante por três ou quatro séculos para outro pode levar apenas algumas décadas é ingenuidade.

América Latina, terra de esperança

“Os países capitalistas avançados são os mais destrutivos. Você chamaria isso de avançado? Não é avançado e em muitos aspectos nos traz de volta à condição da barbárie”

Quando você pensa na totalidade da América Latina, é impossível negar que houve tremendos avanços políticos. Houve mudanças significativas também em outros aspectos. A primeira vez que eu vim ao Brasil foi em 1983. Após uma conferência em João Pessoa, eu dava uma entrevista numa rádio local quando vi pela janela uma grande aglomeração de pessoas. Durante a pausa para os comerciais, fiquei sabendo que a razão daquela movimentação toda era que em algum lugar perto de João Pessoa havia protestos de pessoas famintas, que não tinham o que comer.


Lula deixa Brasília, em seu último dia como presidente, com mais de 80% de aprovação.
Foto: Renato Araujo/Agência Brasil

O programa de Lula de combate à fome foi uma resposta a situações como a que eu vi. Hoje, pelo o que sei, não existem mais protestos por comida no Brasil. O aumento do salário mínimo também foi uma contribuição importante. E mudanças também ocorreram na Venezuela, Bolívia, Paraguai e Argentina. A Argentina, por exemplo, deveria ser um daqueles milagres econômicos. Mas o milagre argentino terminou na total falência do País. Eles chegaram até a dolarizar sua economia, abandonaram sua moeda e foram sufocados por isso. Os protestos populares levaram à mudanças significativas na Argentina. Então, a América Latina é um continente onde várias experiências interessantes ocorreram e ainda estão em curso.

Agora, eu não afirmo com isso que a América Latina, assim como o restante do mundo, poderá se isentar de enfrentar esses problemas estruturais que eu já mencionei. E esse é o grande desafio para o futuro. A dimensão muito positiva é que na América Latina existem movimentos extremamente importantes como o campesinos e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). São movimentos sociais que não tem a perspectiva de implorar por favores políticos, mas que tomam a iniciativa e tentam controlar as coisas por si mesmo. Uma das características mais importantes desses movimentos é que eles tentem controlar a situação.

Mészáros: programas sociais causam ressentimento na América Latina

Na América Latina, as soluções também precisam levar em conta um esforço para remediar nossa relação com a natureza. Em um futuro próximo, por exemplo, nós teremos de considerar como colocar energia nos nossos carros. Se você produz carros, eles precisam de energia de alguma maneira. Ao mesmo tempo, nós multiplicamos cada vez mais o número de carros porque a produção não pode parar. Mas, o que precisamos fazer é perceber que a real necessidade das pessoas é o transporte, não os carros. Nós precisamos pensar em meios de transportes adequados, não carros individuais que agridem a natureza.

Eu a considero a América Latina, de longe, o continente mais esperançoso do mundo. Aqui, coisas interessantes vêm acontecendo desde os anos 70. A primeira reação aos movimentos que eclodiam, naquela época, foram as ditaduras. Ao menor sinal de problema, os norte-americanos encontravam um ditador. Eles enviavam os fuzileiros ou achavam algum general que pudesse fazer o trabalho por eles. Hoje os Estados Unidos não podem mais fazer isso, essa fase histórica passou, mas ainda carrega consequências e repercussões.

Eu acredito que as reais transformações estruturais, que levaram séculos para acontecer do feudalismo para o capitalismo, não demorarão tanto para ocorrer. Por quê? Porque nós não temos séculos. Nosso tempo está se esgotando. E essas mudanças não podem ser pensadas como algo isolado ao “mundo subdesenvolvido”. Nós vivemos em um único mundo. Existem alguns conceitos mistificadores como “terceiro mundo”. Eu sempre rejeitei essa expressão. O que é o terceiro mundo? Eu apenas conheço um. Não é o “terceiro mundo”, mas uma parte integrada do mundo na qual os países são explorados. E a América Latina é o continente mais esperançoso onde as mudanças serão iniciadas, mas não poderão ser concluídas.

Globalização é um conceito utilizado apologeticamente. A realidade da globalização é que existe, na verdade, uma tendência para a integração econômica. Mas, politicamente, nada é resolvido. E hoje ainda prevalece a lógica de confrontar problemas políticos por meio da guerra, violência e destruição. É o que fazem os Estados Unidos. Isso é um grande absurdo porque nada na história da humanidade foi resolvido pela guerra.

Eu também tenho ressalvas à expressão “capitalismo avançado”. Os países capitalistas avançados são os mais destrutivos. Você chamaria isso de avançado? Não é avançado e em muitos aspectos nos traz de volta à condição da barbárie. Rosa Luxemburgo uma vez disse “socialismo ou barbárie”. Eu acrescentaria algo à frase de Rosa Luxemburgo: “barbárie, se tivermos sorte”. Porque a destruição total da humanidade é o que está em nosso horizonte. A tendência é sempre resolver os problemas com guerras e destruições. Na Primeira Guerra, os aliados saíram vitoriosos. Mas o que eles resolveram? Eles criaram Hitler. Por isso eu digo que as decisões estão sendo tomadas às costas das pessoas. Elas nunca antecipam as coisas. Elas nunca imaginam que depois da vitória vem a destruição.

Em 1871, na Comuna de Paris, o que aconteceu foi uma brutal destruição. Bismark, o chanceler alemão, que venceu as tropas francesas anos antes, quando viu as comunas tomando o poder em Paris, ordenou a libertação dos prisioneiros de guerra franceses para destruir a organização. O que aconteceu depois? Três impérios fizeram um pacto para lutar juntos contra esses tipos de distúrbios feitos pela população, caso acontecesse de novo. Isso não é mais possível. Um dos maiores estrategistas de guerra de todos os tempos, general Klausevits, disse uma vez: “a guerra é a continuação da política, só que por outros meios”. Hoje isso é inconcebível. Uma nova guerra mundial acabaria com a humanidade. Essa é a diferença histórica fundamental.

A América Latina é hoje uma das regiões onde se tem mais esperanças, porque as pessoas estão tomando o controle das decisões, assumindo responsabilidades, depois de terem eliminado ditadores.

E como vamos fazer essa transformação? Transformando as pessoas. A exploração da esmagadora maioria das pessoas por poucos não é mais aceito como era antes. No socialismo você não pode fazer isso. Você não aceita uma minoria que controla a política e a economia tomando todas as decisões. Seria um absurdo. Por isso temos que criar uma sociedade da igualdade substancial. A produção de mercadorias e o mercado devem ser as bases dessa equalização. Precisamos ir em direção a um sistema de igualdade substancial, com reorientação, com participação nos processos de decisão, com nossas decisões sobre o que queremos fazer para tornar nossas realizações mais justas, mais igualitárias. Ninguém precisa decidir isso por você.

Em “The Critique of The Gotha Program”, Marx fez a definição do que seriam os estágios inicial e final do socialismo. No primeiro, a distribuição seria feita a cada um de acordo com a sua contribuição para o total do produto social. Na fase avançada, seria de acordo com a sua capacidade ou necessidade. Agora, quem determina o que a gente precisa? Apenas uma pessoa, você mesmo. Hoje, 1% ou 2% da população controla de 40% a 60% dos recursos e riquezas da sociedade. Para mudar isso, será preciso uma cooperação das pessoas pelo mundo. Para produzir e distribuir conforme as necessidades, será preciso criar empresas cooperativas. Isso vai ser a base da sociedade do futuro. E não podemos ter certeza de que essas transformações vão ser feitas apenas dentro da lei. Não estamos enfrentando apenas leis humanas, mas as leis da natureza. A natureza está nos impondo seus limites. Por isso precisamos nos adaptar ao melhor uso dos recursos. Isso vai acontecer em pouco tempo – mas não no meu tempo, infelizmente. As pessoas estão começando a confrontar essa realidade, sobretudo na América Latina.

sábado, 25 de junho de 2011

Lula é elogiado em ato da comunidade bahá'i no Rio – Folha de São Paulo

Representante do grupo diz que governo anterior pediu a libertação de sete líderes religiosos no Irã

O governo Lula contribuiu para evitar a morte de sete bahá'i presos no Irã desde 2008, afirmou ontem uma representante da comunidade religiosa no Brasil.

A afirmação foi feita durante manifestação pedindo a libertação do grupo. O protesto reuniu cerca de 200 pessoas em Copacabana.

"O Brasil teve um papel muito importante para evitar que eles fossem assassinados", disse Mary Caetana Aune-Cruz, uma das principais representantes dos bahá’i no Brasil. Aune-Cruz disse entender a decisão de Dilma Rousseff de não receber Shirin Ebadi, que foi advogada de defesa dos sete, na visita que a Nobel da Paz de 2003 fez ao Brasil no início do mês.

Os bahá'i são uma minoria religiosa perseguida pelo regime iraniano. Os sete líderes presos são acusados de conspiração contra o Estado, espionagem para Israel, blasfêmia contra o islã e "corrupção na terra", este último punível com a pena de morte.

Segundo Aune-Cruz, o governo Lula fez "gestões bilaterais" para ajudar os bahá'i.

Ela lembrou que o embaixador brasileiro no Irã, Antônio Salgado, pediu a libertação dos sete e tentou, sem sucesso, acompanhar o julgamento de cada um.

No protesto de ontem, foram fincadas na areia da praia 7.747 cópias de retratos de cada um dos presos. O número representa a soma dos dias em que cada um dos bahá'i passou encarcerado.

Eles foram condenados a 20 anos de prisão e aguardam outros julgamentos.

 Comentário
A matéria de capa da Caros Amigos do último mês é uma reportagem bastante lúcida sobre política externa e sobre os feitos das tratativas bilaterais entre o Brasil e o Irã durante o governo Lula.

É uma pena que sob a ótica de determinados cegos, a política externa do governo Lula abdicava dos direitos humanos: era exatamente o contrário.

Os direitos humanos estão longe de serem respeitados no Irã. Porém, quando comparados ao Iraque, onde cerca de 300.000 civis foram massacrados pelos invasores estadunidenses, o Irã parece um bálsamo. As intervenções junto ao Irã eram para impedir a repetição de um desastre como este – se já era péssimo com Saddam Hussein e Ahmadinejad (o primeiro ainda pior que o segundo), muito mais terrível e sórdido seria, para a população como um todo, o Irã em guerra – que é o que desejam as forças conservadoras dos EUA e seus papagaios da imprensa mundial. Ao tentar puxar para o seu lado, fazer com que o presidente iraniano abandonasse suas práticas sórdidas por meio da diplomacia, o presidente Lula agia de maneira muito inteligente. Não é ameaçando, insultando, ofendendo que se consegue as coisas. Ao contrário, Ahmadinejad se beneficia de uma possível invasão ocidental, pois para seu público interno cria o inimigo externo, obviamente repelido pela população, e assim ganha apoio que compensa as atrocidades que comete contra parte de seu povo.

Lula tentou pela diplomacia. A guerra, só em última instância. Para alguns, é a primeira opção. E alguns daqui, "teleguiados" feito os próprios mísseis destes momentos atrozes, repercutem sem refletir as patranhas dos senhores da guerra.

Reino Unido e Brasil, novas oportunidades – por Nick Clegg (Folha de São Paulo)


O Reino Unido ativamente apoia a ambição brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas

Nossa relação com o Brasil é importante. Sempre foi: o Reino Unido teve um papel relevante na independência do Brasil. A Marinha brasileira veio em nosso auxílio para ajudar a patrulhar o Atlântico na 1ª Guerra Mundial. Soldados brasileiros lutaram ao lado dos nossos na Itália, durante a 2ª Guerra.

Hoje, ambos os países estão entre as duas maiores economias globais; compartilhamos objetivos, acreditamos na democracia, no livre comércio e nos direitos humanos e estamos determinados a cumprir nosso papel no maior desafio de nossos tempos: a luta contra as mudanças do clima.

Contudo, apesar de nossa história, ainda não aproveitamos nossos laços ao máximo. Podemos aprofundar relações comerciais, colaborar mais e buscar um ao outro como aliados naturais no cenário internacional. Juntos, podemos reinventar nossa parceria para o século 21, contribuindo para a prosperidade interna e defendendo os nossos valores no exterior.

Isso significa sermos muito mais ambiciosos em nossas relações comerciais. Algumas de nossas maiores empresas já trabalham juntas: a Rolls Royce fornece peças de avião para a Embraer e tecnologia de ponta à indústria petrolífera brasileira. Já a Embrapa estabeleceu um laboratório no Reino Unido para realizar pesquisa de ponta.

Mas ainda há muito a fazer, e inúmeras oportunidades em áreas como energia renovável, infraestrutura, engenharia e serviços financeiros. Firmar parcerias não se resume a assinar contratos.

Trata-se de compartilhar experiências, como as de grandes eventos esportivos, incluindo Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Enquanto o Brasil se prepara para a Rio-2016, compartilharemos nossa experiência na organização de Londres-2012, dentro do prazo e do orçamento, os primeiros Jogos Olímpicos sustentáveis da história.

Estamos felizes por já estarmos trabalhando juntos em questões como sustentabilidade, acessibilidade e segurança, e desejamos garantir um legado duradouro para nossos países.

O trabalho conjunto é importante, assim como o apoio mútuo na esfera internacional. O Brasil é hoje uma força global, não apenas por sua riqueza. O país é uma potência ambiental, sem a qual não pode haver um acordo climático significativo, e tem um papel cada vez maior na segurança internacional -visto a liderança na Missão de Estabilização da ONU no Haiti.

O Brasil é uma grande fonte de apoio às nações que buscam se desenvolver, além de ser uma voz dos direitos humanos e polo para tecnologias sustentáveis, necessárias para o crescimento a longo prazo. (grifo meu)

Não pode haver resposta às questões dominantes na agenda internacional atual sem o Brasil.

Por esse motivo, o Reino Unido ativamente apoia a ambição brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

É hora de a estrutura das instituições internacionais refletir o mapa do poder no mundo. Como democracia pacífica e país mais importante da região, o Brasil deve ser plena e formalmente representado nas principais mesas de negociações internacionais.

E queremos ver o Brasil utilizando sua influência: pressionando por uma rodada de comércio internacional justa, ajudando a implementar os compromissos de Cancún, que podem contribuir para uma bem-sucedida Cúpula do Clima em Durban, e utilizar a experiência e influência crescentes para ajudar a assegurar a estabilidade no Oriente Médio.

Juntos, Reino Unido e Brasil podem ser uma força positiva de mudança. Podemos gerar prosperidade internamente e defender nossos valores no cenário internacional.

Em uma parceria igualitária e madura nem sempre concordaremos, mas há muito mais a nos unir do que a nos dividir. No mundo de hoje, em que os países precisam uns dos outros, é algo a ser aproveitado.

NICK CLEGG é vice-primeiro-ministro do Reino Unido